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Os Escritos Econômicos de Berkeley

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CDD: 192

Os Escritos Econômicos de Berkeley

MAURÍCIO C. COUTINHO

Instituto de Economia

Universidade Estadual de Campinas CAMPINAS, SP

mcout@eco.unicamp.br

Resumo: A reavaliação das contribuições de Berkeley à história do pensamento econômico

tem-se concentrado em três questões: sua discordância com as idéias mercantilistas, as precoces contribuições à teoria do desenvolvimento e as posições de vanguarda em econo-mia monetária. Neste último campo, Berkeley é tanto visto como o sucessor de Locke quanto como um pioneiro defensor de um padrão monetário não metálico. O artigo revisa as principais idéias econômicas de Berkeley e busca efetuar um balanço de suas contribuições aos diversos campos da economia, em particular à economia monetária. Por meio de comparações com Locke e Hume, dá-se ênfase ao papel do moralista e ao peso dos argumentos morais na visão econômica de Berkeley.

Palavras chave: Berkeley. Economia de Berkeley. Economia monetária. Papel moeda.

Abstract: The reappraisal of Berkeley’s contributions to the history of economic thought has been mainly concerned with three issues: Berkeley’s anti-mercantilist stance, the early contributions to the development economics, and some pioneering aspects in Berkeley’s monetary theory. In monetary theory, Berkeley is both taken as Locke’s successor and as a precocious proponent of a non-metallic monetary standard. The paper reviews Berkeley’s main economic propositions and tries to make an assessment of his contributions to economic theory, monetary economics particularly. By means of a comparison with Locke’s and Hume’s systems, the paper stresses the role of the moralist, or the weight of the moral arguments, in Berkeley’s typical approach to economic reasoning.

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Por diversas razões, os escritos econômicos de George Berke-ley (1685-1753) ocupam um lugar singular na história do pensamento econômico. Por um lado, ao escrever sobre temas econômicos, Ber-keley alinhou-se aos dois outros grandes nomes do empirismo anglo-saxão, Locke e Hume, assim fortalecendo a linhagem dos filósofos-economistas, que foi decisiva na constituição da economia científica. A transformação da economia em matéria científica, um processo que transcorreu entre o final do século XVII e o século XVIII, foi influenciada de modo significativo pela afluência de filósofos e cien-tistas ao debate econômico, até então travado preferencialmente por mercadores e homens de negócios.1

Além disso, como Locke e Hume, Berkeley notabilizou-se pe-los estudos monetários, o que não é surpreendente se lembrarmos que moeda e relações econômicas internacionais foram os dois temas dominantes nas discussões econômicas dos séculos XVII e XVIII. Nestes dois temas, os mercantilistas defenderam posições típicas, a saber, a identificação entre tesouro metálico e riqueza nacional, e a defesa de uma posição superavitária nas transações internacionais. Pode-se dizer que, assim como Hume e Smith, Berkeley – mas não inteiramente Locke - ocupa a posição de contraditor da doutrina mercantilista, exatamente por ter relativizado a importância do co-mércio exterior e negado o caráter metálico da riqueza das nações.

Finalmente, a teoria monetária de Berkeley é em certos aspec-tos considerada uma sucessora da de Locke, o que constitui uma distinção elevada se levarmos em consideração terem os escritos mo-netários de Locke representado a principal fonte de referência dos debates sobre moeda ao longo do século XVIII. Ainda na enumera-ção dos pontos em comum com Locke, assinale-se que os escritos econômicos de Berkeley também foram motivados por questões de

1 A respeito da transformação da economia em matéria científica e da

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momento. Enquanto Locke construiu uma teoria geral da moeda a partir de discussões circunstanciais – no caso, relativas ao teor metá-lico da moeda nacional inglesa e à imposição de um teto legal para a taxa de juros -, Berkeley contribuiu para o entendimento dos fenô-menos monetários através de uma campanha pela emissão de notas bancárias (papel-moeda) na Irlanda.

Este último ponto remete a uma característica geral dos escri-tos econômicos de Berkeley: todos têm como referência o atraso relativo da Irlanda. A preocupação com as questões nacionais e com o desenvolvimento econômico admite a inclusão dos textos econô-micos de Berkeley em duas correntes ou movimentos característicos do início do século XVIII. Em companhia de conterrâneos ilustres, como Jonathan Swift e Thomas Prior, Berkeley situa-se em uma bem identificada “escola irlandesa de desenvolvimento econômico”, especialmente preocupada com a pobreza da Irlanda e com os meios de superá-la.2 Além disso, seu principal escrito econômico, The Que-rist, inscreve-se em um gênero de literatura econômica importante na

Inglaterra e Irlanda do século XVII, os improvement tracts, obras voltadas à melhoria das condições dos países em campos diversos como economia, educação, moral, política, agricultura.3 Se não

ex-clusivamente particularistas, os improvement tracts irlandeses tinham como horizonte a superação do atraso relativo da Irlanda e a especial relação entre Irlanda e Inglaterra. Foi exatamente a preocupação com o atraso econômico irlandês que levou comentadores recentes a con-siderarem Berkeley um dos patronos de uma “economia do desen-volvimento” apartada da tradição clássica inglesa.4

2 Sobre a “escola irlandesa de desenvolvimento econômico”, ver Rashid

(1988).

3 Sobre os “improvement tracts”, ver Kelly (2005).

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Os comentários que se seguem levarão em consideração os as-pectos acima enumerados. Após um relato das circunstâncias e do conteúdo dominante dos principais textos econômicos de Berkeley, discutem-se três tópicos: i) a superação do mercantilismo; ii) a “eco-nomia do desenvolvimento”; iii) a eco“eco-nomia monetária de Berkeley. Ao final, considerações preliminares sobre o filósofo enquanto eco-nomista.

1. Os escritos econômicos de Berkeley

Os principais escritos econômicos de Berkeley são An Essay

Towards Preventing the Ruin of Great Britain (1721),5 o Segundo

Diá-logo de Alciphron ou The Minute Philosopher (1732)6 e uma obra

eco-nômica de maior envergadura, The Querist (1735-37).7

O Essay Towards... é um ensaio conciso, uma espécie de cha-mamento moral em resposta às conseqüências do South Sea Bubble, um forte movimento especulativo que animou e posteriormente arrasou as finanças britânicas no início do século XVIII. Naquela ocasião, ainda não bem formado como debatedor de assuntos eco-nômicos, Berkeley julgou necessário combater a moral especulativa com “... .aquelas antiquadas e bem conhecidas máximas referentes a

religião, indústria, frugalidade e espírito público, as quais ... podem não apenas evitar nossa ruína final, mas também nos tornar um povo mais feliz e florescente do que nunca” (ETG, 322). Trata-se, portanto,

pre-dominantemente do ensaio de um moralista preocupado com a

con-5 Berkeley (1721). As referências a este texto seguirão o seguinte padrão:

(ETG, número de página).

6 Berkeley (1732). As referências a este texto seguirão o seguinte padrão:

(MP, número de página).

7 Esta obra foi publicada anonimamente entre 1735 e 1737 e republicada

com identificação de autoria, com expurgo de vários queries e acréscimos de alguns, em 1750. Ver Berkeley (1750). As referências a este texto seguirão o seguinte padrão: (Q, número do Query).

