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Universidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação Interunidades Estética e História da Arte

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Universidade de São Paulo

Programa de Pós-Graduação Interunidades

Estética e História da Arte

LYGIA CLARK

O VÔO PARA O ESPAÇO REAL

do bi para o tridimensional

-DIRCE HELENA BENEVIDES DE CARVALHO

São Paulo

2008

(2)

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

(3)

ii

Universidade de São Paulo

Programa de Pós-Graduação Interunidades

Estética e História da Arte

LYGIA CLARK

O VÔO PARA O ESPAÇO REAL

do bi para o tridimensional

-DIRCE HELENA BENEVIDES DE CARVALHO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre.

Linha de pesquisa: História e Historiografia da Arte. Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre.

São Paulo

2008

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iii

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

CARVALHO, Dirce Helena Benevides de

Lygia Clark - O vôo para o espaço real - do bi para o tridimensional São Paulo, 2008, 127f:

Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte

Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre

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iv

FOLHA DE APROVAÇÃO

Dirce Helena Benevides de Carvalho

LYGIA CLARK - O VÔO PARA O ESPAÇO REAL do bi para o tridimensional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, na linha de pesquisa História e Historiografia da Arte, sob orientação do Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre.

Aprovado em: Banca Examinadora Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________ Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________ Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________

(6)

v

AGRADECIMENTOS

A José Eduardo Lefèvre, meu orientador, pela dedicação e tranqüilidade durante a pesquisa.

Um agradecimento especial à Profa. Dra. Dilma de Melo Silva e à Profa. Dra. Carmem Aranha, pela atenção e dedicação durante o Exame de Qualificação.

Às Divas (a irmã e a tia), aos meus sobrinhos e à amiga Graça. À Neusa Brandão, assistente acadêmica do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo.

Aos funcionários da Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”, do Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

(7)

vi

EPÍGRAFE

Fechado no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas, saído do ser, sempre há de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é circuito, tudo é rodeio, retorno, discurso, tudo é rosário de permanências, tudo é refrão de estrofes sem fim. (Gaston Bachelard)

(8)

vii

RESUMO

O presente projeto tem por escopo compreender a trajetória de Lygia Clark, dando ênfase à transição do espaço bidimensional para o tridimensional com a criação dos Bichos.

Para tanto, foi feito um recorte na produção da artista, elegendo o momento em que inicia sua pesquisa sobre a vertente geométrico-construtiva na década de 1950. Assim, este trabalho aborda as experiências realizadas pela artista no Grupo Frente (1954-56), no Neoconcreto (1959-61), que é o momento da criação dos Bichos (1960), abrangendo, ainda, a proposição Caminhando e derivações de Bichos, Trepantes e Obras-Moles (1963-1965), constituindo-se como os últimos objetos na trajetória da artista.

Os Bichos, genial articulação que Lygia realiza entre o racional e o intuitivo, provocam deslocamentos decorrentes da passagem do espaço bidimensional para o espaço real, quais sejam do papel do artista, da obra e do espectador, demonstrando a singularidade em seu processo criativo.

(9)

viii

ABSTRACT

This project aims at understanding Lygia Clark’s trajectory, emphasizing the transition from the two-dimensional to the three-dimensional space withthe creation of Bichos.

Therefore, a section was chosen from the artist’s production, selecting the moment when she starts her research on the geometrical-constructive branch in the 1950’s. So, this work is about the experiences done by the artist in the Grupo Frente (1954-56), in the

Neoconcreto (1959-61), which is the moment of the creation of Bichos (1960), comprising, also, the proposition Caminhando and derivations of Bichos, Trepantes e Obras-Moles (1963-1965), which are considered the last objects in the artist’s trajectory.

The Bichos, a brilliant articulation between the rational and the intuitive done by Lygia, cause dislocations resulting from the passage of the two-dimensional space to the real one, that is from the role of the artist, of the work and of the spectator, showing her singularity in the creative process.

(10)

ix

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 - CLARK, Lygia. Relógio de Sol, 1960-63. Latão...xii

Figura 02 - GARCIA, Torres. Escuela del Sur, 1935...19

Figura 03 - BILL, Max. Unidade Tripartida, 1948/49. ...22

Figura 04 - SERPA, Ivan. Formas, 1951...23

Figura 05 - MALUF, Antônio. Cartaz da I Bienal, 1951. ...23

Figura 06 - III Exposição do Grupo Frente, 1956. Foto de arquivo de Ferreira Gullar ...24

Figura 07 - CLARK, Lygia. Superfície Modulada no.5, 1955...25

Figura 08 - CORDEIRO, Waldemar. Idéia Visível, 1956...26

Figura 09 - LIMA, Maurício Nogueira. Desenvolvimento espacial da espiral, 1954. ...26

Figura 10 - FIAMINGHI, Hermelindo. Círculos concêntricos e alternados, 1956. ...27

Figura 11 - SERPA, Ivan. S/título, 1953. ...28

Figura 12 - SACILOTTO, Luiz. Concreção 5523, 1955. ...29

Figura 13 - CLARK, Lygia. Cabeça de Cristo, 1951...34

Figura 14 - CLARK, Lygia. Figura Sentada,1951...34

Figura 15 - CLARK, Lygia. Sem título, 1951...34

Figura 16 - CLARK, Lygia. Escada, 1948. ...35

Figura 17 - CLARK, Lygia. Escada, 1951. ...35

Figura 18 - CLARK, Lygia. Composição, 1953. ...35

Figura 19 - CLARK, Lygia. Descoberta da Linha Orgânica, 1954...36

Figura 20 - CLARK, Lygia. Composição no.5, 1954. ...37

Figura 21 - MALDONADO, Tomas. Collage sobre madera policromada. ...39

Figura 22 - ROTHFUSS, Rhod. Arlequìn, 1944...39

Figura 23 - CLARK, Lygia. Quebra da Moldura (estudo), 1954...40

Figura 24 - CLARK, Lygia. Quebra da Moldura (estudo), 1954...40

Figura 25 - CLARK, Lygia. Maquete para interior no. 1, 1955. ...43

Figura 26 - CLARK, Lygia. Superfícies moduladas no. 2, 1955. ...44

Figura 27 - CLARK, Lygia. Superfícies moduladas no. 20, 1956. ...44

Figura 28 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas no. 2, 1956...46

Figura 29 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas. 1957...46

Figura 30 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas no. 1, 1957...47

Figura 31 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas série B no. 1, 1958. ...48

Figura 32 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas série B no.3, 1958. ...48

Figuras 33–36 - CLARK, Lygia. Espaços modulados (maquetes), 1958. 90x30cm. ...48

Figuras 37–41 - CLARK, Lygia. Espaços modulados (maquetes), 1958. 30x30cm. ...49

Figura 42 - CLARK, Lygia. Espaços modulados no.2 (trabalho original), 1958...49

Figura 43 - CLARCK, Lygia. Unidade...50

Figura 44 - CLARK, Lygia. Ovo linear, 1958. ...51

Figura 45 - Fotografia de Lygia Clark em BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo...53

