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A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa ( )

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Academic year: 2021

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A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa (1945-1948)

Heber Ricardo da Silva1

Resumo

A partir de meados da década de 1940 a imprensa brasileira passou a vivenciar um intenso processo de transformações e adquiriu, aos poucos, uma fisionomia mais comercial e empresarial. Nesse período, os profissionais da imprensa brasileira passaram a implementar uma série de técnicas jornalísticas norte-americanas, principalmente quanto a paginação, distribuição dos conteúdos jornalísticos, estrutura comercial e modelo administrativo. É possível afirmar que as transformações verificadas na imprensa brasileira desse período não aconteceram de forma isolada ou abrupta, mas estão inseridas dentro de um processo de transformações ocorrido à medida que os profissionais da imprensa observavam coletivamente as modificações pelas quais passavam seus concorrentes. Dessa forma, o objetivo dessa comunicação é apresentar reflexões sobre os posicionamentos da imprensa brasileira diante da cassação do PCB e de seus mandatos durante a vigência do regime democrático inaugurado com a Constituição de 1946. Objetivamos caracterizar as relações e o papel da imprensa como agente político num contexto de transição política, ou seja, no período marcado pelo final do regime estadonovista e emergência de uma nova ordem democrática, e de transição jornalística, momento em que os jornais assumiam, cada vez mais, uma postura empresarial e comercial. Para tanto, analisaremos os jornais O Estado de S. Paulo, Diário de S. Paulo, Folha da Manhã, Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O Globo, os quais foram tomados não apenas como fonte de pesquisa, mas também como objeto de estudo, uma vez que podem ser entendidos como produtores de acontecimentos políticos.

Palavras chave: Imprensa – Democracia – Política

Este trabalho é resultado de reflexões realizadas durante minha pesquisa de mestrado intitulada: A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do

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político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa (1945-1948). O objetivo desse trabalho é analisar o papel da grande imprensa do eixo Rio de Janeiro-São Paulo no campo político, no momento da transição do regime estadonovista para a ordem democrática, e as suas avaliações e seus posicionamentos com relação à cassação do PCB, ocorrida em maio de 1947, e a dos mandatos parlamentares dos comunistas, em janeiro de 1948, atos que feriram a noção democrática de liberdade de expressão e que fora invocada anteriormente pela imprensa escrita contra o Estado Novo. Objetivamos precisar e analisar historicamente o papel desempenhado e as relações políticas existentes entre os grandes jornais brasileiros em período de dupla transição, tanto política, marcada pela retomada da democracia parlamentar representativa, como jornalística, caracterizada por seus passos em direção ao modelo imprensa-empresa, ou seja, quando os grandes jornais não se afirmavam apenas como veículo de expressão de grupos e partidos políticos específicos e nem se caracterizavam, ainda, totalmente como típicos jornais empresariais. Nesse período, a imprensa experimentava um quadro jornalístico marcado pela convivência entre o jornalismo opinativo/interpretativo e o noticioso, mesclando traços do modelo de jornalismo francês com o norte-americano. Logo, o que se via no campo jornalístico era um período de transição, o qual refletia também a transição no campo político nacional, ou seja, a passagem do Estado Novo para a etapa da democracia parlamentar representativa.

Buscamos entender e analisar historicamente a ação, os interesses e as justificativas dos principais jornais cariocas e paulistas na defesa da democracia parlamentar representativa, diante dos sérios arranhões que esse regime sofrera com a cassação do PCB e dos mandatos comunistas legalmente eleitos. Trata-se, portanto, de buscar caracterizar e compreender historicamente a ação dos grandes jornais brasileiros no papel de defensores das liberdades democráticas, num quadro de transição jornalística, ou seja, quando a notícia ganhava contornos mais nítidos de mercadoria, além do fato de a imprensa vivenciar algumas etapas no seu processo de profissionalização.