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fusão entre a liberdade, “a maior dádiva que um homem virtuoso pode

obter” (ETG, 322), e a licenciosidade que decorre dos movimentos

especulativos e de seus estímulos ao enriquecimento súbito.

A despeito do espírito dominantemente religioso, o Essay de certo modo marca uma posição econômica anti-mercantilista, ao identificar indústria (trabalho) a riqueza, e ao contrastar indústria e ociosidade.8 De acordo com Berkeley, “A indústria é a via natural e segura para a riqueza” (ETG, 323). Sem deixar de reconhecer a

utili-dade do dinheiro e do crédito, considera que “... dinheiro e crédito

circulando pela nação de mão em mão sem produzirem trabalho e indús-tria ... é pura jogatina” (ETG, 323), o que de imediato introduz um

tema – a circulação – e uma apreciação negativa da especulação, a serem posteriormente desenvolvidos nos estudos monetários.

Por outro lado, o Essay antecipa o núcleo básico do celebrado

Segundo Diálogo de Alciphron e até mesmo alguma das idéias centrais

do Querist, ao efetuar o elogio da frugalidade - “... os velhos métodos

honestos da indústria e frugalidade ...” (ETG, 323) - e criticar a procura

insaciável do luxo, provocada pelo jogo especulativo.

O problema é como estimular a indústria. Um crítico mode-rado das leis dos pobres (poor laws), Berkeley aventa a possibilidade de aproveitar a mão de obra da população pobre em obras públicas, para assim estimular a indústria e auxiliar o comércio. Admitindo-se uma relação direta entre indústria, prosperidade e população – “O

tamanho da população é tanto meio como motivo para a indústria”

(ETG, 324) –, o encorajamento da indústria levará ao crescimento da população.

Note-se que a sugestão de redirecionar as poor laws implica um ativismo governamental, bem como a identificação de uma esfera

8 Industriosidade (indução ao trabalho, laboriosidade) talvez expresse

melhor o verdadeiro significado do termo industry. Nos séculos XVII, XVI-II, e ainda ao início do XIX, industry e seu equivalente francês (industrie) indicavam laboriosidade. Em termos morais, o oposto de indolência.

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propriamente política (body politic), à qual caberia a adequada canali-zação das ações humanas. A busca desenfreada do luxo corrompe o corpo político, enquanto a frugalidade o fortalece. Berkeley defende o espírito público (“... aquele glorioso princípio de tudo o que é grande e

bom...”) (ETG, 331) e não acredita que o interesse privado seja

com-patível com o sentimento religioso.9 Nada, tanto neste primeiro

escrito econômico como nos posteriores, aponta para a admissão de uma esfera privada virtuosa, na qual as paixões ou o self-love smithe-ano conduziriam a uma ordem social de progresso disseminado e benefícios mútuos. A atividade econômica tem que ser balizada pelo corpo político, ao qual cabe implantar no plano terreno os desígnios da deidade.

Os Diálogos de Alciphron foram redigidos após o retorno de Berkeley da América e fazem parte dos textos de maturidade do au-tor. Em uma obra inteiramente dedicada ao combate aos livre-pensadores e ateus, o Segundo Diálogo encontra na momentosa ques-tão das relações entre a procura do luxo e a geração de riqueza a mo-tivação para desenvolvimento de uma série de aforismos em torno de uma proposta – a defesa do vício – que se tornara difundida no sécu-lo XVIII, em função do sucesso da Fábula das Abelhas, de Mandeville. Naturalmente, Berkeley é contrário à tese mandevilleana de que os vícios privados redundam em benefícios públicos. A rigor, a propo-sição de Mandeville é ainda mais crua: apenas a busca do luxo seria capaz de estimular a economia e beneficiar a população em geral. A virtude possuiria as mesmas virtudes estimuladoras da economia, pergunta Berkeley? A resposta é afirmativa e os argumentos chegam ao limite de colocar em dúvida a possibilidade de obtermos estímulos econômicos positivos com base no vício.

9 Berkeley assim se refere aos interesses privados: “O mesmo espírito ateu

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O embate entre vícios e virtudes, portanto, é o ponto central do dilema moral contemplado no Segundo Diálogo. Cabe notar que este dilema, uma espécie de questão de honra dos moralistas do sécu-lo XVIII, foi objeto de atenção de outros economistas. Para não fa-larmos em Adam Smith, um reconhecido opositor de Mandeville, lembremos que Hume distingue nos Ensaios Morais e Políticos o “lu-xo vicioso”, condenável, do “lu“lu-xo virtuoso”, meritório por induzir ao trabalho e à frugalidade. Na visão de Hume, o “luxo virtuoso” constitui um digno desdobramento da “busca da diversidade”, um sentimento que, ao espicaçar as paixões humanas, induz ao trabalho diligente.

A abordagem de Berkeley distingue-se da de Hume tanto nos aspectos morais quanto econômicos. Restringindo-nos ao último aspecto, em Hume o problema é induzir o homem ao trabalho e à produção de excedente, recorrendo-se às paixões. Em Berkeley, a questão básica é assegurar a demanda e a pronta circulação de dinhei-ro, sem as quais a economia estagna. Encontramos em Berkeley, deste modo, uma relação direta entre a posição do moralista e a do economista monetário.

Antes de entrarmos no ponto principal da argumentação eco-nômica, a circulação da riqueza, é importante ressaltar que a concep-ção dominante de riqueza em Berkeley é sempre não-metálica. Di-versos queries do Querist viriam a ser dedicados ao tema. Acresça-se a esta concepção de riqueza uma preocupação com a população em geral, ou seja, com as condições de vida da totalidade dos habitantes, inclusive e principalmente os mais pobres (também um ponto a ser explorado no Querist).10 Trata-se então de apurar o melhor entre os

dois meios – o vicioso e o virtuoso - para estimular a riqueza da na-ção e as boas condições de sobrevivência da populana-ção.

10 Já ao início do Segundo Diálogo, Euphranon estabelece sem

contesta-ções: “Eu deveria pensar que a riqueza pública de uma nação consiste no núme-ro e nas boas condições de seus habitantes” (MP, 78).

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Na verdade, Berkeley sustenta a superioridade das ações virtu-osas por meio de uma distinção entre riqueza e felicidade. Nos Diá-logos, enquanto Euphranon assegura que “... a riqueza não é um fim

último, mas deveria ser considerada um meio para proporcionar felici-dade…” (MP, 86), Lysicles, o livre-pensador, assevera que, se os

pro-pósitos dos homens forem bem examinados, “… cedo você será

con-vencido de que as riquezas isoladamente são suficientes para tornar uma nação florescente e feliz. Dê a eles riqueza e eles ficarão felizes, sem aquela invenção política, aquele engodo de estadistas e filósofos, chamado virtu-de” (MP, 86). Como se vê, para o livre-pensador, a virtude representa

uma invenção de homens de estado e filósofos. A posição do mora-lista é bem outra: a virtude é uma imposição divina, a ser buscada pela ordem pública.