Figura 46 - CLARK, Lygia. Contra-relevo, 1959...54

Figura 47 - CLARK, Lygia. Casulo, 1959...58

Figura 48 - CLARK, Lygia. Casulo, 1959...58

Figura 49 - CLARK, Lygia. Casulo de ferro, 1959. ...59

Figura 50 - TATLIN, Vladimir. Contra-relevo de canto, 1915...60

Figura 51 - WEISSMANN, Franz. Três Pontas, 1958...61

Figura 52 - CASTRO, Amílcar de. Sem título, sem data...61

(11)

x

Figura 55 - CLARK, Lygia. Contra-Relevo, 1959...62

Figura 56 - CLARK, Lygia. Bicho Ponta, 1960. ...65

Figura 57 - CLARK, Lygia. Caranguejo, 1960-63...67

Figura 58 - CLARK, Lygia. Metamorfose I, 1960. ...69

Figura 59 - CLARK, Lygia. Desfolhado, 1960...69

Figura 60 - CLARK, Lygia. Projeto para o Desfolhado. ...69

Figura 61 - CLARK, Lygia. Relógio de Sol, 1960-63...70

Figura 62 - CLARK, Lygia. Em Si. 1962. ...70

Figura 63 - CLARK, Lygia. Projeto para um Planeta, 1960. ...70

Figura 64 - CLARK, Lygia. Bicho de Bolso, 1966...71

Figura 65 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960...71

Figura 66 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960...71

Figura 67 - CLARK, Lygia. Monumento a Todas as Situações, 1962. ...71

Figura 68 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960...71

Figura 69 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. Sem título, 1960...72

Figura 70 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. Sem título, 1960...72

Figura 71 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. [Metamorfose I], 1960. ...72

Figura 72 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. Sem título, 1960...72

Figura 73 - CLARK, Lygia. Arquitetura Fantástica, 1963...73

Figura 74 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960...75

Figuras 75–98 - TEIXEIRA, M. G. Estudo fotográfico com o Bicho Caranguejo de Bolso. ...88-89 Figuras 99–100 - TEIXEIRA, M. G. Detalhes das dobradiças de Bicho Caranguejo de Bolso...89

Figura 101 - CLARK, Lygia. Caminhando, 1963. ...90

Figuras 102–105 - CLARK, Lygia. Caminhando, 1963...91

Figura 106 - Fita de Moebius. Representação geométrica. ...91

Figura 107 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965...98

Figura 108 - CLARK, Lygia. Obra-Mole, 1964. ...99

Figura 109 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965...99

Figura 110 - CLARK, Lygia. (Bicho) – O antes é o depois, 1963. ...100

Figura 111 - CLARK, Lygia. (Bicho) – O dentro é o fora, 1963...100

Figura 112 - CLARK, Lygia. Abrigo poético, 1964. ...101

Figura 113 - CLARK, Lygia. Abrigo poético, 1964. ...102

Figura 114 - CLARK, Lygia. A Casa do Poeta, 1964. ...103

Figura 115 - CLARK, Lygia. Estruturas de caixas de fósforo, 1964. ...103

Figura 116 - CLARK, Lygia. Construa você mesmo seu espaço para viver. (maquete), 1960. ...104

Figura 117 - CLARK, Lygia. Trepante (Obra mole), 1964...106

Figura 118 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965...107

(12)

xi

SUMÁRIO

Introdução ...13

Da pesquisa ...13

Da artista e do contexto ...17

1. AS TRANSFORMAÇÕES NA SUPERFÍCIE PLANAR:...34

Espaço fictício e espaço real...34

2. ENTRE O BIDIMENSIONAL E O TRIDIMENSIONAL:...54

Contra-Relevos e Casulos ...54

3. A REVELAÇÃO DO NOVO ESPAÇO: ...64

Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do espectador – Bichos...64

4. O ESPAÇO CONTÍNUO DA OBRA: ...90

A obra é o ato – Caminhando...90

5. DERIVAÇÕES DE BICHOS: ...98

Trepantes e Obras-Moles ...98

Considerações finais ...114

(13)

xii

(14)

13

INTRODUÇÃO Da pesquisa

A pesquisa aborda a trajetória de Lygia Clark, destacando o momento em que realiza a passagem do espaço bidimensional para o tridimensional com a criação dos Bichos. A grande motivação de Lygia Clark é o espaço, problematizando a pesquisa de sua representação na superfície planar iniciada pelas vanguardas européias: Construtivismo, Suprematismo, Neoplasticismo e Escola de Ulm, a mais nova versão do Construtivismo.

Em sua trajetória, no período abordado pela pesquisa, Lygia Clark radicalizou as questões trabalhadas nos moldes da matriz construtivista, ultrapassando-as quando rompe com o espaço bidimensional chegando ao espaço real com os Bichos. Seu processo criativo neste período foi marcado pela busca de um autre espaço, desintegrando o plano bidimensional chegando ao espaço real e colocando o espectador como partícipe da obra de arte.

Os Bichos não se subscrevem às categorias de obras de arte tradicionais – pintura e escultura, embora tenham sido construídos nos moldes da matriz construtivista. A singularidade dessas obras reside na originalidade formal de suas estruturas e, principalmente, no pioneirismo em relação à arte participativa, pois essas estruturas, soltas no espaço e presas por dobradiças, só se completam à medida em que o espectador age sobre as mesmas. Objetos em trânsito, pois trazem em si o construtivo e o orgânico, os Bichos constituem um marco em sua trajetória.

Dentre críticos, historiadores e pesquisadores da obra de Lygia Clark, Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, críticos de sua produção no momento da criação de suas obras, merecem destaque. Roberto Pontual, Frederico Morais, Mário Schenberg, Jayme Maurício, Ronaldo Brito, Walmir Ayala, Paulo Herkenhoff, Maria Alice Milliet, Suely Rolnik, Ricardo Fabrini, Alberto Tassinari e estrangeiros, tais como, Guy Brett, Manuel J. Borja-Villel, Max Bense,

(15)

Introdução - Da pesquisa 14

Jean Clay, Corinne Diserens, David Medalla, dentre outros, e Hélio Oiticica, amigo e companheiro de Lygia no Grupo Frente e Grupo Neoconcreto, também teorizaram sobre a produção da artista.

As obras reproduzidas no presente trabalho, em sua maioria, estão insertas no Catálogo Lygia Clark, da Fundação Antoni Tàpies, de Barcelona, pois verifica-se ser uma das fontes mais fidedignas na reprodução de obras e textos da artista.

É oportuno assinalar, ainda, que a própria Lygia conceituava suas obras, sendo seus escritos referências fundamentais para o estudo de sua produção. Entre outros, destacam-se

Livro-Obra, escrito nos anos 50 e vindo a público somente em 1983, Lygia Clark, publicado pela Funarte em 1980, obra de extrema importância como fonte de divulgação do trabalho da artista num momento em que se encontrava distanciada da cena brasileira, radicada em Paris e lecionando na Sorbonne, e Lygia Clark – Hélio Oiticica: Cartas - 1964-74, com a correspondência trocada entre os artistas, organizado por Luciano Figueiredo, e demais textos publicados em catálogos, jornais, revistas e outros.

Dos inúmeros escritos de Ferreira Gullar, vale destacar o ensaio intitulado Lygia

Clark: Uma experiência radical (1954 – 1958), escrito em 1958 e publicado originalmente no

Jornal do Brasil em 22 de março de 1959, demonstrando a amplitude do trabalho da artista. Referência obrigatória para estudiosos, críticos e pesquisadores da produção da artista, esse ensaio produzido por um dos críticos mais destacados da época conceitualiza toda a produção de Lygia Clark já naqueles anos.

Mário Pedrosa, em Significação de Lygia Clark, escrito em setembro/outubro de 1960, publicado no Jornal do Brasil, em 23 de outubro de 1960, demonstra a importância das questões enfocadas por Lygia Clark, enfatizando a atualidade de sua pesquisa com relação aos avanços na tratativa com o espaço, considerando-o uma questão desafiadora em sua poética.

