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A Geometria

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Academic year: 2021

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CDD: 516

A GEOMETRIA – PRIMEIRO LIVRO*

RENÉ DESCARTES

Tradução de José Portugal dos Santos Ramos domluso@gmail.com

ADVERTÊNCIA

[368] Até aqui tentei me fazer compreender por todo mundo. Porém, neste tratado creio que não poderei ser lido senão por aqueles que já conheçam o que está nos livros de Geometria, pois como eles contêm muitas verdades bem demonstradas, creio que será supérfluo repeti-las, mas não por este motivo deixarei de me servir delas.

PRIMEIRO LIVRO

Dos problemas que se pode construir sem se empregar senão círculos e linhas retas

[371.4-7] Todos os problemas de Geometria podem facilmente ser reduzidos a termos tais que é desnecessário conhecer previamente mais do que o comprimento de algumas linhas retas para os construir.1

* Traduzido a partir da edição Adam & Tannery, tomo VI, pp. 368-387. A Geometria foi publicada em 1637, como um apêndice ao Discurso do Método,

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[369.8-370.14] Como toda a Aritmética consiste apenas em quatro ou cinco operações, a saber, adição, subtração, multiplicação, divisão e a extração das raízes,2 que pode ser considerada um tipo da divisão, assim também não há outra coisa a fazer em Geometria, com respeito às linhas que se desejam conhecer, senão a elas adicionar ou subtrair outras para prepará-las para serem conhecidas ou, ainda, tomando uma |, que chamarei de unidade a fim de relacioná-la o melhor possível com os números, a qual pode em geral ser escolhida arbitrariamente, e conhecendo outras duas, encontro uma quarta que esteja para uma dessas duas como a outra está para a unidade, que é o mesmo que a multiplicação; ou ainda encontrar uma quarta que esteja para uma dessas duas como a unidade está para a outra, o que é o mesmo que a divisão; ou, enfim,

Como o cálculo da Aritmética se relaciona com as operações da Geometria

sendo composta por três livros ou capítulos, dos quais o primeiro é aqui traduzido. A presente tradução teve o apoio da CAPES.

1 Smith e Latham relatam na tradução da Geometria para a lingua inglesa que:

“Muitos problemas desta natureza estão contidos nos trabalhos de Vincenzo Riccati e Girolamo Saladino, Institutiones Analyticae, Bolonha 1765; Maria Gaetana Agnesi, Istituzioni analitiche, Milão, 1748; e, sobretudo, Claude Rabuel, Commentaires sur La Géométrie de M. Descartes, Lyon, 1730”. (SMITH, nota 1, p. 2). Acrescenta-se que Van Schooten publicou a Geometria de Descartes em 1638.

2 Na nomenclatura atual, o comprimento refere-se ao segmento de reta,

designada por Descarte como linha reta. Itard afirma: “Em meados de 1629, Descartes dispunha de uma notação algébrica que em seu conjunto é a mesma adotada nos dias atuais, uma adaptação daquela esboçada por Viète, como também de seu cálculo geométrico, onde as construções que correspondem às soluções das equações são colocadas no início da análise, o que opera uma mudança decisiva em relação a Viète. Então, as principais diferenças entre Descartes e Viète são: a escolha de uma unidade de comprimento, a adoção de uma linguagem puramente aritmética e a utilização sistemática de comprimentos retilíneos, isso porque Descartes determina as resoluções das equações no inicio da análise, já Viète determina no fim da análise as construções enquanto resultado efetivo” (ITARD, 1984, p. 273).

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encontrar uma, duas ou várias medias proporcionais entre a unidade e alguma outra linha, o que é o mesmo que extrair a raiz quadrada, ou cúbica, etc. E não temerei introduzir esses termos da Aritmética na Geometria para me fazer compreender melhor.

[370.15-20] Seja, por exemplo, AB a unidade, e que deva multiplicar-se BD por BC; tenho apenas que unir os pontos A e C, e traçar DE paralela a CA; BE então é o produto desta multiplicação.

A

multiplica-ção

[370.21-23] Ou então, se se pretende dividir BE por BD, tendo unido os pontos E e D, traça-se AC paralela a DE; BC é o resultado desta divisão.

A divisão

[370.24-371.3] No caso em que se pretende extrair a raiz quadrada de GH, adiciona-se ao longo da linha reta FG, que é igual à unidade, e dividindo FH em duas partes iguais pelo ponto K, descrevo a partir de K o círculo FIH. Depois, traçando do ponto G uma reta com ângulos retos sobre FH, até I, | GI é a raiz buscada. Não digo aqui nada sobre a raiz cúbica nem sobre as outras [raízes], pois tratarei detalhadamente delas mais adiante.

A extração da raiz quadrada

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[371.14-15] Muitas vezes não há necessidade de traçar essas linhas sobre o papel visto ser suficiente designá-las por certas letras, uma para cada linha. Assim, para somar a linha BD à GH, designo uma por a, outra por b e escrevo a + b; e a – b para subtrair b de a; e ab para multiplicar uma pela outra; e para dividir a por b; e aa ou a² para multiplicar a por si mesma; e a³ para multiplicar outra vez por a, e assim ao infinito.3 E para

extrair a raiz quadrada de a²+b²; e para

extrair a raiz cúbica de a³– b³+abb e, assim de outras.

[371.16-20] Deve-se observar que para a², b³ ou outras expressões semelhantes, eu não concebo ordinariamente senão linhas simples, ainda que para me servir dos nomes utilizados pela álgebra eu as designe quadrados, cubos, etc.4

Como se pode empregar letras na Geometria

3 Jullien relata – baseando-se nos pressupostos da matemática de Descartes –

que: “para estabelecer a relação entre as equações algébricas e as linhas geométricas, não é necessário extrair as linhas, escrevendo-as no papel, pois era suficiente para Descartes designar cada uma das linhas por uma única letra”. (JULLIEN, 1996, p. 70).

