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Artigos. Autor: João Francisco Bianco Fabiana Carsoni Alves F. da Silva

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Academic year: 2021

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Artigo para o livro "Direito societário, mercado de capitais, arbitragem e outros temas: homenagem a Nelson Eizirik”. CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; AZEVEDO, Luis Andre; HENRIQUES, Marcus de Freitas (Coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 649-670.

Autor: João Francisco Bianco

Fabiana Carsoni Alves F. da Silva

A INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE AS AÇÕES BONIFICADAS, OS DIVIDENDOS E OS JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO RECEBIDOS PELOS COTISTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTO

1. Introdução

Alteração no entendimento da Receita Federal do Brasil sobre o regime de tributação de certos tipos de rendimentos, recebidos pelos fundos de investimento, quando provenientes das ações mantidas em suas carteiras, tornou necessário o exame mais aprofundado da natureza jurídica desses fundos.

Isso porque, do ponto de vista regulatório, sempre houve permissão para o pagamento, pelas companhias, de dividendos, bonificações em ações e juros sobre o capital próprio (“JCP”) diretamente para os cotistas dos fundos de investimento, como se os titulares das ações fossem os cotistas dos fundos e não propriamente os fundos de investimento.

O novo entendimento da Receita passou a considerar que os titulares das ações eram os fundos de investimento e não os seus cotistas. Daí porque, segundo a Receita, os rendimentos teriam de ser primeiramente recebidos pelos fundos para só depois serem repassados para os seus cotistas.

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O objetivo, portanto, deste trabalho é examinar a natureza jurídica dos fundos de investimento, para investigar de quem é a titularidade do direito de propriedade das ações que integram as suas carteiras, pois a resposta a essa indagação será fundamental para determinar a correção ou não do novo entendimento da Receita Federal sobre o assunto.

É o que veremos a seguir.

2. A natureza jurídica dos fundos de investimento

De acordo com o art. 3º da Instrução n. 555, de 17.12.2014, da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), os fundos de investimento constituem uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio e destinados à aplicação em ativos financeiros.

Essa normatização encontra lastro na Lei n. 4728, de 14.7.1965, que disciplina o mercado de capitais, e cujo art. 50 denomina como “fundos em condomínio” os fundos de investimento de títulos ou valores mobiliários.

A natureza condominial dos fundos de investimento foi reafirmada pela Lei n. 13874, de 20.9.2019, a qual introduziu os art. 1368-C a 1368-F no Código Civil. O art. 1368-C qualifica os fundos de investimento como comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial, destinados à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza.

Enquanto condomínios, os fundos de investimento não são dotados de personalidade jurídica. Trata-se, na verdade, de uma comunhão, em que as partes se unem, de maneira voluntária, adquirindo títulos e valores mobiliários, que passam a integrar a carteira do fundo de investimento, cujo administrador encarregar-se-á da gestão desses bens.

Justamente porque não detêm personalidade jurídica, os fundos de investimento, em sua maioria, são entidades não sujeitas à tributação pelo imposto de renda da pessoa jurídica - IRPJ, pela contribuição social sobre o lucro - CSL, pelo programa de integração social - PIS e pela contribuição social sobre a receita - COFINS. É que o sujeito passivo desse imposto e dessas contribuições é a pessoa jurídica, ou

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entidades a ela equiparadas1. E os fundos de investimento não se encaixam nessa definição, desprovidos que são de personalidade jurídica2.

Isso não significa dizer que a lei tributária não esteja autorizada a tributar os rendimentos e ganhos apurados pelos fundos de investimentos ou por outras comunhões desprovidas de personalidade jurídica. O art. 126 do Código Tributário Nacional (“CTN”) é claro no sentido de que a capacidade tributária passiva, é dizer, a capacidade de a entidade incorrer em situações que produzam efeitos tributários3, prescinde até mesmo da constituição regular das pessoas jurídicas, bastando, para a configuração de tal capacidade, que se identifique uma unidade econômica ou profissional autônoma.

Ocorre que a opção do legislador foi estabelecer, como regra, a não tributação dos rendimentos e ganhos apurados pelos fundos de investimento, tributando-os somente no nível dos cotistas.

As disposições legais, inclusive o art. 28, parágrafo 10, “a”, da Lei n. 9532, de 10.12.1997, e o art. 68, inciso I, da Lei n. 8981, de 20.1.19954, que reconhecem a condição dos fundos de investimento de não contribuintes de impostos e contribuições, partem da premissa de que o fundo é um condomínio de ativos pertencentes a todos os seus investidores, pelo que a regra geral da legislação tributária, alinhada a tal característica, é a de que somente os rendimentos e ganhos auferidos pelos seus cotistas é que deverão ser tributados5.

Com efeito, a norma de caráter geral que estabelece a não tributação de fundos de investimento está alinhada com sua natureza jurídica, isto é, com sua

1 É o que se extrai dos artigos 1º da Lei 7689, de 15.12.1988, 2º da Lei n. 9718, de 27.11.1998, 1º da Lei n. 10637, de

30.12.2002, 1º da Lei n. 10833, de 29.12.2003, e 158 e seguintes do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 9580, de 22.11.2018).

2 Exceção é feita, por exemplo, aos fundos de investimento imobiliário, definidos pelo artigo 2º da Lei n. 9779, de

19.1.1999, cujo tratamento fiscal deve ser aquele atribuído às demais pessoas jurídicas, por equiparação, nas condições previstas em lei.