(16)

Introdução - Da pesquisa 15

Durante a pesquisa, constatou-se a dificuldade em estabelecer uma ordem cronológica das obras estudadas em função de troca de nomenclaturas, pois muitas delas adquirem o mesmo nome, ou estão com nomes trocados. Felipe Scovino, curador da Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”, em entrevista à pesquisadora, adverte que essas trocas de nomenclaturas ocorrem desde as primeiras exposições da artista, como mostram os catálogos da década de 1950. A nomenclatura é sempre um problema a ser enfrentado na produção da artista.

No Capítulo 1, As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real, são abordadas as transformações que Lygia realiza na superfície bidimensional, integrando a obra (espaço pictórico) ao espaço real, iniciado nas séries Quebra da Moldura,

Superfícies Moduladas, Planos em Superfícies Moduladas, Espaços Modulados e Unidades. Sublinha-se a linha orgânica, pois se constitui como a primeira descoberta de tridimensionalidade na superfície planar. Eixo estruturador de suas obras, é de extrema importância na passagem do espaço bidimensional para o tridimensional e recebe diferentes denominações em cada fase de seu trabalho, tais como: “linha orgânica” (em Quebra da

Moldura), “linha espaço” (em Superfícies Moduladas e Planos em Superfícies Moduladas), “linha luz” (em Espaços Modulados e Unidades), “linha de sobreposição” (em

Contra-Relevos), “linha dobra” (em Casulos), “dobradiça” (em Bichos) e “torção” (em Trepantes e

Obras-Moles).

O Capítulo 2, Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos, enfoca as séries Contra-relevos e Casulos, objetos intermediários, pois se situam entre pintura e escultura, sinalizando o abandono do espaço de representação para a construção da obra no espaço real.

O Capitulo 3, A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do espectador – Bichos, enfatiza a passagem do bidimensional para o

(17)

Introdução - Da pesquisa 16

tridimensional. Os Bichos, síntese de sua pesquisa com a abstração geométrica, demarcam o salto para o espaço real, integrando a participação do espectador.

O Capítulo 4, O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando, discorre sobre Caminhando, proposição realizada no período entre a criação dos Bichos, prenunciando a efemeridade da obra de arte, e as novas fases que engendram a trajetória da artista quando abandona o objeto, elegendo o sujeito como suporte de sua arte.

O Capítulo 5, Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles, últimos objetos criados pela artista no decorrer de sua trajetória.

Lygia Clark, com seus Bichos, inaugura novos paradigmas ao desmistificar a obra de arte tradicional, o papel do artista e do espectador, possibilitando à obra existir no espaço-mundo por meio da ação do espectador.

(18)

17

Da artista e do contexto

Lygia Clark iniciou seus estudos artísticos tardiamente, aos vinte e sete anos, com Roberto Burle Marx, no Rio de Janeiro, em 1947. Sempre gostou, no entanto, de expressar-se plasticamente: “Pequenina eu não fazia outra coisa senão desenhar”, afirma.1

Do paisagista Burle Marx, Lygia herdou a necessidade de inserir em seu trabalho questões orgânicas que tiveram importância fundamental no desenvolvimento da pesquisa com o espaço. “Roberto foi um excelente professor e, também nessa ocasião, Zélia Salgado, que era mulher dele dava uma visão muito boa das coisas. [...] A minha grande sorte é que conheci Picasso antes de Portinari”2, declara, em entrevista a Cocchiarale e Geiger.

A idéia-espaço, ou seja, a problematização do espaço da obra em contigüidade com o espaço do mundo, foi a grande motivação de Lygia Clark desde a realização de seus trabalhos iniciais. Essa necessidade de integração de espaços, pictórico e real, foi decorrência das antinomias que animaram o seu trabalho: o dentro e o fora, o fictício e o real, o sujeito e o objeto, a arte e a vida, e pode-se constatar uma coerência da artista pelo conjunto de sua produção. Lygia Clark foi movida pela “paixão da coerência”3, diz Pedrosa.

Todas as fases de seu trabalho resultaram de longo processo de maturação, muitas vezes inconsciente, vindas quase sempre em imagens oníricas: “no interior que é exterior, uma janela e eu. Através desta janela eu vejo passar lá fora o que é para mim, o que está dentro. Quando acordo, a janela do quarto é a do sonho, o de dentro que eu procurava é o espaço de fora. Deste sonho nasceu o Bicho que denominei “dentro-fora”4

1 CLARK, Lygia. Prêmio ‘Diário de Notícias’ na IV Bienal. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 13.out.1957. 2 COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A

vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987. Coleção Temas e Debates, n.5. pp.146-147.

3 PEDROSA, Mário. Lygia Clark ou o fascínio do espaço. In: ______. Mário Pedrosa. Acadêmicos e

Modernos: Textos escolhidos III. ARANTES, Otília (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,

2004, p.287.

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Introdução - Da artista e do contexto 18

Lygia não aceitava categorizações de seu trabalho – “Não aceito coisa alguma de quem quiser me catalogar. Só aceito as críticas de quem seja capaz de vivenciar junto comigo a sensibilidade e a experiência que levaram a um quadro ou a uma atitude.”5 Conceituava suas obras à medida que as produzia: “Nunca tive um conceito ‘a priori’ [...] fazer arte era antes me elaborar como ser humano. Não era ter nome ou qualquer tipo de conceituação.”6

É importante destacar o diálogo constante da artista com Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Mário Schenberg e Hélio Oiticica. Referindo-se a Oiticica, Lygia afirma a Cocchiarale e Geiger: “Nós éramos muito ligados porque tínhamos muita coisa em comum [...] quando eu e ele começávamos a conversar eu dizia: ‘Hélio a gente é como uma mão, uma luva; você é a parte exterior e eu a parte interior.’”7

Em 1950, Lygia Clark fez uma viagem de estudos a Paris em que recebeu lições de Fernand Lèger, Arpard Szenés e Isaac Dobrinsky. Também em Paris, em 1952, realizou uma exposição individual na Galerie de l’Institut Endoplastique, recebendo críticas elogiosas pela veemência de seu trabalho. Sobre o contato com Lèger, Paulo Herkenhoff afirma: “Lygia Clark pode ter recebido de Lèger a idéia de que o espaço seja categoria a ser problematizada”.8 Lygia comenta sobre esse período em Paris: “as melhores coisas ainda eram as que tinha feito antes de ir pra Paris. Isso quer dizer que me perdi em Paris. Eu pintei à la Lèger. Pintei à la não sei quem, naquela procura que a gente fica.”9

Quando Lygia retornou ao Brasil, em 1952, a vertente geométrico-construtiva estava começando a se firmar como movimento de vanguarda pela via da gramática concretista, a

5 DANTAS, Ismênia. Lygia explica sua pintura: Todo artista é um suicida. Diário Carioca, Rio de Janeiro,

11.out.1959.

6 FIGUEIREDO, Luciano; SUZUKI JR., Matinas. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo,

2.mar.1986. Folhetim no 473, pp.2-5.

7 COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A

vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987. Coleção Temas e Debates, n.5. p.148.

8 HERKENHOFF, Paulo. Lygia Clark. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona:

Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.37.

(20)

Introdução - Da artista e do contexto 19

mais nova versão do Construtivismo, com formação de núcleos de artistas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nos anos 1950 houve uma grande efervescência no campo sócio-político-cultural do País. Nas artes visuais, houve um verdadeiro surto de modernização, de atualização e de renovação cultural por meio da reativação do intercâmbio com países de vários continentes, decorrente da necessidade de acertar o compasso com o circuito internacional das artes. Muitos artistas procuravam se expressar por meio de uma arte não-mimética, destituída de resquícios culturais locais, buscando uma linguagem universal de pura plástica. Nesse sentido, a arte abstrata preencheu os anseios da época. Apesar de diferentes versões do Abstracionismo, esses artistas almejavam uma arte não figurativa e de renovação.

