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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE MIRIELE GARCIA RIBEIRO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL E

SUSTENTABILIDADE

MIRIELE GARCIA RIBEIRO

O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E A TRANSFORMAÇAO DO PACHAMAMA EM SUJEITO DE DIREITO –

POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES DE GARANTIA CONSTITUCIONAL

CUIABÁ - MT 2016

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MIRIELE GARCIA RIBEIRO

O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E A TRANSFORMAÇAO DO PACHAMAMA EM SUJEITO DE DIREITO –

POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES DE GARANTIA CONSTITUCIONAL

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Pós-graduação em Direito Agroambiental e Sustentabilidade, sob orientação do Doutor Saulo de Tarso Rodrigues, como requisito para obtenção do título de especialista em Direito Agroambiental e Sustentabilidade.

CUIABÁ – MT 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL E

SUSTENTABILIDADE

O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E A TRANSFORMAÇAO DO PACHAMAMA EM SUJEITO DE DIREITO –

POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES DE GARANTIA CONSTITUCIONAL

ELABORADA POR: MIRIELE GARCIA RIBEIRO

Aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi julgada adequada para a obtenção do título de Especialista em Direito.

Cuiabá, março de 2016. Banca Examinadora: ______________________________________ Prof. Dr. ______________________________________ Prof. Dr. ____________________________________ Prof. Orientador: Dr. Saulo de Tarso Rodrigues

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ORAÇÃO À PACHAMAMA S. Caticha Ellis Mãe de Deus, Espírito da tarde, Filha do Sol, Irmã da lua, Mãe do vento, Senhora dos Andes,

protetora da vida em todas as suas formas.

Tu que eras a vida, a magia de viver, e a certeza de morrer,

és agora o mistério,

o silêncio e a majestade da cordilheira. Acendias a madrugada de cada dia,

pressentida pelos pássaros e pelos poetas.

Tu acolhias o Sol cansado e sonolento

a cada entardecer e sobre Ele estendias

mantos de vicunha,

só percebidos pelos índios da cordilheira.

Tu guiavas o índio perdido quando seus caminhos

chegavan ao céu.

Por que te ensombreceste? Acaso foram as caravelas?

Foi o homem branco, que tu não criaste?

Foram seus rifles e as matanças que fizeram

de tua criação? Foram seus deuses ferozes

que de Atahualpa beberam o sangue e usurparam as riquezas? Pachamama levanta-te: A natureza é tua.

Restitui-a a sua antiga grandeza, a humanidade está a tua espera,

precisa de tua bondade e do teu equilíbrio, e até o homem branco, pedindo perdão de joelhos,

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AGRADECIMENTOS

Além do Anjo Guardiao, que é sempre um Espírito superior, temos Espíritos protetores, que, embora elevados, não são menos bons e magnânimos. Contamo-los entre amigos, ou parentes, ou até entre pessos que não conhecemos na existência atual. Eles nos assistem com seus conselhos e, não raro, intervindo nos atos da nossa vida. (O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XXVIII). Meu primeiro agradecimento vai pra

para esse Espírito superior que me orienta não só com conselhos, mas também amor e orientação, minha mãe, Lígia Vieira Garcia. Sem sua ajuda certamente eu nada seria, agradeço a Deus por ter sido escolhida para ser sua filha.

Deixo meus agradecimentos aos Professores e Coordenação do Curso, por nos ter proporcionado tão rica experiência rumo ao conhecimento.

Agradeço ainda aos meus queridos colegas de curso, que ao logo de dois anos fizeram hercúleo esforço para frequentar e concluir esta pósgraduação, estar em vossa companhia era um incentivo para enfrentar as vicissitudes do caminho.

Não menos importante que os acima declinados, agradeço à minha família de sangue e coração, Nábila, irmã muito querida e amada, Tia Elizete, minha querida avó Hilda, meu padrasto Luiz Cláudio, Cida, meus tios Carlos e Elizabeth, que contribuíram muito, os primeiros cuidando, da minha pequena filha Rafaela, e os segundos me acolhendo mensalmente em sua casa.

A todos aqueles qυе, dе alguma forma estiveram е estão próximos a mim, fazendo esta vida valer cada vеz mais а pena.

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RIBEIRO, Miriele Garcia. O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO

AMERICANO E A TRANSFORMAÇAO DO PACHAMAMA EM SUJEITO DE DIREITO – POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES DE GARANTIA CONSTITUCIONAL. 2016. 68 p. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização

em DIREITO AGROAMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, MT.

RESUMO

O Pachamama e o direito à terra (garantia constitucional) é o tema deste estudo, que tem por objetivo analisar o direito à terra, não apenas a partir de uma visão antropocêntrica, mas consagrando-a como ser dotado de subjetividade que possui dignidade e direitos. O estudo se justifica, na medida em que sobrelevamos o conceito de que povos originários devem ser titulares de direitos sobre a terra e sob a égide do direito constitucional esta merece ser protegida, visando garantir a subsistência dos povos, assim como a sadia qualidade de vida. O problema norteador do estudo: a consagração jurídica de que a Terra é um ser dotado de subjetividade e possuidora de dignidade e direitos é factível de consolidação no Brasil ante ao atual contexto constitucional. Para seu desenvolvimento trilharam-se os caminhos da pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativo-crítica e vertente teórico-histórica. Os dados investigados foram organizados em capítulos, seguindo a orientação de Bardin (Categorias de Análise), interpretando e analisando os contextos histórico-sociais-jurídicos em que se promoveram as concepções que advém da mãe-terra. Como resultados, verificou-se que o Direito Ambiental provê alternativas que deem suporte para minimizar a degradação ambiental permanente provocada pelo homem, a qual preocupa ambientalistas, gestores, educadores, juristas. No Brasil, em pouco mais de cinquenta anos, o pensamento jurídico-ambiental evoluiu em progressão geométrica, passando pelas fases da exploração desregrada e fragmentária, culminando com a visão holística do meio ambiente. Entretanto isso não basta, é fundamental dizer que a proteção da terra-mãe (Pachamama) deve estar alicerçada nos valores éticos, legais, morais, humanos; salutares tanto para o homem, quanto para a natureza como um todo, vislumbrando-se assim o cumprimento de leis que se pautem nos sujeitos de direito, mas acima de tudo respeitando-se a grande criadora e mantenedora da vida no planeta – a TERRA MÃE.

PALAVRAS-CHAVES: PACHAMAMA. DIREITO AMBIENTAL. SUJEITOS DE

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RIBEIRO, Miriele Garcia. NEW CONSTITUTIONALISM LATIN AMERICAN

AND THE TRANSFORMATION OF PACHAMAMA IN LAW SUBJECT - POSSIBILITIES AND CONSTITUTIONAL GUARANTEE OF CAPABILITIES.

2016. 68 p. Work Specialization Course Completion in Agroambiental LAW AND SUSTAINABILITY the Federal University of Mato Grosso. Cuiabá, MT.