Para a realização da pesquisa foram selecionados seis jornais da grande imprensa nacional, ou seja, os paulistas O Estado de S. Paulo (OESP), Diário de S. Paulo (DSP) e Folha da Manhã (FM), e os cariocas Correio da Manhã (CM), Jornal do Brasil (JB) e O Globo (OG). A partir da década de 1940, esses jornais eram os mais vendidos, segundo padrões da época, eram editados e circulavam nos dois maiores centros

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urbanos do país. Além da importância econômica e política de ambos, Rio de Janeiro e São Paulo apresentavam as maiores e mais bem organizadas seções do PCB, um número significativo de políticos comunistas eleitos para os legislativos federais, estaduais e municipais e, também, uma expressiva atuação da imprensa comunista. Os seis periódicos faziam parte do seleto grupo denominado grande imprensa, entendida como aquela que passava a apresentar uma estrutura empresarial com moderno parque gráfico, rotativas de última geração, com capacidade para aumentar a tiragem de jornais, e a divisão interna do trabalho – com repórteres, fotógrafos, redatores, gráficos e colunistas -, exibindo, assim, maior poder de intervenção na vida política nacional e uma estrutura técnica capaz de ampliar seu público leitor e o espaço publicitário em suas páginas. Atuaram significativamente no debate político nacional ao publicar editoriais, reportagens, entrevistas, charges e imagens acerca de acontecimentos ligados ao fim do Estado Novo e à implantação da democracia parlamentar representativa. Ademais, mesmo pautados por linhas editoriais distintas, os seis jornais foram escolhidos por se declararem liberais e se mostrarem como defensores incontestes do regime democrático e serem os que mais noticiaram ou se manifestaram em relação aos atos governamentais e aos de outros agentes políticos favoráveis ao cerceamento das liberdades comunistas no jogo político nacional.

É importante destacar que até o final da década de 1940, as relações entre jornalismo e política eram muito estreitas e os periódicos, muitas vezes, eram utilizados como instrumentos políticos de grupos ou partidos políticos. Além disso, a partir do final de 1944, os trabalhadores da imprensa brasileira passam por uma organização corporativa, sendo classificados de acordo com suas atividades no interior das empresas jornalísticas e tem seus salários fixados conforme a atividade desempenhada. Desta forma, a partir de 1945, a atividade jornalística ganha traços de profissionalismo e deixa de ser encarada como uma atividade secundária.2 No entanto, a instituição dos cursos superiores de jornalismo através do Decreto-Lei número 5480, de 13 de Maio de 1943 contribuiu ainda mais para a profissionalização dos jornalistas. Mas o primeiro curso de jornalismo foi criado pela Fundação Cásper Líbero, em São Paulo, somente no ano de

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1947, depois que o novo Decreto-Lei número 22.245, de 06 de Dezembro de 1946, regularizou as condições de seu funcionamento3.

No campo político, a guerra fez Vargas reavaliar sua linha política autoritária vigente desde 1937. O ano de 1945 se iniciara com o crescimento de manifestações contra o Estado Novo, apresentaria a queda política de Getúlio Vargas e fecharia com a eleição direta do presidente Eurico Gaspar Dutra. As manifestações daquele ano em prol do restabelecimento de uma democracia parlamentar representativa somavam-se ao Manifesto dos Mineiros (1943) e a outras realizadas em torno de palavras de ordem como “anistia política”, “Assembléia Nacional Constituinte” e “ampla liberdade de expressão e organização”. Por sua vez, a imprensa cada vez mais burlava a censura imposta pelo Estado Novo, o que é um indicador seguro da perda de força de regimes autoritários.

Pressionado, Getúlio Vargas inicia concessões no sentido de promover a transição democrática, porém com a intenção de dirigi-la. Apesar de apoiado por segmentos expressivos das camadas populares que, organizadas por forças ligadas ao governo, queriam a continuidade do presidente no poder - o “Queremismo” - (Ferreira, 2003, p.16-27)-, Vargas não conseguiria manter-se à frente do processo de transição, pois sucumbira às variadas pressões, notadamente as oriundas de correntes contrárias ao Estado Novo, compostas, sobremaneira, por políticos, empresários, bacharéis, militares de alta patente, sobretudo os vinculados à Aeronáutica, e intelectuais comprometidos com princípios liberais que já haviam inspirados práticas interrompidas pela ditadura varguista, muitos dos quais integrariam às fileiras da União Democrática Nacional.

Contudo, antes de ser deposto em 29 de outubro de 1945, Vargas, além de decretar o Ato Adicional nº 9 fixando prazo de noventa dias para a realização de eleições diretas, estabeleceu o código político-eleitoral que, mantido até 1964, determinava, pela primeira vez na história republicana, o caráter nacional de qualquer partido como condição obrigatória para o seu registro e participação na vida política nacional. Depois de quase dez anos de censura à imprensa, cedia o governo aos anseios populares, o direito de greve era reconquistado, houve o reatamento de relações diplomáticas com o povo soviético, ou seja, Vargas continuava a caminhar

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RIBEIRO, Ana Paula. Jornalismo, literatura e política: a modernização da imprensa carioca nos anos 1950. In: Revista Estudos Históricos, p. 152.