3 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 572.

4 Embora o art. 28 e o art. 68 aludam aos fundos de investimento, ele se aplica também aos clubes de investimento,

tendo em vista que, nos termos do art. 33 da Lei n. 9532: “Art. 33. Os clubes de investimento, as carteiras administradas e qualquer outra forma de investimento associativo ou coletivo, sujeitam-se às mesmas normas do imposto de renda aplicáveis aos fundos de investimento”.

5 Cf. GALHARDO, Luciana Rosanova; LOPES JUNIOR, Jorge Ney de Figueirêdo. “Tributação dos fundos de

investimento pelo imposto sobre a renda”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coord.). O direito tributário e o

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natureza condominial, desprovidos que são de personalidade jurídica6, confirmando que os ganhos, receitas e rendimentos de suas carteiras só devem ser tributados no plano dos cotistas, na medida em que são eles, e somente eles, juridicamente, os verdadeiros beneficiários daquela renda ou daquela receita, e não os fundos.

Da mesma forma, como os fundos de investimento possuem natureza condominial, os ganhos provenientes da alienação de títulos e valores mobiliários integrantes de suas carteiras pertencem aos cotistas, isto é, aos condôminos, já que os fundos, enquanto entes condominiais, não detêm a propriedade daqueles bens, funcionando como meros gestores especializados na carteira de investimentos.

Isso é assim porque os entes desprovidos de personalidade jurídica não detêm personalidade patrimonial. Realmente, a personalidade patrimonial é um atributo característico dos entes dotados de personalidade jurídica. Personalidade é a capacidade de ser titular ou sujeito passivo de direitos, obrigações, pretensões, ações e exceções7-8.

Há quem entenda, no entanto, que os entes desprovidos de personalidade jurídica podem deter patrimônio próprio. Nesse sentido, sustentando que os fundos de investimento possuem patrimônio próprio, a despeito de não deterem personalidade jurídica, é a opinião, por exemplo, de Arnoldo Wald9, Rodrigo de Freitas10 e Hermano Notaroberto Barbosa11. Por esse entendimento, a carteira de títulos e valores mobiliários seria considerada patrimônio específico do fundo de investimento,

6 A Receita Federal do Brasil (“RFB”) reconhece que os fundos de investimento são condomínios, não se equiparando

às pessoas jurídicas para efeito de aplicação das normas que estabelecem sujeição passiva por responsabilidade em matéria de imposto de renda, como se vê pela Solução de Consulta n. 9, de 7.1.2014, da COSIT, na qual foi dito que: “considerando que o fundo de investimento é definido pela legislação brasileira como sendo constituído sob a forma de condomínio, e considerando ainda que este não se caracteriza como pessoa jurídica na forma das legislações civil e fiscal, tem-se que os fundos de investimento não estão obrigados a efetuar a retenção na fonte de que trata o art. 647 do RIR/99, pois apenas se sujeitam a tal retenção as importâncias pagas ou creditadas por pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas”.

7 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. Tomo I. 3ª edição. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p.

155.

8 Sobre as diversas teorias do patrimônio, vide: HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes. “Patrimônio, patrimônio

separado ou especial, patrimônio autônomo”. In: Direito Societário Contemporâneo I. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (Coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 263-279.

9 WALD, Arnoldo. “Da natureza jurídica do fundo imobiliário”. Revista de Direito Mercantil - Industrial,

Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 80, 1990, p. 15-23.

10 FREITAS, Rodrigo de. “Natureza jurídica dos fundos de investimento imobiliários e regimes de tributação”. In:

MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coord.). O direito tributário e o mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2009, p. 435-436.

11 BARBOSA, Hermano Notaroberto. “Tributação das reorganizações de fundos de investimento”. In: Castro,

Leonardo Freitas de Moraes (Coord.). Mercado financeiro e de capitais: regulação e tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 1143-1163.

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segregado dos seus administradores e investidores, de modo que os cotistas não exerceriam direito de propriedade diretamente sobre os ativos que a compõem12.

Em sentido oposto, defendendo que os fundos de investimento, por não deterem personalidade jurídica, não podem ser titulares de patrimônio, estão, por exemplo, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França13, Mário Tavernard Martins de Carvalho14, Elidie Palma Bifano15, Sérgio Mourão Corrêa-Lima e Vinícius Rodrigues Pimenta16.

A controvérsia acima destacada decorre de debate em torno da natureza jurídica dos fundos de investimentos17. Há quem defenda, por exemplo, que o fundo de investimento constitui um centro de imputação de direitos e obrigações, que possui patrimônio próprio, como uma espécie de sociedade18, havendo inclusive quem sustente que o fundo detém personalidade jurídica, já que esta decorreria, não de disposição legal expressa, mas do grau de subjetivação, ou de capacidade jurídica, que a lei atribui a certas estruturas associativas19.

Em que pese o aludido embate doutrinário, tem razão Félix Ruiz Alonso ao afirmar que não se pode ignorar o alargamento que se fez do instituto do condomínio quando a lei atribuiu tal natureza aos fundos de investimento. Como prossegue o autor, o legislador, desde 1959, vem se referindo aos fundos com a designação de

12 CARDOSO, Daniel Gatschnigg. Imposto sobre a renda auferida em fundos de investimento. São Paulo: MP

Editora, 2011, pp. 41-44.