ABSTRACT

The Pachamama and the right to land (constitutional guarantee) is the subject of this study, which aims to examine the right to land, not only from an anthropocentric view, but allowing it to be endowed with subjectivity that has dignity and rights . The study is justified to the extent that sobrelevamos the concept that indigenous peoples must be holders of rights over land and under the aegis of the constitutional right that deserves to be protected in order to ensure the livelihood of the people, as well as the healthy quality of life . The guiding of the study problem: the legal consecration of the Earth is a being endowed with subjectivity and possessor of dignity and rights is feasible consolidation in Brazil compared to the current constitutional context. For its development trod up the paths of literature, qualitative-critical and theoretical and historical aspects. The data investigated were organized into chapters, following the guidance of Bardin (Analysis Categories), interpreting and analyzing the socio-historical and legal contexts in which they promoted the ideas that come from mother earth. As a result, it was found that the Environmental Law provides alternatives that give support to minimize the ongoing environmental degradation caused by man, which worries environmentalists, managers, educators, lawyers. In Brazil, little more than fifty years, the legal-environmental thinking has evolved geometrically, through the stages of riotous and fragmentary exploration, culminating with a holistic view of the environment. However this is not enough, it is important to say that the motherland of protection (Pachamama) must be rooted in the ethical, legal, moral, human; salutary both for man and for nature as a whole, thus glimpsing-compliance with laws that are guided in the subjects of law, but above all respecting the great creative and sustaining life on the planet - the MOTHER EARTH .

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ÍNDICE

RESUMO...06

ABSTRACT...07

APRESENTAÇÃO...09

CAPÍTULO 1 – PACHAMAMA E DIREITO AMBIENTAL – definições e considerações preliminares...14

1.1 CONCEITUAÇÃO DE PACHAMAMA...14

1.2 CONCEITUAÇÃO DE MEIO AMBIENTE...16

1.2.1 DIREITO AMBIENTAL...18

1.2.2 OBJETIVO DO DIREITO AMBIENTAL...19

1.2.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL...19

1.3 O SER HUMANO COMO DESTINATÁRIO DO DIREITO AMBIENTAL...21

CAPÍTULO 2 – DO MOVIMENTO CONSTITUCIONALISTA AO NEOCONSTITUCIONALISMO...23

2.1 O NEOCONSTITUCIONALISMO...26

2.2 O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO...28

CAPÍTULO 3 – O RESGATE DA PACHAMAMA PELO NOVO CONSTITUCIONALISMO TRANSFORMADOR...32

3.1 A NATUREZA COMO SUJEITO DE DIREITOS...33

3.2 O ―BUEN VIVIR‖ E/OU ―VIVIR BIEN‖...39

CONSIDERAÇÕES FINAIS...52

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APRESENTAÇÃO

O termo Pachamama é formado pelas palavras Pacha que em quíchua significa universo, mundo, tempo, lugar, e Mama, traduzido como mãe.

Este é o tema do estudo bibliográfico ora apresentado, o qual versa sobre o Pachamama e o direito à terra enquanto garantia constitucional, e tem como delimitação: ―O novo constitucionalismo latino americano e a transformação do Pachamama em sujeito de direito – possibilidades e potencialidades de garantia constitucional‖.

Os objetivos deste estudo foram:

Examinar, à luz do judicialismo ético-jurídico, no Brasil, a factibilidade da consolidação e consagração jurídica de que a Terra é um ser dotado de subjetividade e possuidora de dignidade e direitos.

Investigar em que medida as garantias constitucionais promovem o acesso à terra àqueles que originalmente a ocupam.

Entender como o contrato natural pode ser reconhecido como um acordo de reciprocidade que deve existir entre os seres humanos e a Terra.

Analisar o direito à terra, não apenas a partir de uma visão antropocêntrica, mas consagrando-a como um ser dotado de subjetividade que possui, pois, dignidade e direitos.

Ao se justificar a importância de desenvolver o presente estudo, sobrelevamos o conceito de que povos originários devem ser titulares de direitos sobre a terra. Mais, sob a égide do direito constitucional esta merece ser protegida, visando garantir não apenas a subsistência dos povos, mas a sadia qualidade de vida.

A Pachamama, ao longo da jornada estabelecida pelo homem sobre a terra foi ganhando novos significados, e segundo Serres, ―Perdemos o mundo transformamos as coisas em fétiches ou mercadorias, em apostas dos nossos jogos de estratégia‖.

Durante o século XX a terra, ao lado da agricultura, deixou de ser considerada a atividade principal da vida humana, esquecendo-se, a maioria dos seres humanos, de que seus recursos naturais são finitos.

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A exploração indiscriminada dos bens naturais, aliado ao fato de que por longos séculos a natureza e a terra foram consideradas inimigas do homem, impingindo-lhe pragas e catástrofes, respaldado também pelo ordenamento jurídico, que se edificou nos conceitos da ―mais valia‖, pouco se preocupou o homem com as consequências de suas ações danosas.

Buscando alterar a mentalidade de que a natureza é ―mãe vingativa‖, e deve ser domada, é que atuais movimentos constitucionalistas, bebem da fonte dos povos tradicionais, em que a ―mãe terra‖ é fonte de vida e passa a desfrutar de proteção, sendo considerada sujeito de direito.

É assim que o problema em que se estruturou o estudo passa pela indagação de que se o Novo Constitucionalismo Latino-americano ganhará força suficiente no Brasil, vindo a tornar-se garantia constitucional vindo a ―Pachamama‖ a ser considerada sujeito de direitos adquirido.

O significado da ―Pachamama‖ para os andinos, independentemente de qualquer positivação legal ganhar ―status‖ constitucional, ao passo que no Brasil em que os direitos da natureza não são reconhecidos como direitos próprios, o dano ambiental não pode ser compensado por indenização.

Essas premissas, a priori, fundamentam a intenção de aprofundamento neste tema de pesquisa, uma vez que, como cidadã e profissional do Direito, há a necessidade de entender e clarificar alguns conceitos, ordenando-os, teórica e historicamente no sentido de subsidiar parâmetros literários em busca de entender os novos paradgimas existentes em relação ao assunto, uma vez que pragmaticamente não se aplica e/ou não se garante os direitos inalienáveis da terra mãe e os homens a usam indiscriminadamente, como se seus donos fossem.

Mais que ordenar conceitos, entender teorias, o fator desencadeante desse denso e árduo estudo, constitui-se na intenção de delinear um arcabouço cognitivo que de sustentação aos novos saberes e ações que se fazem necessários, especialmente em um momento em que a terra é surrupiada e vítima de grandes corporações que a exploram (isso é histórico e advém desde sua colonização), e que, compondo o contraponto da história é usada utopicamente nos discursos de ambientalistas e políticos. Entender essa questão e estar no âmago de uma discussão, ao mesmo tempo tão atual e tão antiga, é instigante e motivador, o qual está norteado na seguinte problemática:

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A consagração jurídica de que a Terra é um ser dotado de subjetividade e possuidora de dignidade e direitos, é factível de consolidação no Brasil ante ao atual contexto constitucional?

Em que medida as garantias constitucionais promovem o acesso à terra àqueles que originalmente a ocupam?

Para desenvolvimento da pesquisa, seguiram-se predominantemente os caminhos da pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativo-crítica e vertente teórico-histórica.

Realizar uma pesquisa é adentrar no mundo científico, assim, a escolha do método, é um importante passo para proporcionar credibilidade ao que se ―descobre‖ ao longo das fases do estudo.

Assim, para referendar metodologicamente o estudo, o mesmo foi alicerçado em autores como:

Minayo (2001), o qual diz que:

a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2001).

A pesquisa qualitativa preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais.

Na pesquisa de vertente jurídico-teórico-histórico, o pesquisador analisa a evolução de determinado instituto jurídico pela compatibilização de espaço/tempo, quando se buscam fatos que incorporem as contradições entre os fenômenos e os problemas sociais causados pelas várias formas de opressão, deixando de lado a metodologia tradicional de conhecimento histórico, influenciada pelo positivismo. Witker).

Quanto aos Procedimentos, adotou-se a Pesquisa Bibliográfica, a qual é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites.