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aparentemente rumo à democracia. Ainda antes de sua queda política, fundou o Partido Social Democrático (PSD), organizado com base nas interventorias do Estado Novo, e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), estabelecido a partir das forças sociais vinculadas ao Ministério do Trabalho. Ambos partidos conjuntamente com a UDN se constituíram nas três maiores organizações partidárias do período 1945 a 1964 (Delgado, 2003, p.131-6). Porém, no início desse período, aqueles três partidos encontravam no PCB, existente desde 1922, um concorrente político considerável.

Legalizado o PCB se revelou como um partido de massas, renovou suas lideranças, conquistou perto de dez pontos percentuais nas eleições para a presidência da República4, elegeu dezessete deputados e um senador e alcançaria maioria na Câmara dos Vereadores do Distrito Federal. Em São Paulo, o PCB obteve o terceiro lugar no total de votos nas eleições estaduais de 1947, superando até mesmo a UDN, e atingia, em 1946, cerca de 180 a 200 mil militantes. Criou uma imprensa com diversos jornais diários e revistas periódicas, bem como fundou editoras5. Inseriu-se nas grandes empresas e nos círculos de trabalhadores urbanos, organizou comitês de bairros e se destacou nos meios sindicais, conquistando a simpatia de setores das camadas médias e da intelectualidade. Calcado na diretriz política de “união nacional”, o PCB deu relevante contribuição aos debates e à elaboração da Constituição de 1946, sua bancada desempenhou destacado papel nos trabalhos da Assembléia Constituinte no que tange à defesa da greve, autonomia sindical, ao estabelecimento e à ampliação dos direitos de cidadania (SEGATTO, 2003, 219-23). Logo, o PCB foi colocado na berlinda, pois, além de ser uma nota dissonante em relação às sinistras medidas de Dutra e às primeiras orquestrações do que viria a ser a Guerra Fria, mostrava-se como um considerável agente do campo político, inclusive dispondo de uma imprensa atuante e crescente.

Entretanto, a transição política do Estado Novo à ordem democrática ao ser processada, como bem definiu Souza (1983, p. 105), sem pressão de qualquer movimento contestatório liderado por amplas bases sociais e a cassação do PCB e de

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De acordo com dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral, Eurico Gaspar Dutra (PSD) teve 3.251.507 votos (55,3%), Eduardo Gomes (UDN) 2.039.341 votos (34,7) e Yedo Fiúza (PCB) 569.818 votos (9,7%). O Estado de S. Paulo 08/01/1946, p. 4.

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Entre os anos de 1944 e 1947 os comunistas retomaram a atividade editorial intensa e sistemática. Leôncio Basbaum foi o responsável pela organização da editora Vitória. A editora partidária foi organizada em moldes empresariais e se tornou a editora mais importante dos comunistas brasileiros dos anos 1940 e 1950. Este foi o período de maior influência dos comunistas entre os intelectuais brasileiros, o partido adotou uma política cultural ampla e não sectária. Ver Sotana(2003), Segato(1989), Santana(2001), Carone(1982).

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seus eleitos, deixavam claras as restrições colocadas ao nascente regime democrático do período. Segundo a autora, o regime democrático iniciado naquele ano não pode ser considerado propriamente como uma ruptura, mas, antes, como uma “inflexão” da vida política anterior, formada a partir da Revolução de 1930, acentuada durante o Estado Novo e parcialmente modificada pela ação dos principais condutores do processo de democratização em 1945, e se constituíram em fatores limitativos para o surgimento dos partidos societários, isto é, organizações partidárias independentes da máquina do Estado, apoiadas em identificações populares e lealdades históricas. Já para Bethell (1996, p.74), a “redemocratização” não significou a ruptura com o Estado Novo, não houve ruptura de poder político, pois Vargas e os militares controlavam o aparato estatal (prefeitos, polícia e o judiciário) e esse estado de coisas continuou a existir durante o governo Dutra, porém de forma mais branda. Ademais, a população permaneceu excluída das decisões políticas ficando renegada a receber os favores das elites nacionais, e por assim ser, não há sentido falar em redemocratização da sociedade ou democracia no período imediatamente posterior a 1945 devido à permanência de estruturas políticas, econômicas e sociais até então presentes no governo discricionário do Estado Novo.