13 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. “A natureza jurídica dos fundos de investimento. Conflito de

interesses apurado pela propria assembleia de cotista. Quórum qualificado para destituição de administrador de fundo”. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (Coord.). Temas de Direito Societário, Falimentar e

Teoria da Empresa. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 185-215.

14 CARVALHO, Mário Tavernard Martins de. “Fundos de investimento: aspectos polêmicos”. In: FREITAS, Bernardo

Vianna; VERSIANI, Fernanda Valle (Coord.). Fundos de investimentos: aspectos jurídicos, regulamentares e tributários. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 15-33.

15 BIFANO, Elidie Palma. O mercado financeiro e o imposto sobre a renda. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin,

2011, p. 306.

16 CORRÊA-LIMA, Sérgio Mourão; PIMENTA, Vinícius Rodrigues. “Fundos de investimento”. In: WALD, Arnoldo;

GONÇALVES, Fernando; SOARES DE CASTRO, Moema Augusta (Coord.); FREITAS, Bernardo Vianna; CARVALHO, Mário Tavernard Martins de (Org.). Sociedades anônimas e mercado de capitais – homenagem ao Prof. Osmar Brina Corrêa-Lima. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 653-678.

17 Ricardo de Santos Freitas explica haver ao menos cinco teorias que tentam explicar e qualificar a natureza dos

fundos de investimento, a saber: a) teoria condominial; b) teoria da comunidade de bens não condominial; c) teoria da propriedade em mão comum; d) teoria da propriedade fiduciária; e e) teoria da organização associativa. Nesse sentido, vide: Uma análise detalhada de todas essas diferenças foi feita por Ricardo de Santos Freitas. Vide: FREITAS, Ricardo de Santos. Natureza jurídica dos fundos de investimento. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

18 PIRES, Daniela Marin. Os fundos de investimentos em direitos creditórios. São Paulo: Almedina, 2013, p.

53-54.

19 Nesse sentido, vide: FREITAS, Ricardo de Santos. Natureza jurídica dos fundos de investimento. São Paulo:

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condomínios, não se podendo cogitar de que o legislador tivesse errado, e menos ainda, que a lei habitualmente estivesse eivada de impropriedades20. O mesmo autor acrescenta - com razão – que, sobre a mesma realidade, o Direito pode criar uma sociedade, ou um condomínio; optando por um, ou por outro, atribuir-se-á determinado regime jurídico ao instituto, do qual espraiarão consequências distintas21, que devem ser observadas para sua adequada compreensão.

Trata-se de opção do legislador - e não de erro - de atribuir ao fundo a qualidade de condomínio, submetendo-o ao regime jurídico próprio desse instituto. Ao fazê-lo, o legislador cria uma categoria condominial com características distintas se comparada a outros condomínios disciplinados pela lei civil.

Como observa Nelson Eizirik, “os fundos de investimento organizam-se, juridicamente, sob a forma de condomínio, sem personalidade jurídica, constituindo uma comunhão de recursos destinados à aplicação em carteiras compostas pelos mais diversos ativos financeiros, como títulos da dívida pública, ações, debêntures e outros títulos ou contratos existentes no mercado”22. O autor acrescenta que, em que pesem as múltiplas correntes sobre a natureza jurídica dos fundos de investimento, é certo que o sistema legal brasileiro adotou a teoria condominial23.

O fundo é, nesse contexto, um autêntico condomínio, conquanto sujeito a regime especial24.

Ser especial significa que os fundos de investimento não se submetem à disciplina dos condomínios estatuída no Código Civil, em seus art. 1314 e seguintes. Trata-se de condomínios com características próprias, distintas.

Dentre essas diferenças, é comum que se destaque que a liquidação dos fundos de investimento pode dar ensejo à devolução, em dinheiro, da parte cabente a

20 ALONSO, Félix Ruiz. “Os fundos de investimento”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 1, 1971, p. 71.

21 Idem, p. 78.

22 EIZIRIK, Nelson. “Fundo de investimento. Não aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos quotistas. Fato do

príncipe consistente na mudança das regras de contabilização dos títulos de sua carteira”. In: EIZIRIK, Nelson.

Temas de direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 549.

23 EIZIRIK, Nelson et al. Mercado de Capitais – Regime Jurídico. 3ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 82-83,

p. 83.

24 BARBOSA, Henrique Cunha. “Usufruto de Cotas de Fundos de Investimento”. In: FREITAS, Bernardo Vianna;

VERSIANI, Fernanda Valle (Coord.). Fundos de investimentos: aspectos jurídicos, regulamentares e tributários. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 99-105.

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cada cotista, em contraposição à divisão da coisa comum, que pode ser requerida a qualquer tempo pelo condômino nos condomínios voluntários disciplinados pelo art. 1320 do Código Civil25.

Afirma-se também que os cotistas não exercem em sua plenitude direitos de domínio, não lhes sendo possível, em alguns casos, dispor livremente de suas cotas, o que acontece, por exemplo, nos fundos imobiliários cujas cotas são intransferíveis. Sustenta-se também que, em alguns fundos, a responsabilidade do cotista por dívidas daqueles é limitada ao patrimônio efetivamente aportado, o que não aconteceria nos condomínios típicos. Defende-se, ainda, a inaplicabilidade aos fundos do art. 1318 do Código Civil, segundo o qual os condôminos podem contrair dívidas em proveito da comunhão, o que não ocorre nos fundos de investimentos, nos quais tais atos só podem ser praticados pelo administrador26.