Para Gil (2007), os exemplos mais característicos desse tipo de pesquisa são sobre investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema. Para complementar a busca de informações, outro recurso a ser utilizado foi o da pesquisa documental, a qual trilha os mesmos caminhos

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da pesquisa bibliográfica, diferenciando daquela pela maior flexibilidade, diversidade e amplitude das fontes, uma vez que esta recorre a informações sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc., enquanto a pesquisa bibliográfica utiliza-se de fontes constituídas por material já elaborado, constituído basicamente por livros e artigos científicos localizados em bibliotecas.(FONSECA, 2002).

O método adotado para a análise de informações foi a análise de conteúdo, de Bardin (1977), que a define como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977).

Ferreira (2003), a partir da abordagem de Bardin, relaciona as possibilidades de uso da análise de conteúdo:

A análise de conteúdo é usada quando se quer ir além dos significados, da leitura simples do real. Aplica-se a tudo que é dito em entrevistas ou depoimentos ou escrito em jornais, livros, textos ou panfletos, como também a imagens de filmes, desenhos, pinturas, cartazes, televisão e toda comunicação não verbal: gestos, posturas, comportamentos e outras expressões culturais. (FERREIRA, 2003)

Com esse potencial interpretativo, foi possível analisar os contextos histórico-sociais-jurídicos em que se promoveram as concepções que advém da mãe-terra, os quais estão registrados em capítulos, assim distribuídos:

O capítulo 1 trata da construção dos conceitos necessários à elaboração do presente estudo, tais como de pachamama (Terra mãe), do Direito Ambiental, essencial nesse contexto, por ser um ―complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações‖ (MILARÉ, 2011) e da pessoa humana como destinatária do direito ambiental.

O capítulo 2 revela os meandros dos aspectos históricos, sociais e legais do movimento constitucionalista ao neoconstitucionalista, dando enfoque ao novo constitucionalismo latino-americano, fruto de inúmeras lutas sociais ao longo dos

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últimos anos, e que surge como uma busca pela superação do modelo homogeneizante e uniformizador da vida humana, fazendo emergir um conhecimento a muito esquecido, de ancestralidade andina, indígena, campesina, mestiça.

O capítulo 3 trata da atribuição de direitos à ―Pachamama‖, assim como aborda a consagração do ―buen vivir‖ ou ―vivir bien‖ nos textos constitucionais boliviano e equatoriano.

E, por último, há as considerações finais, que longe de tentar por fim a discussão, tão ampla, densa e complexa, traz em seu escopo a esperança de que fomentem perspectiva de uma nova racionalidade, constitucionalizada na América Latina. Uma racionalidade que está pautada em preceitos indígenas, em conceitos e modos de ver a vida, de viver a vida, sob um prisma totalmente diverso da hiper competição dos dias atuais, mas que poderá ser a esperança da tão necessária proteção a Pachamama.

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CAPÍTULO 1 - PACHAMAMA E DIREITO AMBIENTAL – definições e considerações preliminares

Neste primeiro capítulo são apresentados os principais conceitos-ensinamentos sobre o pachamama e direito ambiental, a necessidade de uma nova interpretação para a gestão ambiental e ainda sua abordagem sobre a dignidade da pessoa humana como critério interpretativo do direito ambiental em face da erradicação da pobreza.

1.1 CONCEITUAÇÃO DE PACHAMAMA

É o princípio explicativo fundamental na visão de mundo dos povos indígenas dos Andes na América do Sul. Pachamama ou pacha (pacha quíchua e aimará: terra e também "mundo", "cosmos"; mãe: mãe está dizendo "Mãe terra") é o núcleo do sistema de crenças e o tipo de ação entre os povos indígenas dos Andes Central da América do Sul (Merlino y Rabey, 1993).

A divindade de Pachamama (mãe terra) representa a terra, mas não só o solo ou terra geológica, bem como não apenas a natureza; tudo isso é em sua totalidade. Não está localizado em um lugar específico, mas é concentrado em certos lugares como nascentes, encostas ou "apachetas". Mas é uma divindade imediata e quotidiana, que atua diretamente, pela presença e com a qual dialoga permanentemente, pedindo sustento ou desculpando-se por uma ofensa que cometeu contra a terra e tudo o que nos fornece.

Não é uma divindade protetora, mas criativa e provedora da vida e favorece a fertilidade. Em troca desta proteção e assistência, o pastor da Puna Sul é obrigado a fazer oferendas à parte Pacha, que recebe, não só em momentos e locais padrão para o ritual, mas, sobretudo, em todos os eventos culturalmente significativos, estabelecendo, assim, se uma espécie de reciprocidade. No entanto considera também com uma face negativa: Pachamama é muitas vezes com fome e se não nutre com ofertas ou se você ofende-se casualmente, que provoca doenças.

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Pacha é um termo plurissignificativo e multidimensional, pois todas as formas de existência vêm a ser a síntese das forças que movem a vida, ou seja, das forças cósmicas e telúricas. Huanacuni (2010) destaca sobre esse termo que

A palavra Pacha tem essa concepção, pois representa a união de ambas as forças: Pa que vem de Paya – que significa dois – y Cha que vem de Chama – que significa força. Duas forças cósmico-telúricas que interatuam para poder expressar isto que chamamos vida, como a totalidade do visível (Pachamama) e do invisível (Pachakama). (HUANACUNI, 2010)

A ideia por detrás do símbolo cultural Pacha não se restringe ao modelo de espaço-tempo da racionalidade moderna europeia, de modo que há que ser destacado enquanto espaço, Pacha é a junção das forças cósmicas – representadas pelo Alaxpacha e pelo Kawkipacha – e das forças telúricas – representadas pelo Akapacha e pelo Manqhapacha. Conforme analisado acima, para as culturas indígenas e campesinas dos Andes latinoamericanos, embasadas em seus ancestrais, existem duas forças que movem tudo o que existe, uma força cósmica, divina, que vem do céu aos seres vivos, e uma força telúrica, que nasce da terra, que formará aquilo que eles entendem ser a Pachamama.

Desse modo, é possível perceber que para essa cultura, essa racionalidade, essa cosmovisão andina, tudo o que existe no mundo possui vida, seja algo orgânico, seja algo inorgânico. Portanto, é da conversão dessas forças no decorrer do processo da vida, que todas as diferentes formas dessa vida surgem. Essas diferentes formas de vida passam a se relacionar com aquilo que nessa cosmovisão se entende como Ayni, a complementaridade, o equilíbrio, pois é a diferença, a diversidade, em equilíbrio, que completará o sentido da vida, do bem viver (HUANACUNI, 2010).

Portanto, conforme conclui Huanacuni ―para o ser andino esta palavra vai mais além do tempo e do espaço, implica uma forma de vida, uma forma de entender o universo que supera o tempo-espaço (o aqui e o agora). Pacha não só é tempo e espaço, é também a capacidade de participar ativamente do universo, submergir-se e estar nele‖ (2010). Alaxpacha representa a dimensão de um plano superior, ou seja, compreende o plano superior tangível, visível, onde se olham as estrelas, o sol, a lua, o raio. No ser humano, alaxpacha compreende o corpo invisível, o emocional, o etéreo. Por outro lado, Kawkipacha, a dimensão de um plano indeterminado, representa o mundo desconhecido, indefinido, o mundo que existe mais além do que é visível. O mundo andino concebe que existe vida mais além do universo visível. Se nos referirmos aos seres humanos, kawkipacha é aquilo que está mais além do corpo tangível, podemo-los chamar de ‗essência da vida‘. Enquanto força telúrica, Akapacha representa a dimensão, o espaço deste mundo em que vivemos, ou seja, corresponde a este mundo, onde se

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desenvolve toda a forma de vida visível, seja ela humana, animal, vegetal ou mineral. Em relação aos seres humanos, akapacha corresponde ao corpo físico e ao espaço da percepção humana consciente. Por fim, Manqhapacha é a dimensão do mundo de baixo.