Ademais, a partir da participação dos comunistas nas eleições de 1945 e 1947, momento em que o partido obteve inegável crescimento eleitoral, a grande imprensa brasileira passou a atuar como caixa de ressonância do discurso anticomunista no Brasil. Ao estudar, as relações existentes entre a imprensa e o PCB, a partir da análise do discurso, Mariani (1998) identificou as formações ideológicas e discursivas que constituíram ideologicamente a memória política do país, além da produção discursiva dos principais periódicos brasileiros, bem como a narrativa e a memória sobre os comunistas. Porém, não cuida analiticamente do período focalizado por nossa pesquisa, esquecendo importantes temas como os processos eleitorais, a cassação da legenda e dos mandatos comunistas e do contexto político internacional. De acordo com a autora, “se antes a imprensa era encarada como um veículo neutro e imparcial, sem participação significante na vida política nacional, hoje ela assume um caráter ativo e interpretativo, e a cada dia, fica mais próximo o entrelaçamento dos acontecimentos políticos e a notícia: a imprensa pode tomar direções de sentido a partir do relato de determinado fato como perceber tendências de opinião ainda tênues e dar-lhes visibilidade, tornando-as eventos-notícias”. Desta maneira, a imprensa participa ativamente das situações em que

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existem tomadas de decisões políticas. Após a queda do Estado Novo e o restabelecimento de um regime “democrático”, a imprensa nacional ganhou liberdade e maior poder de atuação e intervenção no cenário político nacional. Nesse período, os jornais buscam despolitizar a atuação dos comunistas na Assembléia Nacional Constituinte, contribuindo, conseqüentemente, com a despolitização dos leitores e eleitores, ou seja, ao passar por modificações de cunho estrutural e assumindo aos poucos a posição de empresas de comunicação, os jornais retiram das suas páginas os posicionamentos políticos ideológicos e colocam em foco comportamentos e opiniões pessoais. De acordo com Mariani (1998, p.197-8), os jornais passam a agir como juízes, pois emitem juízos de valores sobre os acontecimentos nacionais, colocando os fatos para falar por si. Os fatos políticos sobre a cassação da legenda e dos mandatos comunistas em maio de 1947 e janeiro de 1948, respectivamente, são muitas vezes omitidos pelos principais jornais do país. Durante o pós-guerra há a preocupação com o comunismo, mas as referências se refletem mais a nível internacional, tratando principalmente das iniciais disputas entre EUA, China e URSS no contexto permeado pela Guerra Fria. Segundo a autora, o objetivo desse tipo de tratamento político realizado pela imprensa nacional é silenciar e anular as ações comunistas evitando qualquer tentativa de suposta subversão social e organização das massas trabalhadoras.

Ao contrário da afirmativa da autora, nossa pesquisa permitiu perceber que a temática comunista, assim como sua ação partidária recebeu a atenção da imprensa paulista e carioca do período. Os jornais pesquisados, embora vivenciassem um momento de transformações estruturais, apresentavam uma preocupação acentuada com o jogo político nacional e, sobretudo, com a possibilidade de proliferação do comunismo no território nacional. Os periódicos publicaram diversas matérias, editoriais e reportagens para emitirem juízos de valores e criarem uma representação sobre o PCB e a atuação de seus representantes parlamentares, bem como realizaram campanhas contra o comunismo, num período em que a Guerra Fria começava a despontar em nível internacional. Por certo, os agentes comunistas são excluídos das páginas dos jornais, mas a temática comunista nacional bem como as ações coletivas de agentes ligados ao PCB e, acima de tudo, ações contra os comunistas, como repressão, prisões, fechamento de células, e intervenção em comícios foram tratadas de forma sistemática pelos jornais, com o objetivo de construir um discurso negativo à ideologia

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comunista, além de construir uma opinião pública contraria a atuação e funcionamento do partido no campo político nacional.