Para nós, as diferenças acima enumeradas são insuficientes para desqualificar a natureza condominial dos fundos. Os fundos, como dito, são condomínios sujeitos a regramento especial, próprio, específico. Portanto, não é apropriado invocar as normas do Código Civil que disciplinam as demais formas condominiais na tentativa de compreender o regime jurídico ou identificar a natureza jurídica dos fundos de investimento.

Se isso já decorria da normatização existente sobre o tema, a qual revelava que os fundos de investimento eram condomínios, mas condomínios com regime jurídico distinto daquele previsto nos art. 1314 e seguintes do Código Civil, a controvérsia restou dirimida com o advento da Lei n. 13874, de 20.9.2019, a qual introduziu os art. 1368-C a 1368-F no Código Civil.

Como dito, o art. 1368-C qualifica os fundos de investimento como comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. Seu parágrafo 1º acrescenta que não são aplicáveis aos fundos de investimento as normas dos art. 1314 a 1358-A do Código Civil.

25 Cf. PARENTE, Norma Jonssen. “Mercado de capitais: participantes do mercado”. In: CARVALHOSA, Modesto.

Tratado de Direito Empresarial. Volume VI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 250-251.

26 Uma análise detalhada de todas essas diferenças foi feita por Ricardo de Santos Freitas. Vide: FREITAS, Ricardo de

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Não obstante a inaplicabilidade das normas dos art. 1314 a 1358-A do Código Civil esteja, na quadra atual, expressamente assentada em lei (art. 1368-C, parágrafo 1º, do mesmo código), é importante consignar que a devolução, aos cotistas, dos títulos e valores mobiliários integrantes da carteira dos fundos de investimento não é, sempre, vedada27, podendo acontecer em determinadas situações, tanto que o art. 139 da Instrução CVM n. 555 estabelece que, na hipótese de liquidação do fundo, o administrador deve promover a divisão do patrimônio entre os cotistas, na proporção de suas cotas. O mesmo art. 139, agora em seu parágrafo 5º, dispõe que, no caso de liquidação, havendo provento a receber na carteira do fundo, admite-se tanto sua negociação a valor de mercado, como sua transferência diretamente aos cotistas, observada a participação de cada um no fundo.

No mais, mesmo nos condomínios voluntários regulados pelo Código Civil, admite-se que o pagamento do condômino seja feito em espécie, e não somente mediante divisão da coisa comum, como ocorre, por exemplo, na hipótese de indivisibilidade (art. 1321 do Código Civil).

Quanto ao exercício dos direitos inerentes à disposição, uso e fruição dos ativos financeiros integrantes da carteira dos fundos, não se pode olvidar que os fundos de investimento e os bens integrantes de sua carteira possuem destinação específica, qual seja, viabilizar o investimento coletivo de seus participantes, por meio de gestão eficiente e qualificada. Isto naturalmente impõe restrições à utilização daqueles bens pelos investidores28. Assim, qualquer que seja a disciplina dada pelo respectivo regulamento e pelos atos normativos aplicáveis à espécie de fundo acerca do exercício dos direitos inerentes à disposição, uso e fruição dos ativos financeiros integrantes da carteira dos fundos 29, é certo que ela será insuficiente para desqualificar a natureza condominial dos fundos de investimento.

27 Vinícius Mancini Guedes entende que os investidores são proprietários imediatos das cotas, detendo a

propriedade mediata dos bens integrantes do fundo, o que justifica a entrega de recursos, e não de bens, na dissolução do fundo (GUEDES, Vinícius Mancini. “Sociedade e comunhão - os fundos de investimento”. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito Societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 78). Também pela propriedade imediata das cotas, mas mediata dos bens, vide: ALONSO, Félix Ruiz. “Os fundos de investimento”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 1, 1971, p. 72.

28 Cf. GUEDES, Vinícius Mancini. “Sociedade e comunhão - os fundos de investimento”. In: FRANÇA, Erasmo Valladão

Azevedo e Novaes (coord.). Direito Societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 74.

29 Cf. CARVALHO, Mário Tavernard Martins de. “Fundos de investimento: aspectos polêmicos”. In: FREITAS,

Bernardo Vianna; VERSIANI, Fernanda Valle (Coord.). Fundos de investimentos: aspectos jurídicos, regulamentares e tributários. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 30.

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Nessas condições, não obstante a disciplina legal dos fundos seja peculiar, específica, distanciando-se, em alguns aspectos, dos regramentos da legislação civil relativa aos condomínios, nem por isto os fundos perdem sua natureza condominial, que é mandatória, porque declarada por lei (Lei n. 4728, de 14.7.1965, art. 50; e art. 1368-C do Código Civil). Trata-se de condomínio de natureza especial, ao qual não se aplicam as normas dos art. 1314 a 1358-A do Código Civil.

Condomínio é instituto de direito civil que se sujeita às disposições legais aplicáveis à finalidade a qual estiver vinculado (edilício, de investimentos etc.), como sucede com os fundos de investimento, que se submetem a regramento próprio, específico. Estar sujeito a regramento próprio não desnatura a essência dessas entidades que, como dito e redito, é condominial.

Por decorrência de serem os fundos verdadeiros condomínios, eles não são (nem eles, nem seus administradores) proprietários dos ativos cuja administração lhes foi confiada. Estes ativos são de titularidade dos cotistas, prestando-se os fundos como instrumento eficaz de gestão de títulos e valores mobiliários, e nada mais.