4 Paty relata: “Descartes concebia seu trabalho matemático em geometria

algébrica como ratificação da classificação dos antigos geômetras que não tinham álgebra e que consideravam o engendramento das curvas pelo movimento. Com isso, suas pesquisas pela análise eram facilitadas pelo uso de uma simbólica nova, clara e manipulável, que lhes permitia resolver rapidamente problemas complexos e atribuía o reconhecimento dos traços que remetem à classificação das curvas” (PATY, 1998, p. 9-57).

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[371.21-372.2] Nota-se também que todas as partes de uma mesma linha devem expressar ordinariamente as mesmas dimensões uma da outra quando a unidade não é determinada no problema: como a³ contém tantas dimensões quanto abb ou b³

das quais se compõe a linha que nomeei .

Contudo, não é a mesma quando a unidade é determinada, pois pode sempre ser compreendida mesmo onde houvesse muitas ou muito poucas dimensões; assim, se for preciso extrair a raiz cúbica de aabb-b, é preciso considerar que a quantidade aabb está dividida uma vez pela unidade e que | a outra quantidade b está multiplicada duas vezes pela mesma unidade.

[372.3-9] Por último, com o intuito de não se deixar de recordar os nomes destas linhas, é preciso sempre fazer uma anotação separada na medida em que se as coloque ou se as mude, escrevendo, por exemplo:

AB = 1, ou seja, AB é igual a 1 GH = a

BD = b, etc. 5

[372.10-373.27] Assim, querendo se resolver algum problema, deve-se previamente considerá-lo como já realizado6 e

Como se chega às equações

5 Para o sinal de igualdade, Descartes empregava o símbolo ∞. Entretanto, a

presente tradução utilizará o sinal =, de uso corrente.

6 A expressão “já realizado” prescreve a efetuação de uma demonstração

analítica. De acordo com Boyer: “A análise subdividia-se em transformação, que estava relacionada com a busca das condições para a solução de um problema geométrico e; em resolução, que estava relacionado com a legitimação das condições que foram previamente descobertas e estabelecidas” ( BOYER, 1996, p. 128). Já Allard diz que o método de análise subdividia-se em duas etapas, a saber, a Análise ou Resolução e Síntese ou Composição. Segue a exposição de Allard: “Supõe-se o problema resolvido. Com esse intuito é preciso apenas encontrar as condições conhecidas e desconhecidas que determinam o problema. Por definição, o círculo é um lugar geométrico (sobre um plano), equidistante de um ponto fixo, o centro. Supondo o problema resolvido, se faz necessário que o centro O do círculo conhecido seja igual a

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dar nome a todas as linhas que parecem necessárias para o construir, tanto às que são desconhecidas quanto às outras. Então, sem fazer qualquer distinção entre as linhas conhecidas e as desconhecidas, deve-se examinar a dificuldade segundo a

que servem para resolveros problemas

distância de A, B e C. Considera-se, em seguida, as consequências que decorrem desta suposição. Para isso, se deve – quando a solução é possível – dividir o problema em questão em problemas mais simples, como é aqui o caso. Então, tomando os pontos A e B, o centro O equidistante de A e B, por conseguinte, será necessariamente sobre OP, a mediatriz de AB. Do mesmo modo, se pode compreender que o centro do círculo conhecido será equidistante de B e C, e, por consequência, será situado sobre OP', a mediatriz de BC. Se progride assim até a obtenção da resposta desejada. A análise conduz a descoberta da solução. Já a partir da síntese poder-se-á demonstrar que o ponto O é o centro do círculo. Deve-se assinalar que esta demonstração já fora implicada na análise, ou, em outras palavras, a síntese é comandada pela análise”. Mas Allard assinala que Descartes usa a álgebra dos modernos mediante este mesmo método e da seguinte maneira: “Supõe-se o problema resolvido. Isto porque, se representa as quantidades desconhecidas por símbolos, a partir dos quais se formula o problema sob a forma de equações algébricas. Em seguida, se considera as consequências que decorrem desta suposição, a saber, simplificando as equações com o intuito de encontrar a solução do problema proposto. A solução constitui a resposta procurada. Eis, portanto, o papel da análise cartesiana: verificar os resultados obtidos e interpretar a solução. Do ponto de vista estritamente algébrico, esta última etapa, alega Allard: “a síntese ou composição, tem menos importância em virtude da reciprocidade das equações”. Prova: O círculo cujo centro é o ponto O e o raio O A passa pelos pontos A, B e C. No triângulo A O B, OA=OB (triângulo isósceles). No triângulo BOC, OB=OC (mesmo raio). Logo, OA=OB=OC, (duas coisas iguais à uma terceira são iguais entre elas). Este método analítico compreende necessariamente duas etapas complementares que procedem de maneira inversa, uma da outra: a análise permite a descoberta da solução do problema posto, e a síntese, por sua vez, permite a solução para tornar inteligível o problema resolvido. Então, a ordem seguida é a seguinte: (1) do complexo ao simples, do problema condicionado à descoberta da condição desconhecida: (2) do simples ao composto, a condição agora conhecida fornece inteligibilidade ao problema proposto. A partir de um problema onde há obrigatoriamente obscuridade, se deve descobrir a fonte de inteligibilidade que fornece clareza ao problema” (ALLARD, 1963, p. 44-48).