Sendo assim, as transformações estruturais vivenciadas pela imprensa não impediram que os jornais analisados atuassem politicamente e emitissem pareceres sobre os acontecimentos políticos nacionais e internacionais, sobretudo os ligados à temática comunista. Nesse contexto de dupla transição, os jornais pesquisados publicaram grande quantidade de materiais anticomunistas em suas páginas, emitiram opiniões e se posicionaram diante do processo de cassação do PCB e de seus mandatos parlamentares. No entanto, os jornais analisados emitiram diferentes posicionamentos acerca da cassação da legenda e dos mandatos comunistas. Apesar de contrário a cassação, por acreditar que a Constituição garantia o direito de existência legal ao partido, OESP afirmou que, estivesse a decisão certa ou errada, ela não deveria ser desrespeitada e a Justiça Eleitoral não poderia ser pressionada pela opinião pública. Por sua vez, logo após a cassação do PCB, o CM aproveitou a oportunidade para criticar o que classificara como ato antidemocrático, mas também para criticar as dificuldades econômicas encontradas pela população durante o governo Dutra. Para o periódico, o fechamento do PCB criou um caos político, pois esse ato significou a agitação e desconfiança que poderiam colocar em risco a estrutura e o fim do campo político nacional. Para o jornal carioca, Dutra, desde que assumira a presidência da República, revelava uma vocação arbitrária. Sendo assim, a folha de Bittencourt classificou o ato de cancelamento da legenda comunista como “péssimo exemplo antidemocrático”, pois o governo “poderia ter atenuado essa situação se tivesse oferecido uma vida mais digna e com condições econômicas satisfatórias aos trabalhadores”. Por outro lado, o DSP, FM, JB e OG não apresentaram críticas ao governo e ao TSE após o lançamento do PCB na ilegalidade. Esses periódicos concordavam com a idéia de que a atuação dos parlamentares comunistas na vida política nacional era como um perigo às instituições democráticas e constituía um empecilho para a construção e implantação do projeto social de cunho liberal-democrático encabeçado pelas correntes políticas liberais. Desse modo, a cassação do PCB e de seus mandatos fora entendida pelos quatro jornais como uma forma de blindar o regime democrático das ações subversivas dos comunistas. Podemos dizer que ao conceder a cobiçada publicidade estatal, empréstimos em bancos estatais, privilégios no fornecimento de papel e indicações para ocupar cargos públicos na máquina estatal, Dutra buscava conquistar o apoio dos jornalistas ao seu governo,

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que, naquele momento, empenhava-se na eliminação do PCB e de seus mandatos da vida político nacional.

Desta maneira, ao analisar o papel da imprensa num período de dupla transição, podemos afirmar que o jornal é um importante agente político e detém elevado poder de intervenção na vida política e social do país. Ademais, as folhas objetivam conquistar para si o maior número possível de leitores, que lhe propiciará receitas em vendas avulsas e assinaturas, bem como publicidade, ou seja, os periódicos produzem e impõem uma visão particular do campo político, selecionando até mesmo o que deve ser publicado ou não. Vale destacar que o mundo dos jornalistas é dividido, há conflitos, concorrências e disputa pelo poder de falar em nome de uma totalidade de leitores. Além disso, os produtos jornalísticos apresentam uma certa homogeneidade, as diferenças evidentes, ou seja, as posições políticas dos periódicos ocultam semelhanças profundas, pois os jornais pesquisados falam em nome da ideologia liberal, apresentam estruturas técnicas bem parecidas, recebem notícias oriundas das mesmas agências noticiosas e muitas vezes se dirigem ao mesmo público leitor. Seja qual for o meio em que trabalhem, os jornalistas se lêem, se ouvem e se olham muito entre eles e, conseqüentemente, se reproduzem. Entretanto, vale destacar que, uma vez conquistado, o poder simbólico só pode ser conservado mediante a realização de um trabalho constante, necessário não só para acumular crédito, mas para evitar o descrédito. É isso que faz com que o homem político esteja comprometido com o jornalista, detentor de um poder sobre todos os instrumentos de grande difusão, o que lhe dá um poder sobre toda a espécie de capital simbólico, capaz de fazer ou desfazer reputações (BOURDIEU, 2003, p.189)6, daí a importância da imprensa como elemento político em uma sociedade, uma vez que ela se apresenta como um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social. A partir disso, a História procura estudá-la como agente político destacado, com a preocupação de captar o movimento vivo das idéias e dos personagens que circulam nas páginas dos jornais. Além desses elementos, os jornais estão envolvidos em uma concorrência pelo poder de falar e marcar posição. Essa concorrência toma forma através da busca pelo furo, para ser o primeiro, e assim, conquistar maior espaço social e, conseqüentemente, o maior número possível de leitores e anunciantes.

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