De outro lado, enquanto tempo, Pacha é a junção das cinco formas de tempo – segundo a racionalidade andina –, ou seja, o tempo que é presente (Jichapacha), o tempo que é passado (Nayrapacha), o tempo que é futuro (Jutirpacha), o tempo que é intenso (Sintipacha) e o tempo que é eterno (Wiñaypacha).

É a partir disso que Huanacuni chega à conclusão de que

É importante diferenciar as concepções a respeito da ideia de tempo entre o Ocidente e os Andes. Para o Ocidente o tempo é linear, vem de um passado, passa por um presente produto desse passado e vai para um futuro. No mundo andino o tempo é circular; se assume um presente, no entanto, que é contínuo, de modo que passado e futuro acabam se fundindo em um só ao final (HUANACUNI, 2010).

A racionalidade andina que fundamenta toda essa recente discussão constitucional trazida à luz pelas recentes Constituições latino-americanas, não concebe nada como estático, pois tudo está em um eterno movimento. Por isso, buscam a ideia de bem viver, que é viver a vida com mais brilho, plenamente, em um tempo que sempre será o presente.

1.2 CONCEITUAÇÃO DE MEIO AMBIENTE

A expressão ―meio ambiente‖ tem sido cada vez mais assimilada pela população, tendo em vista o seu uso constante pela mídia nacional e estrangeira. Tal situação decorre da multiplicação dos problemas e impactos ambientais que estão cada vez maiores e mais degradadores, alertando o cidadão acerca de problemas que possam colocar a vida em geral em risco.

Em verdade, apesar do termo meio ambiente ter sido historicamente utilizado no Brasil, o mesmo demonstra-se redundante, já que as palavras ―meio‖ e ―ambiente‖ são sinônimos. Realmente, ―meio‖ significa, entre outras acepções, "lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos geofísicos; ambiente". ―Ambiente‖, por sua vez, é "aquilo que rodeia ou envolve por todos os lados e constitui o meio em que se vive‖. Por isso que em muitos países, como em Portugal e na Itália, utiliza-se apenas a palavra ―ambiente‖, muito embora em outros, como na Espanha, também seja frequente a consagração do termo ―meio ambiente‖.

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Na legislação brasileira, o uso da expressão meio ambiente sempre foi preponderante. A lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente conceitua o meio ambiente como o ―conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas‖.

A terminologia foi definitivamente consagrada com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 que se referiu em diversos dispositivos ao meio ambiente. A partir de então, praticamente toda a legislação nacional e a doutrina de direito ambiental brasileira passou a adotar o termo.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, previsto no art. 225 da Constituição Federal, que, vale destacar, considerada como uma das mais evoluídas no que tange ao tema ambiental. De acordo com a Lei da Politica Nacional do Meio Ambiente e do contexto constitucional, todos os aspectos de ordem química, física e biológica, relativos à vida estão compreendidos pelo meio ambiente.

É preciso ressaltar, no entanto, que muitas vezes o termo ―meio ambiente‖ tem sido utilizado de modo superficial, dando a entender que o mesmo diz respeito apenas à natureza ou aos recursos naturais. Em verdade, meio ambiente, não corresponde apenas ao ambiente natural, abrangendo ainda outras perspectivas em que esteja inserida a vida. Diante disso, tradicionalmente, classifica-se o meio ambiente em quatro tipos distintos: meio ambiente físico ou natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho.

Por meio ambiente natural ou físico entende-se que constituído pelos recursos naturais, como o solo, a água, o ar, a flora e a fauna, e pela correlação recíproca de cada um destes elementos com os demais. São elementos naturais que existem independentemente da ação humana, estando tal acepção ressaltada pelo inciso I do art. 3º da Lei nº. 6.938/1981.

Entende-se como meio ambiente artificial, o espaço urbano construído, ou seja, aquele produzido ou alterado pelo ser humano, abrangendo o conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e os equipamentos públicos, como ruas, praças, avenidas (espaço urbano aberto). Embora esteja mais relacionado ao conceito de cidade, o conceito de meio ambiente artificial abarca também a zona rural, referindo-se simplesmente aos espaços habitáveis. Pode-se extrair desse aspecto a necessidade de

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planejamento e ordenamento do território e a avaliação do processo de urbanização, de modo a alcançar o equilíbrio ambiental nas cidades.

Por sua vez, o meio ambiente cultural consiste justamente nas intervenções humanas, materiais ou imateriais, que possuem um especial valor cultural, como o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico.

Já, o meio ambiente do trabalho, considerado por alguns uma extensão do conceito de meio ambiente artificial, é o conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente de trabalho, compreendendo a qualidade do ambiente que o empregado exerce a sua atividade profissional. Desse aspecto, deriva na necessidade da promoção da salubridade e da incolumidade física e psicológica do trabalhador, independente de atividade, do lugar ou da pessoa que a exerça.

1.2.1 DIREITO AMBIENTAL

A partir do que se referenciou acima, é possível constatar que muito tem se discutido em torno do meio ambiente. Em razão dos constantes problemas ambientais, uma parte dos estudiosos insiste em sua total preservação, enquanto outros querem utilizá-lo como gerador de renda e lucros. Assim, infere-se que a sua manutenção deve ser prioridade, no entanto, não podemos negar que, se empregados de maneira correta e consciente, os recursos naturais podem trazer benefícios econômicos.

Entretanto, tudo precisa ser feito dentro de mecanismos legais, para que não haja o uso desapropriado e desregulado da natureza. Em razão disso, foi criado do direito ambiental, o qual conta com uma série de princípios e normas que determinam como e sob quais condições o meio ambiente pode ser utilizado e a forma de sua preservação.

Segundo Edis Milaré (2011), o Direito ambiental é o ―complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as futuras gerações‖.

Para Maria Luiza Machado Granziera

―constitui o conjunto de regras jurídicas de direito público que norteiam as atividades humanas, ora impondo limites, ora induzindo comportamentos por meio de instrumentos econômicos, com o objetivo de garantir que essas atividades não causem danos ao meio ambiente, impondo-se a responsabilização e as consequentes sanções aos transgressores dessas normas‖. (GRANZIERA, 2009).

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Segundo Antônio F. G. Brandão, o direito ambiental é ―o conjunto de princípios e normas jurídicas que buscam regular os efeitos diretos e indiretos da ação humana no meio, no intuito de garantir à humanidade, presente e futura,o direito fundamental a um meio ambiente sadio‖.

Em geral, esses princípios e normas jurídicas que constituem o direito ambiental enfatizam a importância da sociedade e do poder público na preservação do meio ambiente e disciplinam o modo pelo qual se dará exploração dos recursos ambientais, sem que haja o comprometimento das gerações futuras.

1.2.2 OBJETIVO DO DIREITO AMBIENTAL.

O direito ambiental visa, sobretudo, o desenvolvimento sustentável, ou em outras palavras, o direito ambiental tem por objeto a sustentabilidade.

Segundo a definição universal dada pela Comissão Brundtland, Desenvolvimento Sustentável consiste naquele que ―satisfaz as necessidades do presente sem por em risco a capacidade das gerações futuras de terem suas próprias necessidades satisfeitas‖. Noutras palavras, a sustentabilidade visa permitir que a geração atual cresça, prospere e tenha suas necessidades satisfeitas, sem no entanto, comprometer as gerações do futuro.