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ordem que mostre, de modo mais natural, de que modo elas dependem mutuamente umas das outras até que se tenha encontrado a maneira de expressar uma mesma quantidade de dois modos, o que se se denomina equação, pois os termos de um desses dois modos deve ser igual àquele do outro. E se deve encontrar tantas dessas equações quantas são supostas serem as linhas desconhecidas. Caso contrário, se não puderem ser encontradas, apesar de não se ter omitido nada daquilo que se deseja no problema, isso prova que ela [i.é, a equação] não está inteiramente determinado e, então, se pode escolher arbitrariamente as | linhas conhecidas para todas as desconhecidas às quais não correspondem nenhuma equação. Depois disso, se ainda houver muitas [linhas desconhecidas], torna-se necessário recorrer, por ordem, a cada uma das equações que restam, considerando-as isoladamente ou as comparando com outras para explicar cada uma das linhas desconhecidas e, assim, eliminando-as, fazer com que não reste senão uma, igual a alguma outra que seja conhecida, ou ainda, cujo quadrado, cubo, quadrado do quadrado, supersólido, quadrado do cubo, etc., seja igual ao que resulta da adição ou subtração de duas ou mais quantidades das quais uma seja conhecida e as outras estejam compostas de quaisquer médias proporcionais entre a unidade e esse quadrado ou cubo, ou quadrado do quadrado, etc., multiplicado por outras conhecidas. Escrevo isto desta maneira:

z = b,

ou z² = – az+bb, ou z³ = az²+bbz– c³, ou z4 = az³– c³z+d4,

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etc.7

Ou seja: z, que tomo pela quantidade desconhecida, é igual a b; ou o quadrado de z é igual ao quadrado de b menos a multiplicado por z; ou o cubo de z é igual a a multiplicado pelo quadrado de z mais o quadrado de b multiplicado por z menos o cubo de c, etc.

[373.28-374.13] Deste modo pode-se sempre reduzir todas as quantidades | desconhecidas a uma única, quando o problema pode ser construído através de círculos e linhas retas, ou ainda por secções cônicas ou mesmo por alguma outra linha que não seja composta de mais do que um ou dois graus. Todavia, não me detenho a explicar isso com mais detalhe, pois eu vos privaria do prazer de aprender por vós mesmos, e a utilidade de cultivar vosso espírito exercitando-o é, em minha opinião, o que há de mais importante que se pode obter desta ciência. Não me refiro, também, a nada tão difícil que aqueles que sejam um pouco versados na Geometria elementar e na Álgebra, e que se apliquem com cuidado a tudo o que está neste tratado, não possam encontrar.8

7 "z4 =+ az³+ B² z²- C³Z + d4" (SCHOOTEN apud ADAM & TANNERY,

1996, p. 373).

8 Na introdução da edição de 1637 da Geometria, Descartes fez a seguinte

observação: “Nos meus escritos anteriores eu tentei me fazer claro para todo mundo; mas eu tenho dúvidas se esse tratado será lido por alguém que não seja familiarizado com livros de Geometria, e então eu julguei supérfluo repetir demonstrações contidas neles”. La Geometrie (AT, VI, 368). Numa carta a Mersenne, datada de 1637, Descartes afirma: “Não desejo falar em prol de mim mesmo, mas uma vez que poucas pessoas conseguem entender a minha geometria e uma vez que o senhor deseja que forneça minha opinião sobre isso, eu julgo que vale dizer que isto é tudo que eu pude esperar, e isso na Dióptrica e nos Meteoros eu apenas tentei persuadir as pessoas que o meu método é melhor que o ordinário. Eu provei isto na Geometria, pois no início eu resolvi uma questão que, segundo Pappus, não poderia ser resolvida por

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[374.14-19] Por isso, me contentarei aqui a vos advertir que, sempre ao resolver estas equações, não se deve esquecer de efetuar todas as divisões que sejam possíveis, e desse modo se obterá infalivelmente os termos mais simples aos quais o problema pode ser reduzido.

[374.20-27] Se isto pode ser resolvido pela geometria elementar, isto é, pelo uso de linhas retas e de círculos que seguem uma superfície plana, quando a última equação tiver sido inteiramente resolvida não restará no final senão um quadrado desconhecido, igual àquele que se produziu pela adição, ou subtração, de sua raiz multiplicada por alguma outra quantidade conhecida e de alguma outra quantidade também conhecida.9

Quais são os problemas

planos

[374.28-375.13] E então esta raiz, ou linha desconhecida, se encontra facilmente, pois, tem-se, por exemplo: z² = az+bb.

Como são resolvidos

nenhum dos antigos geômetras Correspondance (AT, I, 478). E, em uma outra carta Descartes diz: “Além disso, o que eu forneci no Livro II sobre a natureza e as propriedades das linhas curvas, assim como o método de examiná-las, parece-me tão distante do tratamento da geometria elementar quanto a retórica de Cícero está além do abc das crianças” Correspondance (AT, I, 479). Já em uma outra carta, Descartes acrescenta: “Omiti várias coisas que poderiam ter feito a Geometria mais clara, mas eu fiz isso intencionalmente, e não faria isso de outro modo. As únicas sugestões que foram feitas no que toca a mudanças na Geometria dizem respeito a tornar claro aos leitores, mas a maior parte destes leitores é tão maliciosa que eu estou completamente decepcionado Correspondance (AT, IV, 393).

9 Segundo Jullien, Descartes trata os problemas planos associando duas

propriedades. A primeira propriedade pressupõe que os problemas são resolvidos com o auxílio de retas e círculos. A segunda propriedade pressupõe que a última equação seja do segundo grau. Jullien ainda acrescenta que os procedimentos algébricos e geométricos são propostos para esclarecer as questões que se remetem a uma equação do segundo grau (Cf. JULLIEN, op.cit., p. 79).