É bem verdade que o art. 1368-D do Código Civil, inserido pela Lei n. 13874, de 20.9.2019, autoriza que o regulamento do fundo limite a responsabilidade de cada cotista30, bem como constitua patrimônio segregado para cada classe de cota, o qual só responde por obrigações vinculadas à classe respectiva. Isso, contudo, não desqualifica a natureza condominial do fundo, a qual é declarada por lei, tampouco permite que se conclua que o patrimônio pertence ao fundo. Trata-se, apenas, de uma espécie de patrimônio separado ou especial, que não se comunica nem se contamina pelo patrimônio geral, ficando destacado a um fim específico, qual seja, o investimento coletivo, mediante gestão eficiente e qualificada dos bens componentes da carteira do fundo, mas pertencentes aos investidores31.

As referidas normas, ao limitarem a responsabilidade e evitarem contaminação do patrimônio por dívidas alheias ao tipo de investimento, visam a

30 A todo rigor, não se trata de novidade introduzida pela lei civil. Em estudo veiculado em 2006, Ricardo de Santos

Freitas relata, após examinar as normas aplicáveis a diversas espécies de fundo de investimento, que em alguns regulamentos, admite-se que os cotistas respondam com seu patrimônio para com dívidas do fundo, assim como há regulamentos em que a responsabilidade do cotista é limitada ao patrimônio aportado ao fundo (FREITAS, Ricardo de Santos. Natureza jurídica dos fundos de investimento. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 154).

31 Sobre as diversas teorias do patrimônio, vide: HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes. “Patrimônio, patrimônio

separado ou especial, patrimônio autônomo”. In: Direito Societário Contemporâneo I. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (Coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 263-279.

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proteger o investidor, o que se justifica em razão de os fundos de investimento não existirem para imprimir a seus cotistas ônus ou malefícios que não teriam se não estivessem unidos em condomínio. A união em condomínio ocorre com o propósito de viabilizar uma administração eficiente e especializada de ativos financeiros, conferindo maior segurança em suas aplicações no mercado de capitais.

Com efeito, Nelson Eizirik ensina que a aplicação de recursos diretamente em ações ou em outros títulos e valores mobiliários pode constituir operação complexa e arriscada, notadamente para investidores não afeitos à dinâmica do mercado financeiro. Neste contexto, emergem os instrumentos de investimento coletivo, como os fundos de investimento, os quais permitem, a um só tempo, a diversificação de riscos, a aplicação de pequeno volume de recursos por cada investidor e a administração especializada, geralmente confiada a instituição financeira com capacitação técnica para gerir o patrimônio comum dos cotistas32 – dada a natureza condominial dos fundos.

Por tudo o que se viu até aqui, nota-se que a existência dos fundos não modifica a titularidade dos ativos.

Ser um condomínio, nos termos da lei, significa que os fundos são desprovidos de personalidade jurídica e, mais, que não são titulares dos bens cuja gestão lhes é confiada, bem assim dos produtos, frutos, proventos e rendimentos oriundos desses bens.

Com efeito, a natureza condominial dos fundos de investimento revela que os títulos e valores mobiliários da respectiva carteira pertencem aos cotistas, como também lhes pertencem os produtos, os frutos, os proventos ou rendimentos da coisa em comum. Em outras palavras, no caso dos fundos de investimento em ações, ou dos fundos de investimento que detenham ações em sua carteira, pode-se afirmar que os JCP, os dividendos e as ações bonificadas entregues aos fundos, do ponto de vista jurídico, pertencem aos cotistas, motivo pelo qual é permitida sua transferência diretamente a eles, e não sua manutenção na carteira dos fundos.

32 EIZIRIK, Nelson. “Fundo de investimento. Não aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos quotistas. Fato do

príncipe consistente na mudança das regras de contabilização dos títulos de sua carteira”. In: EIZIRIK, Nelson.

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As colocações precedentes foram endossadas pela CVM no Parecer CVM/SJU n. 102, de 23.9.1983, que disciplinou os clubes de investimento.

Os clubes de investimento, de um modo geral, possuem natureza condominial, tal qual os fundos de investimento, existindo e sendo constituídos para auxiliar a administração ou a gestão de bens pertencentes a determinado grupo de indivíduos com algum vínculo, alguma conexão entre si, uma “affectio”33. Quase sempre são clubes de amigos e/ou de parentes”34.

No Parecer CVM/SJU n. 102, de 23.9.1983, a CVM debruçou-se sobre as peculiaridades do regime jurídico a que os clubes de investimento se submetem, asseverando, após confirmar sua natureza condominial, que:

“Não se há, portanto, de reconhecer personalidade jurídica ao Clube de Investimento; há uma pluralidade de proprietários, pessoas físicas, sobre a carteira de valores mobiliários, na proporção das quotas de que são titulares; são estes comproprietários que participam do mercado através de mandatário que os representa. Igualmente, no relacionamento com a companhia emissora dos títulos, os seus direitos se exercem pelo representante do condomínio”

Note-se que, como decorrência da constatação de que os clubes de investimento constituem condomínios, a CVM concluiu que os cotistas, além de titulares dos bens e direitos integrantes do clube, agem e interagem com o mercado de capitais mediante representação por terceiro, isto é, por um representante legal do condomínio. Em outros dizeres, conquanto o clube de investimento figure nas negociações de mercado por meio de seu administrador, ele o faz na qualidade de representante de seus cotistas, estes, sim, os verdadeiros detentores ou titulares dos títulos e valores mobiliários negociados.

