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A justiça como equidade em John Rawls e o programa bolsa família : a possibilidade da fundamentação dos direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade no Brasil de 2003 a 2015

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO

MESTRADO EM FILOSOFIA

A JUSTIÇA COMO EQUIDADE EM JOHN RAWLS E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: a possibilidade da fundamentação dos direitos fundamentais individuais de

liberdade e igualdade no Brasil de 2003 a 2015

CLEIDE CALGARO

Caxias do Sul, RS 2015

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A JUSTIÇA COMO EQUIDADE EM JOHN RAWLS E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: a possibilidade da fundamentação dos direitos fundamentais individuais de

liberdade e igualdade no Brasil de 2003 a 2015

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Filosofia, linha de pesquisa em Problemas Interdisciplinares da Ética pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de Caxias do Sul.

Prof. Dr. Jayme Paviani (Orientador)

Caxias do Sul, RS 2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade de Caxias do Sul

UCS - BICE - Processamento Técnico

Índice para o catálogo sistemático:

1. Direitos fundamentais 342.7

2. Igualdade 342.722

3. Política pública 304.4

Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Paula Fernanda Fedatto Leal – CRB 10/2291 C151j Calgaro, Cleide,

A justiça como equidade em John Rawls e o programa bolsa família : a possibilidade da fundamentação dos direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade no Brasil de 2003 a 2015 / Cleide Calgaro. – 2015. 146 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2015.

Orientação: Prof. Dr. Jayme Paviani.

1. Direitos fundamentais. 2. Igualdade. 3. Política pública. I. Título.

CDU 2.ed.: 342.7

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Aos meus pais, Paulino e Neide, cujo exemplo de dignidade e de amor procuro sempre seguir em todos os meus dias.

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Agradeço a ajuda de meu orientador, Prof. Dr. Jayme Paviani, pela paciência, dedicação e atenção com que sempre me acolheu.

Agradeço aos demais professores, principalmente aos professores Dr. Paulo Cesar Nodari e Idalgo José Sangalli, que sempre souberam me encaminhar nos estudos a fim de que esta pesquisa se concretizasse.

Agradeço à amiga Márcia Gonçalves, pelo excelente trabalho de correção de português visto que, sem ele, o trabalho não teria a mesma qualidade.

Agradeço aos funcionários da Secretaria, principalmente, à funcionária Daniela Bortoncello, que sempre teve paciência e atenção quando de minhas solicitações.

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O presente trabalho examina o Programa Bolsa Família, uma política pública redistributiva no Brasil, que proporcionou os direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade inseridos na Constituição Federal de 1988. Este estudo verifica, também, se, por intermédio dessa política pública, conseguiu-se promover emancipação, autonomia e a cidadania dos beneficiários. Para tanto, partiu-se do estudo da Teoria da Justiça de John Rawls, para verificar se há ou não a presença dos princípios desse autor nesse contexto. A pesquisa debruça-se em verificar se com a inserção do Programa Bolsa Família e com a presença dos princípios de Rawls – no que se refere à igualdade e à liberdade – houve uma melhor condição de vida para as famílias brasileiras que vivem em situação de pobreza e/ou de extrema pobreza. O método utilizado é o analítico dedutivo, tendo como referencial de base a Teoria da Justiça, de John Rawls. Os resultados obtidos a partir da dissertação revelaram que existe uma melhora considerável na condição de vida dos beneficiários, isso ressalvado no fato de sua condição de vida anterior. Também, ressalta-se que há a presença dos princípios da justiça de Rawls no programa Bolsa Família no que se refere aos direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade. Por fim, observa-se que há autonomia e emancipação dos beneficiários do programa, tendo em vista sua condição de vida anterior.

Palavras-chave: Direitos de Igualdade e Liberdade. John Rawls. Programa Bolsa Família.

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The presente work examines the Bolsa Família (Family Allowance), a brazilian redistributive public policy that provided the individual fundamental rights of freedom and equality inserted in the Federal Constitution of 1988. This study checks, too, if its implementation has promoted the emancipation, autonomy and citizenship of the beneficiaries of these policies. Therefore, taking John Rawls and his Theory of Justice as basis, this work aims to verify whether or not are its principles present in this context. This research focuses on checking if the implementation of the Bolsa Família Program and the presence of Rawls‟ principles – with special regards to equality and freedom – have contributed to ensure a better quality of life for brazilian families living in poverty and extreme poverty. The method used is the analytical-deductive, having as basis of reference the "theory of justice" by John Rawls. The work results show that a considerable improvement occurred in the living conditions of the beneficiaries, in contrast with their former life status. Also, it emphasizes the presence of Rawls‟ justice principles in the program Bolsa Família, especially on the matter of individual fundamental rights of freedom and equality. Finally, it is observed that there is autonomy and emancipation of the program beneficiaries, in comparison with their former status.

Keywords: Equal Rights and Freedom. John Rawls. Family Grant program. Emancipation

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Quadro 01: Tipos de Benefícios ... 78

Quadro 02: Efeito do descumprimento das condicionalidades ... 80

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01: Estrutura do PBF ... 82

Gráfico 2: Ciclo de aperfeiçoamento no PBF entre os anos de 2011 a 2014 ... 83

Gráfico 3: Famílias beneficiadas e valor do Bolsa Família entre os anos de 2003 a 2014 ... 84

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CF/88 – Constituição Federal de 1988 CF – Constituição Federal

PBF – Programa Bolsa Família BSM – Brasil Sem Miséria

PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família FHC – Fernando Henrique Cardoso

ART. – Artigo

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome PIB – Produto Interno Bruto

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social PNAS – Política Nacional de Assistência Social CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional UBS – Unidade Básica de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio SUAS – Sistema Único de Assistência Social

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INTRODUÇÃO ... 11

1 UMA ANÁLISE DA TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE DE JOHN RAWL E O PROBLEMA DA REDISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA ... 15

1.1 A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE ... 15

1.1.1 A liberdade e a igualdade em John Rawls ... 28

1.1.1.1 A liberdade ... 28

1.1.1.2 A Igualdade ... 36

1.2 A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 NA VISÃO DE RAWLS ... 38

1.3 DIGNIDADE HUMANA E O MÍNIMO EXISTENCIAL ... 43

2 AS DIMENSÕES POLÍTICAS DO ESTADO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO E A POLÍTICA PÚBLICA REDISTRIBUTIVA ... 55

2.1 AS DIMENSÕES POLÍTICAS DO ESTADO BRASILEIRO E AS SUAS FASES ENTRE OS ANOS DE 2003 A 2015 ... 55

2.1.2 Fases do Estado Contemporâneo Brasileiro entre os anos de 2003 a 2015 ... 67

2.2 O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL ... 73

2.2.1 Conceito de Políticas Públicas ... 73

2.2.2 O Programa Social Federal de Transferência de Renda Bolsa Família ... 76

2.3 OS CAMINHOS DA CIDADANIA BRASILEIRA E SUAS PERSPECTIVAS ... 86

2.4 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E A COOPERAÇÃO SOCIAL ... 98

3 A GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS DE IGUALDADE E LIBERDADE E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ... 108

3.1 A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE IGUALDADE E LIBERDADE NA DEMOCRACIA BRASILEIRA ... 108

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3.1.1 Os direitos fundamentais individuais na Constituição Federal de 1988 ... 108

3.1.2 O direito fundamental de Igualdade ... 114

3.1.3 O direito fundamental de Liberdade... 115

3.2 A IGUALDADE E A LIBERDADE E OS PRINCÍPIOS DE RAWLS NA CONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL ... 119

3.3 A SOLIDARIEDADE, A COOPERAÇÃO, A AUTONOMIA E A CIDADANIA DOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ... 125

REFLEXÕES CONCLUSIVAS ... 134

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Este trabalho pretende analisar a política pública redistributiva no Brasil Contemporâneo, entre os anos de 2003 a 2015, à luz dos direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade inseridos na Constituição Federal de 1988, verificando a autonomia e a cidadania dos beneficiários dessas políticas. O pensamento de John Rawls será o suporte para verificar, do ponto de vista da justiça, como os Estados promovem as políticas públicas, buscando entender a forma como se dá esse processo no Brasil. De acordo com a teoria de John Rawls, para que uma sociedade seja considerada justa, faz-se necessária a diminuição das diversas formas de desigualdades. Para que isso ocorra, é indispensável a adoção de ações afirmativas, no caso política pública redistributiva, como exemplo o programa Bolsa Família em favor de minorias.

