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IRMANDADES COLONIAIS MINEIRAS ASSOCIAÇÃO, SOCIABILIDADE E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SÉCULO XVIII

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IRMANDADES COLONIAIS MINEIRAS

ASSOCIAÇÃO, SOCIABILIDADE E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SÉCULO XVIII

Paola Andrezza Bessa Cunha/UFMG

É sabido o papel das Irmandades Leigas e Ordens Terceiras na América Portuguesa e, principalmente, em Minas Gerais enquanto espaços de associação entre indivíduos para auxílio mútuo. Porém seu caráter educacional ainda é obscuro, bem como grande parte dos aspectos ligados à educação relativos ao período. Em que medida as Irmandades podem ser consideradas um espaço de educação não-escolar? Como se dava essa prática educativa? Qual seu significado, sua relevância e seus reflexos no cotidiano daquela sociedade? Sua importância e suas diversas faces de pesquisa histórica já foram apresentadas, em alguns casos, sob o prisma da História Cultural: escravidão, relações políticas, matrimônio, resistências a regimes em vigor e relações entre Estado & Igreja e Igreja & Sociedade. A proposta que aqui se apresenta tem como objeto o papel e a ação das Irmandades Leigas e Ordens Terceiras enquanto espaço de ocorrência de práticas educativas na América Portuguesa, tomando por base o conceito dos Mediadores Culturais.

A História da Educação no Brasil até o final da década de 70 e meados dos anos 80 do século XX estava muito ligada às instituições e aos documentos oficiais, o que fez com que essa produção tivesse um caráter tradicional1. Esse tipo de pesquisa não considerava como fontes históricas objetos, currículo, disciplinas, agentes educacionais, organização e funcionamento interno das escolas2. Até mesmo no pensamento pedagógico as práticas cotidianas na sala de aula eram desconsideradas. Nesta produção historiográfica o período republicano foi privilegiado, pois nele há grande número de leis e decretos ligados à educação e uma organização institucional bem mais delineada. No período imperial há também ação do Estado em relação à educação, investimentos e discussões relacionadas às teorias de ensino, como um reflexo dos princípios libertários da Revolução Francesa, nos quais a educação é um “dever do Estado, direito do cidadão”3. Sobre o período colonial as

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Por “caráter tradicional” entende-se a metodologia de trabalho que privilegia como fontes os documentos oficiais e seus conteúdos, desconsiderando qualquer outro tipo de documentação como passível de trabalho e estudo. Para essa metodologia, os documentos contém a verdade histórica, e sua prática muitas vezes resumem-se a repetição, com o objetivo de legitimação daquela chamada história oficial.

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Lopes, Eliane Marta Teixeira & Galvão, Ana Maria de Oliveira [o que você precisa saber sobre] História da Educação. Rio de Janeiro DP&A, 2001. pp.40.

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referências praticamente resumem-se à atuação jesuítica no campo educacional até sua expulsão do território pelo Marquês de Pombal e às reformas educacionais promovidas por ele, numa referência às políticas educacionais que foram desenvolvidas no Império.

A partir do final da década de 80 do século XX foram introduzidas na História da Educação, as idéias de Fernand Braudel, Lucien Febvre e outros referentes à Escola dos Annales, principalmente através da Nova História, que proporcionou o alargamento de fontes, objetos e abordagens utilizados em pesquisa historiográfica. Não apenas aspectos políticos de uma sociedade seriam estudados; enfoques econômicos, sociais e culturais passariam a ser valorizados4. A partir daí surgiram novas pesquisas que proporcionaram outras visões sobre a escola, seus métodos e suas relações com os alunos. Foram incorporadas, principalmente, as idéias e práticas da História Cultural com base nas idéias de Roger Chartier.

Para o desenvolvimento da pesquisa aqui proposta serão utilizados como marco teórico os trabalhos de Roger Chartier sobre representações e práticas culturais e Serge Gruzinski sobre mediadores culturais. Entre as obras de Roger Chartier, que servirão de referencial está História Cultural entre práticas e representações, na qual ele propõe uma nova forma de trabalhar a história, que visa identificar como uma determinada realidade social é construída, pensada, apresentada e apropriada. Para tal são analisadas as representações, as formas simbólicas que compõem a orbe, lugar e tempo; as práticas, que têm por objetivo o reconhecimento de identidades e a legitimação de processos e procedimentos; e as apropriações dessas representações e práticas para a formação do universo cultural e social de determinados indivíduos ou grupos5. As práticas educativas das irmandades que se propõem identificar são reconhecidas no âmbito social, legitimadas pelo processo contínuo de repetição das mesmas, gerando o reconhecimento de identidade social do grupo.