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| Construo o triângulo retângulo NLM, cujo lado LM é igual a b, raiz quadrada da quantidade conhecida bb, e o outro LN é , a metade da outra quantidade conhecida, que está multiplicada por

z, que suponho ser a linha desconhecida. Então, prolongando

MN, a base desse triângulo, até O, de modo que NO seja igual a NL, a linha total OM, ou z, que é a linha procurada.10 E ela se expressa desta maneira:

. [375.14-25] Tendo-se:

yy = – ay+bb,

e sendo y a quantidade que é necessário encontrar, construo o mesmo triângulo NLM, e de sua base MN levanto NP igual a NL, e o resto PM, que é y, é a raiz buscada. De modo que tenho:

10 Nesta passagem Descartes não reconhece as raízes negativas das equações

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. E é igual caso tivesse:

x4 = – ax²+b²,

PM seria x² e eu teria

,

e assim para outros casos.

[376.1-12] Enfim, se se tem

z² = az–bb,

faço NL igual a , e LM igual a b, como anteriormente; então, em vez de unir os pontos M e N, traço MQR paralela à LN, e traçando um círculo de centro em N que passa por L, que corta nos pontos Q e R, a linha buscada z é MQ, ou, antes, MR, pois neste caso ela se expressa de duas maneiras, a saber:

, e

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[376.13-16] E se o círculo que, tendo seu centro no ponto N, passa pelo ponto L, não corta nem toca a linha reta MQR, não há nenhuma raiz na equação, de modo que se pode assegurar que a construção do problema proposto é impossível.11

11 Segundo Jullien: “Sejam por isso as equações: z²=az+BB ou yy= – a+BB ou

z²=az–bb. O cálculo algébrico fornece a expressão das soluções das linhas, do tipo: z= +/– (para a primeira) e Descartes propõe então – em cada caso – um meio geométrico de construção. Traça-se um triangulo retângulo cujo um lado é LM=b, e o outro é LN= . A hipotenusa é por isso: NM= . Traça-se o círculo de centro N e de raio NL. A linha MN, prolongada, corta este círculo em O e, evidentemente: MO= + seja uma das raízes procuradas. Uma coisa é por isso ter identificado a expressão algébrica da solução, e outra coisa é fornecer uma construção. Para Descartes encontrar a solução constrói a linha. O método consiste em atribuir a uma etapa da resolução a álgebra para enfim legitimar/validar este procedimento pela construção de uma linha. Este momento intermediário é extremamente relevante porque é por essa via que é revelada a ordem como os problemas são postos”. (JULLIEN, op. cit., p. 79-80).

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[376.17-28] Por outro lado, estas mesmas raízes podem ser encontradas por uma infinidade de outros meios, e somente quis indicar aqui essas muito simples, a fim de mostrar que se pode construir todos os problemas de geometria elementar sem se fazer mais do que aquele pouco que está compreendido nas quatro figuras que expliquei. Não creio que os antigos tenham observado isto, pois, caso contrário, eles não teriam se incomodado em escrever livros tão volumosos em que basta a ordem das proposições para nos mostrar que não possuíam o verdadeiro método para as descobrir, mas que apenas reuniram aquelas que tinham resolvido.

[377.1-14] | E isto se pode ver muito claramente no que Pappus propôs no início de seu Livro VII, onde, depois de ter se proposto a citar tudo o que havia sido escrito em geometria pelos que o haviam precedido, trata finalmente de um problema que diz que nem Euclides, Apolônio ou qualquer outro havia conseguido resolver inteiramente.12 Eis aqui suas palavras:13

12 Paty diz: “Em Leyde, em 1631, Descartes tomou conhecimento do

problema de Pappus através do orientalista J. Gool, ou Golius (1596-1667), recém-nomeado professor da Universidade, e que trazia do Oriente informações de manuscritos árabes, juntamente com o problema relativo aos segmentos de retas ligadas por relações de proporções. Descartes, de posse deste material, o resolveu em algumas semanas pela geometria algébrica, fornecendo então um dos primeiros exemplos de resolução puramente analítica de um problema de geometria” (PATY, op. cit., loc. cit). Entretanto, ainda é necessário explicar em que consiste a resolução lógico-matemática do problema de Pappus. Para tanto, é necessário examinar os procedimentos metódicos de análise e síntese no próprio interior da matemática de Pappus. Segundo Boyer: “Há uma descrição completa do que se denominava para os antigos como o método de análise e de uma coleção de obras conhecida como Tesouro da Análise. Pappus descreve a análise como sendo um método de conceber como aceito o que se busca, e assim passar por suas conseqüências até alguma coisa que seja aceita como resultado da síntese. Dito de outra forma, Pappus observava na análise uma solução ao contrário, cujos passos deveriam ser

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Mas esse lugar de três ou quatro linhas, onde Apolônio disse, em seu Livro III, que nem mesmo Euclides tinha tratado inteiramente, como tampouco o fez qualquer outro, não teria conseguido determiná-lo nem adicionar nada ao que Euclides houvera escrito, apenas pelas [secções] cônicas, que foram demonstradas antes do tempo de Euclides, etc.14

[377.15-378.22] E, um pouco mais adiante, explica qual é este problema do seguinte modo:

Esse lugar de três ou quatro linhas retas, a propósito do qual Apolônio elogia e se vangloria das suas descobertas, ainda que devesse estar reconhecendo o primeiro que a tratou, é o seguinte: Se, dadas as posições de três retas e traçando a partir de um ponto outras três retas que formem com aquelas ângulos dados e, se é dado a relação entre o retângulo formado por duas destas retas com o quadrado da outra, o ponto encontrar-se-á sobre um lugar sólido, dado em posição, isto é, sobre uma das três cônicas. Se forem quatro retas dadas |, e se traçam outras quatro formando com aquelas ângulos dados, e se conhece a relação do retângulo de duas das linhas desenhadas com a das outras duas, então, da mesma maneira, o ponto será encontrado igualmente sobre uma secção cônica. Se as retas são apenas duas, está, pois, estabelecido que o lugar é plano; porém, se é dado mais do que quatro, o lugar do ponto

Cito antes a versão latina do que o texto grego para que todos a entendam mais facilmente

percorridos de novo em sentido inverso para assim fornecer uma demonstração matematicamente válida. Se a análise levasse a alguma coisa impossível, o problema também seria impossível, pois uma conclusão falsa implica em uma premissa falsa. Como se segue, Pappus explica que o método de análise e síntese é usado pelos autores cujas obras constituem o autêntico Tesouro da Análise. Com isso, Pappus menciona os tratados dos Elementos de Euclídes e as Cônicas de Apolônio” (BOYER, op. cit., p. 128).

13 Descartes, às vezes, reproduz o texto da versão original de maneira inexata:

Pappi Alexandrini mathematicae collectiones a Frederico Commandino Vrbinate in latinum conversoe et commentariis illustratoe (ADAM & TANNERY, op. cit., p. 377).

14 Segue a versão latina: Quem autem dicit (Apollonius) in tertio libro loucm ad tres &

quatuor lineas ab Euclide perfectum non esse, neque ipse perficere poterat, neque aliquis alius; sed neque paululum quid addere iis quae Euclides scripfit, per ea tamtum conica quae vfque ad Euclidis tempora praemonstrata sunt, & c. (AT, VI, 377).

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não é conhecido, assim chamam-se simplesmente linhas. Não está claro o que elas são, ou quais são as suas propriedades. Uma delas, não a primeira, mas a mais manifesta, tem sido examinada e isso tem sido provado ser útil. No entanto, estas são as proposições relativas a elas.

Se de um ponto se traçam cinco retas dadas em posição, outras retas formam com elas ângulos dados, e ocorrer assim a relação entre o paralelepípedo retângulo sólido formado por três das linhas e o paralelepípedo retângulo sólido formado por outras duas e por outra linha dada, encontrar-se-á o ponto sobre uma linha em posição. Se as linhas dadas forem seis, e se houver proporção entre o sólido formado por três das linhas dadas e o sólido formado pelas outras três, encontrar-se-á também o ponto sobre uma linha dada em posição. Mas, se forem mais de seis retas, que não se pode dizer que ocorre a proporção entre um objeto compreendido por quatro retas e outro formado pelas outras, pois não há nenhuma figura que esteja formado por mais de três dimensões.15

[378.23-379.13] Aqui, rogo que observem, sem entrar

15 Segue a versão latina: At locus ad tres & quatuor lineas, in quo [Apollonius]

magnifice fe iactat & oftentat, nulla habita gratia ei qui prius fcripferat,eft huiufmodi. Si, positione datis tribus rectis lineis, ab vno & eodem puncto ad tres lineas in datis angulis rectae leneae ducantur, & data fit proportio rectanguli contenti duabus ductis ad quadratum reliquae, punctum contingit pofitione datum solidum locum, hoc est vnam ex tribus conicis sectionibus. Et, si ad quatuor rectas lineas positione datas in datis angulis lineae ducantur, e rectanguli duabus ductis contenti ad contentum duabus reliquis proportio data sit, similiter punctum datam coni sectionem positione continget. Siquidem igitur ad duas tantum, lócus planus ostensus est. Quod si ad plures quam quatuor, punctum continget locos non adhuc cógnitos, fed lineas tantum dictas; quales autem sint, vel quam habeant proprietatem, non constat: earum vnam, neque primam, & quae manifeftiffima videtur, compofuerunt oftendentes vtilem esse. Porpositiones autem ipfarum hae sunt: Si ab aliquo puncto, ad positione datas rectas lineas quinque, ducantur rectae lineae in datis angulis, & data fit proportio folidi parallelepipedi rectanguli, quod tribus ductis lineis continetur, ad folidum parallelepipedum rectangulum, quod continetur reliquis duabus & data quapiam linea, punctum pofitione datam lineam continget. Si autem ad fex, & data sit porportio folidi tribus lineis contenti ad folidum quod tribus reliquis continetur, rurfus punctum contiget positione datam lineam. Quod fia d plures quam fex, non adhuc habent dicere an data sit proportio cuiufpiam contenti quatuor lineis ad id quod relequis continetur, quoniam non est aliquid contentum pluribus quam tribus dimenfionibus (AT, VI, 377-378).