No pós-guerra, em vários países latino-americanos, a idéia de construção de uma nova sociedade e a emancipação da arte liberta do colonialismo e do eurocentrismo encontrava ressonância na gramática concretista.

Fig.2 - GARCIA, Torres. Escuela del Sur, 1935.

A vanguarda concretista colocou os artistas latino-americanos em contato com questões da arte contemporânea. “Tidas como etapa terminal de um processo europeu iniciado em fins do XVIII, as vanguardas inauguram uma nova etapa da consciência na América Latina”, afirma Ana Maria Belluzzo.10 Era a construção de uma nova arte, em que pretendiam responder às necessidades dos países latino-americanos e, ao mesmo tempo, estar ao nível do circuito internacional das artes.

Escuela del sur, de Torres Garcia, um dos pioneiros do Construtivismo na América

10 BELLUZZO, Ana Maria de Moraes (Org.). Modernidade: Vanguardas Artísticas na América Latina. São

(21)

Introdução - Da artista e do contexto 20

Latina, constitui-se como emblema dessa vontade, indicando que nuestro norte es el sur ao desenhar o mapa da América do Sul de ponta cabeça.

A arte concreta irradiou-se de Ulm, na Alemanha, para várias metrópoles latino-americanas, inicialmente Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro. Em oposição à Europa e Estados Unidos, onde o informalismo começava a se propagar, Brasil e Argentina foram os primeiros países a inserirem a abstração geométrica como movimento de vanguarda em sua linguagem visual. Torres Garcia participou ativamente do debate da arte não-figurativa na Europa. Foi um dos fundadores do grupo Circle et Carrè, em Paris, uma associação voltada para debates e exposições, e da revista do mesmo nome, com a colaboração de Mondrian, Doesburg, Vantongerloo, Seuphor, dentre outros, divulgando as principais idéias do Construtivismo.

Em sua obra Universalismo Construtivista, Garcia divulga os conceitos básicos da abstração geométrica para os países latino-americanos. Em Buenos Aires colaborou com a revista Arturo e na formação dos grupos argentinos Arte-Concreto Invención (1945) e Madi (1946), que manteriam contato direto com os artistas brasileiros, exercendo papel de destaque no desenvolvimento da gramática concretista em nosso País.

Arte concreta é um termo cunhado por Theo Van Doesburg para diferenciá-la das diversas vertentes da arte não figurativa, dos inúmeros ismos do esgarçado conceito de abstração. Em texto publicado no primeiro e último número da revista Art Concret, Doesburg elucida: “Pintura concreta e não abstrata, porque nada mais concreto, mais real que uma linha, uma cor, uma superfície”11. Vários artistas da época adotaram a nomenclatura, mas, de fato, só se consolidou como movimento artístico com Max Bill, fundador da Hochschule fur

Gestaltung – Escola Superior da Forma, em Ulm, em 1951, que a conceituou objetivamente,

11 DOESBURG, Theo Van. Arte Concreta. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo brasileiro na

arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977.

p.42. Texto publicado em 1930 no número de introdução da revista “Art Concret”, do grupo de mesmo nome fundado em Paris.

(22)

Introdução - Da artista e do contexto 21

apoiando-se em questões matemáticas. Suas raízes estão no Construtivismo russo, no Suprematismo e no Neoplasticismo. Buscando conferir à pintura o caráter de construção, opondo-se à arte da representação do mundo externo, a arte concreta busca ordenar formas puras e autônomas. A estética billiana se preocupa com problemas fundamentalmente estruturais, de tensões cromáticas, para produzir efeitos de jogos ópticos.

A arte concreta começou a se propagar no Brasil ao final dos anos 1940 como forte reação à arte que se fazia na época. Cândido Portinari representou a figura central daquele ambiente artístico, sendo que Di Cavalcanti, Segall e Pancetti “constituíam o segundo anel desse prestígio e a arte brasileira parecia destinada a seguir o rumo que a obra desses artistas – e particularmente a de Portinari – lhe traçara”, conforme observa Gullar12.

Para os artistas figurativos13, a verdadeira arte tinha que estar ligada aos problemas sociais e as obras deviam conter esse discurso em suas narrativas.

A polêmica realismo versus abstracionismo já havia se iniciado no Brasil em 1948, a partir de duas exposições: a primeira, no Rio de Janeiro, do artista norte-americano Alexander Calder, que posteriormente dialogaria com os concretos cariocas, conforme explicita Aracy Amaral, em função dos novos espaços e da predominância do intuitivo; a segunda, em São Paulo, do artista suíço Max Bill, mais ligado à produção industrial e ao design, portanto mais racionalista, que teve seus desdobramentos com os concretos paulistas.

12 GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea: do cubismo ao neoconcretismo. São Paulo: Nobel,

1985. p.227.

13 Um dos principais fatores desencadeantes dessa polêmica, conforme elucida Aracy Amaral, foi o

pronunciamento de Di Cavalcanti em defesa do realismo, em 1948, em conferência realizada no Museu de Arte de São Paulo, publicada posteriormente na revista paulistana Fundamentos. Reconhecido como artista social, Di Cavalcanti critica o abstracionismo, a que denomina de “anarquismo modernista”, por ser uma tendência artística que se afasta da realidade, e o crítico francês Léon Dégand, diretor do MAM de São Paulo, grande divulgador do abstracionismo, principalmente nas Bienais, divulgando todas as suas vertentes. Segundo Amaral, “O que Di oferece como ‘anarquismo modernista’ são as tendências que se afastam da realidade [...]. Identificando as tendências abstratas com o ‘anarquismo modernista’, diz ainda que a revolução desse anarquismo não é uma revolução mas, ‘uma conjuração doentia de indivíduos à margem da sociedade de seu tempo’”. (AMARAL, Aracy. Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira (1930-1970). São Paulo: Nobel, 1984. p.233.)

(23)

Introdução - Da artista e do contexto 22

Zanini observa:

[...] Entre as formas construtivistas dominantes depois da guerra na Europa, procederiam da arte concreta, de sua reducionista e harmônica expressão de puras realidades visuais, importantes influências que marcariam parte significativa da pintura e da escultura no Brasil dos anos 50.14

As exposições dos recém criados MASP (como a de Max Bill, em São Paulo) e MAM (São Paulo e Rio de Janeiro) propagaram o abstracionismo, sendo que as bienais tornaram-se a grande atração. Teve extrema importância para a modernização do campo artístico brasileiro a contribuição de Mário Pedrosa. Militante político, inicialmente integrante do Partido

Fig.3 - BILL, Max. Unidade Tripartida,

1948/49. Aço inoxidável, 100x90x117cm. Acervo do MAC-USP.

Comunista Brasileiro e, posteriormente, defensor das idéias de Trotsky, seu primeiro ensaio crítico, sobre a obra da artista alemã Kate Kollwitz, é de 1933. Em 1949 apresentou sua tese Da Natureza

Afetiva da Forma na Obra de Arte, concorrendo à cadeira de História e Estética da Arte da Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, classificando-se em segundo lugar.

Foi Mário Pedrosa quem divulgou pela primeira vez no Brasil os princípios da Gestalt, acontecimento da maior importância no campo das artes visuais brasileiras. Em Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, Pedrosa sintetiza seu pensamento crítico impulsionando-o na defesa e integração do abstracionismo. Referindo-se aos intelectuais acadêmicos, argumenta a falta de compreensão que tinham da arte. Enfatizavam a genilaidade e a magia do artista. Uma postura retrógrada, segundo Pedrosa.

