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REPENSAR OS DOMÍNIOS DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

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REPENSAR OS DOMÍNIOS DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Luís de Miranda Correia

Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho

O facto de ter coordenado a área de Educação Especial durante mais de 20 anos em vários estabelecimentos de ensino superior do país, fez com que eu me confrontasse frequentemente com a acreditação de cursos em Educação Especial. E, embora as áreas de formação consideradas no Decreto-Lei n.º 95/97 (Artigo 3.º) colocassem a prioridade (primeiro lugar) na área da Educação Especial, percebe-se porque é que o Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua, para efeitos de classificação de cursos, a julgou demasiado abrangente. Assim sendo, considerou para esta área um referencial de domínios, a saber:

A71 Domínio Cognitivo e Motor

A72 Domínio Emocional e da Personalidade A73 Domínio da Audição e Surdez

A74 Domínio da Visão

A75 Domínio da Comunicação e Linguagem (CCPFC, 2004)

Sobre estas opções muito haveria para dizer, dado que não se encontra na literatura emanada do Ministério da Educação uma explicação plausível que nos permita formular qualquer tipo de juízo, ou apenas compreender os critérios que levaram à consideração do referencial de domínios acima transcrito. Contudo, podemos no mínimo afirmar que o referencial que diz respeito à área da Educação Especial nos levanta algumas dúvidas.

Ora vejamos: No que concerne ao domínio circunscrito à primeira alínea (A71), Domínio Cognitivo e Motor, não vemos razão para este “casamento”, a não ser que se tenha recorrido às designações de uma das especializações, inicialmente oferecidas nas Escolas Superiores de Educação de Lisboa e Porto, designada comummente de “mental-motora”, quase a pretender estabelecer uma ligação direta entre, por exemplo, a paralisia cerebral e a deficiência mental, o que simplesmente patenteia uma falácia. Porém, se considerarmos a designação “Motor” associada a problemas físicos e/ou de aptidão motora (ex.: afasias, dispraxias, problemas de articulação, etc.) que os indivíduos que mais frequentemente se associam aos problemas cognitivos apresentam (Problemas intelectuais/deficiência mental e Dificuldades de aprendizagem específicas), então o domínio A71 poderá fazer mais sentido.

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No entanto, é bom que não nos esqueçamos que, na generalidade, os Problemas motores (Físicos) andam ligados a nomenclaturas, tal como: Paralisia cerebral, esclerose múltipla, espinha bífida, para nomear só algumas. Neste caso, deve ser criado um outro domínio, cuja designação pode ser próxima da que propomos no final deste artigo.

Quanto ao Domínio Emocional e da Personalidade (A72), também não se percebe o seu porquê, uma vez que se a emoção representa uma integração do sentimento, ação, julgamento e desejos num determinado lugar e espaço temporal, também a personalidade representa a integração, no tempo e espaço, dessas mesmas componentes (Ortony et al., 2005). Mais, de acordo com Scherer et al. (2004), uma analogia que pode ajudar neste raciocínio é considerar que a personalidade está para a emoção como o clima está para o estado do tempo. Ou seja, o que é esperado por alguém representa a personalidade, ao passo que o que alguém observa, num momento determinado, representa a emoção. Nesta lógica, este domínio deveria estar muito mais orientado para “o estado do tempo”, dado que os princípios que regem os serviços de Educação Especial se apoiam nisso mesmo, na observação cuidada dos indivíduos com presumíveis necessidades especiais, no sentido de se lhes proporcionar oportunidades que os levem ao sucesso, académico, socioemocional e pessoal.

No que respeita ao Domínio da Audição e Surdez (A73), aqui parece que estamos perante um paradoxo uma vez que, dado que se se trata de um domínio referente à Educação Especial, então, e por não se ter considerado o Domínio Sensorial, no seu todo, dever-se-ia ter observado uma designação mais específica como, por exemplo, Perda auditiva, incluindo a surdez.

No que se refere ao Domínio da Visão (A74), só se pergunta, por analogia com o domínio anterior, porque não Domínio da Visão e Cegueira? Mesmo que este tivesse sido o caso, também estaríamos em desacordo, tendo os argumentos aduzidos para o Domínio da Audição e Surdez por postulados e, por conseguinte, talvez fosse de considerar Perda visual, incluindo a cegueira.