As conclusões da CVM estão respaldadas na Lei n. 6404, de 15.12.1976, que dispõe sobre as sociedades por ações, e cujo art. 28, parágrafo único, determina que os direitos conferidos a ações (ou lotes de ações) detidas em copropriedade devem ser exercidos pelo representante do condomínio. Veja-se:

33 Nos clubes, há um “grupo de pessoas ligadas por um determinado tipo de vínculo, uma affectio, seja por trabalharem

em uma mesma empresa, seja por qualquer outro tipo de vínculo associativo, que enseje a formação de uma coletividade” (EIZIRIK, Nelson et al. Mercado de Capitais: regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 112).

34 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. Tomo LI. 3ª edição. Rio de Janeiro: Borsoi,

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“Art. 28. A ação é indivisível em relação à companhia.

Parágrafo único. Quando a ação pertencer a mais de uma pessoa, os direitos por ela conferidos serão exercidos pelo representante do condomínio”.

Em sintonia com o art. 28, parágrafo único, acima transcrito, o art. 126, parágrafo 1º, também da Lei n. 6404/76, estabelece que, nos casos de fundos de investimento, os acionistas, isto é, os cotistas, devem ser representados pelo administrador dos fundos, que nada mais é do que o representante legal dos condôminos, conforme se verifica abaixo:

“Art. 126. As pessoas presentes à assembleia deverão provar a sua qualidade de acionista, observadas as seguintes normas:

(...)

Parágrafo 1º O acionista pode ser representado na assembleia geral por procurador constituído há menos de 1 (um) ano, que seja acionista, administrador da companhia ou advogado; na companhia aberta, o procurador pode, ainda, ser instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos de investimento representar os condôminos” (destacou-se).

Em última análise, o art. 126, parágrafo 1º, da Lei n. 6404 reconhece que o administrador dos fundos de investimento é encarregado de sua gestão, o que significa dizer, na lição de Nelson Eizirik, que a ele compete a “administração de bens de terceiros”35, isto é, a administração de bens dos cotistas, que são os efetivos titulares dos bens e direitos integrantes das carteiras dos fundos, dada a sua natureza condominial.

A exigência contida nos art. 28, parágrafo único, e 126, parágrafo 1º, da Lei n. 6404, parte do pressuposto de que, enquanto gestor do condomínio, somente o representante legal, isto é, o administrador do fundo de investimento é parte legítima para exercer direitos junto à sociedade detentora dos títulos e valores mobiliários ou a terceiros.

Isso não quer dizer que o administrador dos fundos de investimento, ou os próprios fundos, sejam os titulares das ações.

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Trata-se, na verdade, de critério eleito pelo legislador que distingue propriedade de legitimação para o exercício de direitos e, mais, que busca evitar qualquer desordem capaz de advir de múltipla legitimação. A propriedade é dos cotistas. No entanto, a legitimação, ou representação, é dos administradores dos fundos de investimento, conforme destacado no Parecer CVM/PJU n. 2, de 22.2.2000, de modo que não haja multiplicidade de legitimados, todos eles capazes, na condição de condôminos ou coproprietários, de pleitear direitos sobre as ações que lhes caibam.

Logo, o critério eleito pelos art. 28, parágrafo único, e 126, parágrafo 1º, da Lei n. 6404 em nada afeta ou altera a condição dos condôminos de titulares das ações, porque são eles, e apenas eles, os proprietários das ações cujos direitos são exercidos pelo representante do condomínio.

Por isso é que, nos dizeres da CVM, colhidos do Parecer CVM/SJU n. 102/83, “Titulares de ações nominativas, escriturais e endossáveis, adquiridas pelo Clube de Investimento, são os condôminos, na proporção de seus quinhões ou cotas”, não obstante os registros constantes dos livros de ações ou dos controles de instituições financeiras façam menção aos clubes, e não aos cotistas. Também a propósito desses registros, o Parecer CVM/SJU n. 102 pontuou tratar-se de presunção “juris tantum” da titularidade das ações, que está diretamente ligada à legitimação conferida ao representante do condomínio, nos termos dos art. 28, parágrafo único, e 126, parágrafo 1º, da Lei n. 6404/76, como seja:

“Se a propriedade da ação (ou do lote de ações convencionalmente tornado indiviso) é presumida pela inscrição do titular no registro da companhia ou instituição financeira, o nome de todos os condôminos ali deveria constar. No entanto, a presunção é juris tantum, admitida prova em contrário. Acresce, ainda, que o artigo 28 da Lei n. n. 6.404/76, parágrafo único, consagra, na esteira do regime do Decreto-lei n. 2.627/40, a dissociação entre titulares e legitimação. Havendo condomínio, apenas ao representante se faculta exercer direitos com relação à companhia, incluindo o de disposição das ações, com o consentimento de todos os condôminos” (destaques do original).

A partir dessas constatações, pode-se afirmar que os administradores dos fundos de investimento agem como representantes do condomínio, ou dos cotistas, a quem pertencem os títulos e valores mobiliários integrantes da carteira dos clubes e fundos. De conseguinte, é dos cotistas, e não dos fundos, ou de seus administradores, a

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titularidade de qualquer provento, produto, rendimento ou fruto dos bens que compõem o condomínio.