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em detalhes, que o escrúpulo que tinham os antigos em empregar os termos da Aritmética na Geometria, que não podia provir senão de não verem claramente a relação entre eles, o que produzia bastante obscuridade e confusão na maneira com que se expressavam. Pappus prossegue da seguinte maneira:

Todavia, os que antes de nós trataram deste assunto, acordaram que [a figura] que elas contêm não é compreensível de modo algum. No entanto, é admissível, por meio das relações compostas, enunciar e demonstrar de modo geral as proposições antes citadas e as que seguem. Eis a seguir como: Se, a partir de um ponto se traçam retas dadas em posição e outras retas formam com elas ângulos dados, há proporção composta de uma com uma das traçadas, da segunda com a segunda e da terceira com a terceira, e [assim] com as restantes linhas [retas] dadas, se forem sete. Se forem oito, da última com a última o ponto encontrar-se sobre as linhas que são dadas em posição. E, de modo similar para qualquer que seja o número [de retas] ímpares ou pares, pois estas, como eu disse, correspondem em posição às quatro linhas. Portanto, ninguém no passado estabeleceu como fazer conhecer esta linha.16

[379.14-380.24] Assim, pois, a questão que Euclides havia começado a resolver e que Apolônio prosseguiu, sem que nenhum a tivesse terminado, era esta: dado três ou quatro ou mais números de linhas retas pela posição, deve-se, primeiramente, encontrar um ponto a partir do qual se possam traçar outras linhas retas, fazendo cada uma um dado ângulos

16 Segue a versão latina: Acquiescunt autem his qui paulo ante tália interpretati sunt,

neque vnum aliquo pacto comprehensibile significantes quod his continetur. Licebit autem per coniunctas proportiones haec & dicere & demonftrare vniuerfe in dictis proportionibus, atque his in hunc modum. Si ab aliquo puncto, ad positione datas rectas lineas, ducantur rectae lineae in datis angulis, & data sit proportion contuncta ex ea quam habet vna ductarum ad vnam, & altera ad alteram, & alia ad aliam, & reliqua ad datam lineam, si sint septem: si vero octo, & reliqua ad reliquam: punctum continget pofitione datas lineas. Et similiter, quotcumque sint impares vel pares multitudine, cum haec, vt dixi, loco ad quatuor lineas respondeant, nullum igitur pofuerunt ita vt linea nota sit, &c. (AT, VI, 378-379).

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dado com uma das anteriores, de modo que o retângulo formado por duas dessas assim traçadas do mesmo ponto tenha a proporção dada com o quadrado da terceira, se não há mais do que três; ou, se houver quatro, com o retângulo das outras duas ou, ainda, havendo cinco, que o paralelepípedo formado por três tenha uma dada proporção com o paralelepípedo das duas que restam e de outra linha dada. Ou, se há seis, que o paralelepípedo composto por três tenha uma proporção dada | com um paralelepípedo de três outros. Ou, havendo sete, aquilo que se obtém multiplicando quatro, tenha uma dada razão com o produto das três restantes por outra linha dada. Ou, se há oito, que o produto da multiplicação de quatro tenha a proporção dada com o produto das outras quatro. E, assim, se pode estender este problema a qualquer quantidade de linhas. Porém, em virtude de existir sempre uma infinidade de pontos diversos que podem satisfazer o que aqui se pede, se requer também conhecer e traçar a linha sobre a qual devem se encontrar, e Pappus relata que quando não há mais do que três ou quatro linha retas dadas, eles se encontram numa das três secções cônicas,17 mas ele não tratou de descriminá-la, descrevê-la, nem

17Ao tocante dos procedimentos matemáticos de Apolônio, sua obra As

Cônicas contempla um papel determinante na Geometria de Descartes. Sobre o ponto de vista histórico da matemática, Boyer relata que: “as secções cônicas eram conhecidas há cerca de um século e meio quando Apolônio escreveu o seu tratado sobre esse estilo de curvas geométricas. Pelo menos nesse intervalo as cônicas tinham sido descritas de forma generalizante por Euclides em Os Elementos, contudo, As cônicas de Apolônio substituiu a obra de Euclides. Como se segue, antes do tempo de Apolônio, a elipse, a parábola e a hipérbole eram obtidas como secções de três tipos bem diferentes de cone circular reto, conforme o ângulo no vértice fosse agudo, reto ou obtuso. Apolônio, aparentemente pela primeira vez, mostrou sistematicamente que não seria necessário tomar secções perpendiculares a um elemento do cone e que de um único cone podem ser obtidas todas as três espécies de secções cônicas, simplesmente variando a inclinação do plano de secção. Esse foi um passo

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de explicar [a linha] onde todos esses pontos devem se encontrar quando o problema está proposto para um número maior de linhas. Acrescenta apenas que os antigos haviam imaginado uma que mostravam ser útil, e ainda que parecesse a mais manifesta, não era, no entanto, a primeira. Isto me deu a oportunidade de ensinar se, pelo método do qual me sirvo, se pode ir tão longe quanto eles foram.

[380.25-381.14] Primeiramente, entendi que este problema não era colocado senão para três, quatro ou cinco linhas, podendo-se sempre encontrar os pontos procurados pela geometria elementar, ou seja, não se servindo senão da régua e do compasso, nem se fazendo outra coisa senão aquilo que já foi dito, exceto somente quando há cinco linhas dadas, sendo estas todas | paralelas.18 Neste caso, como quando o problema se refere a seis, 7, 8 ou 9 linhas, pode-se sempre encontrar os pontos buscados pela geometria dos sólidos, isto é, empregando alguma das três secções cônicas, exceto somente quando há nove linhas dadas, se todas são paralelas.19 Neste caso, novamente, também para 10, 11, 12 ou 13 linhas, pode-se encontrar os

Resposta ao problema de Pappus

importante para relacionar os três tipos de curvas. Uma segunda generalização importante se efetuou quando Apolônio provou que o cone não precisa ser reto, isto é, um cone cujo eixo é perpendicular à base circular – podendo ser também um cone obliquo ou escaleno. Finalmente, Apolônio trouxe as curvas antigas mais para perto do ponto de vista moderno, substituindo assim o cone de uma só falha por um duplo” (BOYER, op. cit., p. 99).