Finalmente, no que concerne ao Domínio da Comunicação e Linguagem (A75), também aqui se nos levantam problemas, dado que, por norma, a comunicação é uma atividade de transmissão de informação, sendo que informação, neste caso e no seu sentido mais restrito, pode ser vista como uma sequência fónica e/ou de símbolos a permutar com alguém. Estaríamos, portanto, perante a comunicação de ideias através de um sistema arbitrário de símbolos usados de acordo com um conjunto de regras que lhe dão significado que designamos de linguagem, não esquecendo que o sistema simbólico mais comum usado na comunicação entre os seres humanos é a fala, tida como o comportamento de formar e sequenciar os sons da linguagem oral (Hallahan, & Kauffman, 1994). Assim, no caso do Domínio da Comunicação e Linguagem, talvez fosse preferível designá-lo de Domínio da Fala e Linguagem ou, simplesmente, Domínio da Comunicação.

Numa palavra, o referencial de domínios considerado para a área de especialização em Educação Especial pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC), órgão adstrito ao Ministério da Educação, deixa-nos muitas dúvidas quanto à sua cientificidade e aplicabilidade. Daí talvez as hesitações que não só se instalaram no seio das instituições de ensino superior, mas também no seio dos prestadores de serviços educacionais (leia-se, Agrupamentos e Escolas Públicas e Colégios Privados dos Ensinos Secundário e Básico), tantas vezes sem saberem que decisões tomar, prejudicando as

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próprias instituições prestadoras de serviços, os profissionais de educação especializados que não entendem o que se está a passar e, mais importante, os alunos com necessidades especiais que, perante esta situação, serão os que mais consequências adversas sofrerão.

Nesta ordem de ideias, voltando aos domínios de especialização para a área de Educação Especial, começo por fazer referência a duas posições (pareceres) tomadas por James Kauffman e pelo autor deste artigo e ao resultado de uma meta análise efetuada por David Wilson para, depois, propor um referencial de Domínios para a Educação Especial que se enquadrariam perfeitamente no tipo de problemas que os alunos com necessidades especiais apresentam nas nossas escolas.

Principiamos com as afirmações de James Kauffman:

“A maioria dos alunos que necessitam dos serviços de educação especial tem necessidades educativas especiais, estando abaixo da média numa ou mais das capacidades seguintes: cognição; aprendizagem de matérias académicas (a aprendizagem não é consistente com a capacidade intelectual do aluno); reconhecimento e controlo de emoções; uso da fala na comunicação; audição; visão; locomoção ou bem-estar físico. Os termos associados a estes problemas incluem os problemas intelectuais (deficiência mental), as dificuldades de aprendizagem específicas, as perturbações emocionais, as desordens da comunicação, a surdez ou o impedimento auditivo, a cegueira ou o impedimento visual, os problemas motores e/ou os impedimentos de saúde, o autismo, o traumatismo craniano, e as discapacidades severas ou múltiplas. Os alunos que apresentam este tipo de problemas não têm vindo a ter sucesso no currículo comum que é ministrado por um professor do ensino regular. Os serviços de educação especial podem também ser necessários para os alunos cujas capacidades estão significativamente acima da média – aqueles com dotes ou talentos especiais.”

Por seu turno, o autor deste artigo, numa entrevista para a revista “2 Pontos” (Verão, 2007), diz o seguinte:

“O ponto da situação é o de que se nos pretendermos apoiar numa política que tenha por base o binómio saberes-experiência-competência versus formação de qualidade, então, pese embora os resultados positivos que até à data, em alguns casos, se têm observado, uma parte significativa da formação especializada é deficitária. Assim sendo, para que o sistema possa responder às necessidades dos alunos com NEE que tem a seu cargo, é necessário que se repense a formação especializada, tendo por base as prevalências de alunos com NEE e o tipo e qualidade das especializações. Nesta ordem de ideias, e mesmo que se pretenda continuar a usar nomenclaturas próximas dos domínios, então há que perceber que os problemas dos alunos com NEE se enquadram no domínio do pensamento, cognição e aprendizagem (problema intelectual e/ou desenvolvimental,