O programa Bolsa Família (PBF) decorreu de uma necessidade de unificação de programas de transferência de renda no Brasil. Teve inspiração do programa Bolsa Escola do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), no ano 2001, e foi transformado em Bolsa Família pelo governo Lula no ano de 2004. Trata-se de um programa de transferência de renda que visa beneficiar as famílias que estão em situação de pobreza e de pobreza extrema. Atualmente, é integrado ao Plano Brasil Sem Miséria, criado em 2011, pelo governo Dilma, que possui como foco de atuação os brasileiros com renda familiar per capita mensal de até R$ 77,00 por pessoa, por mês, no caso de famílias extremamente pobres; no caso de famílias pobres, seriam aquelas que possuem renda entre R$ 77,01 e R$ 154,00. Esse programa visa a reduzir a pobreza extrema de 16 milhões de brasileiros que estão à margem da pobreza sendo que foi instituído pela Lei nº 10.836/04 e regulado pelo Decreto nº 5.209/04. A seleção das famílias beneficiadas é feita pelos Municípios por intermédio do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Com base nesses dados, o MDS seleciona as famílias, que serão incluídas no PBF, de forma automática.

Segundo dados do site Brasil Sem Miséria (MDS, 2014), dos meses de junho de 2011 a maio de 2012, mil novas famílias foram incluídas no Cadastro Único e estão recebendo o benefício, sendo que houve uma superação de 640 mil famílias previstas para 2012. Tem-se que observar que o programa Bolsa Família é barato, pois, a cada R$ 1,00 investido gera o retorno de R$ 1,78 para o PIB e amplia o consumo das famílias em R$ 2,40 (MDS, 2015). Esse programa de transferência de renda promove o alívio da extrema pobreza no Brasil,

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sendo que reforça o acesso a direitos fundamentais sociais nas áreas de educação, saúde e assistência social e individuais, na área da igualdade e liberdade, o qual será o foco do presente trabalho. Nesse sentido, o trabalho visa, também, a analisar se as políticas públicas redistributivas (no caso em tela as políticas de transferência de renda como o programa Bolsa Família), são uma forma garantidora de direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade inseridos na CF/88, no art. 5º, caput que proporcionam a inclusão do cidadão brasileiro, retirando-o da vulnerabilidade social existente.

Utiliza-se como referencial teórico a Teoria da Justiça de John Rawls, a partir dos princípios da liberdade igual, da igualdade de oportunidades e da diferença, analisando se existe sua presença nesse processo. John Rawls afirma que as políticas públicas são um direito e, na sociedade, têm-se desiguais que necessitam de direitos para se igualarem, ou seja, precisam de uma política pública afirmativa para que sejam incluídos socialmente. Na questão da liberdade, Rawls lembra que, na posição original, pessoas livres e iguais estabelecem um acordo equitativo sobre dois princípios da justiça para as instituições, sendo eles: o princípio vinculado às liberdades básicas dos indivíduos e o princípio relacionado com as desigualdades econômicas e sociais que surgem. O primeiro princípio vem assumir relevância no estágio da convenção constitucional (deve-se propor um sistema para os poderes constitucionais de governo e os direitos básicos dos cidadãos), ao passo que, o segundo princípio possui destaque no estágio da elaboração legislativa (deve pautar-se pelo padrão de resultado desejado definido na Constituição). Na teoria de Rawls, para que se possa considerar uma sociedade justa, é preciso a diminuição das diversas formas de desigualdades que existem; todavia, para que isso ocorra, seria necessária a adoção de ações afirmativas em favor de minorias sociais.

A questão principal a ser examinada é: A política pública redistributiva no Brasil, especialmente o Programa Federal de Transferência de Renda Bolsa Família, aplicado no cenário político de 2003 a 2015, atende aos direitos fundamentais individuais de igualdade e liberdade inseridos no art. 5º, caput da CF/88, ou apenas se se apresenta como política assistencialista, tendo em vista a teoria de John Rawls? Há emancipação e autonomia dos beneficiários que concretiza o direito de liberdade e igualdade?

A partir do exposto acima, são propostos os seguintes questionamentos: 1) Como se realizam as interações liberdade-igualdade-justiça e justiça-igualdade-liberdade? E, como as políticas públicas redistributivas a partir dos programas de transferência de renda garantem uma liberdade-igualdade-justiça ou justiça-igualdade-liberdade na sociedade brasileira? O

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Brasil vive um Estado Democrático de Direito ou um Estado de Direito? Quais as diferenças entre ambos? 2) Como o princípio da diferença e a justiça distributiva são efetivados por intermédio das políticas públicas de transferência de renda no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, entre os anos de 2003 a 2015? Sob o ponto de vista da teoria da Justiça de John Rawls, a política pública redistributiva é uma consequência do conceito de equidade? Possuem correspondência direta com a evolução do conceito de direitos fundamentais individuais inseridos na Constituição Federal de 1988?

O presente trabalho terá como metodologia a pesquisa exploratória, cujo objetivo principal é proporcionar uma familiaridade maior com o tema. Para tanto, utilizará como procedimento técnico o levantamento dados bibliográficos e estatísticos retirados dos principais indicadores sociais brasileiros. Subsidiariamente, será feita a pesquisa explicativa, com o intuito de determinar os fatores que contribuem para a inclusão social de cidadãos que vivem em pobreza extrema e se há uma efetivação dos direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade garantidos pela Constituição Federal de 1988, tendo como elemento principal a análise se das políticas públicas redistributivas no Brasil, se garantem ou não os direitos fundamentais individuais inseridos na CF/88. Esta pesquisa será feita a partir do estudo filosófico, jurídico e social, verificando como compreender ou justificar as políticas públicas redistributivas, no caso o Bolsa Família, e se contribuem ou não para a inclusão social do cidadão que vive em pobreza extrema no cenário brasileiro. Para tanto, estuda-se o quadro social dos anos de 2003 a 2015, para avaliar se os direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade inseridos no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, estão efetivados.

No primeiro capítulo, estuda-se a teoria da Justiça de John Rawls, verificando os seus principais aspectos; também, averigua-se a igualdade racional de todos e o cidadão dentro da sociedade capitalista atual. Após, examina-se o mínimo existencial e os bens primários para se viver em sociedade e, por fim, se pondera a dignidade da pessoa humana e a forma de se atingi-la. O segundo capítulo avalia o Estado Contemporâneo Brasileiro, no cenário de 2003 a 2015, e as dimensões políticas, além de se averiguar o papel da democracia no país. E, por fim, avaliam-se as questões de cidadania, solidariedade e cooperação na sociedade brasileira atual. O terceiro e último capítulo aborda as questões que estão vinculadas aos direitos fundamentais individuais de liberdade e de igualdade inseridos na Constituição Federal de 1988 e sua concretização na democracia brasileira por meio do Programa Social Federal Bolsa Família. Também se averigua a presença dos princípios da Teoria da Justiça em Rawls nesses

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direitos e a autonomia e cidadania dos beneficiários desses programas que vivem em situação de pobreza e pobreza extrema no país.