Assim, pode-se dizer que as normas de direito ambiental não são uma barreira ao desenvolvimento econômico. Na verdade, elas visam apenas garantir que esse desenvolvimento não venha a comprometer as gerações futuras, garantindo, assim, que estas tenham suas necessidades satisfeitas.

1.2.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

O Principio da Prevenção é considerado um princípio basilar do direito ambiental. Segundo suas diretrizes, é preciso que os danos ambientais sejam prevenidos, pois a recuperação do dano ambiental, se possível, é extremamente demorada e onerosa. Assim, sua aplicação se dá nos casos em que os impactos ambientais já são conhecidos, adotando-se a máxima de que é bem mais eficiente e barato prevenir danos ambientais do que repará-los. Por exemplo: como restaurar, a posteriori, a extinção de uma espécie da fauna ou da flora? Tal reparação não seria viável, percebendo-se, portanto, a importância da prevenção ao dano ambiental.

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No Brasil, o princípio da prevenção está incorporado à ordem jurídica infraconstitucional e também na Lei maior. A Constituição Federal expressamente prevê em seu art. 225, §1º, IV que o Estudo de Impacto Ambiental deve ser exigido previamente á ação proposta.

Desta forma, o princípio da prevenção trata de impactos e riscos já conhecidos pela ciência.

O Princípio da Precaução, por sua vez, existe porque um componente que está intimamente ligado ao meio ambiente é o da incerteza científica. O princípio da precaução, assim, é um passo adiante na evolução do direito ambiental, pois trata de situações onde há uma razoável imprevisibilidade dos danos que poderão ocorrer dada a incerteza científica dos processos ecológicos envolvidos. Noutras palavras, o Principio da Precaução veda intervenções no meio ambiente, exceto se houver a certeza que as alterações não causarão reações danosas.

Segundo o Princípio do Direito Humano Fundamental, ter um meio ambiente protegido é um direito difuso, já que pertence a todos, sendo considerado, ainda, como um direito fundamental. A Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 225, caput que ―todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia qualidade de vida‖. Tal direito, além de consagrado em âmbito constitucional, também é garantido tanto pela Declaração de Estolcomo (Princípios 1 e 2) quanto pela Declaração do Rio.

O Princípio Democrático, ou da Participação Pública, garante ao cidadão o direito à informação e à participação na elaboração das políticas públicas ambientais, sendo-lhe assegurados todos os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos para a efetivação do princípio. Trata-se de um principio constitucionalmente previsto no capitulo destinado ao meio ambiente, bem como naquele que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Um exemplo clássico do principio democrático é a participação da população diretamente interessada/afetada em audiências públicas que visem tratar sobre impactos ao meio ambiente.

Outro importante princípio é o da Consideração do Meio Ambiente no Processo Decisório de Politicas Públicas. Ele não visa impor à autoridade pública que seu planejamento seja o mais adequado sob o ponto de vista ambiental, mas sim que a perspectiva ambiental seja também considerada desde o seu nascedouro, assim como as perspectivas econômicas, sociais, politicas entre outras.

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Pelo Princípio da Responsabilidade o poluidor responde por suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, seja ele pessoa física ou jurídica, ficando sujeito a sanções cíveis, penais ou administrativas. Logo, a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, conforme prevê o § 3º do Art. 225 CF/88.

Outros dois importantes princípios do direito ambiental são os Princípios do Poluidor-Pagador e do Usuário-Pagador, ambos previstos no Art. 4º, VIII da Lei 6.938/81. Pelo Princípio do Poluidor-Pagador, é preciso que aquele que se utiliza de recursos ambientais previna o dano ambiental, por meio do uso de novas tecnologias que minimizem eventuaisprejuízos, ou, caso o dano venha a ocorrer, que adote medidas que reparem os mesmo. Visa combater as externalidades negativas, aquelas que embora sejam resultantes da execução, produção de um empreendimento, são recebidas pela coletividade, enquanto o lucro é recebido pelo produtor privado.

Segundo a lição de Paulo Affonso de Leme Machado, são dois os momentos de aplicação do principio do poluidor-pagador: ―um momento é o da fixação das tarifas ou preços e/ou da exigência de investimento na prevenção do uso do recurso natural, e outro momento é o da responsabilização residual ou integral do poluidor‖.

Pelo Princípio do Usuário-Pagador será necessária a cobrança de um valor econômico pela utilização de um bem ambiental, possuindo esse princípio uma natureza meramente remuneratória pela outorga do direito de uso de um recurso natural, não havendo caráter punitivo, já que ausente infração.

Por fim, o Princípio do Planejamento Racional ou do Equilíbrio. Este Princípio é voltado para a Administração Pública, a qual deve pensar em todas as implicações que podem ser desencadeadas por determinada intervenção no meio ambiente, devendo adotar a solução que busque alcançar o desenvolvimento sustentável. Noutras palavras, por esse princípio, o planejamento racional pelas autoridades governamentais é indispensável para assegurar que as melhores decisões serão tomadas com o intuito do interesse da coletividade e do meio ambiente, isto é, que a atuação em matéria ambiental será pautada em um planejamento amplo, global, que abranja as mais diversas perspectivas.

1.3 O SER HUMANO COMO DESTINATÁRIO DO DIREITO AMBIENTAL

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) como fundamento destinado a interpretar

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todo o sistema constitucional, adotou visão (necessariamente com reflexos em toda a legislação infraconstitucional — nela incluída toda a legislação ambiental) explicitamente antropocêntrica, atribuindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no País (arts. 1º, I, e 5º da Carta Magna) uma posição de centralidade em relação ao nosso sistema de direito positivo. De acordo com esta visão, tem-se que o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas. Todavia, aludido fato, de forma alguma, impede que ele proteja a vida em todas as suas formas, conforme determina o art. 3º da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81. Se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem são tutelados e protegidos pelo direito ambiental, sendo certo que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, na medida em que possa ser essencial à sadia qualidade de vida de outrem, em face do que determina o art. 225 da Constituição Federal (bem material ou mesmo imaterial).

Dessa forma, a vida que não seja humana só poderá ser tutelada pelo direito ambiental na medida em que sua existência implique garantia da sadia qualidade de vida do homem, uma vez que numa sociedade organizada este é destinatário de toda e qualquer norma. Vale ressaltar nesse sentido o Princípio n. 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992: ―Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza‖. Na verdade, o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria.

Por último, pode-se afirmar que Educação Ambiental é um processo continuo de inserção de novos saberes e valores, frente à relação do ser humano com o ambiente que o cerca e com a natureza em toda a sua complexidade. A partir desses elementos tem-se o que é chamado de meio ambiente, que está em constante desequilíbrio frente à ação antrópica sobre o planeta. Esse conceito aliado aos preceitos legais e ao conceito de pachamama (mãe terra) devem trazer garantias para se promover uma gestão ambiental que garanta a dignidade da pessoa humana como um dos critérios que visem a erradicação da pobreza.

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CAPÍTULO 2 – DO MOVIMENTO CONSTITUCIONALISTA AO NEOCONSTITUCIONALISMO

A teoria constitucional, no continente americano, historicamente, bebeu das fontes europeias, sejam da Espanha, Portugal, Alemanha ou França. Um modelo que foi construído a partir de uma equivalência: um Estado, um território, uma nação, uma língua nacional. Foi, em grande parte, uma teoria constitucional eurocentrada, branca, monocultural e, até certo ponto, monorreligiosa e monolinguística.