O problema econômico, no entanto, é a escolha do melhor método para a prosperidade, a qual depende da “... pronta circulação

dos bens e da riqueza em um estado ...” (MP, 83). O livre-pensador

defende a tese de que, na ausência de gastos suntuários, a riqueza tende a estagnar e o dinheiro a permanecer sem uso na mão dos ren-tistas (a classe capaz de efetuar os gastos suntuários). Em decorrência, a economia sofreria uma contração e o meio de sobrevivência dos pobres seria perdido. Já o moralista entende que as despesas ordiná-rias e compatíveis com a virtude também são capazes de estimular a circulação. Mais ainda, considera o vício um impedimento à consti-tuição de famílias e ao crescimento da população, o que resulta rui-noso às manufaturas tanto por deprimir a demanda quanto por levar a uma elevação dos salários que viria a favorecer os países vizinhos e mais frugais. As duas questões, circulação e concorrência internacio-nal, serão retomadas no Querist.

The Querist é uma obra de difícil leitura, por diversas razões.

Em primeiro lugar, a forma adotada é em si complexa, já que as idéias e assertivas do autor aparecem necessariamente na forma de

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interrogações e, muitas vezes, interrogações negativas (Whether ...

not...?). Em segundo lugar, cada query ocupa poucas linhas e nem

sempre há continuidade de argumentação entre eles. A diversidade de temas e a pequena extensão dos queries impedem um aprofunda-mento da argumentação econômica que deve, deste modo, ser busca-do em queries dispersos, às vezes pela recorrência. Finalmente, e mais importante, resta ao leitor a tarefa de extrair princípios teóricos, particularmente em teoria monetária, de um texto “de combate”. A causa principal do Querist é a emissão de bilhetes bancários (moeda-papel) por um banco público irlandês, já que Berkeley associava o atraso da Irlanda e a pobreza das massas à escassez de meio circulan-te.

Cabe lembrar que a emissão de notas bancárias, ou a substitui-ção de moedas metálicas por cédulas como principal meio circulante, era uma causa ruidosa ao início do século XVIII, devido a dois acon-tecimentos. A Inglaterra fora em 1720 atingida por uma enorme bolha especulativa (assunto do Essay Preventing ...), e as bolhas espe-culativas sempre resultam em corrida ao padrão monetário metálico. Além disso, ecoou em toda a Europa a experiência inflacionária de John Law, na França, a qual, a par do elevado componente especula-tivo com as ações da Mississipi Company, envolveu a (fracassada) ten-tativa de completa substituição de moedas metálicas por notas públi-cas. A política monetária de Law fortaleceu a posição de ceticismo, ou mesmo de antagonismo, à utilização de documentos de crédito e papel-moeda como substitutos da moeda metálica.

Tamanho foi o impacto do episódio inflacionário francês que nenhum economista monetário do século XVIII deixou de tratar do assim considerado “experimento de Law”. Berkeley não foi exceção, com o agravante de que lhe coube defender uma tese tornada impo-pular, qual seja, a de que a emissão e circulação de moeda-papel, se efetuada com as devidas cautelas, poderia favorecer a economia sem

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redundar em inflação.11 Autores que por uma ou outra razão foram

contrários à emissão de bilhetes bancários, como Hume, encontra-vam-se em posição bem mais cômoda.

Voltaremos adiante à teoria monetária do Querist. Cabe assi-nalar que esta obra, a par da defesa da emissão de bilhetes bancários por um banco estatal, estende-se por uma série inesgotável de temas: causas da pobreza da Irlanda; defesa de restrições às importações de bens de luxo; análise do paradoxo da pobreza em um país provido de mão-de-obra ociosa e terras férteis; proposição de ativismo estatal em vários campos, que abrangem de a mobilização forçada de trabalho ao controle dos gastos suntuários das classes ricas, passando pelo enaltecimento das obras públicas; orientações para o controle da balança comercial; preocupação com o elevado número de irlandeses que se deslocam a outros países a trabalho.

2. Berkeley e a superação do mercantilismo

Em princípio, a posição contrária ao mercantilismo de Berke-ley é bem estabelecida por algumas de suas proposições: a já mencio-nada associação de riqueza à população e à profusão de mercadorias (e não a tesouro metálico), o ceticismo em relação às virtudes do comércio exterior, a defesa do meio circulante não-metálico. Estas proposições sugerem a aproximação a uma concepção mercantil e não-metálica de riqueza ou, resumidamente, que em diversos

aspec-11 Berkeley reconhece os riscos do papel-moeda, mas atribui as duas

grandes crises, a de Law a do South Sea Bubble, a excessos: “Os ruinosos efeitos do Mississipi, Mares do Sul e outros esquemas não se devem a um abuso do dinheiro-papel ou do crédito, tornando-os um meio para a indolência e a jogati-na, ao invés de um motivo e impulso à indústria?” (Q, 230). “O dinheiro-papel circulante, portante, nos ruinosos esquemas da França e da Inglaterra, foram o mal verdadeiro, ou o mal verdadeiro foi sua circulação sem indústria...?”(Q, 250).

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tos Berkeley pende para economia clássica – Hume, Smith – e afasta-se dos principais cânones mercantilistas.12

Ainda assim, a posição anti-mercantilista de Berkeley é um tema a ser tratado com cautela, por diversas razões. Em primeiro lugar, o próprio significado da concepção mercantilista de riqueza é um tema hoje sujeito a controvérsias. Autores claramente identifica-dos com o mercantilismo – Mun, Misselden – não hesitaram em considerar a população o ativo principal de uma nação.13 Além disso,

longe ia o período mercantilista na época de Berkeley. Mun, Missel-den e Malynes, os três mercantilistas ingleses emblemáticos, escreve-ram seus principais textos na terceira década do século XVII. Petty, um importante economista inglês cujos principais tratados foram publicados entre 1662 e 1690, era decididamente não-mercantilista e destacava a população e a terra como os verdadeiros fatores de rique-za.14 De fato, quando Smith veio a atacar e a caricaturar o sistema

mercantil, na Riqueza das Nações (1776), o mercantilismo há muito desaparecera. O próprio Locke, cujos principais escritos monetários datam da última década do século XVII, apenas com excesso de li-berdade pode ser incluído, como muitas vezes é, no rol dos autores mercantilistas. Hume, contemporâneo de Berkeley, foi um anti-mercantilista típico. Em suma, os escritos econômicos de Berkeley

12 Mas Berkeley não se associa ao liberalismo econômico. Suas propostas

envolvem um ativismo estatal bem mais acentuado do que o admitido pelos economistas liberais.

13 Ver a respeito da concepção mercantilista de riqueza e população

Magnusson (1994).

14 “Que o Trabalho é o Pai e princípio ativo da Riqueza, como as Terras são

as Mães.” (Petty, 1662). Berkeley utiliza uma forma mais rebuscada, mas similar à de Petty: “Os quatro elementos e neles o trabalho humano não são a verdadeira fonte de riqueza?” (Q, 4). E uma população numerosa (e bem alimentada) fortalece o estado: “O número e bem-estar dos súditos não é a verdadeira força de uma coroa?”” (Q, 130).

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são de uma época em que as posições anti-mercantilistas (ou não-mercantilistas) já se haviam tornado dominantes.