É justamente em decorrência da natureza condominial fundos de investimento e, pois, de ser dos cotistas a titularidade dos títulos e valores mobiliários integrantes de sua carteira, assim como dos respectivos frutos, rendimentos produtos e proventos, que a Instrução CVM n. 555, em seu art. 4º, parágrafo único, autoriza a distribuição de proventos, frutos, ou rendimentos, como dividendos e JCP, ou outros rendimentos, diretamente aos cotistas36, consoante se infere de sua leitura:

“Art. 4º (...)

Parágrafo único. Desde que expressamente autorizado pelo regulamento ou pela assembleia geral de cotistas, o fundo pode destinar diretamente aos cotistas as quantias que lhe forem atribuídas a título de dividendos, juros sobre capital próprio, reembolso de proventos decorrentes do empréstimo de valores mobiliários, ou outros rendimentos advindos de ativos financeiros que integrem sua carteira”.

Esclareça-se que a autorização para distribuição direta de bens e direitos aos cotistas alcança quaisquer frutos, produtos, proventos ou rendimentos oriundos dos títulos e valores mobiliários integrantes da carteira do fundo de investimento. É perfeitamente possível, por exemplo, a distribuição direta de dividendos, JCP e

ações bonificadas aos cotistas. Tanto é assim que a Instrução CVM n. 555, em seu art.

4º, parágrafo único, admite a distribuição direta aos cotistas de dividendos, JCP e “outros rendimentos advindos de ativos financeiros” integrantes da carteira dos fundos de investimento.

É o que se lê também na Instrução CVM n. 438, de 12.7.2006, a qual, ao aprovar e determinar a utilização do Plano Contábil dos Fundos de Investimento – COFI, estabeleceu, no grupo de n. 4.9.0.00.00-9 – Outras Obrigações (conta do passivo), a utilização da conta contábil n. 4.9.3.10.00-5 – DIVIDENDOS E BONIFICAÇÕES A REPASSAR e da conta contábil n. 4.9.3.13.00-2 - JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO A

36 Antes da Instrução CVM n. 555, vigia a Instrução CVM n. 409, de 18.8.2004, cujo art. 42 igualmente admitia que o

administrador destinasse diretamente aos cotistas as quantias atribuídas ao fundo a título de dividendos, JCP ou outros rendimentos advindos de ativos financeiros que integrassem sua carteira, desde que expressamente autorizado pelo regulamento. Norma semelhante está prevista no art. 12, parágrafo único, da Instrução CVM n. 494, de 20.4.2011, que disciplina os clubes de investimento. Antes da referida Instrução CVM n. 494, a então Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (“BOVESPA”), na disciplina dos clubes de investimento, também autorizava, no art. 34, parágrafo 5º, da Resolução n. 303/2005-CA, que dividendos ou outros proventos em dinheiro provenientes dos títulos e valores mobiliários integrantes da carteira dos clubes fossem entregues aos cotistas.

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REPASSAR. Na mesma instrução, a propósito da função das contas, encontra-se, ainda, o seguinte:

“Título: DIVIDENDOS E BONIFICAÇÕES A REPASSAR 4.9.3.10.00-5 Função:

Registrar os dividendos e bonificações a repassar aos cotistas do fundo”. “Título: JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO A REPASSAR

4.9.3.13.00-2 Função:

Registrar os valores a título de juros sobre o capital próprio a repassar aos cotistas do fundo”.

Note-se que Instrução CVM n. 438 admite o repasse de dividendos, JCP e bonificações, não fazendo qualquer distinção entre os repasses em espécie e os repasses em valores mobiliários.

Trata-se de norma consentânea com a natureza condominial dos fundos de investimento, conforme visto até aqui.

A seguir, veremos que as considerações feitas neste tópico são importantíssimas do ponto de vista tributário, na medida em que asseguram a manutenção do regime tributário aplicável aos dividendos, às ações bonificadas e aos JCP, quando repassados aos cotistas.

3. A entrega de JCP, dividendos e ações bonificadas não altera seu regime tributário: a isenção do art. 10 da Lei n. 9249 para os dividendos e as ações bonificadas e a tributação dos JCP na forma do art. 9º da Lei n. 9249

Os dividendos e as ações bonificadas são isentas de imposto de renda quando pagos ou entregues ao acionista da companhia. O JCP, por outro lado, é tributável pelo imposto de renda, determinando a legislação que a pessoa jurídica que os pagar retenha o imposto na fonte (“IRF”) à alíquota de 15%37.

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Iniciemos nossa exposição pela análise do regime tributário aplicável aos dividendos e às ações bonificadas.

Nos termos do art. 10 da Lei n. 9249, de 26.12.1995, os lucros e dividendos calculados com base em resultados apurados a partir de 1996 são isentos de imposto de renda. E de acordo com o parágrafo 1º do mesmo dispositivo, a isenção estende-se às ações bonificadas, distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados a partir de 1996. Veja-se:

“Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

§ 1º. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados, a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista. (...)”

A isenção, como se nota, alcança os dividendos e as ações bonificadas entregues ao acionista. Tanto um, como outro, constituem hipótese de disponibilização de lucro da pessoa jurídica a seus acionistas. Explica-se.