A I Bienal de São Paulo acirrou o debate, divulgando o abstracionismo geométrico, concedendo o 1º Prêmio Internacional de Escultura para o artista suíço Max Bill, com a obra

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Introdução - Da artista e do contexto 23

concreta Unidade Tripartida, e o Prêmio de Pintura para Ivan Serpa, com Formas, despertando em vários artistas certa tendência ou vontade de seguir a gramática concretista.

Fig.4 - SERPA, Ivan. Formas, 1951. Óleo s/ tela,

97,0x130,2cm.

Fig.5 - MALUF, Antônio. Cartaz da I Bienal, 1951.

Por meio de exposições, conferências e palestras proferidas por Tomás Maldonado, Romero Brest, Max Bill e outros, o Concretismo foi divulgado nos novos museus brasileiros, irradiando-se para outras metrópoles do país. Maldonado, discípulo de Max Bill e diretor da Escola de Desenho Industrial, em Ulm, integrante do grupo Arte - Concreto-Invención, foi um dos mais importantes representantes da nova tendência nos países latino-americanos.

No decorrer dos anos 1950 o debate desloca-se para o centro da própria arte abstrata, em função de suas diferentes vertentes: lírico, geométrico e informal.

Waldemar Cordeiro, pintor, paisagista e publicitário, adepto dos conceitos da pura visualidade de Konrad Fiedler, liderou o primeiro núcleo de arte concreta de São Paulo – o Grupo Ruptura, que contava com Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Kazmer Fèjer, Anatol Wladiyslaw e Leopoldo Haar – e, realizando sua primeira exposição em 1953, no MAM de São Paulo, lançou o Manifesto Ruptura, de sua autoria.

Em 1953, Lygia Clark, familiarizada com a linguagem geométrica, participou com três obras da I Exposição Nacional de Arte Abstrata, organizada pela Associação Petropolitana de Belas Artes no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, reunindo artistas de várias tendências. Participaram Aluísio Carvão, Edmundo Jorge, Ivan Serpa e outros.

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Introdução - Da artista e do contexto 24

Sobre as três telas geométricas de Lygia Clark, Pedrosa afirma:

[...] Lygia Clark, de sua mostra individual do ano passado no Ministério da Educação para os três quadros que ora exibe em Quitandinha, revela quanto avançou no sentido da liberdade de preocupações extra-plásticas para concentrar-se cada vez mais em problemas de forma, de espaço e de ritmo; suas cores começam a integrar-se mais nos planos e os planos a integrar-se tornar mais livres no espaço, enquanto as formas tendem a abrir-se sobre fundos que se vão clareando.15

Em 1954, incentivados por Mário Pedrosa, um dos maiores divulgadores do abstracionismo geométrico no Brasil, formou-se o Grupo Frente, no Rio de Janeiro, em torno de Ivan Serpa. Almir Mavigner, Franz Weissmann, Amílcar de Castro, Lygia Pape, entre outros. Lygia Clark

Fig.6 - III Exposição do Grupo Frente, no Itatiaia

Country Club, Resende, em 1956. Da esquerda para a direita: Oliveira Bastos, Hélio Oiticica (encoberto), Ferreira Gullar, Teresa Aragão, Bezerra, Mário Pedrosa, Lygia Clark, Vera Pedrosa, Ivan Serpa (atrás), Lea e Abraham Palatnik. Arquivo Ferreira Gullar, Rio de Janeiro. (In: ARACY, Amaral (org). Arte Construtiva

no Brasil. São Paulo: Companhia Melhoramentos,

1998, p.156. Coleção Adolpho Leirner.)

juntou-se ao grupo, participando das quatro exposições realizadas nos anos 1954, 55 e 56.

Apesar de integrar a vanguarda construtivista, Lygia Clark trilhou um caminho independente, desvinculado de postulados a priori. “Eu não tinha nenhuma teoria dos outros e nem a priori”16, declara a artista.

A I Exposição Nacional de Arte Concreta realizada no MAM – Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro –, em 1956, reuniu obras de artistas paulistas e cariocas, deflagrando as diferenças entre os dois grupos. Conforme explicação de Gullar, essas discordâncias contribuíram para a dissolução do Grupo Frente, reagrupado posteriormente, em 1959, quando da criação do Grupo Neoconcreto, que, segundo o crítico, iria revolucionar a arte brasileira.

15 PEDROSA, Mário. Abstratos em Quitandinha. Correio da Manhã, 28.fev.1953. In: BANDEIRA, João

(Org.). Arte concreta paulista: documentos. São Paulo: Cosac & Naif, Centro Universit. Maria Antônia-USP, 2002. p.40.

16 COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A

vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987. Coleção Temas e Debates, n.5. p.150.

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Introdução - Da artista e do contexto 25

As obras expostas tornaram públicas as diferenças entre os dois grupos. O tratamento dado à cor é um dos pontos críticos na produção desses artistas. Para os concretos paulistas, a cor estava a serviço da forma seriada, da dinâmica visual, de jogos ópticos. A ênfase era dada aos esquemas perceptivos pelo uso reduzido de cores, criando ritmos visuais apoiados na teoria da Gestalt e em princípios matemáticos. Lygia Clark apresenta a série Superfícies

Moduladas, demonstrando criatividade e inovações em sua pesquisa.

Fig.7 - CLARK, Lygia. Superfície Modulada no.5, 1955. Pintura industrial

sobre madeira, 115x72cm.

Gullar, ao discorrer sobre as divergências das obras expostas na exposição, faz ressalva ao trabalho de Lygia Clark e de Franz Weissmann, afirmando que esses dois artistas já estavam à frente desses exageros, dando novas resoluções aos problemas colocados pela estética billiana.

Como integrante do Concretismo, Lygia Clark não aceitava a visão reducionista de espaço puramente óptico, por ser uma maneira falsa na tratativa dessa questão. A artista refutou o espaço contemplativo e buscou conexões entre o espaço da obra e o espaço circundante. É uma das principais indagações estéticas que engendram a sua poética nesse período, levando Pedrosa a afirmar que Lygia Clark era uma “visionária do espaço”17. A própria artista declara:

Na fase concreta eu já era muito pouco ortodoxa. Eu já estava na linha orgânica. Então, já era uma coisa muito pessimista, muito diferente e eu dizia sempre o seguinte: ‘o artista, o espectador tem que estar dentro do quadro’. Enquanto os concretos faziam formas seriadas, em que o olho fechava num ponto e via-se o trabalho através dos pontos da forma seriada que eles faziam, eu não queria nada de forma seriada, eu achava muito mecanicista.18

17 PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo, MAM, set/out.1960. Texto mimeografado.

Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo

18 FIGUEIREDO, Luciano; SUZUKI JR., Matinas. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo,

(27)

Introdução - Da artista e do contexto 26

Em Superfície Modulada no.5 (Fig.7), Lygia Clark transpõe a estética billiana, pois já estava diluindo o espaço pictórico. O quadro é sulcado pela linha orgânica, dividindo-o em diversas áreas pintadas de verde. Seria quase um monocromo, não fosse a presença das cores preto e branco que escorrem da linha orgânica.

Gullar afirma que, mesmo após a realização da I Exposição Nacional de Arte Concreta, os exageros continuavam, pois os concretos paulistas enfatizavam as questões puramente óticas. Diferentemente desses artistas, Lygia Clark estava se libertando de todos esses postulados mecanicistas com suas experiências com as Superfícies Moduladas e sua linha orgânica.

Fig.8 - CORDEIRO, Waldemar. Idéia Visível, 1956. Esmalte

sobre compensado, 61x61cm.

Fig.9 - LIMA, Maurício Nogueira. Desenvolvimento espacial da espiral, 1954. 38,5x40cm.