De todo modo, proposições não-mercantilistas são marcantes nos escritos econômicos de Berkeley. Acima fizemos referência ao fato de An Essay Towards Preventing the Ruin of Great Britain já rela-cionar população à riqueza, ao admitir que a indústria (industry) – verdadeiro indutor de riqueza – está vinculada à população. No

Que-rist, diversos queries são dedicados à oposição entre indústria e

ocio-sidade.15 O propósito de Berkeley é duplo, ou moral e econômico:

enaltecer a atividade e combater a ociosidade, por um lado; por ou-tro, ressaltar que a verdadeira riqueza nacional decorre do trabalho, e não da disponibilidade de moedas metálicas. O próprio Smith utili-zou na Riqueza das Nações raciocínio e técnica discursiva análogos: por detrás dos metais (que concedem poder de compra) está o traba-lho.16

O populacionismo e o anti-metalismo de Berkeley, no entan-to, têm um significado especial, uma vez que ele creditava grande parte dos problemas econômicos da Irlanda à escassez de meio circu-lante. Em função disso, procurou demonstrar que as moedas metáli-cas poderiam ser substituídas por bilhetes bancários (tema a ser de-senvolvido adiante) e que, havendo terra fértil e população laboriosa, nada impediria o comércio de se desenvolver e a nação de prospe-rar.17 Do mesmo modo, enalteceu as atividades locais e o comércio

15 A começar pelo primeiro e emblemático query: “Alguma vez houve, ou

haverá, uma nação industriosa pobre, ou uma indolente rica?” Q1.

16 “O que é adquirido com dinheiro ou com mercadorias, é comprador por

trabalho tanto quanto o que adquirimos pelo esforço de nosso próprio corpo” Smith (1776), p. 47. Por esta razão o trabalho é a “real medida de valor”.

17 “Uma terra fértil e a indústria de seus habitantes não provariam ser

fun-dos inesgotáveis ou riqueza real, sejam quais forem os meios de troca para pro-porcioná-los e registrá-los, papel, ouro ou prata?” (Q,40).

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interno, assim como procurou demonstrar que a ausência de comér-cio internacomér-cional não impede a prosperidade da nação.18

Enfim, o anti-metalismo de Berkeley é bastante instrumental e moldado pela escassez de meio circulante na Irlanda. Por sua vez, as objeções ao comércio internacional não são taxativas. Em diversos

queries, Berkeley procura identificar campos de atividade que

forne-ceriam à Irlanda produtos exportáveis em condições competitivas, como produção de linho e de tecidos rudes (já que a Inglaterra barra-ra a importação de tecidos de lã da Irlanda), plantio de diversos cere-ais, produção de papel.

Do ponto de vista teórico, mais relevante é destacar a lacuna contida no anti-metalismo de Berkeley. Se certas posições dos mer-cantilistas são controversas ou de difícil defesa, não se pode deixar de reconhecer que sua proposta central de política econômica – a defesa de superávits na balança comercial – nada mais é do que o corolário de um teorema inquestionável, que pode ser resumido aos seguintes termos: nações que não possuem minas de ouro e prata dependem do superávit comercial para obtenção de meio circulante (e riqueza). A tese de que a riqueza de uma nação tem natureza metálica é de difícil sustentação, porém, é incontestável que, em países desprovidos de minas, o único meio de acesso a metais preciosos (base dos sistemas monetários) é a manutenção de uma posição superavitária no comér-cio internacomér-cional. A Irlanda tinha deficiência de meio circulante exa-tamente por não possuir uma posição superavitária no comércio internacional. Holanda, Inglaterra e outros países normalmente su-peravitários em transações internacionais, poucas vezes se depararam com escassez de meio circulante. Mais ainda: até o século XIX, os

18 “Não poderíamos por a mão em um arado, ou em uma pá, mesmo sem

termos comércio exterior?” (Q,109). “Não podem as exigencies da natureza ser respondidas pela indústria aplicada ao nosso próprio solo? E quanto podem as conveniências e confortos da vida ser proporcionados por um comércio domésti-co entre as diversas partes deste reino?”(Q, 110).

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meios de circulação não-metálicos (bilhetes bancários, títulos de cré-dito) tiveram uma participação importante, porém, restrita, no co-mércio interno dos países europeus. A moeda metálica era de fato insubstituível.19

Acredito que foi a difícil posição da Irlanda no comércio in-ternacional o que levou Berkeley a criar a metáfora da possibilidade de um país isolado erguer-se por seus próprios meios, através do crédito.20 Desta metáfora – homens abandonados em uma ilha

isola-da – surge outra, muito conheciisola-da em economia e de certo modo verdadeira: a generalização do escambo leva à eleição de um equiva-lente geral, para facilitar a troca.21 Note-se que o equivalente geral de

Berkeley não é uma das mercadoria produzidas e transacionadas, visão usual dos economistas, e sim, imediatamente, um substituto do crédito (voltaremos ao tema na seção que trata de economia monetá-ria).

Não surpreende que o ponto final nessa sucessão de metáforas seja o elogio da auto-suficiência.22 Vale dizer, o anti-mercantilismo de

19 No comércio internacional, o fluxo de moedas de ouro e prata era

in-dispensável para equilibrar balanços de pagamento superavitários ou defici-tários.

20 “De modo a entender a verdadeira natureza da riqueza e do comércio,

não seria adequado pensar em uma tripulação de barco jogada em uma ilha deserta, desenvolvendo-se gradualmente nos negócios e na vida civil, enquanto a indústria gerava crédito e o crédito impulsionava a indústria?” (Q,46).

21 “Não seriam estes homens postos todos a trabalhar? E, quando um homem

desse modo houvesse produzido mais do que poderia consumir, não iria trocar seu excedente para suprir suas necessidades? E isso não produziria crédito? Para facilitar estas entregas, para registrar e circular este crédito, estes homens não chegariam logo a um acordo sobre certos controles, símbolos, tickets ou meios de troca (tickets or counters)?” (Q,47).

22 “Não poderia alguém ser levado a conceber e supor uma sociedade ou

na-ção de criaturas humanas, vestida com roupas de lã, comendo um bom pão, carne e cordeiro, aves e peixes, em grande abundância, bebendo cerveja ... e cidra, habitando casas decentes feitas com tijolos e mármore, passeando por

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Berkeley e sua descrença nas virtudes do comércio internacional abonam a criação de uma metáfora do estado isolado e ainda assim dotado de plena possibilidade de progresso. Pode-se concluir que a proposta de criação de uma moeda nacional não-metálica – ou seja, inabilitada para o comércio internacional – funciona como um com-plemento ao rompimento do acima enunciado teorema mercantilis-ta.

A bem da verdade, no Querist Berkeley dá sugestões para a condução do comércio internacional. Preocupa-se com a questão dos irlandeses residentes no exterior, que canalizam para fora meios de pagamento metálicos. Propõe o controle do consumo e da importa-ção de bens de luxo. Sugere o desenvolvimento de vários ramos de negócios em que a Irlanda possui vantagens comparativas. Trata, em última análise, do comércio internacional, sem, no entanto, conferir uma resposta satisfatória à relação entre meios de pagamento e ba-lança de comércio. Como veremos, a falta de uma posição teórica consistente no plano das relações econômicas internacionais tem implicações em sua concepção de moeda.

3. A “economia do desenvolvimento”

Em período recente, diversos comentadores consideraram Berkeley uma espécie de precursor da economia do desenvolvimen-to, por três razões principais.23 Em primeiro lugar, por exibir

preo-cupações “keynesianas”, que poderiam ser depreendidas do ênfase concedido à demanda, da defesa do pleno emprego e, finalmente, do destaque dado à função de meio de circulação da moeda.24 A

parques e jardins, sem depender de qualquer importação de alimentos ou roupas? E deveria tal povo provocar pena?” (Q,126).