Por fim, pretende-se analisar a relação liberdade-igualdade-justiça e justiça-igualdade-liberdade e conectar essas questões com o elo que une a sociedade, demonstrando o grau de vigor do Estado Democrático de Direito por intermédio da Constituição Federal de 1988 e a garantia dos direitos fundamentais individuais de igualdade e liberdade por meio de políticas públicas redistributivas de transferência de renda estudando a justiça distributiva. Dessa forma, a política pública redistributiva garante os direitos fundamentais individuais de liberdade e igualdade aos cidadãos que estão vivendo à margem da vulnerabilidade social na sociedade brasileira. A partir do estudo, faz-se a apreciação da dimensão ética acerca do tema, buscando entender, por intermédio da teoria de Rawls, se o Programa Bolsa Família, permite uma igualdade e liberdade às pessoas beneficiárias e se isso, realmente, permite que possam ter uma emancipação e autonomia (baseado na condição anterior que vivem) frente à sociedade brasileira.

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Neste capítulo, examina-se a Teoria da Justiça de John Rawls, proporcionando um debate acerca de seus principais temas, sendo que os princípios de sua teoria podem ser os fios condutores para a realização de uma justiça social distributiva e de um novo modelo de Estado Democrático de Direito. Além disso, busca-se entender se é possível atingir o mínimo existencial/social para se viver em sociedade e se os beneficiários do programa Bolsa Família estão tendo resgatada sua dignidade de pessoa humana.

1.1 A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE

Rawls escreveu, inicialmente, a obra intitulada Uma teoria da justiça, publicada no ano de 1971, após um período em que houve o predomínio do pensamento positivista. No ano de 1985, publicou o livro Justiça como equidade e, no ano de 1993, O liberalismo político. A teoria de Rawls propõe responder como se podem avaliar as instituições sociais, sendo que sua virtude consiste no fato de serem justas, ou seja, uma sociedade que é bem ordenada vai compartilhar de uma ideia pública de justiça que visa regular a estrutura dessa sociedade. Desse modo, Rawls formulou uma teoria da justiça como equidade. Para ele, a justiça é o pilar de uma sociedade bem ordenada, ou seja, justa e equitativa, cuja ideia não é eliminar as desigualdades, mas sim trabalhar com uma visão de equidade, ou seja, o fato de reconhecer igualmente os direitos de cada pessoa.

Para chegar a esse resultado, no entanto, o autor imaginou uma situação que seja hipotética, em que os indivíduos estariam na posição original (ou seja, similar a um estado de natureza), podendo escolher os princípios da justiça, sendo eles o da liberdade e o da igualdade, sucessivamente, por uma ordem lexográfica. Esses indivíduos, que são tidos como razoáveis e também racionais, estariam sob o “véu da ignorância”, ou seja, não conheceriam todas as situações que lhes trariam vantagens ou mesmo desvantagens na vida social, não saberiam de suas condições e talentos, permitindo-os agir sob uma forma de cooperação social, agindo de forma imparcial. Desse modo, na posição original, todos os indivíduos compartilhariam de uma situação que seria equitativa, ou seja, todos esses cidadãos seriam livres e iguais.

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De tal modo, Rawls vem retomar a ideia do contrato social como método com o escopo de dar embasamento à obediência ao Estado. O autor liga-se ao construtivismo kantiano, na ideia de que o contrato é introduzido como uma forma de fundamentar o processo de se eleger os princípios da justiça. A seguir, analisa-se o papel da justiça para Rawls.

Para Rawls, a justiça seria a primeira virtude que as instituições sociais possuem. Assim, uma teoria deve ser rejeitada ou mesmo revisada se não for verdadeira, da mesma maneira que a lei e as instituições, por mais eficientes e organizadas que sejam, devem ser abolidas ou reformuladas se forem injustas. (2002, p. 03-04). Desse modo, “Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade pode ignorar” (RAWLS, 2002, p. 04). Da mesma forma, a justiça “nega que a perda da liberdade de alguns justifique por um bem maior partilhado por outros” (RAWLS, 2002, p.04). Igualmente, não se permite que os sacrifícios impostos a alguns tenham menor valor que o total das vantagens que são desfrutadas por muitos, permitindo, então, uma forma de equidade.

Consequentemente, “numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociações política ou ao cálculo de interesses sociais” (RAWLS, 2002, p. 04). Percebe-se que o autor sustenta que uma injustiça somente é tolerável quando é necessária para que se evite uma injustiça que seja ainda maior; logo, as desigualdades sociais são permitidas desde que beneficiem os menos favorecidos na sociedade.

Rawls assevera que pode haver um conflito de interesses porque os indivíduos não se tornam indiferentes a como “os benefícios produzidos pela colaboração mútua são distribuídos, pois para perseguir seus fins cada um prefere uma participação maior a uma menor” (RAWLS, 2002, p. 05).

Destarte, uma sociedade é “uma associação mais ou menos autossuficiente de pessoas que em suas relações mútuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes, agem de acordo com elas” (RAWLS, 2002, p. 04); logo, uma sociedade é bem ordenada não somente quando for planejada a promover o bem de seus membros, mas também, quando é regulada por uma “concepção pública de justiça” (RAWLS, 2002, p. 05). É, portanto, uma sociedade onde todos os indivíduos vão aceitar os mesmos princípios da justiça e sabem que os demais indivíduos também vão acolhê-los, além do fato de que as instituições sociais vão satisfazer esses princípios.

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Percebe-se, porém, que o consenso nas concepções de justiça não é o único requisito para uma sociedade bem ordenada. É preciso, também, que os planos dos indivíduos encaixem-se uns nos outros e que a execução desses planos seja a de buscar os fins sociais de forma eficiente e coerente com a justiça, momento em que todos vão aceitar esses princípios de forma equitativa. Também existe a necessidade de uma cooperação social, a qual deve ser estável, permitindo que todos colaborem e saibam o seu papel na sociedade. Destarte, Rawls afirma que: “embora o papel distintivo das concepções de justiça seja especificar os direitos e deveres básicos e determinar as partes distributivas apropriadas, a maneira como uma concepção faz isso necessariamente afeta os problemas de eficiência, coordenação e estabilidade” (RAWLS, 2002, p. 07). Por esse motivo, não se pode avaliar a concepção de justiça somente com o seu papel distributivo, mas,

Precisamos levar em conta suas conexões mais amplas; pois embora a justiça tenha em conta certa prioridade, sendo a virtude mais importante das instituições, ainda é verdade que, em condições iguais, uma concepção de justiça é preferível a outra quando suas consequências mais amplas são mais desejáveis. (RAWLS, 2002, p. 07).

Então, o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou seja, “a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social” (RAWLS, 2002, p. 07-08). Dessa forma, as instituições sociais vão definir os direitos e os deveres das pessoas e vão influenciar seus projetos de vida.

Observa-se que a ideia fundamental é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade sejam objeto de consenso original para que as pessoas aceitem esses princípios em uma posição inicial sob o véu da ignorância. É por meio desses princípios que as pessoas livres e racionais, as quais estão preocupadas em promover os seus interesses, vão aceitar uma posição inicial de igualdade como definidora dos fundamentos de sua associação; logo, “Esses princípios devem regular todos os acordos subsequentes; especificam os tipos de cooperação social que se pode assumir e as formas de governo que se pode estabelecer” (RAWLS, 2002, p.12). A essa maneira de considerar os princípios da justiça, Rawls chama de justiça como equidade.