Assim, os modelos de repartição de funções do Estado, suas relações com a sociedade civil, a própria formação da nacionalidade foram inspirados nos parâmetros que as teorias européias construíram como cânones.

Para entender o novo constitucionalismo, necessário perpassar pela construção do movimento constitucionalista, que conforme acima afirmado, é baseado em um modelo europeu.

Rosah Russomano, em artigo intitulado Constitucionalismo e Direito Constitucional, ensina que o Iluminismo do século XVIII, transformou radicalmente a estrutura jurídica ocidental, em que o mundo e a sociedade passaram a ser visualizados sob uma concepção racionalista, antes gerido pela providência divina.

A Revolução Francesa (1789), assim como outros movimentos revolucionários da época, projetaram consequências decisivas sobre a existência jurídico-política ocidental, dissolvendo antigas estruturas medievais, conclamando o homem a ser livre.

Com a edificação do pensamento sobre o homem livre, guiado por sua vontade, o Estado passou a ver a necessidade de defender a liberdade por meio de regras escritas. Estas regras sobreporiam o ordenamento jurídico nacional.

Afirma Russomano (1992), que o predomínio da Constituição escrita não nasceu no século XVIII, remetendo-se à antiguidade:

Essa ideia do predomínio da Constituição escrita sobre os demais preceitos jurídicos não nasceu, em verdade, naquele período histórico. Mergulhou, antes, suas raízes na Antiguidade clássica. Floresceu durante a Idade Média e o Renascimento. Não obstante, àquele tempo, os textos positivos elaborados

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pelo homem - em que pesasse a sua superioridade – refletiam apenas a realidade, sem conceber algo de novo e sem formular o que, no cenário estatal, deveria ser. Somente durante o século XVIII essa formulação veio a encontrar sua concretude. (RUSSOMANO, 1992).

Diante da necessidade e vantagens da adoção de Constituições escritas, o constitucionalismo dissipou-se pelo continente europeu, estendendo-se a todo ocidente, universalizando-se o constitucionalismo político, determinando a estrutura e funcionamento do Estado.

Primordialmente, o constitucionalismo em muito se assemelhou ao liberalismo, cuja liberdade individual se sobrepunha ao despotismo estatal, e somente após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), assumiu novo papel, pois movimento constitucionalista passou a pensar não mais no indivíduo em abstrato, mas como integrante da sociedade.

A partir de tal contexto, a Constituição passou a ser o principal elemento da ordem jurídica dos países ocidentais. As constituições elaboradas após a 2ª Guerra Mundial são impregnadas de conteúdos axiológicos com o objetivo de assegurar direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana.

Ressalte-se ainda as palavras de Canotilho (2009) ―o constitucionalismo moderno opõe-se à ideia de constitucionalismo antigo, este compreendido como todo o sistema de organização político-jurídico que antecedeu o constitucionalismo moderno‖.

No século XVIII, a Constituição menciona dois elementos fundamentais para a ordem jurídica: a limitação do poder estatal e a previsão de direitos.

Magalhães (2010) afirma que

Destaque-se que o constitucionalismo não nasceu democrático: surge liberal, como forma de limitar o poder do Estado e garantir a segurança da burguesia, que, tendo adquirido poder político com a queda do absolutismo, necessita de estabilidade para o exercício de suas atividades. (MAGALHÃES, 2010).

Oliveira (2002) acerca da égide do Estado liberal, ressalta que

(...) a Constituição tinha como mandamentos essenciais valorização da liberdade individual; garantia e proteção da propriedade privada; declaração de direitos individuais para todas as classes (para as classes menos favorecidas tais direitos eram concedidos apenas formalmente); e previsão da separação de poderes. A respeito desse último mandamento, ao Poder Legislativo cabia elaborar as leis, havendo, por esse motivo, uma sobreposição desse poder em relação aos demais nesse período; ao Executivo, aplicar o Direito, respeitando a segurança e a liberdade; e ao Judiciário, aplicar impor a lei por meio da subsunção. (OLIVEIRA, 2002).

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O direito, nesse momento, é visto como uma ordem autônoma de regras de maneira a se garantir estabilidade e segurança. Ao passo que o todo poderoso Estado não intervém nem no mercado nem na vida particular dos cidadãos.

Magalhães (2010) ensina que

o constitucionalismo liberal era incompatível, num primeiro momento, com a ideia de democracia, ou seja, tomada de decisões a partir da vontade da maioria da população. O constitucionalismo vitorioso das revoluções burguesas garantia a liberdade individual dos homens ricos e brancos. Não houve, num primeiro momento, qualquer pleito para que o voto fosse universal e garantisse a manifestação da vontade de toda a população. (MAGALHÃES, 2010).

Com o advento do século XIX, a classe operária se organiza, por meio de reivindicações, em busca da efetivação de direitos para toda a população.

Tais reivindicações sociais, realizadas pelos sindicatos e partidos políticos prematuros, iniciam o constitucionalismo social.

O constitucionalismo social tem como marco inicial as Constituições do México, de 1917 e da Alemanha, de 1919, a Constituição de Weimar.

Com o advento do Estado Social, os Governos passam a intervir formalmente na economia e nas relações privadas dos indivíduos.

Após a 1ª Guerra Mundial, a sociedade se viu dividida em sociedade civil e estatal. Ao invés de uma sociedade organizada por um Estado não intervencionista, surge uma sociedade marcada pelo conflito das diversas camadas sociais, cada uma buscando o atendimento de seus interesses. O Estado passa então, a intervir na economia, garantindo uma artificial de livre concorrência que ocasiona sérias desigualdades.

Neste contexto, Oliveira (20012) apregoa que o direito passa a ser encarado como sistema de regras e princípios otimizáveis e encerra objetivos a serem realizáveis.

As mudanças na referida época atinge também o próprio sistema da separação de poderes, visto que o Poder Legislativo, além do papel de elaborador de leis, assumia a função de fiscalizar o Estado. Por outro aspecto, o Executivo se viu com poderes e instrumentos para intervir no mercado e o Judiciário passou a exercer a função jurisdicional.

Mesmo com todas essas propostas, o Estado social não conseguiu efetivar os inúmeros direitos previstos e realizar a democratização econômica e social.

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Após a 2ª Guerra Mundial, os países europeus, passaram a introduzir em suas constituições valores como a dignidade da pessoa humana e normas de direitos fundamentais. Nesse sentido, Barcellos (2007) sintetiza que

As Constituições contemporâneas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, introduziram de forma explícita em seus textos, elementos normativos diretamente vinculados a valores – associados, em particular, à dignidade humana e aos direitos fundamentais – ou a opções políticas, gerais (como a redução das desigualdades sociais) e específicas (como a prestação, pelo Estado, de serviços de educação). A introdução desses elementos pode ser compreendida no contexto de uma reação mais ampla a regimes políticos que, ao longo do Século XX, substituíram os ideais iluministas de liberdade e igualdade pela barbárie pura e simples, como ocorreu com o nazismo e o fascismo. Mesmo onde não se chegou tão longe, regimes autoritários, opressão política e violação reiterada dos direitos fundamentais foram as marcas de muitos regimes políticos ao longo do século passado. (BARCELLOS, 2007).

Nesse contexto, a Constituição consegue se aproximar ao ideal democrático, fazendo surgir uma nova forma de organização jurídico-política, inexistente até então, ―o Estado Democrático de Direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático‖. (BARROSO, 2007)

Em verdade, a construção constitucional americana tem um fundamento elitista porque o povo não a escreveu, não participou da sua edificação. O poder soberano do povo, regendo a vontade suprema da nação, apareceu em raríssimas ocasiões, de sorte que o seu exercício político imediato fica frequentemente coartado pela intermediação e infidelidade de governantes habituados ao poder sem freio e sem limitações.