18 Numa carta enviada a Mersenne, datada de 5 de abril de 1632, Descartes

relata o período que passou para resolver o problema de Pappus: “Eu vos direi que empreguei apenas cinco ou seis semanas para encontrar a solução” Correspondance (AT, I, 244).

19 Numa carta enviada a Mersenne, datada de 3 de maio de 1632, Descartes

relata que resolve o problema de Pappus a partir das secções cônicas e dos lugares sólidos, ou ainda utilizando graus mais compostos. Cf. Correspondance (AT, I, 245).

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pontos procurados por meio de uma linha curva que seja de um grau mais composto que as secções cônicas; exceto para 13 [linhas] se forem todas paralelas. Neste caso e para o de catorze, 15, 16 e 17 [linhas], será necessário empregar uma linha curva de um grau ainda mais composto do que a precedente, e, assim, ao infinito.

[381.15-30] Assim, descobri também que quando não há mais do que três ou quatro linhas dadas, todos os pontos buscados se reencontram, não somente em uma das três secções cônicas, mas também por vezes na circunferência de um círculo ou em uma linha reta. Quando há 5, 6, 7 ou 8 [linhas], todos os pontos se reencontram em alguma das linhas que são de um grau mais composto que as secções cônicas, e é impossível imaginar alguma que não seja útil a este problema; mas, também podem, novamente, se reencontrarem em uma secção cônica, em um círculo ou em uma linha reta; se forem 9, 10, 11 ou 12 [linhas], os pontos se reencontram em uma linha que não pode ser senão composta de um grau maior que as precedentes, e todas as que são compostas de um grau maior podem servir, e assim o infinito.

[381.31-382.7] Quanto à restante, a primeira e mais simples de todas| depois das secções cônicas, é a que pode ser descrita pela interseção de uma parábola e de uma linha reta, conforme será explicado em breve. Penso ter satisfeito inteiramente aquilo que Pappus nos diz ter sido procurado pelos antigos, e tentarei fornecer a demonstração em poucas palavras, pois estou cansado de tanto escrever.

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[382.8-17] Sejam AB, AD, EF, GH, e etc. várias linhas dadas em posição e que se queira encontrar um ponto, como C, do qual se tendo traçado outras linhas sobre as [linhas] dadas, como CB, CD, CE e CH, de modo que os ângulos CBA, CDA, CFE, CHG, etc., sejam dados, e que aquilo que é o produto da multiplicação de uma parte destas linhas seja igual àquilo que é o produto da multiplicação das outras ou, ainda, que elas tenham outra proporção dada, o que não torna, de modo algum, o problema mais difícil.20

20 Jullien fornece uma explicação contemporânea para a resolução do problema

de Pappus: “Sejam quatro retas D1, D2, D3, D4 dadas; um ponto C estando

considerado, anota-se d1, d2, d3, d4, os comprimentos dos seguimentos, juntam

C a D1 (respectivamente 2, 3 e 4), sob um ângulo dado. Deve-se fixar a relação

do produto d1 . d2, ao produto d3 . d4. Ainda conforme a autor, para Descartes a

resolução do problema admite duas partes distintas. A primeira requer que se encontre um ponto C correspondente à relação fixada. A segunda requer que seja determinada a linha onde se devem encontrar todos os pontos convenientes. É fornecido a exemplificação para a resolução utilizando-se quatro linhas. Se apenas três linhas são dadas, a relação fixada será de d1.d2 à

(d3)². Para cinco linhas, a relação será d1.d2.d3 à d4.d5.k (k seria uma linha dada,

necessária para respeitar a lei dos homogêneos). Segundo Jullien, o problema de Pappus pode ser generalizado para n linhas, anotando a adaptação necessária quando n é impar. Uma das retas é tomada como eixo das abscissas,

(21)

[382.18-383.11] Primeiramente, suponho a coisa como já feita21 e, para me livrar da confusão de todas | estas linhas, considero uma das dadas e uma das que se deve encontrar, por exemplo, AB e CB, como as principais, às quais trato de referir todas as outras. Seja designado x o segmento da linha AB compreendido entre os pontos A e B, que BC seja designado por

y e que se prolonguem todas as demais linhas até que cortem

também estas duas, também prolongadas, se necessário, desde que não sejam paralelas a elas. Como notais aqui, elas cortam a linha AB nos pontos A, E, G e a linha BC nos pontos R, S, T.

[383.11-383.18] Ora, como todos os ângulos do triângulo ARB são dados, a proporção que há entre os lados AB e BB é também dada,22 e a indico como de z para b, de modo que AB sendo x, RB será e a [linha] total CR será + , pois o ponto B fica entre C e R; então, se R ficasse entre C e B, CR

Como se deve colocar os termos para se chegar à equação deste exemplo

um ponto A é tomado como origem e uma direção determina as ordenadas. Um ponto C – solução do problema – será procurado. Acrescenta-se que esse ponto será a duas coordenadas AB=x e BC=y (BC é a primeira linha implicada na análise do problema). Descartes mostra então – com o auxílio de considerações simples, isto é, com o auxílio de linhas e ângulos dados e conhecidos – que todas as outras linhas consideradas no problema podem sempre ser expressas por três termos. Diante disso, a expressão algébrica de cada uma das linhas di, implicadas na análise do problema é do tipo ay+/– bx+/–c (onde a, b e c são conhecidas). Além disso, a primeira destas linhas (BC=y) não requer a incógnita x. Jullien se propõe a examinar a situação para o problema de Pappus quando se apresentam cinco linhas”. (JULLIEN, op. cit., p. 81-83).