O Concretismo tinha como propósito a integração da arte à sociedade industrial. Sua crença residia na sociedade tecnológica e na estetização do cotidiano, integrando-se aos meios de comunicação de massa. Em consonância com a fase desenvolvimentista, percebe-se nas artes visuais a ideologia do racional e do funcional. Valorizava-se o projeto, assinalando a importância da estética industrial e fazendo prevalecer a objetividade da forma em detrimento da subjetividade. O trabalho artístico tornou-se similar ao trabalho de engenharia, arquitetura e design. O artista era um produtor de formas na sociedade industrial.

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Introdução - Da artista e do contexto 27

do fato plástico como o colocava em sintonia com as questões da produção que pretendiam adequar a forma à função.”19

Portanto, para salvaguardar a idéia de projeto, a cor deveria ter a função de divisor dos espaços, submissa à forma seriada, não contendo qualquer resquício de subjetividade. A rigidez dos concretos paulistas levava-os a crer que a cor não devia ter autonomia, pois desviaria do programa concretista, dando possibilidades à subjetividade, impedindo o projeto

Fig.10 - FIAMINGHI, Hermelindo. Círculos concêntricos e alternados,

1956. Esmalte sobre aglomerado de madeira, 35x60cm.

de integração da obra à estética industrial. É no centro dessas questões, ou seja, esse a priori, o projeto que antecede à obra, que surge a reivindicação dos artistas cariocas em busca de uma reinterpretação da arte concreta.

Em relação ao tratamento dado às cores, o crítico Mário Pedrosa observa que “As variações cromáticas são apenas de ordem visual e dinâmica [...]. Cores duras, de superfície, presas ao ‘leito de procusto’ dos padrões formais. Estes são em geral de pura predominância figural, isto é, formas fortes, no sentido gestaltiano”20.

Porta-voz do Grupo Ruptura, Waldemar Cordeiro, em artigo publicado na revista ad, intitulado Teoria e Prática do Concretismo Carioca, pondera que os concretos cariocas não têm rigor cromático em suas obras, sendo que as cores servem de “apoio e cabide ao lirismo

19 COCCHIARALE, Fernando. HO - um exercício experimental de liberdade. São Paulo, Rio de Janeiro,

ago.1996. In: JOEL EDELSTEIN. Hélio Oiticica: Grupo Frente 1955-1956 Metaesquemas 1957-1958: catálogo. Rio de Janeiro, Joel Edelstein, 17.set-14.nov.1996. pp.4-5. Catálogo de exposição de obras de Hélio Oiticica na galeria de arte contemporânea Joel Edelstein.

20 PEDROSA, Mário. Paulistas e Cariocas. Jornal do Brasil, 19.fev.1957. In: PEDROSA, Mário. Mário

Pedrosa. Acadêmicos e Modernos: Textos Escolhido III. ARANTES, Otília (Org.). São Paulo: Editora da

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Introdução - Da artista e do contexto 28

expressivo, que se dilui, sem meta precisa, nos meandros do labirinto da arte abstrata. Veja-se

Fig.11 - SERPA, Ivan. S/título, 1953. Esmalte

sintético sobre madeira, 122,5x90,5x4cm.

Ivan Serpa, para se ter uma idéia do grau de desnorteamento dos nossos colegas cariocas. Até marrom há nesses quadros.”21

A polêmica entre artistas concretos paulistas e cariocas se acirrou quando os poetas paulistas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari publicaram manifesto intitulado Plano Piloto para Poesia Concreta.

Gullar, Bastos e Jardim, em resposta a esse manifesto dos poetas concretos paulistas, publicaram artigo intitulado Poesia Concreta:

Experiência Intuitiva, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Nesse artigo, fundamentam o equívoco cientificista dos paulistas afirmando que “Só um equívoco cientificista levaria a supor que a atualização da linguagem está na sua formalização. A pretensa submissão da poesia a estruturas matemáticas leva o selo desse equívoco.”22

A decisão dos poetas paulistas de obedecer a um plano de trabalho por dez anos – plano-piloto – parece ter sido a exacerbação dessa diferença. Os artistas cariocas não concordaram em ter um plano de trabalho e portanto, a rigidez do plano-piloto levou à ruptura entre os dois grupos. A formalização da ruptura se deu com a publicação do Manifesto

Neoconcreto, inserido no catálogo da I Exposição Neoconcreta, em março de 1959 e, posteriormente, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, em 21 de março de 1959.

21 CORDEIRO, Waldemar. Teoria e prática do concretismo carioca. ad arquitetura e decoração (revista), São

Paulo, no 22, mar-abr.1957.

22 GULLAR, Ferreira; BASTOS, Oliveira; JARDIM, Reynaldo. Poesia Concreta: Experiência Intuitiva. Jornal

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Introdução - Da artista e do contexto 29

Fig.12 - SACILOTTO, Luiz. Concreção 5523, 1955. Esmalte

sobre madeira compensada, 58x40cm.

Escrito por Ferreira Gullar, principal articulador teórico do grupo, o Manifesto Neoconcreto expressa as principais idéias desses artistas. Assinam o Manifesto: Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weismann, Lygia Clark, Lígia Pape, Reinaldo Jardim e Theon Spanúdis.

Diz o Manifesto:

A expressão neoconcreta indica uma tomada de posição em face da arte não-figurativa ‘geométrica’ (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, escola de Ulm) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista.23

A emergência dessa tomada de posição fica bem clara no manifesto quando afirma a necessidade de uma revisão teórica adotada em face da arte concreta. O grupo carioca, por ser um grupo eclético e aberto a experimentações, não se adequa aos moldes do Concretismo suíço. “O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão”24, elucida Gullar.

Os artistas desse movimento retomaram a questão da forma significativa criticando os esquemas perceptivos orientados pela Gestalttheorie – como faziam os artistas concretos paulistas, colocando-a no centro de suas produções. Dialogavam, antes, com a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty25. Se, por um lado, os concretos paulistas, vinculados ao

23 GULLAR, Ferreira. Manifesto Neoconcreto. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21.mar.1959. Suplemento Dominical. 24 Ibidem.

25 Na obra “A estrutura do comportamento”, Merleau-Ponty faz uma crítica à Gestalt afirmando que ela não dá

conta do fenômeno da percepção e que o organismo reage como um todo diante de estímulos, criticando o objetivismo atomista na psicologia e na filosofia, através de uma análise do comportamento animal. Para o autor, a percepção não pode ser reduzida a explicações fisiológicas, criticando o fisicismo da Gestalt. Bento Prado Jr. afirma que a obra de Merleau-Ponty “apontava para uma saída fenomenológica para a oscilação da psicologia entre o criticismo e o naturalismo -, lançava mão de novos instrumentos (como o do ‘estruturalismo’ a contrapelo de sua versão ‘ideológica’ que se impunha na França). Sua interpretação da fenomenologia começava a afastar-se do estilo de uma ‘filosofia da consciência’, permitindo-lhe a descoberta dos ‘intermundos’ que não remetem ao sujeito ou ao objeto, mas ao ‘quiasma’ que precede essa oposição” (PRADO JR., Bento. Aventuras da história. Folha de São Paulo. São Paulo, 25.jun.2006.) É de extrema relevância entender as questões explicitadas na obra de Merleau-Ponty, pois o autor foi um dos principais referenciais teóricos para os artistas neoconcretos.

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Introdução - Da artista e do contexto 30

Concretismo suíço-alemão, eram regidos pela tecnologia, tendo como principais referências Peirce (semiótica saxônica) e Winer (teoria da informação), os neoconcretos dialogavam com Merleau-Ponty e Suzanne Langer.