Assim sendo, deve-se imaginar que os indivíduos que estão comprometidos em atuar em uma cooperação social “escolhem juntos, numa ação conjunta, os princípios que vem

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atribuir os direitos e deveres básicos e determinam a divisão dos benefícios sociais” (RAWLS, 2002, p. 12-13). À vista disso,

Como cada pessoa deve decidir com o uso da razão o que constitui o seu bem, isto é, o sistema de finalidades que de acordo com sua razão, ela deve buscar, assim um grupo de pessoas deve decidir de uma vez por todas tudo aquilo que entre elas se deve considerar justo e injusto. A escolha que homens racionais fariam nessa situação hipotética de liberdade equitativa, pressupondo por ora que esse problema de escolha tem uma solução, determinada os princípios da justiça (RAWLS, 2002, p.13).

Por conseguinte, na justiça como equidade, a posição original corresponderia a um estado de natureza, em que, em uma situação hipotética, os princípios da justiça seriam escolhidos sob o véu da ignorância. De certo modo, isso garantiria que ninguém seria favorecido ou desfavorecido quando da escolha dos princípios, uma vez que todos estão em uma situação semelhante e que ninguém pode designar princípios para favorecer a sua condição particular. Assim, os princípios da justiça “são o resultado de um consenso ou ajuste equitativo” (RAWLS, 2002, p.13). O problema da escolha é um papel difícil, por isso se deve observar se existe uma interpretação de uma situação inicial e do problema da escolha e um conjunto de princípios que seriam aceitos de forma consensual por meio da cooperação de todos os indivíduos na sociedade.

No que se refere à posição original, constitui-se o status quo inicial adequado que deve assegurar um consenso básico que seja equitativo. Desse modo, a posição original é uma situação hipotética na qual é possível um acordo entre os indivíduos acerca dos princípios da justiça; mas, para que isso possa ocorrer, são necessárias estratégias para neutralizar os elementos que impossibilitam a chegada nesse acordo, ou seja, as diferentes posições sociais e as convicções substantivas. Portanto, se subtraírem-se as posições e as convicções e se adotar o ponto de imparcialidade sob o véu da ignorância, é possível se chegar a um consenso e atingir os princípios da justiça. Como afirma Rawls:

Parece razoável supor que as partes na posição original são iguais. Isto é, todas têm os mesmos direitos no processo da escolha dos princípios; cada uma pode fazer propostas, apresentar razões para a sua aceitação e assim por diante. Naturalmente a finalidade dessas condições é representar a igualdade entre os seres humanos como pessoas éticas, como criaturas que têm uma concepção do seu próprio bem e que são capazes de ter um senso de justiça. Toma-se como base da igualdade a similaridade nesses dois pontos. Os sistemas de objetivos não são classificados por seu valor; e supõe-se que cada homem tenha a capacidade necessária para entender quaisquer princípios que sejam adotados e agir de acordo com eles. Juntamente com o véu de ignorância, essas condições definem os princípios da justiça como sendo aqueles que pessoas racionais preocupadas em promover seus interesses consensualmente

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aceitariam em condições de igualdade nas quais ninguém é consciente de ser favorecido ou desfavorecido por contingências sociais e naturais (RAWLS, 2002, p.21).

Dessa forma, percebe-se que a característica seria que, se nenhum indivíduo conhecesse a sua posição na sociedade (sua situação de classe ou estatuto social), não poderia conhecer a parte que lhe cabe na distribuição de atributos e talentos naturais (como, por exemplo, a inteligência, a força, etc.) permitindo que os princípios da justiça sejam escolhidos sob o véu da ignorância; logo, sem que o indivíduo saiba, é a sociedade que o permite agir de forma cooperativa com os demais. Assim, garante-se que nenhum indivíduo será beneficiado ou mesmo prejudicado quando da escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais.

Destarte, uma vez que todos os participantes estão em uma situação semelhante, sem saber seus talentos, posição e condições e que ninguém está em posição de designar os princípios que beneficiem a situação particular, os princípios da justiça serão o resultado de um acordo, ou seja, uma cooperação equitativa. Isso permite que os princípios da justiça sejam atingidos e aceitos por todos que compõem a sociedade.

No caso das instituições e a justiça formal, Rawls entende que “O primeiro objeto dos princípios da justiça social é a estrutura básica da sociedade, onde a ordenação das instituições sociais parte de um esquema de cooperação” (RAWLS, 2002, p. 57). Esses princípios devem orientar a atribuição tanto de direitos como de deveres nessas instituições, além de determinar a distribuição de forma adequada de benefícios e encargos da vida social (RAWLS, 2002, p.57).

Rawls entende as instituições como “um sistema público de regras que definem cargos e posições com seus direitos e deveres, poderes e imunidades” (RAWLS, 2002, p.58). Desse modo, a função das instituições é a determinação das relações sociais e individuais estabelecendo tanto direitos como deveres para os indivíduos. Rawls considera as instituições sob dois modos: o primeiro como um objeto abstrato e o segundo como a realização de ações, conforme se pode observar abaixo:

[...] primeiro, como um objeto abstrato, ou seja, como uma forma possível de conduta expressa por um sistema de regras; segundo, como a realização das ações especificadas por essas regras no pensamento e na conduta de certas pessoas em uma dada época e lugar (RAWLS, 2002, p. 58).

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Para Rawls, as instituições vão existir em certo tempo e lugar quando “as ações especificadas por ela são regularmente levadas a cabo de acordo com o entendimento público de que o sistema de regras que definem a instituição deve ser obedecido” (RAWLS, 2002, p.58).

Portanto, ao afirmar que a instituição é uma estrutura base da sociedade, Rawls comprova que essa instituição acaba sendo “um sistema político de regras” (2002, p. 59), ao qual todos os indivíduos estão ligados e “sabem o que saberiam se essas regras e a sua participação na atividade que elas definem fossem o resultado de um acordo” (2002, p. 59).

Rawls também afirma que a publicidade das regras de uma instituição vai assegurar que “aqueles nela engajados saibam quais limites de conduta devem esperar uns dos outros, e que tipos de ações são permissíveis” (RAWLS, 2002, p. 59). Desse modo, existe uma base que é comum para que se determinem as expectativas mútuas, ou seja, “em uma sociedade bem-ordenada, regulada de forma efetiva por uma concepção compartilhada de justiça, também há um entendimento comum quanto ao que é justo e injusto” (RAWLS, 2002, p. 59). Rawls afirma a importância de verificar as diferenças entre as regras constitutivas de uma instituição, que estabelecem direitos e deveres, e as estratégias e as regras de conduta. “As estratégias e regras de conduta racionais se baseiam em uma análise de quais ações permissíveis os indivíduos e grupos vão escolher em vista de seus interesses [...]”. (RAWLS, 2002, p. 59). Desse modo, a conduta dos indivíduos deve ser regida por seus planos racionais, ou seja, “deve ser coordenada tanto quanto possível para atingir resultados que, embora não pretendidos ou talvez nem mesmo previstos por eles, sejam mesmo assim os melhores do ponto de vista da justiça social” (RAWLS, 2002, p. 60).

Assim sendo, importante se faz distinguir a instituição e a estrutura base do sistema como um todo. Para o autor: “A razão para fazermos isso é que essa regra ou essas várias regras de uma ordenação podem ser injustas embora o sistema social como um todo não o seja” (RAWLS, 2002, p.60). Continuando, Rawls vem afirmar que há uma justiça formal e uma justiça substancial. Para ele:

A regra correta definida pelas instituições é regularmente observada e adequadamente interpretada pelas autoridades. A essa administração imparcial e consistente das leis e instituições, independentemente de quais sejam seus princípios fundamentais, podemos chamar de justiça formal (RAWLS, 2002, p.61).