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comportamentos (perturbações emocionais e problemas de

comportamento), da comunicação (problemas de comunicação), da

audição e visão (surdez e hipoacusia e cegueira e visão reduzida), da mobilidade e saúde física em geral (problema locomotor e de saúde), ou qualquer combinação de duas ou mais destas áreas. Assim, os domínios deveriam designar-se por, cognição e aprendizagem, emocional e comportamental/social, da comunicação, sensorial, locomotor e de saúde. De referir, também, que as especializações deveriam ter a duração mínima de um/dois anos e incluírem, para além do elenco das disciplinas, um projecto, de carácter prático, traduzido na elaboração de, por exemplo, um estudo de caso ou de um estágio no terreno. Os planos de estudos dos cursos só deveriam ser acreditados se obedecessem a determinados critérios propostos por uma entidade reguladora que, para o efeito, deveria considerar a opinião dos especialistas credenciados nestas matérias, neste caso ligados à educação especial.”

Também os domínios considerados pela Agência Europeia para o Desenvolvimento em Educação Especial, no seu documento “Special Educational Needs in Europe”, baseada na “Bibliography of Modern Foreign Languages in Special Educational Needs”, elaborada e coordenada por David Wilson, que contém 1 100 referências, agrupa as categorias nos domínios seguintes:

1. Cognitivo e Dificuldades de Aprendizagem Específicas (Cognitive and Learning Difficulties);

2. Problemas Emocionais, Comportamentais e Sociais (Emotional, Behavioral and Social Difficulties);

3. Problemas de Comunicação e Interacção (Communication and Interaction Difficulties);

4. Problemas sensoriais e físicos (Sensory and Physical Difficulties).

Tendo por base as nomenclaturas observadas acima, no caso das especializações em Educação Especial, o consenso poderia ser alcançado se se considerassem designações próximas das que abaixo se mencionam:

a) Domínio Cognitivo e de Aprendizagem (Englobando especializações que se prendessem com as dificuldades intelectuais e do desenvolvimento/deficiência mental e com as dificuldades de aprendizagem específicas); ou, em separado, Domínio Cognitivo (problemas/dificuldades intelectuais/deficiência mental) e Dificuldades de Aprendizagem Específicas;

b) Problemas de comunicação (Englobando os problemas da fala e da linguagem);

c) Perturbações emocionais, do comportamento e sociais (Englobando o reconhecimento do controlo das emoções e dos comportamentos e os problemas de interação social);

d) Problemas sensoriais (Englobando os problemas relacionados com a perda auditiva, incluindo a surdez e a perda visual, incluindo a cegueira);

e) Problemas de locomoção e saúde (Englobando os problemas motores/ortopédicos e os de saúde, onde se insere, por exemplo, a Desordem por Défice de Atenção/Hiperatividade);

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f) Multideficiência ou Discapacidades Múltiplas (Englobando qualquer combinação de problemas inseridos em duas ou mais áreas mencionadas acima).

Para finalizarmos, e tendo presentes as palavras de James Kauffman ao referir que “Os serviços de educação especial podem ainda ser necessários para os alunos cujas capacidades estão significativamente acima da média – aqueles com dotes ou talentos especiais.”, seria também bastante curial considerar outro domínio no referencial que abrangesse a educação dos alunos sobredotados e talentosos, designado de Domínio da Sobredotação e Criatividade.

Referências bibliográficas

Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua (2004). Relatório de actividades. Braga: Autor.

Decreto-Lei 95/97, de 23 de Abril, Regime Jurídico da Formação Especializada.

Hallahan, D. & Kauffman, J. (1994). Exceptional Children (6th Ed.). Boston: Allyn and Bacon.

Ortony, A., Norman, D. A., & Revelle, W. (2005). Effective functioning: A three level model of affect, motivation, cognition, and behavior. In J. Fellous & M. Arbib (Eds.), Who needs emotions? The brain meets the machine. (p. 173- 202). New York: Oxford Univeristy Press. Scherer, K. R., Wranik, T., Sangsue, J., Tran, V., & Scherer, U. (2004). Emotions in everyday life: Probability of occurrence, risk factors, appraisal and reaction pattern. Social Science Information, 43(4), 499-570.

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