21 Segundo Vuillemin: “Toda Geometria de Descartes destina-se à constituição

de um método inovador, isto é, do método analítico, e não mais sintético, determinando assim a resolução do problema de Pappus” (VUILLEMIN, 1960, p. 99).

(22)

seria e se C ficasse entre B e R, CR seria – + .

[383.18-384.8] Analogamente, os três ângulos do triângulo DRC são dados23 e, por conseguinte, também a proporção que há entre os lados CR e CD, que indico como z a

c, de modo que CR sendo + , CD será + . Depois

disto, porque as linhas AB, AD e EF são dadas por posição, a distância que há entre os pontos A e E é também dada e, se se a designa por k, ter-se-á EB igual a k+x; mas seria k–x se o ponto B ficasse entre E e A, e –k+x se E ficasse entre A e B. E porque os ângulos do triângulo ESB são todos dados, a proporção entre BE e BS é também dada, e a indico como z a d, se bem que BS é e a [linha] total CS é ; porém se o ponto S | ficasse entre B e C seria ; e quando C ficasse entre B e S, seria . Ademais, os três ângulos do triângulo FSC também são dados, e, consequentemente, é dada a proporção entre CS e a CF, que seria a entre z e e, e toda a [linha] . Do mesmo modo, AG, que designo l é dada e BG é l–x, pois no triângulo BGT é também conhecida a proporção entre BG e BT, que é como a entre z e f, e

(23)

e .

[384.9-11] Então, a proporção entre TC e a CH está dada pelo triângulo TCH, fazendo-a como a de z e g, tendo-se

.

[384.12-385.9] Notareis, assim, que qualquer que seja o número de linhas dadas por posição, todas as linhas traçadas a partir do ponto C tem ângulos dados conforme o enunciado e pode-se sempre expressar cada uma por três termos, dos quais um é composto pela quantidade desconhecida y multiplicada, ou dividida, por alguma outra conhecida; o outro pela quantidade desconhecida x também multiplicada ou dividida por alguma outra | conhecida, e o terceiro por uma quantidade totalmente conhecida. Excetua-se somente o caso delas serem paralelas quer à linha AB, caso em que o termo composto da quantidade x será nulo, quer à linha CB, caso em que o termo composto da quantidade y será nulo, o que fica suficientemente claro para que não me detenha a explicar mais. Quanto aos sinais + e – que se

(24)

unem a estes termos, eles podem ser mudados de todas as maneiras imagináveis.

[385.10-19] Podeis notar também que, multiplicando várias dessas linhas uma pela outra, as quantidades x e y que se encontram no produto não podem ter cada uma senão tantas dimensões quanto são as linhas, a explicação delas será dada assim que sejam multiplicadas. Elas não terão jamais mais do que duas dimensões, o que não será produzido senão pela multiplicação de duas linhas, nem mais do que três, o que não será produzido senão pela multiplicação de três, e, assim, ao infinito.

[385.20-386.10] Ademais, em virtude de não ser necessária mais que uma condição para determinar o ponto C, a saber, que o produto da multiplicação de um certo número de linhas seja igual ou (o que não é nada complicado) tenha a proporção dada com o produto da multiplicação das outras, pode-se tomar à vontade uma das duas quantidades desconhecidas, x ou y, e buscar a outra por esta equação na qual é evidente que, quando o problema não está proposto para mais do que cinco linhas, a quantidade x, que não serve para a expressão da primeira [das linhas], não pode nunca ter senão duas dimensões, de maneira | que, atribuindo a y uma quantidade conhecida, não restará senão

xx = + ou – ax + ou – bb;

e assim se poderá encontrar a quantidade x com a régua e com o compasso da maneira outrora explicada. Do mesmo modo, tomando sucessivamente infinitas grandezas diversas para a linha

y, se encontrarão também infinitas para a linha x; e assim se terá

uma infinidade de diversos pontos iguais àquele marcado C por meio dos quais se traçará a linha curva solicitada.

[386.11-387.9] Pode ocorrer também, estando o problema proposto para seis ou um número maior de linhas, e

Como se verifica que este problema é plano quando não está proposto para mais de cinco linhas

(25)

havendo entra as linhas dadas algumas que sejam paralelas a BA ou BC que uma das quantidades x ou y não tenha senão duas24 dimensões na equação, e assim se possa encontrar o ponto C com régua e compasso. Porém, pelo contrario, se elas são todas paralelas, ainda que o problema não se refira a mais do que cinco linhas, este ponto C não poderá ser encontrado desse modo, pois a quantidade x não se encontrando em toda a equação, não será permitido tomar uma quantidade conhecida para aquela denominada y, pois será essa a que se quer buscar. E posto que ela terá três dimensões, não se poderá obtê-la senão extraindo a raiz de uma equação cúbica: o que geralmente não se pode fazer sem que se empregue pelo menos uma secção cônica. Embora haja até nove linhas dadas, contanto que não sejam todas paralelas, pode-se fazer com que a equação não chegue | mais do que ao quadrado do quadrado, por meio da qual se pode sempre resolvê-la por secções cônicas da maneira que explicarei mais adiante. Embora haja até treze, pode-se sempre fazer de modo que a equação não chegue mais do que até o quadrado do cubo, de modo que possa sempre se resolver por meio de uma linha que não é senão apenas um grau mais composta do que as secções cônicas, da maneira que também explicarei adiante.

[387.9-12] Esta é a primeira parte daquilo que quis aqui demonstrar. Porém, antes de passar à segunda, é necessário que eu diga alguma coisa em geral sobre a natureza das linhas curvas.

Tradução de José Portugal dos Santos Ramos.

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24 Aut etiam unam, acrescenta Schooten (SCHOOTEN apud ADAM &

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