23 Ver Rashid (1988) e Hutcheson (1988). Para um comentário crítico

sobre o Berkeley “keynesiano”, Ward (1959).

24 Sobre a moeda como meio de circulação em Berkeley, ver Vickers

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cupação com a demanda transparece já nos Diálogos de Alciphron e aplica-se aos defensores do vício tanto quanto aos defensores da vir-tude. A questão central, reposta diversas vezes no Querist, é a circu-lação monetária, ou a garantia de que o dinheiro circule sem cessar, sustentando a demanda e o crescimento da riqueza nos diversos seg-mentos da economia.

A segunda razão seria a reiterada preocupação com o desen-volvimento e com a pobreza da Irlanda, a qual redunda na formula-ção de proposições de política econômica aplicadas especificamente ao atraso econômico irlandês. Antes de mais nada, os escritos ecnômicos de Berkeley têm um compromisso com a superação da o-ciosidade da população na Irlanda, o que leva à sustentação de políti-cas nacionais específipolíti-cas, um padrão afastado da defesa de teses gerais, típica do ideário liberal. Controle do comércio internacional, impo-sição de trabalho aos ociosos, controle do gasto suntuário (e das im-portações a ele associadas), bem como a política de emissão de moe-da-papel, são alguns dos aspectos de um programa para a superação do atraso econômico irlandês. Além disso, como a perspectiva de Berkeley é acentuadamente nacional, seus personagens econômicos não se caracterizam por exibir propensões humanas naturais (e uni-versais). São personagens tipicamente irlandeses, mesmo quando considerado seu lado negativo: trabalhadores relapsos, proprietários fundiários deseducados e despreocupados com a produção, damas vaidosas e cavalheiros beberrões, mão-de-obra qualificada propensa a emigrar.

A terceira razão para considerar Berkeley um precursor das teorias do desenvolvimento relaciona-se à descrença no laissez-faire, bem como à defesa de um ativismo governamental que em muito excede o admitido pelos economistas. No Querist, Berkeley chega ao ponto de justificar a servidão temporária para trabalhadores ociosos. A defesa do ativismo governamental e a descrença nos ajustamentos “naturais” (efetuados pelo mercado) são típicos do sistema de

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Berke-ley. A defesa e a justificativa dos gastos públicos – um tema recorren-te na lirecorren-teratura econômica dos séculos XVII e XVIII – permirecorren-te o entendimento dos contraste entre as visões liberais de mundo e as de Berkeley. Smith defende a realização de diversas obras públicas (ca-nais, portos, estradas), com base no entendimento de que nessas ati-vidades a rentabilidade privada dos investimentos é incerta.25 Os

argumentos de Berkeley para as obras governamentais são, imedia-tamente, dar emprego à população pobre e retirar os ociosos da indo-lência.

Em suma, Berkeley foge das fórmulas econômicas gerais e abs-tratas e propõe soluções pragmáticas aplicadas aos dilemas da Irlanda. Se os ingleses proíbem a importação de tecidos de lã irlandeses, dedi-que-mo-nos à produção e exportação de outros bens; se há escassez de meio circulante, emitam-se notas com circulação nacional etc. Já vimos que, em uma espécie de elogio à autarquia, Berkeley admite a possibilidade de se obter um desenvolvimento puramente nacional, a partir da mobilização dos recursos internos.

Por outro lado, em todas as recomendações emerge o papel fundamental da deidade e a necessidade de subordinação do public à ordem divina. Muito mais do que com a natureza humana, as pres-crições econômicas de Berkeley preocupam-se com a aplicação da ordem divina na Terra. Adicionalmente, contêm um elemento de descrença nos interesses privados, em particular nos interesses dos muito ricos.

4. A economia monetária de Berkeley

Apesar do formato fragmentário e do caráter eminentemente propositivo, The Querist contém o núcleo de uma teoria monetária de razoável originalidade e de reconhecida importância na história

25 Nesse particular, Smith aproxima-se do moderno conceito de “bens

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do pensamento econômico.26 Berkeley é um dos raros anti-metalistas

do século XVIII; vale dizer, um dos poucos autores que não ficaram presos à concepção de que a moeda deveria necessariamente consistir em peças de ouro ou prata cunhadas por uma autoridade nacional. Nesse sentido, afasta-se tanto da tradição mercantilista quanto de Locke e Hume, e segue os ensinamentos de Law.27 A visão

não-metalista de Berkeley foi inspirada na obra de Law e em experiências de implantação de moeda-papel na Nova Inglaterra, que presenciou no período em que viveu na América.28

A principal proposta do Querist é a criação de um Banco Na-cional público, sob o controle do parlamento irlandês, dotado da prerrogativa de emitir papel-moeda, sem que fosse necessário fundar os bilhetes bancários em depósitos metálicos. A emissão seria lastrea-da em hipotecas de terra e, com a adoção de cláusulas de segurança adicionais – controle parlamentar, limites estritos à emissão e aos empréstimos, impossibilidade de resgatar a terra hipotecada -, Berke-ley julgava que não se produziria uma experiência inflacionária e nem se imporiam riscos aos detentores das cédulas. Naturalmente, a moeda-papel teria validade nacional e não supriria a Irlanda dos mei-os de pagamento admitidmei-os nas transações internacionais.

A proposta de emissão de papel-moeda de Berkeley tinha o propósito expresso de romper o ciclo vicioso de baixa circulação por escassez de meio circulante na Irlanda. Nessa medida, a criação do

26 Sobre o papel da economia monetária de Berkeley na história do

pen-samento econômico, ver Schumpeter (1954) e Vickers (1968).

27 Além de financista e executor de política monetária (na França), Law

foi autor de um tratado de economia monetária de grande repercussão. Ver Law (1720).

28 Berkeley viveu na colônia Americana entre 1728 e 1731. Ver Wisdom

(1953). As experiências de emissão de papel-moeda em substituição ao escas-so meio circulante metálico, em particular na Pensilvânia, despertaram seu entusiasmo.

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Banco Nacional é parte de um plano de estímulo à indústria e ao emprego, bem como de superação da pobreza crônica.29

Sob o ponto de vista da teoria monetária, as questões decisivas para a avaliação do sistema de Berkeley são o tratamento conferido: 1. à natureza e função da moeda; 2. às relações entre moeda, comér-cio internacomér-cional e preços.

Antes de entrarmos no primeiro tópico, cabe notar que a con-cepção de riqueza de Berkeley é essencialmente não-metálica e, curi-osamente, não-mercantil, como veremos. Guarda relação com a no-ção de poder; de modo específico, com o poder de comandar merca-dorias ou trabalho, algo próximo ao “trabalho comandado”, de A-dam Smith.30 O dinheiro confere a seu portador o poder de

“coman-dar a indústria de outros”. Ora, na medida em que sejam socialmente reconhecidos, os bilhetes emitidos por bancos têm o mesmo poder de comando da moeda metálica.31 Esta propriedade – poder de

29 “A promoção da indústria não deveria ser, como finalidade única e

ver-dadeira, o metro e a medida de um banco nacional? E quaisquer desvios deste propósito não deveriam ser cuidadosamente evitados?” (314). “Um banco na-cional não deveria representar o grande instrumento e criador de emprego para nossos pobres em manufaturas?” (QR3, 93).