Igualmente, percebe-se que a justiça formal seria a adesão ao sistema, ou seja, a sua obediência. Assim, as instituições podem ser igualitárias, mas injustas, não atingindo o ideal

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de justiça substancial. A regra seria que as duas concepções de justiça devessem seguir juntas, mas na sociedade atual, isso, na maior parte das vezes, não se torna possível, pois o desrespeito aos direitos e garantias individuais ainda é perene. Talvez em um sistema de cooperação social proposto por Rawls, em que as pessoas vêm a reconhecer os direitos e as liberdades dos demais e compartilhem de forma justa os benefícios e os encargos, isso pode sair de uma mera utopia e se tornar uma realidade.

Rawls, no livro O liberalismo político, corrobora que um dos problemas da teoria original estaria na ideia de que há um escasso realismo do que seria sociedade bem ordenada, sendo que uma das características fundamentais para uma sociedade ser bem ordenada seria a associação da justiça como equidade onde todos os cidadãos apoiassem essa concepção. Assim, o problema está no fato de que a “sociedade democrática moderna não se caracteriza apenas por um pluralismo de doutrinas religiosas, filosóficas e morais abrangentes” (2000, p. 24). O autor coloca que “Nenhuma dessas doutrinas é professada pelos cidadãos em geral” (2000, p. 24). Assim, para os propósitos políticos, uma pluralidade de doutrinas é o resultado moral do exercício da razão humana dentro de uma estrutura da qual as instituições são livres em um regime democrático constitucional. Desse modo:

Para propósitos políticos, uma pluralidade de doutrinas abrangentes e razoáveis, e, ainda assim, incompatíveis, seja o resultado moral do exercício da razão humana dentro da estrutura das instituições livres de um regime democrático constitucional. O liberalismo político pressupõe também que uma doutrina abrangente e razoável não rejeita os princípios fundamentais de um regime democrático (RAWLS, 2000, p.24).

Continua, afirmando que a sociedade pode conter doutrinas abrangentes que são pouco razoáveis. Para ele: “É claro que uma sociedade também pode conter doutrinas abrangentes pouco razoáveis, irracionais ou até mesmo absurda. Nesses casos, o problema é administrá-la de forma a não permitir que solapem a unidade e a justiça da sociedade”. (RAWLS, 2000, p.24).

No momento que se segue, verificam-se os dois princípios da justiça, sendo que o primeiro princípio é o da igual liberdade e o segundo acaba sendo dividido em duas partes importantes: a primeira como o princípio da igualdade equitativa de oportunidades e a segunda como o princípio da diferença.

Rawls trabalha com dois princípios de justiça que são o foco desta seção, com base no livro Uma teoria da justiça, salientando que os princípios seriam:

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Primeiro: Cada pessoa tem um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema de liberdades para as outras.

Segundo: As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posição e cargos acessíveis a todos (RAWLS, 2002, p.64).

Quando Rawls escreveu o livro O liberalismo político, porém, houve a modificação do primeiro princípio, substituindo “um esquema inteiramente adequado de liberdades básicas” no lugar da expressão antiga “o esquema mais extenso”, sendo que essa mudança resultou da crítica feita por Hart. A formulação ficou da seguinte maneira:

Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível como todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor equitativo garantido.

As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos aberto a todos, em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, segundo devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade (RAWLS, 2000, p.47-48).

Consequentemente, o primeiro princípio é o da igual liberdade e o segundo princípio divide-se em duas partes: a primeira é o princípio da igualdade equitativa de oportunidades e o segundo é o princípio da diferença. Desse modo, os princípios devem ser utilizados observando uma estrutura serial, onde o primeiro antecede ao segundo, como se pode observar a seguir:

Esse princípio deve obedece a uma ordenação serial, o primeiro antecede ao segundo. Essa ordenação significa que as violações das liberdades básicas igual protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas e sociais. Essas liberdades têm um âmbito central de aplicação dentro do qual ela só podem ser limitadas ou comprometidas quando entram em conflito com outras liberdades básicas. Uma vez que podem ser limitadas quando se chocam umas com as outras, nenhuma dessas liberdades é absoluta; entretanto, elas são ajustadas de modo a formar um único sistema, que deve ser o mesmo para todos (RAWLS, 2002, p.65).

Lembra-se, também, que os princípios devem ser organizados em ordem lexográfica, como visto acima, onde o primeiro, da “igual liberdade”, tem primazia sobre o segundo que se divide em dois princípios, sendo o primeiro o “princípio da igualdade equitativa de oportunidade” e o “princípio da diferença”. Dessa forma, a ordem lexográfica implica na prioridade da justiça sobre o bem. Assim, a ordem lexográfica vem garantir que o primeiro

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princípio seja completamente satisfeito antes que se passe para o segundo, ou seja, assegura-se que a inviolabilidade das liberdades individuais está acima de todos os ajustes sociais que busquem a equidade.

Para Rawls, “esses dois princípios se aplicam primeiramente a estrutura básica da sociedade, governam a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens econômicas e sociais”. (RAWLS, 2002, p. 64). Afirma também que sua formulação pressupõe que “a estrutura social seja considerada como tendo duas partes mais ou menos distintas, o primeiro princípio se aplicando a uma delas e o segundo princípio a outra” (RAWLS, 2002, p. 64).

Rawls assegura que o princípio da “liberdade igual” vem a garantir igual sistema de liberdade e mesmo de direitos sendo de forma mais ampla possível, pois a liberdade igual seria para todos os indivíduos. Esse princípio refere-se à liberdade política, à liberdade de reunião, à liberdade de expressão, à liberdade de pensamento e à liberdade consciência, ou seja, refere-se às liberdades básicas dos cidadãos que visam à “proteção contra a opressão psicológica, o direito a propriedade privada e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrárias, de acordo com o conceito de estabilidade de direito”. (RAWLS, 2002, p. 65); logo, essas liberdades devem ser iguais a todos os indivíduos que compõem a sociedade.

Desse modo, para Rawls, o princípio da “igualdade equitativa oportunidade” possui a função de neutralizar os efeitos da distribuição inicial de posições privilegiadas, pois todos devem ter igualdade de oportunidades na distribuição de cargos.

O “princípio da diferença” assegura que as eventuais desigualdades econômicas que existem na distribuição de renda e de riquezas somente podem ser aceitas caso possam beneficiar aqueles que estejam em maiores desvantagens, ou seja, os menos favorecidos. Esse princípio está vinculado a uma justiça distributiva, formato em que os que estão em uma posição melhor somente podem aumentar os seus ganhos se isso vier a implicar uma vantagem às pessoas menos favorecidas na sociedade. Assim, as desigualdades seriam justificadas por uma igualdade caracterizada por todos terem acesso aos bens primários. O princípio da diferença denota que os bens primários devem ser distribuídos de forma igualitária, exceto se uma distribuição desigual desses bens vier a beneficiar os menos favorecidos, ou seja, prevalece a ideia de que, quando da distribuição de rendas e riquezas, seja proporcionada maior vantagem para todos, especialmente para os menos favorecidos na sociedade.

Quanto à distribuição de bens primários na sociedade, pode-se afirmar, segundo Rawls, que se têm os bens primários sociais e os bens primários naturais. Segundo o autor: “os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos, liberdade e

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oportunidades, renda e riqueza” (RAWLS, 2002, p. 66) são bens primários sociais. Os bens primários naturais seriam a “saúde e o vigor, a inteligência e a imaginação” (RAWLS, 2002, p. 66). De acordo com a teoria de Rawls prevalecem os bens primários sociais.

Rawls continua assentando que “uma organização inicial hipotética na qual todos os bens primários sociais são distribuídos igualitariamente: todos têm direitos e deveres semelhantes, e a renda e a riqueza é partilhada de modo imparcial” (2002, p. 67). Continua o autor: “Se certas desigualdades de riqueza e diferenças de autoridade colocam todos em melhores condições do nessa posição inicial hipotética, então elas estão de acordo com a concepção geral” (2002, p. 67). Demonstra ainda que: “A concepção geral de justiça não impõe restrições quanto aos tipos de desigualdades permissíveis; apenas exige que a posição de todos seja melhorada” (RAWLS, 2002, p.67).