Essa nova concepção de constitucionalismo é denominada por muitos doutrinadores como ―neoconstitucionalismo‖, que, em linhas gerais, pode ser definido como um movimento jurídico-político-filosófico que modifica a concepção e interpretação do Direito e de sua inter-relação com os demais sistemas sociais.

O neoconstitucionalismo surge como novo paradigma do Estado democrático de direito. Na América Latina, em razão de movimentos sociais acontecidos no início da década de 1980, surge um movimento denominado ―novo constitucionalismo latino-americano‖, que propõe a fundação de um novo Estado, o Estado plurinacional, em que conceitos como legitimidade, participação popular e pluralismo assumem um novo significado para possibilitar a inclusão de todas as classes sociais no Estado.

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2.1 O NEOCONSTITUCIONALISMO

A expressão neoconstitucionalismo foi usada pela primeira vez pela autora italiana Suzanna Pozzolo, em 1993, durante uma conferência em Buenos Aires. Na oportunidade, POZZOLO (2006) usou o termo para ―denominar certo modo antijuspositivista de se aproximar o direito‖.

Streck (2009) ressalta que o neoconstitucionalismo é

(...) uma técnica ou engenharia do poder que procura dar resposta a movimentos históricos de natureza diversa daqueles que originaram o constitucionalismo liberal, por assim dizer (ou primeiro constitucionalismo). Por isso o neoconstitucionalismo é paradigmático; por isso ele é ruptural; não há sentido em tratá-lo como continuidade, uma vez que seu ―motivo de luta‖ é outro.(STRECK, 2009).

Propõe-se, pois, em apontar o neoconstitucionalismo como um movimento que promove uma ruptura do paradigma do Estado ―liberal-individualista e formal-burguês‖.

Barroso (2007) afirma que

(...) o neoconstitucionalismo deve ser compreendido por meio da identificação do marco histórico, teórico e filosófico. O autor identifica como marco histórico os movimentos constitucionais da Europa pós 2ª Guerra Mundial. O autor aponta como marcos significativos as constituições alemã (1949) e italiana (1947) e a criação dos tribunais constitucionais nesses países – nos anos de 1951 e 1956, respectivamente. Aponta ainda a importância dos processos de redemocratização da Espanha e Portugal para a construção e fortalecimento do neoconstitucionalismo.(BARROSO, 2007).

Como marco teórico, deve-se ater com a existência de três características fundamentais para a caracterização do neoconstitucionalismo: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. (BARROSO, 2007).

Note-se, pois, as mais variadas conceituações do termo ―Neoconstitucionalismo‖.

Ávila (2009), a despeito de afirmar a existência de diversos significados para a o termo neoconstitucionalismo, aponta como correta a utilização do termo ―neoconstitucionalismo(s)‖, e ressalta que

(...) as características principais desse movimento podem ser apontadas na existência de: número maior de princípios nos textos legais; uso preferencial do método de ponderação, no lugar da simples subsunção; justiça particular (individual, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto);

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fortalecimento do Poder Judiciário; e aplicação da Constituição em todas as situações, em detrimento da lei. (ÁVILA, 2009).

Como já mencionado, o neoconstitucionalismo é um movimento jurídico-político filosófico que modifica a concepção e interpretação do Direito, ao introduzir conteúdos axiológicos e ao atribuir força normativa à Constituição, reposicionando-a como principal elemento na ordem jurídica.

O neoconstitucionalismo é, portanto, uma ruptura com o constitucionalismo liberal de previsão meramente formal de direitos. É tentativa de garantia material de direitos fundamentais para todos.

Após a identificação dos elementos e características do neoconstitucionalismo, é importante analisar o novo constitucionalismo latino-americano, identificando seus principais aspectos.

2.2 O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO

O novo modelo constitucional é fruto de reivindicações sociais históricas.

Esse movimento neoconstitucional culminou na promulgação das constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) – e tem sido chamado por alguns estudiosos de ―novo constitucionalismo latino-americano‖.

Destaca-se a dificuldade de explicar as razões pelas quais esse movimento tenha ocorrido na América Latina, principalmente pelo fato de que as experiências constituintes realizadas por esse movimento são poucas, ainda que significativas. Contudo, tal fato não impede a análise das principais características do novo constitucionalismo.

Cumpre destacar, pois, que no novo constitucionalismo, o poder constituinte originário volta a ser exercido como nos primórdios, com a efetiva manifestação da vontade popular, compreendido em toda a sua pluralidade de composição – e não como exercido nas últimas transições políticas na América Latina, em que a participação popular era relegada a uma fraca e imprecisa representação.

Dalmau (2008) afirma que ―o novo constitucionalismo latino-americano é uma evolução do ―antigo‖ constitucionalismo latino-americano e que surgiu para atender à necessidade de alteração jurídico-política vivida pela América Latina atualmente‖.

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La evolución constitucional responde al problema de la necesidad. Los grandes cambios constitucionales se relacionan directamente con las necesidades de la sociedad, con sus circunstancias culturales, y con el grado de percepción que estas sociedades posean sobre las posibilidades del cambio de sus condiciones de vida que, en general, en América Latina no cumplen con las expectativas esperadas en los tiempos que transcurren. Algunas sociedades latinoamericanas, al calor de procesos sociales de reivindicación y protesta que han tenido lugar en tiempos recientes, han sentido con fuerza esa necesidad que se ha traducido en lo que podría conocerse como una nueva independencia, doscientos años después de la política. Independencia que esta vez no alcanza sólo a las élites de cada país, sino que sus sujetos son, principalmente, los pueblos.(DALMAU, 2008).

O novo constitucionalismo latino-americano promove uma ressignificação de conceitos como legitimidade e participação popular – direitos fundamentais da população –, de modo a incorporar as reivindicações das parcelas historicamente excluídas do processo decisório, notadamente a população indígena. Para exemplificar cita-se o artigo 8º da Constituição Boliviana de 2009, em que se consagra como princípio ético-moral o ―Sumak kamaña‖ ou o ―Sumak kawsay‖ – ―viver bem‖ em quéchua, língua nativa dos índios.

Eis o artigo na íntegra:

Art. 8º El Estado asume y promueve como principios ético-morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma kamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), teko kavi (vida buena), ivimaraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble). (BOLÍVIA, 2009)

O novo constitucionalismo levou à implantação do Estado plurinacional na Bolívia e Equador. (MAGALHÃES, 2008).

Santos (2007) vai além, ensinando que ―o conceito de plurinacionalidade, do qual derivam a interculturalidade e pós-colonialidade, está presente em vários países, como Canadá, Suíça e Bélgica‖. Destaca-se, pois, a existência de dois conceitos de nação: o primeiro, liberal, em que há identificação entre nação e Estado, unificando-se os conceitos – uma nação, um Estado; o segundo conceito, desenvolvido pelos índios, está ligado à autodeterminação.

O conceito de plurinacionalidade obriga a refundação do Estado moderno, pois o Estado plurinacional deve congregar diferentes conceitos de nação dentro do mesmo Estado. SANTOS (2007)

Na mesma direção, Alves (2012) ressalta que

(...) o Estado plurinacional condensa as principais propostas do novo constitucionalismo, sendo uma resposta à ideia uniformizadora instituída pelo

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Estado nacional, em que o Estado e a Constituição são a representação de uma única nação, um único direito, sem diversidade de interesses, cultura e sem levar em conta a pluralidade existente na composição do povo. (ALVES, 2012).