Ao discorrer sobre a Gestalt, Gullar afirma que não se trata de negar suas leis, porém considera-as insuficientes para a compreensão da obra de arte. Essas questões eram a pedra de toque dos neoconcretos, que, por formarem um grupo eclético e aberto a experimentações, não se adequavam aos moldes do Concretismo suíço e faziam um retour ao humanismo, colocando a expressividade no centro de suas produções.

Sobre as diferenças entre os grupos, Lygia Clark afirma: “éramos um pequeno grupo que na realidade começou a se expressar de uma maneira muito orgânica, contra o que nós achávamos mecanicista. Era um pouco suíço o que os paulistas faziam, embora eles jurem que fizeram primeiro que os próprios suíços.”26

Para Ronaldo Brito, “o concretismo seria a fase dogmática, e o neoconcretismo a fase de ruptura; o concretismo a fase de implantação e o neoconcretismo os choques da adaptação local”27. Esse choque de adaptação dos neoconcretos, ao qual se refere Brito, nada mais é do que a explosão das questões colocadas pelas vanguardas européias e a impossibilidade de vigência decorrente da insuficiência da realidade brasileira. A radicalização dessas questões pelos neoconcretos e, ao mesmo tempo, a superação e transcendência dos postulados construtivos possibilitaram questionar criticamente o movimento construtivista no Brasil. Crítica que se fez ausente durante o tempo de vigência do movimento construtivista no país. “Desprovido de profundidade crítica, conforme observa Borja-Villel, o Construtivismo está destinado a produzir utopias, não-lugares construídos para um homem inexistente e

26 Lygia Clark em entrevista concedida a Cocchiarale e Geiger. In: COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna

Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987. Coleção Temas e Debates, n.5. p.146.

27 BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. 2.ed. São Paulo: Cosac

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Introdução - Da artista e do contexto 31

universal.”28. Referindo-se às transformações realizadas por Lygia Clark, afirma que “Os programas funcionais do construtivismo foram canibalizados e carnavalizados por Lygia, transformados em bichos ou em máscaras grotescas com os quais tentava libertar o sujeito.”29

A démarche neoconcreta levou seus artistas a buscar novas formas para se expressar, experimentando novos espaços e ambientações para suas obras. As transformações do suporte foram incorporadas por estes artistas, que almejavam, dentre outras coisas, a saída do plano bidimensional para o espaço real e a participação do espectador. É a vontade de aproximação entre arte e vida.

O salto do espaço bidimensional para o espaço real iniciou-se com Lygia Clark, com seus Bichos.

Gullar afirma:

[...] a singularidade do neoconcretismo reside em “dar o passo adiante em face do quadro branco sobre o branco, do quadrado branco sobre o fundo branco (referindo-se a Malevitch). O passo adiante é abandonar a pintura e cortar a tela. É sair do mundo imaginário para o mundo real. É transformar o quadro no objeto da arte e, não mais, no suporte da expressão. (informação verbal)30

Os neoconcretos eram experimentais, laboratoriais, trabalhando à margem do mercado de arte. Não estavam preocupados com a inserção de suas produções no mercado, diferentemente dos paulistas, que acreditavam na obra enquanto produto, decorrente da crença na sociedade capitalista e, consequentemente, na estética industrial.

A complexidade das experiências neoconcretas, integrando as especulações com os suportes tradicionais e, principalmente, as relações com o espectador, tornaram-se os principais fatores que os levaram a romper com a obra de arte tradicional. Essa radicalização evidencia-se mais enfaticamente nas obras de Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica.

28 BORJA-VILLEL, Manuel J. Introdução. In: ______ et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona: Fundació Antoni

Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.13.

29 Ibid., p.13.

30 GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do

Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São Paulo, 9.out.2005. (transcrição da pesquisadora).

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Introdução - Da artista e do contexto 32

Essa prática adogmática dos neoconcretos, rompendo com o Concretismo suíço e questionando constantemente a arte, contribuiu para se “pensar a função-arte, discutir os seus efeitos para além de uma história fechada da arte” 31, afirma Ronaldo Brito.

Apesar do curto tempo de duração – março de 1959 a maio de 1961 – o grupo neconcreto realizou quatro exposições: MAM do Rio de Janeiro em 1959; Ministério da Educação e Cultura, também no Rio, em 1960, Belvedere da Sé, Salvador, 1960 e MAM de São Paulo, entre abril e maio de 1961.

O Neconcretismo brasileiro teve uma importância fundamental para os desdobramentos da arte brasileira, pois através desse movimento o Concretismo sofreu sua mais radical transformação. Lygia Clark e Hélio Oiticica, por meio de suas produções, inverteram a relação entre centro e periferia, onde se tornou possível lançar os fundamentos para uma arte contemporânea integrando-se ao contexto das artes visuais brasileiras.

Citado por Paulo Azevedo Chaves no Diário de Pernambuco, Gullar observa:

Todas essas inovações fizeram do movimento neoconcreto um acontecimento singular na história da arte brasileira, muito embora em seu significado mais profundo não esteja desligado do processo geral da vanguarda artística européia, da qual foi em termos locais, uma expressão particular e extremada.32

Lygia Clark, no Grupo Neoconcreto, dialogou com esse novo conceito de espaço-obra-espectador, colocando essas questões no cerne de sua poética. Ao demolir o plano como “suporte de expressão” integrando-o ao espaço real, Lygia Clark conclama a participação do outro em seus Bichos. Mesmo transpondo o plano bidimensional a forma geométrica continuou a exercer grande atração em Lygia Clark. Vale destacar que seus últimos Bichos,

Trepantes, partem de formas circulares. Esse senso estrutural geométrico, por assim dizer, insere-se nas obras abordadas pela pesquisa.

31 BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac &

Naif, 1999, p.55.

32 CHAVES, Paulo Azevedo. Neoconcretismo / 1959-1961: Artes e Artistas. Diário de Pernambuco.

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Introdução - Da artista e do contexto 33

Pode-se constatar que no período em que trabalhou com a vertente geométrico-construtiva integrando o Neoconcretismo, a artista realizou a síntese do espaço fictício (bidimensional) com o espaço real (tridimensional) e a fusão entre obra e espectador com os

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34

CAPÍTULO 1 - AS TRANSFORMAÇÕES NA SUPERFÍCIE PLANAR: ESPAÇO FICTÍCIO E ESPAÇO REAL

O espaço é, na verdade, o símbolo de nossa época.33 (Lygia Clark)

Fig.13 - CLARK, Lygia. Cabeça de Cristo, 1951. Carvão sobre papel, 32x44cm.

Fig.14 - CLARK, Lygia. Figura Sentada,1951.

Desenho em carvão, 51x34cm.

Fig.15 - CLARK, Lygia. Sem título, 1951.

São escassas as notícias sobre o período inicial da produção de Lygia Clark, em que se destaca o uso de esquemas figurativos, demonstrando certa tendência à abstração geométrica: Cabeças de Cristo, Meninos, Escadas,

Naturezas-Mortas, entre outros.

Desde seus primeiros trabalhos, Lygia Clark coloca para si a problemática de integração entre espaços, ou seja, do espaço de representação com o espaço real. Sobre essa fase, a artista declara: “Quando eu era figurativa a única coisa que eu gostava de fazer eram escadas.”34 Nas Escadas sinaliza a primeira problemática de integração de espaços, numa preocupação com questões orgânicas aliadas às questões formais do espaço representacional.