Desse modo, os dois princípios aplicam-se às instituições, mas têm certas consequências. “Os direitos e liberdades básicas a que se referem esses princípios são aqueles definidos pelas regras públicas da estrutura básica” (RAWLS, 2002, p. 68). Portanto, esses direitos e deveres estabelecidos pelas instituições da sociedade é que determinam se os homens são livres ou não. Segundo Rawls: “a liberdade é um certo padrão de forma sociais” (RAWLS, 2002, p.68). Por conseguinte, o primeiro princípio exige certos tipos de regras, ou seja, aquelas que definem as liberdades básicas, que se aplicam igualmente a todos e que permitem “a mais abrangente liberdade compatível com uma liberdade para todos” (RAWLS, 2002, p. 68). Já, o segundo princípio aplica-se à distribuição de riqueza e renda e à responsabilidade.

[...] o segundo princípio se aplica à distribuição de renda e riqueza e ao escopo das organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e de responsabilidade. Apesar de a distribuição de riqueza e renda não precisar ser igual, ela deve ser vantajosa para todos e, ao mesmo tempo, as posições de autoridade e responsabilidade devem ser acessíveis a todos. Aplicamos o segundo princípio mantendo as posições abertas, e depois, dentro desse limite, organizando as desigualdades econômicas e sociais de modo que todos se beneficiem (RAWLS, 2002, p.65).

Rawls (2002, p.68) afirma que, quando se aplica o segundo princípio, supõe-se a possibilidade de atribuir uma expectativa de bem-estar a um indivíduo representativo que ocupa essas posições. “Essa expectativa indica suas perspectivas de vida consideradas a partir da posição social” (RAWLS, 2002, p. 68).

Assim sendo, o sistema de liberdade natural é uma estrutura básica que vem a satisfazer o princípio da eficiência e “as posições estão abertas àqueles capazes de lutar por

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elas e dispostos a isso, levará a uma distribuição justa” (RAWLS, 2002, p. 71). Rawls assegura que o princípio vem afiançar que: “[...] uma configuração é eficiente sempre que é impossível mudá-la de modo a fazer com que algumas pessoas (pelo menos uma) melhorem a sua situação sem que, ao mesmo tempo, outras (pelo menos uma) piorem a sua” (RAWLS, 2002, p. 71).

Prosseguindo, uma distribuição de bens e de um estoque de mercadorias somente é eficiente se não existirem redistribuições dessas mercadorias que melhore a “situação de pelo menos um desses indivíduos sem que um outro fique em desvantagem” (RAWLS, 2002, p. 71). Igualmente, a “organização da produção é eficiente se não existe um modo de alterar os insumos a fim de aumentar a produção de algum bem sem que diminua a produção de outro” (RAWLS, 2002, p. 71). Isso vai ocorrer, pois, se “pudéssemos ter mais quantidade de um bem sem ter de nos privar de um outro, o maior estoque de bens poderia ser usado para melhorar situação de algumas pessoas sem piorar em nada as de outras” (RAWLS, 2002, p. 71).

Rawls (2002, p. 74) indica que “o princípio da eficiência pode ser aplicado à estrutura básica em referência às expectativas dos homens representativos”. Assim sendo, continua afirmando que, mesmo eliminando as influências das contingências sociais, elas ainda permitem que “a distribuição de renda e riqueza seja influenciada pela distribuição natural de habilidades e talentos” (RAWLS, 2002, p. 78). Rawls denota que:

Não há mais motivos para permitir que a distribuição de renda e riqueza obedeça à distribuição de dotes naturais do que para aceitar que ela se acomode à causalidade histórica ou social. Além do mais, o princípio da oportunidade equitativa só pode ser realizado de maneira imperfeita, pelo menos quando existir algum tipo de estrutura familiar. A extensão do desenvolvimento e da função das capacidades naturais é afetada por todos os tipos de condições sociais e atitudes de classe. Mesmo a disposição de fazer um esforço, de tentar, e de ser assim merecedor, no sentido comum do termo, em si mesma depende de circunstâncias sociais e familiares felizes. Na prática, é impossível assegurar oportunidades iguais de realização e de cultura para os que receberam dotes semelhantes, e portanto talvez se prefira adotar um princípio que reconheça esse fato e também mitigue os efeitos arbitrários da própria loteria natural. O fato de a concepção liberal fracassar nesse ponto nos encoraja a buscar outra interpretação para os dois princípios da justiça (RAWLS, 2002, p. 78).

Desse modo, a compreensão de igualdade democrática deve ser a aristocracia natural, ou seja, nessa visão: “[...] não se faz tentativa alguma de regular as contingências sociais além do que exige a igualdade formal de oportunidades, mas as vantagens das pessoas com maiores dotes naturais devem limitar-se àqueles que promovem o bem dos setores mais pobres da sociedade” (RAWLS, 2002, p. 78). Esse ideal acaba sendo aplicado em um sistema aberto, do

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ponto de vista legal, e “a melhora situação daqueles favorecidos por ele é considerada justa apenas quando menos possuiriam os que estão em posição inferior se menos fosse dado para os que estão em posição superior” (RAWLS, 2002, p. 78).

Rawls denota que tanto as concepções liberais quanto as concepções da aristocracia natural são instáveis, pois se é influenciado por um dos dois elementos, seja a contingência social, seja o acaso natural na distribuição de parcelas distributivas. Igualmente, no ponto de vista moral, ambos os elementos parecem igualmente arbitrários (RAWLS, 2002, p. 79).

Rawls salienta que “A ideia intuitiva é de que a ordem social não deve estabelecer e assegurar as perspectivas mais atraentes dos que estão em melhores condições a não ser que, fazendo isso, traga também vantagens para os menos afortunados” (RAWLS, 2002, p.80). Percebe-se que a discussão do princípio da diferença inicia-se com a ideia de “uma distribuição que melhore a situação de ambas as pessoas [...] deve-se preferir uma distribuição igual” (RAWLS, 2002, p.80).

Portanto, o esquema criado por Rawls (2002, p. 80-81) parte da ideia de um indivíduo representativo mais favorecido na estrutura básica da sociedade. Assim, quando as expectativas desse indivíduo mais favorecido vêm a se elevar, as perspectivas de outros indivíduos que sejam considerados menos favorecidos na estrutura básica também se elevam na mesma proporção. Desse modo, o ponto de origem está representado pelo estado hipotético no qual os bens primários são distribuídos de maneira igual. Consequentemente, o princípio da diferença é asseverado sob a particularidade da distribuição de renda entre as classes sociais. Conforme salienta Rawls:

Suponhamos que os vários grupos pertencentes a diferentes faixas de renda estejam correlacionados a indivíduos representativos, e que em referência às expectativas destes últimos possamos julgar a distribuição. Ora, digamos que aqueles que de início são membros da classe empresarial na democracia com propriedade privada têm melhores perspectivas do que aqueles que de início estão na classe dos trabalhadores não especializados. Parece provável que isso será verdadeiro mesmo quando as injustiças sociais agora existentes forem eliminadas. O que, então, pode justificar esse tipo de desigualdade inicial nas perspectivas de vida? De acordo com o princípio da diferença, a desigualdade é justificável apenas se a diferença de expectativas for vantajosa para o homem representativo que está em piores condições, neste caso o trabalhador representativo não especializado (RAWLS, 2002, p.82).