Ao analisar a Constituição da Bolívia (2009), a título de exemplificação, em que há tratamento do direito indígena em 80 dos 411 artigos, ressalta-se os seguintes direitos: cotas para parlamentares que sejam oriundos dos povos indígenas; garantia de propriedade exclusiva da terra, recursos hídricos e florestais pelas comunidades indígenas; equivalência entre a justiça indígena e a justiça comum.

Todas essas alterações positivam os valores propostos pelo novo constitucionalismo: pluralidade, inclusão, participação efetiva e maior legitimidade da Constituição e da ordem jurídica.

É oportuno destacar a ideia do professor Magalhães (2008)

(...) a grande revolução do Estado Plurinacional é o fato que este Estado constitucional, democrático participativo e dialógico pode finalmente romper com as bases teóricas e sociais do Estado nacional constitucional e democrático representativo (pouco democrático e nada representativo dos grupos não uniformizados), uniformizador de valores e logo radicalmente excludente. (MAGALHÃES, 2008).

O Estado plurinacional reconhece, pois, a democracia participativa como base da democracia representativa e garante a existência de formas de constituição da família e da economia segundo os valores tradicionais dos diversos grupos sociais (étnicos e culturais) existentes.

Ao se tecer algumas considerações acerca do novo constitucionalismo ou neoconstitucionalismo, fundamental se faz, inicialmente, dizer que, em sua faceta liberal, o constitucionalismo tinha como objetivo central e único, a proteção do cidadão e garantia dos direitos essenciais.

Ocorre que houve uma mudança de paradigma: o ideal democrático teve de associar-se ao constitucionalismo e, mesmo com a existência de normas que previssem direitos sociais e limitação do poder estatal, nada impediu que os mesmos fossem violados.

De tal modo, fora proposta a introdução de fundamentos valorativos no texto constitucional. Nascia então o neoconstitucionalismo, com o objetivo de impregnar a ordem jurídica de conteúdos axiológicos, princípios e ideais de justiça.

(31)

Surge o novo constitucionalismo latino-americano como um movimento social, jurídico-político voltado à ressignificação do exercício do poder constituinte, da legitimidade, da participação popular e do próprio conceito de Estado. O Estado do novo constitucionalismo latino-americano é o Estado plurinacional, que reconhece a pluralidade social e jurídica, respeitando e assegurando os direitos de todas as camadas sociais.

Não se afirma aqui que o neoconstitucionalismo acabou ou foi superado. O que aqui se desenvolve é que em alguns países latino-americanos, onde se originou o novo constitucionalismo, é a criação/reconhecimento pela ordem jurídica de direitos existentes no seio social, de formas mais efetivas de participação popular e da construção de um Estado que reconheça a pluralidade e peculiaridade de seu povo.

O novo constitucionalismo latino-americano propõe uma nova independência e a criação de um Estado participativo e efetivamente democrático, como mecanismo de se ver garantido o disposto no parágrafo único do artigo 4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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CAPÍTULO 3 – O RESGATE DA PACHAMAMA PELO NOVO CONSTITUCIONALISMO TRANSFORMADOR

Este capítulo trata da atribuição de direitos à ―Pachamama‖, assim como aborda a consagração do ―buen vivir‖ ou ―vivir bien‖ nos textos constitucionais boliviano e equatoriano.

O trato dispensado à natureza pelos ameríndios originários é totalmente diferente do realizado pelo homem ocidental do hemisfério norte. Este vê na ―Naturaleza‖, uma mercadoria, uma fonte de renda infindável ao seu eterno dispor. Aquele visualiza na ―Madre Tierra‖ uma mãe e, nesta condição, interage com ela de forma harmônica e não destrutiva. Foi através da colonização que se institui nas terras ameríndias a cultura da destruição, da mercantilização, da extração sem limites de recursos naturais.

Insurge a isto o Novo Constitucionalismo latino-americano positivando os direitos da natureza, como uma forma de rompimento à colonização europeia que aniquiliou a cultura ameríndia e impôs ao povo originário a cultura vigente do outro lado do oceano, ou seja, a eurocêntrica. A ―Madre Tierra‖ é um ente vivo não apenas na ótica andina, mas também na visão científica. Os pensadores da ecologia profunda buscam a atribuição de direitos à natureza desde tempos mais remotos, contudo quem realiza este giro é o Novo Constitucionalismo Transformador.

O ―buen vivir‖ ou ―vivir bien‖ é o marco teórico filosófico do Novo Constitucionalismo latino-americano. Neste espaço se busca decifrar o seu significado. Para isso, verifica-se as inúmeras expressões utilizadas pelos povos indígenas para se referirem ao ―sumak kawsay‖, busca-se na filosofia andina os princípios embasadores, trabalha-se com os conceitos de renomados estudiosos sobre o assunto.

Também se analisa esta forma de vida em plenitude e harmonia com a natureza desde as Cartas Políticas do Equador (2008) e da Bolívia (2009) e as transformações que esta incorporação causou no restante de cada texto constitucional, persassando pelas influências de tais princípios e conceitos ao ordenamento jurídico brasileiro.

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3.1 A NATUREZA COMO SUJEITO DE DIREITOS

O filósofo Hans Jonas (1903-1993), adepto da ecologia profunda, afirmava que apenas os seres humanos detêm responsabilidade, uma vez que se encontra em suas mãos a opção em agir ou não. A natureza se mantém em uma situação de vulnerabilidade frente ao homem e pode ser facilmente destruída. Segundo seu entendimento, o ser humano não é dominador de seu domínio, cabendo então ingressar a figura da prudência em relação a tudo que possa prejudicar a natureza. Em sua ética demonstra uma preocupação pelo desaparecimento da espécie. Transcreve-se abaixo, trecho de sua obra: ―O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica‖, que demonstra a sua preocupação em relação ao agir humano com a natureza.

Um patrimônio degradado degradaria igualmente os seus herdeiros. A proteção do patrimônio em sua exigência de permanecer semelhante ao que ele é, ou seja, protegê-lo da degradação, é tarefa de cada minuto; não permitir nenhuma interrupção nessa tarefa é a melhor garantia de sua duração; se ela não é uma garantia, pelo menos é o pressuposto da integridade futura da ―imagem e semelhança‖. Mas sua integridade não é nada mais do que a manifestação do seu apelo à humildade, sempre bastante deficientes. Guardar intacto tal patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação dos homens não é um fim utópico, mas tampouco se trata de um fim tão humilde. Trata-se de assumir responsabilidade pelo futuro do homem.

A chegada de Cristóvão Colombo (1492) à América, em busca de recursos naturais, ouro, pedras preciosas, seda e especiarias, marca o início de uma incansável exploração de recursos da ―Pachamama‖ (ACOSTA, 2011). A presença dos colonizadores impõe uma ruptura na forma do tratamento dispensado à ―Madre Tierra‖. Antes da chegada dos visitantes, era reverenciada e adorada, após passa a ser fonte ilimitada de riquezas. É o que pontua Eduardo Galeano (2011):

Desde que la espada y la cruz desembarcaron en tierras americanas, la conquista europea castigó la adoración de la Naturaleza, que era pecado de idolatría, con penas de azote, horca o fuego. La comunión entre la Naturaleza y la gente, costumbre pagana, fue abolida en nombre de Dios y después en nombre de la civilización. Em toda América, y en el mundo, seguimos pagando las consecuencias de ese divorcio obligatorio (GALEANO, 2011).

Referências

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