30 Por sua vez introduzida na Riqueza das Nações por meio de uma

ana-logia e contraponto com a concepção hobbesiana de poder. “A riqueza, como diz Mr. Hobbes, é poder. Mas a pessoa que adquire uma grande fortuna não necessariamente adquire qualquer poder político, seja civil ou militar. .... O poder que aquela posse imediata e diretamente lhe proporciona, é o poder de compra; um certo comando sobre todo o trabalho, ou sobre todo o produto do trabalho que está então no mercado”. (Smith, 1776, p. 48)

31 “O poder de comandar a indústria dos outros não é riqueza real? E o

di-nheiro não é na verdade bilhetes ou símbolos (tickets or tokens) para proporcio-nar e registrar tal poder, e é de grande conseqüência de que materiais os bilhetes são feitos?” (Q, 35).

“Não é muito importante possuir uma concepção correta de dinheiro? E é verdadeiro e justo que sua idéia não seja a de um bilhete (ticket), que dê acesso ao poder, e adequado ao registro e transferência de tal poder?” (Q, 441).

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mando, advindo do reconhecimento social – é que torna o papel-moeda, assim como qualquer título de crédito de aceitação geral, dinheiro tão válido quanto a moeda metálica. A questão é exatamen-te a capacidade de “comandar indústria”.

Na defesa das propriedades monetárias dos bilhetes bancários, Berkeley defronta-se com a questão do “valor intrínseco” da moeda. A rigor, passa ao largo de discussões sobre o valor do dinheiro, um aspecto central nos debates monetários dos séculos XVII e XVIII, porque em seu sistema o ponto fundamental é a capacidade de a mo-eda ser aceita como equivalente; em outras palavras, a função de meio de troca ou de meio de circulação do dinheiro. Esta tarefa o papel-moeda, bem como qualquer título de crédito de aceitação ge-ral, cumprem adequadamente. E é exatamente na função de meio de troca que o dinheiro pode ser definido como “ticket or counter”.

Berkeley utiliza repetidamente a expressão “ticket or counter” e é significativo que sua primeira aparição no Querist ocorra em uma passagem em que são postas sob interrogação, e em princípio descar-tadas, várias propriedades do dinheiro:

O dinheiro deve ser considerado como possuindo um valor intrínseco, ou como sendo uma mercadoria, um padrão, uma medida, uma garantia (pledge), como é variadamente sugerido por escritores? E a verdadeira i-déia do dinheiro, como tal, não deve ser inteiramente a de um bilhete ou meio de troca (ticket or counter)? (Q, 23)

Para Berkeley, o dinheiro não tem valor intrínseco, não é mercadoria, nem padrão e, fundamentalmente, não é pledge. Pledge fora o termo utilizado por Locke – cuja teoria monetária o query acima transcrito na certa tem em vista - para designar a capacidade de o dinheiro garantir, em qualquer tempo e situação, poder de aquisi-ção sobre a mesma cesta de mercadorias. Um dos elementos do trust lockeano é justamente a possibilidade de a moeda funcionar como

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Locke referia-se no caso à moeda metálica e, de modo mais preciso, ao equívoco das autoridades monetárias em tentarem alterar unilateralmente o valor da moeda. Na sua visão, qualquer alteração unilateral do padrão monetário implicaria em quebra do trust, por-que a moeda deixaria de oferecer garantia irrestrita de comando so-bre a mesma cesta de mercadorias.32 Com alguma liberdade, pode-se

considerar que o pledge de Locke representa uma aproximação à função de reserva de valor da moeda. A moeda de Berkeley não cumpre a função de reserva de valor. Cumpre a função de meio de troca e, com reservas, a de padrão de medida (standard). Meio de troca, padrão de medida e reserva de valor são as três funções clássi-cas da moeda.

Para Berkeley, os preços são determinados pela relação entre oferta e demanda.33 A razão de troca entre a mercadoria e sua

con-traparte monetária (o preço) representa exatamente esta relação. Ora, se o papel-moeda é tão adequado quanto a moeda metálica a expres-sar o preço, serve perfeitamente como padrão monetário,34 uma

conclusão que envolve dois elementos: o primeiro é o reconhecimen-to de que o valor ou o preço tem natureza relacional;35 o segundo diz

32 As alterações do padrão monetário davam-se de dois modos no século

XVII: por elevação do valor de face da moeda sem alteração do conteúdo metálico, ou por manutenção do valor de face (ou da denominação) com rebaixamento do teor metálico. Locke bate-se contra ambas modalidades de alteração do padrão monetário.

33 “O valor ou preço das coisas não é uma proporção composta, diretamente

da demanda e reciprocamente da abundância?” (Q, 24).

34 “Os termos coroa, livre, libra esterlina etc, não devem ser considerados

ex-poentes ou denominações de tal proporção? E o ouro, a prata e o papel não são tickets ou counters para o cálculo, o registro e a transferência portanto?” (Q, 25).

35 O valor é uma relação entre duas coisas. Berkeley antecipa a clássica

defesa da natureza relacional do valor, que é a de Galiani no tratado Da Moeda, publicado em 1751. A respeito da natureza relacional do valor, ver Schumpeter (1954).

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respeito à correspondência entre o valor da moeda e o valor do pa-pel-moeda. Rigorosamente, o papel-moeda não tem valor ou preço. Ele não entra na equação de oferta e demanda com qualquer merca-doria. Nela, apenas representa algo (o metal, alguma mercadoria) que tem preço e valor. Vale dizer, a admissão da natureza relacional do valor pressupõe intercâmbio mercantil, enquanto o papel-moeda, sem dúvida, não é uma mercadoria. Este é um dos dilemas da con-cepção não-mercantil de moeda de Berkeley.

Ainda quanto à natureza da moeda, vale a pena explorar as conexões estabelecidas entre moeda e crédito. Voltemos à já men-cionada metáfora dos homens isolados em uma ilha. Sem acesso a trocas internacionais e a metal, os homens desenvolvem de modo natural, por meio do trabalho, a circulação, a moeda (os meios de troca) e a riqueza. Neste exato contexto, Berkeley afirma que o tra-balho produz crédito.

Berkeley refere-se à troca de produtos excedentes: ao entregar o produto excedente a outro produtor a pessoa adquire crédito, vale dizer, direito a dispor de parte do produto excedente do outro. De modo a facilitar transações da mesma natureza, ou para “... registrar e circular este crédito”, chega-se a um acordo sobre o meio de troca a ser aceito por todos, que pode ser qualquer objeto. Para Berkeley, este objeto – um bilhete de papel, por exemplo – nasceu do crédito, entendido como mútuo poder de disposição sobre objetos produzi-dos por terceiros.

Em geral, os economistas consideram crédito a cessão de po-der de compra a terceiros, mediante pagamento de juros. A forma básica de crédito, o crédito comercial, é exatamente isto: repasse de recursos (ou produtos) momentaneamente não utilizados no circuito produtivo a outros produtores, para que retornem com o valor a-crescido pelos juros. Nesta acepção, o crédito acelera a circulação de mercadorias e produz meios de pagamento; porém, deixa de ser

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sim-ples meio de troca – ao render juros, é capital. Existe uma distinção entre crédito e meio circulante, não captada pela formulação de Ber-keley. Melhor dito, como o crédito também acelera a circulação, Berkeley coloca o papel-moeda e o crédito em pé de igualdade.