Rawls oferece dois exemplos do princípio da diferença, sendo que, no primeiro caso, tem-se as expectativas das pessoas menos favorecidas que são elevadas ao máximo. Destarte, “nenhuma mudança nas expectativas daqueles que estão em melhor posição pode, nesse caso

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melhorar a situação dos menos favorecidos” (RAWLS, 2002, p. 83). Isso é o que o autor chama de “esquema perfeitamente justo” (RAWLS, 2002, p. 83).

No segundo caso, apresenta o autor que as expectativas de que aqueles em melhores condições de situação contribuam para o bem-estar daqueles que estão em pior situação. Desse modo, à medida que diminuírem as expectativas dos mais favorecidos, também haverá diminuição dos menos favorecidos, “ou seja, se suas expectativas fossem diminuídas, as perspectivas dos menos favorecidos cairiam da mesma forma” (RAWLS, 2002, p. 83).

Portanto, a maximização das expectativas dos menos favorecidos é uma ideia, fazendo com que o princípio da diferença seja essencialmente um princípio da reciprocidade. Assim sendo, para Rawls:

Uma sociedade deveria tentar evitar situações em que as contribuições marginais dos mais favorecidos sejam negativas, uma vez que, todas as demais coisas permanecendo iguais, isso parece um erro mais grave do que não atingir o melhor esquema quando as contribuições são positivas. A diferença ainda maior entre as classes viola o princípio de vantagens mútuas e também o da igualdade democrática (RAWLS, 2002, p.83-84).

Portanto, deve-se sempre usar o princípio da diferença em sua maneira mais simplificada. O autor afirma que as desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas ao mesmo tempo para “(a) o maior benefício esperado dos menos favorecidos e (b) vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades” (RAWLS, 2002, p. 88).

Esses princípios são responsáveis pelo equacionamento de todo o sistema de organização das instituições que são justas e, também, esses princípios são reguladores das atividades que busquem a distribuição de direitos e de deveres; logo, quando existe o equilíbrio dos dois princípios, há um equilíbrio das instituições sociais.

Portanto, o primeiro princípio fixa as liberdades básicas que todos pactuam e que devem ser iguais a todos os cidadãos, sendo elas: liberdades políticas, de expressão, de reunião, de consciência e de pensamento. Já o segundo princípio tem de ser interpretado de acordo com uma igualdade democrática, sendo que o primeiro princípio visa que todos devem possuir determinados benefícios sociais, enquanto o segundo denota que o deve haver acesso de modo concreto e real a esses benefícios por todos.

O véu da ignorância é essencial à teoria da justiça como equidade visto que é graças a ele que, na posição original inicial, os cidadãos, ao escolherem os princípios da justiça, não têm a noção de qual sua posição social, pois não sabem dos seus talentos e aptidões. Assim, o

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véu da ignorância permite que a equidade no momento da escolha seja atingida, pois, do contrário, poderia haver desvio das escolhas das regras de justiça devido às contingências. Nesse sentido, Rawls afirma que: “De algum modo, devemos anular os efeitos das contingências específicas que colocam os homens em posição de disputa, tentando-os a explorar as circunstâncias naturais e sociais em seu próprio benefício” (RAWLS, 2002, p. 147). A posição original vai estabelecer um processo equitativo, cujos princípios aceitos sejam justos.

Por fim, a ideia fundamental de Rawls é que a sociedade seria como um sistema equitativo de cooperação social e seus princípios de justiça visam desenvolver uma concepção política de justiça como equidade voltada para um regime democrático. Os cidadãos engajados nessa cooperação social devem ser livres e iguais.

A seguir, se faz um estudo da igualdade e da liberdade na visão de John Rawls.

1.1.1 A liberdade e a igualdade em John Rawls

Neste momento, analisa-se a liberdade e a igualdade na visão de John Rawls, verificando-se os principais aspectos da teoria.

1.1.1.1 A liberdade

Os princípios da justiça para Rawls são aplicados com vista às instituições da estrutura básica de uma democracia constitucional. Assim, o cidadão deve decidir quais as ordenações constitucionais são para que haja a compatibilização das opiniões que são conflitantes acerca da justiça. Rawls afirma que se pode pensar no processo político “como uma máquina que toma decisões sociais quando é alimentada pelas concepções dos representantes e de seu eleitorado” (2002, p. 212).

Dessa forma, um cidadão pode considerar certas formas de projetar essa máquina como sendo mais justa do que outras; logo, “uma concepção completa de justiça é capaz não só de avaliar leis e políticas, mas também de classificar procedimentos para selecionar as opiniões políticas que deverão ser transformadas em leis” (RAWLS, 2002, p. 212).

O autor evidencia outro problema que acontece quando o cidadão aceita “uma determinada constituição como justa e pensa que certos procedimentos tradicionais são apropriados, por exemplo, o procedimento do domínio da maioria devidamente delimitado” (RAWLS, 2002, p. 212); porém, esse processo político é uma aplicação imperfeita da justiça procedimental, a qual prevê que o cidadão precisa verificar quando as leis elaboradas pela maioria devem ser obedecidas e quando devem ser rejeitadas. O cidadão, portanto, precisa

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saber determinar os fundamentos e limites das obrigações e dos deveres políticos. Desse modo, a escolha desses princípios na posição original faz com que “as partes voltarão para os seus lugares na sociedade e daí em diante utilizarão esses princípios para julgar as suas reivindicações dentro do sistema social” (RAWLS, 2002, p. 212).

Existe a necessidade do enfrentamento de uma gama de questões e, para isso, Rawls vai elaborar uma sequência de quatro estágios, conjecturando que, após a adoção dos princípios da justiça, as partes passem para uma convenção constitucional, por meio da qual, será decidido acerca da justiça política e a escolha da Constituição. Então, “aqui devem decidir sobre a justiça de formas políticas e escolher uma constituição: elas recebem delegação, por assim dizer, para essa convenção” (RAWLS, 2002, p. 213).

Destarte na convenção constitucional, esses delegados orientados pelos princípios da justiça devem “propor um sistema para os poderes constitucionais de governo e os direitos básicos dos cidadãos” (RAWLS, 2002, p.213). Desse modo, “é nesse estágio que elas avaliam a justiça dos procedimentos para lidar com concepções políticas diversas” (RAWLS, 2002, p. 213).

É nesse estágio que o véu da ignorância é parcialmente erguido, vindo a propiciar as partes do conhecimento de fatos gerais da sociedade como, por exemplo, o nível de avanço econômico e da cultura política. Como afirma Rawls “as pessoas na convenção não têm, naturalmente, nenhuma informação a respeito de indivíduos específicos: elas não conhecem sua própria posição social, seu lugar na distribuição de dotes naturais ou sua concepção do bem” (2002, p.213); logo, dotados de conhecimento teórico apropriado e de relevantes fatos gerais, devem elaborar uma Constituição justa, ou seja, a Constituição deve satisfazer os princípios da justiça e propiciar a produção de uma legislação que também seja justa.

Uma Constituição é justa desde que estabeleça um processo político justo que induza ajustes processuais que sejam justos e viáveis a fim de abrir espaço a uma ordem legal efetiva. Quando da elaboração do procedimento político justo, portanto, é necessária a liberdade igual (como a liberdade de consciência e de pensamento) que integrem a Constituição e sejam por ela protegidas.