Serge Gruzinski, em O Pensamento Mestiço, dialoga com o trabalho de Chartier ao afirmar que “os fenômenos de mistura ou de rejeição que atualmente observamos (...) tampouco têm esse caráter de novidade que costuma lhes ser atribuído”. Ao analisar as representações existentes nas pinturas e esculturas mexicanas coloniais, observa-se a mescla entre elementos europeus e nativos, culturas que se mestiçaram, gerando muitas

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Lopes, Eliane Marta Teixeira & Galvão, Ana Maria de Oliveira [o que você precisa saber sobre] História da Educação. Rio de Janeiro DP&A, 2001. pp.39. Ver também: Fonseca. Thaís Nivia de Lima e. História da Educação e História Cultural. In: FONSECA, Thais Nivia de Lima e & VEIGA, Cynthia Greive (orgs).

História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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vezes elementos híbridos que, com o alargamento de horizontes, tornam-se elementos mestiços. A palavra-chave para compreensão de seu pensamento é permeabilidade, ou seja, a sociedade e os indivíduos são permeáveis a influências, a novas visões, gerando a multiplicidade. “É ao mesmo tempo um produto dos cruzamentos (...) e a única maneira de pensa-los e mostrá-los”6. Nosso mediador cultural identificado é a Irmandade, que faz a mediação em dois ambientes: media Céu & Terra para os fiéis, sendo um caminho de comunicação e de confirmação do espaço celestial; e media Religião & Tradições Culturais, pois muitas das práticas diárias são associadas com a devoção, se tornando parte da religiosidade, intrinsicamente ligada à vida social. A exemplo temos o testamento de Manoel da Costa Ataíde, mais conhecido como Mestre Ataíde. Nele ele reconhece sua fragilidade humana, pois alega ter sempre vivido no estado de solteiro e ter quatro filhos que quer reconhecidos pelo testamento como legítimos, numa tentativa de redimir-se perante os homens e principalmente perante Deus. A participação da irmandade na vida colonial fica clara e evidente nesse testamento: Ataíde faz parte de nada menos que nove irmandades, deixando a seu testamenteiro a obrigação de pagar os anuais, as missas de corpo presente e de sétimo, quatorze, trinta dias e aniversários de morte7.

As principais referências históricas sobre Irmandades Leigas nas Minas Gerais e Sociedade Colonial são Caio César Boschi e Adalgisa Arantes Campos. Caio Boschi, em

Os Leigos e o Poder, ao abordar o tema das irmandades, afirma que elas, como força

auxiliar e muitas vezes substituta da Igreja Católica, “se propunham a facilitar a vida social, desenvolvendo inúmeras tarefas que, pelo menos em princípio, seriam da alçada do poder público”8, pois tinham responsabilidade sobre a sociedade em geral, uma vez que, segundo o autor, era impensável que se vivesse ou morresse sem ser irmão. Boschi apresenta a análise do significado da inserção dessas irmandades na sociedade colonial mineira, identificando, conceituando a tipologia das associações leigas e as suas características de evolução.

Adalgisa Arantes Campos, ao trabalhar a devoção barroca em Cultura Barroca e

Manifestações do Rococó nas Gerais, nos apresenta a sociedade colonial como um todo,

pois para ela “o Barroco (...) foi uma visão de mundo envolvendo formas de pensar, sentir, representar, comportar-se, acreditar, criar, viver e morrer”9. Além de tratar das irmandades

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Gruzinski, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. pp. 315. 7

Livro de Óbitos da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Mariana. Falecimento a 02/02/1830. 8

Boschi, Caio César. Os Leigos e o Poder. São Paulo: Ática. pp.03 9

Campos, Adalgisa Arantes. Cultura Barroca e Manifestações do Rococó nas Gerais. Ouro Preto: FAOP/BID, 1998.