O estabelecimento de identidade entre moeda e crédito suscita duas observações. Antes de mais nada, a identidade é compatível com a redução do dinheiro à função de meio de troca, já que o crédito bancário de fato cria meios de troca. Considerando-se a moeda em sua função de meio de troca, há certa coerência na associação destes dois elementos – moeda e crédito.36

A segunda observação dirige-se à originalidade e à especificida-de da história racional do dinheiro estabelecida por Berkeley. Gran-de parte dos escritos monetários dos séculos XVII, XVIII e mesmo XIX reconstitui uma história racional – e não necessariamente real – do dinheiro, nos seguintes termos: a intensificação das trocas faz com que uma das mercadorias seja reconhecida por todos como meio de troca; os metais preciosos assumem a função de meio de troca pela conveniência conferida por algumas de suas propriedades (divisibili-dade, elevada densidade de valor por unidade de massa, imperecibili-dade); adota-se uma cunhagem oficial para eliminar dúvidas sobre o peso e a liga da peça metálica; finalmente, o dinheiro pode ser substi-tuído em algumas de suas funções por símbolos ou substitutos não mercantis, como o papel-moeda. A história racional estabelecida por Berkeley nos queries em que desenvolve a metáfora dos homens jo-gados em uma ilha isolada – da indústria imediatamente ao crédito, entendido como disposição de poder de compra – é peculiar porque elimina algumas etapas, inclusive a de constituição de um equivalente mercantil geral (por conveniência, um peso qualquer de metal

36 “E nessa medida é lícito concluir: “Toda circulação não equivale a uma

circulação de crédito, seja qual for o meio (metal ou papel) empregado, e não é o ouro apenas crédito por tal poder ?” (Q, 425).

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cioso), passando imediatamente ao símbolo.37 Esta versão de história

racional é compatível com uma concepção mercantil e não-metálica de moeda, como a de Berkeley. Antecipa para a pré-história do dinheiro uma de suas formas mais avançadas, o crédito, mas, vol-tando à observação anterior, sempre se pode argumentar que a ante-cipação é válida para quem, como Berkeley, considera crédito sim-ples poder de compra.

Indo agora ao segundo tópico - relação entre moeda, comércio internacional e preços – é interessante retomar a espécie de paradoxo assumido por Berkeley no Querist, que é o de admitir a presença do comércio internacional e até mesmo prescrever medidas de controle das importações e de estímulo às exportações irlandesas, ao mesmo tempo em que desenvolve um modelo monetário para economia fechada. Uma comparação com Locke e Hume, dois autores que situaram suas teorias monetárias em economias abertas, pode ser esclarecedor.

Um dos argumentos principais de Locke, em sua contraposi-ção a propostas de alteracontraposi-ção do padrão monetário inglês e de fixacontraposi-ção da taxa de juros por lei, era o de que estes atos unilaterais do governo afetariam a confiança - o trust. Em seus textos econômicos,38 a

moe-da é entendimoe-da como um desdobramento do pacto que preside as relações sociais em um sistema representativo. Na verdade, os

argu-37 Pode-se também dizer que Berkeley, para realçar o papel-moeda,

ape-nas compactou a história racional da moeda, passando da primeira a última etapa. Reconheça-se, no entanto, que em outras passagens, desdobrou as etapas e seguiu o padrão difundido: “Na sociedade rude e original o primeiro passo não foi a troca de mercadorias; o seguinte uma substituição por metais com peso determinado como o meio comum de circulação; após, a utilização de moeda; finalmente, um refinamento adicional pelo uso de papel com marcas e assinaturas apropriadas? E este ultimo aperfeiçoamento não foi o maior de to-dos?” (Q, 445).

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mentos de Locke têm natureza e objetivos duplos. Por um lado, procuram demonstrar que intervenções unilaterais (efetuadas pelo governo) no padrão monetário e na taxa de juros afetam o estado de confiança, e assim representam uma burla ao pacto social.39 Por

ou-tro, relembram que a soberania é por definição restrita aos nacionais. No plano econômico, a falta de poder impositivo sobre os não-nacionais e a mobilidade do dinheiro minam a eficácia das medi-das que atentam contra a ordem natural. Por exemplo, se a Inglaterra tabelar a taxa de juros a um nível abaixo da taxa natural de equilíbrio e do padrão internacional, os súditos retrairão a oferta de fundos de empréstimo (ou direcionarão os fundos de empréstimo a aplicações ilegais) e os estrangeiros deixarão de aplicar dinheiro no país. Haverá uma restrição na oferta monetária e em decorrência a taxa efetiva de juros sofrerá elevação. De modo análogo, se a relação de troca entre o padrão monetário legal e o conteúdo metálico das moedas for alte-rado, em detrimento dos detentores de moedas, ocorrerá uma drena-gem de moeda para o exterior. Ninguém pode obrigar um súdito a trocar seu metal por um padrão – a moeda – cujo valor foi artificio-samente modificado. Enfim, em um caso e em outro, a falta de a-brangência das políticas nacionais sobre o território não-nacional, o livre comércio e a possibilidade de (legal ou ilegalmente) evadir moe-da do território farão com que as medimoe-das que arranharam o trust revelem-se ineficazes.40

39 Berkeley também se preocupou com as alterações arbitrárias no

pa-drão monetário: “Mudanças arbitrárias na denominação da moeda não consti-tuem fraude pública?” (Q, 28).

40 Que Berkeley conhecia as implicações da alteração do valor da moeda

em uma economia aberta está bem claro: “Todas as coisas consideradas, uma elevação geral do valor do ouro e da prata não está tão longe de trazer maiores quantidades deles ao reino que produziria um efeito direto contrário, na medida em que menos, neste caso, serviria, sendo portanto menos demandado? E os homens não importam uma mercadoria em proporção à demanda ou falta

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Naturalmente, Locke toma como referência um sistema mo-netário baseado em moedas metálicas e, mais importante, reconhece que o metal é o padrão de trocas internacional. Embora o comércio entre as nações adote como instrumento títulos de crédito válidos nos diversos países (bills of exchange), no balanço final entre os títulos as posições superavitárias ou deficitárias têm que ser compensadas por movimentos de metal. Volta-se assim à verdade dos mercantilis-tas: transações superavitárias são a única maneira de expandir o meio circulante (metálico) de um país.

Já para Berkeley, o fato de no comércio internacional também serem utilizados títulos de crédito torna-se um argumento para mos-trar que se pode prescindir do metal: “Nossos pagamentos não são de

fato feitos com títulos? E nosso crédito externo não depende da indústria doméstica, e nossos títulos de tal crédito? (Q, 494). Há nesta

argumen-tação um non sequitur. É verdade que os pagamentos são feitos com títulos e que o crédito externo advém da indústria doméstica, na medida em que são exportados bens produzidos localmente – sem produção local não há exportação. Esta constatação (os pagamentos são feitos por títulos) e este truísmo (exporta-se o que se produz lo-calmente), no entanto, não provam que os metais são desnecessários ao comércio internacional, por duas razões: o valor efetivo em metal é que determina as taxas de câmbio (relação de troca entre as moedas nacionais) e, como foi visto, o movimento de saldos metálicos tem a função de compensar os desequilíbrios, após a liquidação das notas de crédito.