O próximo estágio que se possui é o legislativo, que deve se regular pelo padrão de resultado que são desejados na Constituição. Com essa ideia, as leis vão precisar ser elaboradas não somente em conformidade com os princípios da justiça, como também devem obedecer aos limites estabelecidos na Constituição. Compete advertir que o critério de definição da justiça das leis é um critério político que é vinculado às doutrinas tanto políticas como econômicas e a uma teoria social, ou seja, admitindo que o que se quer de uma

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legislação é apenas que não seja injusta e não viole as liberdades iguais. Rawls afirma que cada estágio vai trabalhar com diferentes questões de justiça que são vinculadas a partes distintas da estrutura básica. Dessa forma:

O primeiro princípio da liberdade igual é o padrão primário para a convenção constituinte. Seus requisitos principais são os de que as liberdades individuais fundamentais e a liberdade de consciência e a de pensamento sejam protegidas e de que o processo políticos como um todo seja um procedimento justo. Assim, a constituição estabelece um status comum seguro de cidadania igual e implementa a justiça política. O segundo princípio atua no estágio da legislatura. Determina que as políticas sociais e econômicas visem maximizar as expectativas a longo prazo dos menos favorecidos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades e obedecendo à manutenção das liberdades iguais (RAWLS, 2002, p. 215-216).

Como se observa, o autor dá prevalência ao primeiro princípio sobre o segundo, e isso implica o reconhecimento de prioridades da convenção constitucional sobre o estágio de elaboração legislativa.

O último estágio é o da aplicação das regras e casos particulares por parte dos juízes e dos administradores, além da observância dessas regras pelos cidadãos de forma geral. Escreve Rawls:

Na posição original, os únicos fatos particulares conhecidos pelas partes são os que podem ser inferidos das circunstâncias da justiça. Embora conheçam os princípios básicos da teoria social, as partes não têm acesso ao curso da história; não têm informações sobre a freqüência com que a sociedade assumiu esta ou aquela forma, ou sobre que tipos de sociedades existem no momento presente. Nos estágios seguintes, porém, os fatos genéricos sobre a sociedade estão à disposição das partes, mas não as particularidades de suas próprias condições. As limitações do conhecimento podem ser reduzidas, uma vez que os princípios da justiça já foram escolhidos. Em cada estágio, o fluxo de informações é determinado pelo que se exige para a aplicação desses princípios ao tipo de problemas de justiça em questão; e, ao mesmo tempo, fica excluído qualquer conhecimento que tenda a causar distorções e preconceitos, ou a colocar os homens uns contra os outros (RAWLS, 2002, p. 216-217).

Cabe salientar que o autor deixa claro que a sequência de quatro estágios não é um inventário acerca do funcionamento das convenções constitucionais e da legislatura, ou seja, não se trata de uma descrição da forma como se entende que deve ser o funcionamento de um regime auxiliar à concepção de justiça como equidade e servir como instrumento de orientação para a aplicação dos princípios.

Desse modo, a conciliação entre a liberdade e a igualdade implica em buscar a distinção entre a liberdade e o valor da liberdade. Assim, a liberdade acaba sendo vinculada a um sistema de liberdades. O valor da liberdade vai variar de acordo com a capacidade de

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pessoas e dos grupos que alcançam seus objetivos; logo, a liberdade é a mesma para todos, não havendo a necessidade de um processo de compensação. O valor dessa liberdade, porém, não é o mesmo para todos, pois algumas pessoas, por razões diversas, são possuidores de maior autoridade e riqueza, podendo alcançar com uma maior facilidade os objetivos que querem na vida e outros nem sempre conseguem alcançar os seus fins. Portanto, com o objetivo de se ajustar a estrutura básica, deve-se maximizar o valor da liberdade “para os menos favorecidos, no sistema completo de liberdade igual partilhada por todos. Isso é o que define o fim da justiça social” (RAWLS, 2002, p. 222).

Assim, a maximização do valor da liberdade em favor dos menos favorecidos objetiva afastar a ideia de que as liberdades básicas são apenas formais, isto é, não se pode esquecer que as desigualdades sociais e mesmo econômicas impedem que parte dos cidadãos efetivamente possa ter acesso às liberdades iguais, a não ser que sejam criados certos mecanismos de neutralização. Tornar possível, de forma concreta, o acesso às liberdades iguais a todos, porém, requer não somente o estabelecimento da distinção entre liberdade e valor da liberdade, mas “combinar as liberdades fundamentais iguais com um princípio que objetive regular certos bens primários, vistos como meios polivalentes para promover nossos fins” (RAWLS, 2000, p. 382). E, continua afirmando que “tratar as liberdades políticas de forma especial” (RAWLS, 2000, p. 383).

Portanto, a liberdade pode ser entendida como a faculdade das pessoas fazerem ou não algo, independentemente de qualquer coerção. Assim, Rawls (2000) deixa de lado as controvérsias que existem entre os defensores da liberdade positiva e negativa e a disputa sobre qual delas tem maior valor. Para ele, é preciso compreender a liberdade com base nos agentes, nas restrições ou nas limitações a eles impostas e nas razões pelas quais são ou não são livres.

Rawls demonstra a liberdade em conexão com limitações de ordem constitucional e legal, ou seja, a liberdade relaciona-se diretamente a “uma certa estrutura de instituições, um certo sistema de normas públicas que definem direitos e deveres” (RAWLS, 2002, p. 219).

Destarte, a liberdade das pessoas fazerem ou não algo requer não somente que estejam livres de coerções, mas também que sejam legalmente protegidas da interferência dos demais, seja das outras pessoas, seja do governo.

Adiante, verifica-se que a diversidade de agentes que podem ser livres implica na existência de muitas liberdades, onde existe a necessidade de se fazer a separação entre as liberdades básicas e as demais. As liberdades básicas devem ser estabelecidas como um sistema único e esse sistema representa a liberdade como liberdade igual. A importância do

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sistema advém do fato de que o valor de uma liberdade está diretamente relacionado com as demais liberdades, o que deve ser levado em consideração na convenção constitucional e na elaboração legislativa. Também, é necessário que exista um equilíbrio entre uma liberdade e outra. Desse modo, são limitações no exercício de certas liberdades que propiciam o ajuste em um sistema de liberdades. A especificação e o ajuste do elenco de liberdade em estágios subsequentes ao da posição original necessitam de um critério. E esse critério não é definido quantitativamente.

Rawls não pretende especificar e ajustar as liberdades básicas de maneira excelente nem maximizar o desenvolvimento e o exercício das capacidades morais das pessoas. Desse modo, “essas liberdades e sua prioridade garantam igualmente a todos os cidadãos as condições sociais essenciais para o desenvolvimento adequado e o exercício pleno e bem-informado dessas capacidades naquilo que chamarei de os dois casos fundamentais” (RAWLS, 2000, p. 388).

Rawls afirma que no primeiro caso se vincula com “a capacidade de ter um senso de justiça e diz respeito à aplicação dos princípios da justiça à estrutura básica da sociedade e a suas políticas sociais” (RAWLS, 2000, p. 389). O segundo caso relaciona-se com a “capacidade de ter uma concepção do bem e diz respeito à aplicação dos princípios da razão deliberativa na orientação de nossa conduta ao longo de toda a vida” (RAWLS, 2000, p. 389).

Esses dois casos fundamentais viabilizam que se possa definir a importância da liberdade em relação às demais liberdades, permitindo assim a especificação e os ajustes que são necessários para o desenvolvimento e o exercício das capacidades das pessoas de possuírem um senso de justiça e uma concepção de bem em uma sociedade que é bem-ordenada, ou seja, um sistema com todas essas características é um sistema plenamente adequado de liberdades.

Nessas especificações e nos ajustes das liberdades básicas em estágios posteriores, assumem uma posição de destaque as liberdades políticas, a liberdade de pensamento, a liberdade de consciência e a liberdade de associação. Assim sendo, a aplicação livre e bem corroborada dos princípios da justiça na estrutura básica da sociedade vai ocorrer por meio do exercício pleno e efetivo do senso de justiça dos cidadãos, o que não é possível se não houver as liberdades políticas e as liberdades de pensamento. Quanto ao exercício pleno e efetivo das faculdades da razão deliberativa dos cidadãos, porém, tendo em vista a realização de uma determinada concepção do bem, vai requerer a liberdade de consciência e a liberdade de associação.

Referências

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