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enquanto espaços devocionais e socializadores, aborda aspectos artísticos através da análise de obras, artistas e artífices. Isso possibilita pensar o canteiro de obras de um templo religioso como um espaço educativo, onde o artista é o professor/instrutor com seus aprendizes, numa transmissão de conhecimento patrocinada pelas irmandades.

A documentação a ser analisada está presente em Livros de Irmandades e Ordens Terceiras (livros de compromisso, livro de receita e despesa, etc.), livro de Tombo das igrejas, Cartas Cartoriais, testamentos, inventários e Constituições do Arcebispado da Bahia. Parte dessa documentação está localizada no Arquivo Público Mineiro, no Museu do Ouro e na Casa Borba Gato. Um exemplo das práticas educativas inseridas nesses documentos está no Livro de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, onde são requisitadas quatro sepulturas para a irmandade na Igreja Matriz enterrar “os filhos que forem de legítimos matrimônios e não-duvidosos”10. Se há esse requisito para que se obtenha um sepultamento em local sagrado, nas entrelinhas está o ensinamento de como devem ser as uniões, que estas devem passar pela Igreja, devem ser estáveis, não devem ter nada que as desabone. Esse pode ser um dos caminhos para o estudo das práticas educativas, sobretudo em relação à educação moral e religiosa.

Um outro bom exemplo de fonte útil para o estudo de práticas educativas na sociedade colonial é o quadro “Coleta para manutenção da Igreja do Rosário por uma

irmandade leiga”, de Jean Baptiste Debret. Nele há a Mesa, composta por seus respectivos

componentes, e os irmãos em fila colocam suas contribuições. Até esse momento uma cena trivial no Brasil Colônia se não fosse por um detalhe que passa, à principio, despercebido: uma mãe encaminha a filha para colocar a esmola; e a mãe que vem logo atrás tem o mesmo gesto. Isso evidencia uma prática educativa de caráter religioso e moral, pois as mães estão ensinando a devoção e a responsabilidade com a mesma às crianças. Essa certamente era uma cena recorrente no período, uma vez que o objetivo de Debret era retratar o cotidiano. A mulher, seja ela a mãe branca ou a mãe-preta, era a responsável pela educação dos filhos, principalmente das filhas. Como a educação recebida pela mãe/criadeira versava basicamente sobre religião (incluindo sobre como se comportar, portar e agir) e os cuidados com a casa, esse era um uns principais aprendizados recebidos pelas crianças. Essas são as práticas educativas que buscamos na colônia. Não é apenas o “saber ler, escrever e contar”; a educação está nas práticas diárias, que podem incluir ou

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Livro de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo da Vila Real de Sabará. Folha 3. Arquivo Casa Borba Gato, Sabará/MG.

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não essa relação ensino-aprendizagem de sentido escolar. As Irmandades, por estarem tão intrinsicamente ligadas às vidas e às mortes, têm papel fundamental nessa educação.

4 – Bibliografia:

BOSCHI, Caio César. Os Leigos e o Poder – Irmandades leigas e política colonizadora em

Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.

CAMPOS, Adalgisa Arantes. “Irmandades mineiras e missas”. In: Varia História UFMG. 16 (1996).

_________. Cultura Barroca e Manifestações do Rococó nas Gerais. Ouro Preto: FAOP/BID, 1998.

CARDOSO, Ciro & VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria

e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de, LOPES, Eliane Marta Teixeira & VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. FONSECA, Thaís Nivia de Lima e. História Cultural e História da Educação na América

Portuguesa (mimeo).

____________ & VEIGA, Cynthia G. (org.). História e Historiografia da Educação no

Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. LOPES, Ana Amélia Borges de Magalhães et alli (orgs.). História da Educação em Minas

Gerais. Belo Horizonte: FCH/FUMEC, 2002.

LOPES, Eliane Marta Teixeira & GALVÃO, Ana Maria de O. [o que você precisa saber

sobre...] História da Educação. Rio de Janeiro: DP & A, 2001.

PASSOS, Zoroastro Vianna. Em torno da história do Sabará. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1942.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

SALLES, Fritz Teixeira de. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros (UFMG), 1963.

SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida

Referências

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