Como Locke e Hume, Berkeley é um adepto da teoria quanti-tativa da moeda, ou seja, sustenta que os preços são função da quan-tidade de moeda em circulação. No Querist há até mesmo uma

ex-dela?” (Q, 462). A questão não penetra na essência de seu sistema monetário, que tem como referência o comércio doméstico.

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tensão do suposto quantitativista a qualquer tipo de moeda, e não apenas às peças metálicas.41 Se levarmos ainda em consideração que o Querist adota um modelo de determinação dos preços por oferta e

demanda, teremos à mão todos os elementos necessários a um trata-mento mais completo da taxa de câmbio e da determinação do equi-líbrio no comércio internacional. Neste ponto o sistema de Berkeley contém uma lacuna, que só pode ser explicada por sua fixação no comércio interno.

O contraponto com o desenvolvimento dado por Hume à mesma matéria é elucidativo.42 Em síntese, partindo da teoria

quanti-tativa da moeda – a oferta monetária afeta os preços, e não a produ-ção -, e do movimento de metais preciosos entre os países provocado por desequilíbrios nas transações internacionais, Hume conclui que o influxo de metais provocado por um superávit/déficit comercial provoca elevações/reduções nos preços e, deste modo, um desequilí-brio na relação entre preços internos e preços internacionais (mu-danças na taxa de câmbio). Segue-se um movimento corretivo: se houver superávit nas transações internacionais, a elevação dos preços produz aumento nas importações e desestimula as exportações, até o ponto em que os preços relativos atinjam o nível de equilíbrio, e vice-versa. Enfim, o movimento dos meios de pagamento metálicos (specie flow mechanism) equilibra preços e taxa de câmbio.43

Levando-se em consideração que versões menos completas (ou menos precisas) do modelo de equilíbrio dos balanços de pagamento,

41 “Não é verdade que, ceteris paribus, os preços aumentam com a

quantida-de quantida-de dinheiro, e diminuem com sua diminuição? E por quantidaquantida-de quantida-de dinheiro não se pode entender o total de denominações, sendo todos os contratos nominais a libras, shillings e pence, e não a pesos de ouro e prata?” (Q, 465).

42 Ver Hume, Essays – moral, political, and literary (Hume, 1752),

parti-cularmente os ensaios III e V da Parte II.

43 A formulação de Hume tem ainda outras qualificações, mas seu

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formulado canonicamente por Hume, foram antecipadas por diver-sos economistas do século XVII, inclusive Locke, não é razoável considerar a hipótese de que Berkeley desconhecesse a matéria. Só se pode atribuir sua omissão ao foco deliberado no comércio interno e à tentativa de demonstrar que os meios de pagamento não-metálicos são suficientes para o desenvolvimento do país.

Conclusões

Os escritos econômicos de Berkeley, particularmente o

Que-rist, não deixam dúvidas quanto ao amplo domínio da temática

eco-nômica pelo autor. A quase nula menção a outros autores e obras é antes um hábito da época e uma escolha estilística do que um indica-dor de desconhecimento da literatura econômica do século XVII e início do século XVIII.

O que torna a contribuição de Berkeley especial – e menos di-fundida na história do pensamento econômico – são alguns de seus atributos e circunstâncias. Antes de mais nada, os escritos econômi-cos deixam clara a presença do moralista e do pregador religioso. A exortação assume um papel dominante, e daí o destaque conferido aos ataques à indolência, à cupidez dos especuladores, aos hábitos de consumo suntuário, assim como o elogio à frugalidade, à moderação, à educação etc.

Decorre da visão religiosa, do mesmo modo, a concepção de uma sociedade que, inclusive na esfera econômica não deve ser orga-nizada pelo princípio do auto-interesse, senão pelo ordenamento divino; assim como de um estado a quem cumpre garantir o cum-primento de preceitos divinos e organizar as relações sociais. Para Berkeley, a sociedade econômica não pode ser vista como uma ver-são (social) de um sistema organizado por forças naturais e psicológi-cas que atuam com a regularidade de leis. Ao contrário, é um

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orga-nismo que deve ser orientado por princípios morais e religiosos. Nessa medida, pode mesmo ser considerado a extensão da família.44

Além disso, a preocupação intensa com os problemas nacio-nais marca a contribuição econômica de Berkeley. Na verdade, os princípios gerais foram muitas vezes suplantados pela atenção a ques-tões circunstanciais, notadamente as que afetam o desenvolvimento irlandês. Todas as considerações sobre comércio internacional apói-am-se na situação da Irlanda e têm como pano de fundo uma visão bem definida sobre as relações entre a Irlanda e a Inglaterra. Nem mesmo a teoria monetária, de caráter mais geral e, com seu anti-metalismo, o ponto alto nas contribuições de Berkeley à teoria eco-nômica, deixa de estar referida às condições irlandesas.

Por último, mas não menos importante, a forma de apresenta-ção dos argumentos econômicos desempenha um papel especial no sistema de Berkeley. Não por acaso, dos três textos econômicos co-mentados, os dois que expressam a maturidade do autor – o Segundo

Diálogo de Alciphron e The Querist – adotam formas literárias muito

peculiares (diálogos e questões), que se prestam antes à exortação e à persuasão moral do que à exposição de um sistema científico ou à demonstração de teses.45 Exibem os atributos de um exímio escritor,

mas sua estrutura discursiva atende antes aos interesses do moralista do que aos do cientista, o que acresce às dificuldades de entendimen-to, passados quase trezentos anos de publicação.

Enfim, nos escritos econômicos de Berkeley, o moralista de certo modo coloca em segunda plano o filósofo-cientista.46 Neste

44 “Uma nação não pode ser considerada como uma família?” (Q, 176).

45 Se acrescermos à lista outro texto com ensinamentos econômicos, A

Word to the Wise (1749), a situação não mudará. Trata-se de uma exortação de propósito religioso, com a estrutura discursiva pertinente.

46 Para uma opinião contrária, que ressalta a dominância do sistema

cien-tífico-filosófico de Berkely em seus escritos econômicos, ver Caffentzis (2007).

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aspecto, o contraste com os escritos econômicos dos dois outros grandes nomes do empirismo anglo-saxão é evidente. Por mais que tenham sido provocados por questões de momento e/ou pelo desejo de interferir no debate político de suas épocas, os escritos monetários de Locke e os ensaios de Hume fazem sentir o peso dos respectivos sistemas filosóficos, bem como a disciplina de uma visão de mundo científica. A comparação chega a ser paradoxal: o sistema monetário que Berkeley defende (baseado em moeda-papel) representa o futuro, mas sua teoria monetária é menos geral que as de Locke e Hume, porque presa a circunstâncias muito particulares, que levaram a que tenha dado pouca atenção às relações entre sistema monetário e co-mércio internacional e à importância efetiva dos metais. Embora seja correto afirmar que toda a análise econômica formulada nos séculos XVII e XVIII tinha finalidades prescritivas, deve-se admitir que no sistema de Berkeley a prescrição domina a análise.

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Referências

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