Conforme observa Herkenhoff, as escadas representam lugar de passagem, de trânsito entre o subir e o descer, sendo que os degraus “tocam-se no vértice e desfolham-se numa espiral orgânica.”35 Em Escada – 1951 (Fig.17), antes de integrar-se à gramática concretista, já não faz

33 MAURÍCIO, Jayme. As novas dimensões de Lygia Clark. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19.jun.1961. 34 CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim no 473.

35 HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark – de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU

DE ARTE MODERNA. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo, Museu de Arte Moderna, 2.jun-1.ago.1999. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark. p.10.

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Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real 35

Fig.16 - CLARK, Lygia. Escada, 1948.

Fig.17 - CLARK, Lygia. Escada,

1951.

qualquer alusão à natureza. Apesar da referência ao objeto, a artista decompõe as figuras, geometrizando planos e formas e mantendo apenas um tênue fio da realidade. A própria artista, em depoimento, afirma: “Veja que curioso, dentro da

Fig.18 - CLARK, Lygia.

Composição, 1953. Óleo sobre

tela, 55,4x46,4cm.

escada já se notava o desfolhar de um ‘Bicho’.”36

Em Composição – 1953 (Fig.18), Lygia Clark abandona o objeto externo e começa a trabalhar com formas geométricas. Os triângulos se interseccionam formando um leque, parecendo querer escapar do espaço claustrofóbico da tela. Em uma visão metafórica, pode-se afirmar que lembra os Bichos, mais especificamente Bicho Caranguejo.

Ao iniciar o trabalho com a abstração geométrica, com o Grupo Frente, em 1954, Lygia Clark problematiza a moldura do quadro37, intentando integrá-la ao espaço

pictórico. As experiências na superfície planar desse período decorrem da necessidade em integrar espaço fictício e espaço real. Na série Descoberta da Linha Orgânica (Fig.19), Lygia Clark pinta quadros com grandes molduras. Nivela a moldura à tela, pintando-a da mesma cor

36 CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim no 473.

37 A partir do Renascimento, a tela de tecido de algodão com chassis de madeira fez da pintura um objeto

independente e autônomo e tem sido o suporte mais usual da expressão pictórica. É o cerne mesmo da linguagem pictórica. A moldura, zona fronteiriça entre espaço fictício e espaço real, preserva a aura da obra de arte, isolando-a do mundo.

(37)

Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real 36

Fig.19 - CLARK, Lygia. Descoberta da Linha Orgânica, 1954.

Óleo sobre tela e madeira, 90x90cm.

do quadro, amortecendo a própria moldura e, ao mesmo tempo, fazendo dela uma extensão do campo pictórico.

A moldura passa a ser problematizada por Lygia Clark nesse período. Todo o esforço da artista concentra-se em colocar a obra em contigüidade com o espaço do mundo, inserindo a moldura no campo pictórico; assim como fazem muitos outros artistas da época. O espaço pictórico termina nas bordas do quadro.

Lygia Clark percebe que, ao pintar moldura e tela da mesma cor, destaca-se a linha de divisão entre elas. Quando de cores contrastantes, a linha é absorvida por ambas. Essa linha de separação entre tela e moldura a artista chama de linha orgânica, por tratar-se de uma linha de espaço real, sulcada, não-gráfica. É a sua primeira descoberta de tridimensionalidade no plano e sobre a linha orgânica, declara:

[...] Toda esta minha pesquisa que considero a formulação primária de um vocabulário para exprimir um novo espaço, começou em 1954 pela observação de uma linha que aparecia entre uma colagem e o passepartout quando a cor era a mesma e desaparecia quando havia duas cores contrastantes.”38

Linha de divisão e junção de planos é uma linha trabalhada fenomenologicamente pela artista. É uma linha de entremundos, de contatos, de interstícios. Está no meio, na junção, na integração de espaços. Essa linha passa a ser o eixo estruturador de seu trabalho, conforme

38 SARMENTO, Edelweiss. Lygia Clark e o espaço concreto expressional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,

2.jul.1959. Suplemento Dominical, p.3. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.83.

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afirma a própria artista: “Esta foi uma etapa importante. Dessa linha orgânica, elaborada e trabalhada com o tempo, é que acabei nos ‘Ovos’, no ‘Casulo’, no ‘Bicho’, na quebra da moldura e depois acabei no ‘Corpo’.”39

Fig.20 - CLARK, Lygia. Composição no.5, 1954.

Ao tentar quebrar a relação entre tela e moldura, “o espaço pictórico ainda se mantém intacto distinguindo-se claramente da moldura [...] a moldura, sendo da mesma cor da tela, já começa a invadir e ser invadida pelo ‘quadro’”, observa Gullar.40

Em Composição no 5 (Fig.20),

da série Quebra da Moldura – 1954, uma das obras mais emblemáticas dessa fase, a artista pinta parte do

canto esquerdo (preto) da moldura de cinza, integrando-a ao espaço de representação, ao campo composicional, e confinando-a com a parede. Ao acentuar a planura da superfície, a artista dilui a perspectiva. O espaço pictórico começa a ser esvaziado, pois o que nele estava circunscrito começa a ser desconstruído.

Assim, “não há mais uma ‘composição’ dentro de uma área fechada: a superfície se estende por igual da tela à moldura, que ainda se distinguem entre si por uma espécie de convenção cromática”41, pois a área da moldura é pintada de preto, enquanto que o campo

39 CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim no 473.

40 GULLAR, Ferreira. Lygia Clark: uma experiência radical (1954-1958), 1958. In: FUNARTE. Lygia Clark:

catálogo. Rio de Janeiro, Funarte, 1980. Catálogo de exposição de Lygia Clark. p.9.

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pictórico é verde. Essa desarticulação do quadro, conforme observa Gullar, começa a inverter a relação entre quadro e moldura. Lygia Clark, em entrevista a Edelweiss Sarmento, declara que “A própria espessura da moldura já começava a entrar também como elemento plástico (em determinados pontos era pintada em relação à própria composição formal do quadro).”42

O centro da obra, lugar de atração e repulsão, sofre alteração decorrente da irregularidade do campo compositivo. A área incomum da moldura (canto esquerdo) aumenta a tensão da composição. É, portanto, um foco de força que altera a orientação retiniana do espectador, resultante dos deslocamentos espaciais realizados no campo pictórico. Já não se trata mais de uma simples tela emoldurada, pois o espaço pictórico estende-se até às bordas da composição. Não mais se restringe à moldura, mas circunscreve-se no espaço circundante, sem fronteiras. “Toda questão estava em arrebentar o compartimento espacial da superfície da tela de modo que o espaço tratado pudesse correr para fora na própria moldura” 43, declara a artista. É a tentativa de fazer com que a moldura seja integrada ao campo composicional, buscando um novo sentido para o espaço.

Esse passo é decisivo em sua trajetória, pois ao romper com os postulados concretistas a artista enfoca o quadro como um todo, uma entidade viva, orgânica. Ela não elimina a moldura, mas incorpora ao quadro “Esse órgão periférico do quadro, porque teve existência como moldura, ali precisa estar para ser rompido e incorporado à obra (e não simplesmente abolido)” 44, observa Herkenhoff.

Ao final dos anos 1940, incentivados por Tomás Maldonado e Torres Garcia – os quais terão importância fundamental nos desdobramentos do Movimento Neoconcreto –, cria- se o

42 SARMENTO, Edelweiss. Lygia Clark e o espaço concreto expressional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,

2.jul.1959. Suplemento Dominical, p.3. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.83.

43 FOLHA DA NOITE. Lygia Clark busca na pintura a expressão do próprio espaço. São Paulo, 22.set.1958. 44 HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark – de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU

DE ARTE MODERNA. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo, Museu de Arte Moderna, 2.jun-1.ago.1999. 68p. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark. p.16.

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