As ações bonificadas resultam da capitalização de lucros e reservas. Nos termos do art. 169 da Lei n. 6404, de 15.12.1976, a capitalização de lucros ou reservas pode ocorrer: (i) sem a emissão de novas ações, quando as ações da companhia não tiverem valor nominal; (ii) mediante aumento do valor nominal das ações existentes; e (iii) com a emissão de novas ações, mediante bonificação, independentemente de as ações terem valor nominal. Eis o que preceitua o art. 169:

“Art. 169. O aumento mediante capitalização de lucros ou de reservas importará alteração do valor nominal das ações ou distribuições das ações novas, correspondentes ao aumento, entre acionistas, na proporção do número de ações que possuírem. (...)”.

A capitalização da qual resultam ações bonificadas é uma operação pela qual o lucro da companhia é adicionado à conta do capital social. Por meio dela, portanto, o

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capital social da companhia é aumentado, com a conseguinte emissão de novas ações (bonificadas) entregues aos acionistas. Trata-se de uma única e incindível operação, dado que em nenhum momento as reservas saem do patrimônio da pessoa jurídica, operação essa por meio da qual o acionista recebe ações que constituem extensões das ações que já possuía38.

As bonificações, assim como os dividendos, são um direito do sócio ou acionista, derivado de sua condição de titular de ações e, mais, derivado dos lucros apurados pela companhia. Estes lucros, conforme destacou a CVM no Parecer CVM/SJU n. 43, de 8.7.1985, tanto podem ser distribuídos sob a forma de dividendos, como capitalizados, inclusive mediante a emissão de ações bonificadas. Confira-se:

“No entanto, a natureza da bonificação pode ser explicada como um direito que ao acionista decorre, pela titularidade das ações, de receber um percentual, correspondente ao número que delas detém, do montante das reservas capitalizadas – percentual que pode ser conferido em dinheiro, pode ser meramente acrescido ao valor nominal, se existente, ou pode ser distribuído em ações, representativas do capital mas não necessariamente da mesma classe. Correspondem ao direito de participação dos acionistas, mas atribuído na forma que a lei permite e por decisão da AGE”.

Como se pode notar, os dividendos e as ações bonificadas constituem mecanismos de destinação e de disponibilização dos lucros39.

Independentemente de qualquer diferença conceitual, sob o ponto de vista fiscal, não há distinção entre os dividendos e as bonificações: trata-se de mecanismos ou instrumentos conferidos pela legislação societária de disponibilização de lucros, que não são alcançados pelo imposto de renda na pessoa do acionista, tendo em vista a isenção do art. 10 da Lei n. 9249. No mais, esclareça-se que o referido art. 10 protege com a isenção os lucros, dividendos e ações bonificadas decorrentes de resultados ou lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, evidenciando, mais uma vez, que todas as três figuras têm origem comum, qual seja, o resultado ou lucro gerado na sociedade, distinguindo-se, apenas, pela forma através da qual esse resultado ou lucro é atribuído ao acionista.

38 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II. Artigos 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 487. 39 Em abono dessa afirmação, cite-se o art. 1º da Lei n. 9532, de 10.12.1997, o qual, ao dispor sobre a tributação dos

lucros auferidos no exterior pelo imposto de renda da pessoa jurídica (“IRPJ”) e pela contribuição social sobre o lucro (“CSL”) quando de sua disponibilização à pessoa jurídica domiciliada no Brasil, confirma que a entrega do lucro, mediante distribuição de dividendos, assim como seu emprego, por meio de capitalização, constituem mecanismos de disponibilização do lucro, que ensejam a aludida tributação.

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Enquanto o art. 10 da Lei n. 9249 isenta os dividendos (“caput”) e as ações

bonificadas (parágrafo 1º) do imposto de renda, por sua vez, o art. 9º, parágrafo 2º, da

mesma lei dispõe que os JCP estão sujeitos à incidência do IRF à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.

No repasse de dividendos, ações bonificadas e JCP aos cotistas, mantém-se o regime tributário referido até aqui. É que todos os frutos, produtos, proventos ou rendimentos das ações integrantes da carteira dos fundos de investimento, consoante demonstrado no tópico anterior, pertencem aos cotistas, dada a natureza condominial dos fundos. Logo, o repasse de frutos, produtos, proventos ou rendimentos aos seus titulares - cotistas - não modifica sua natureza jurídica, tampouco o respectivo regime tributário.

Com efeito, a transferência direta aos cotistas dos fundos desses frutos, produtos, proventos e rendimentos não transmuda sua natureza. Trata-se de bens ou direitos pertencentes, desde sua origem, aos cotistas dos fundos - seus verdadeiros proprietários. Daí que eles podem ser entregues diretamente aos cotistas, como podem ter sua guarda e gestão confiadas aos fundos de investimento, na pessoa de seus administradores.

Deliberada sua distribuição aos cotistas dos fundos, segue-se o tratamento tributário aplicável a cada cotista pelo recebimento daqueles frutos, proventos ou rendimentos de títulos e valores mobiliários.

Foi justamente em decorrência da natureza condominial dos fundos de investimento que a RFB, em algumas oportunidades, reconheceu que os frutos, proventos, ou rendimentos de títulos e valores mobiliários, quando transferidos diretamente aos cotistas dos fundos de investimento, deveriam ter o tratamento fiscal que a legislação tributária ordinariamente confere aos acionistas da pessoa jurídica.

É o que se pode inferir da Instrução Normativa SRF n. 25, de 6.3.2001, e da Instrução Normativa RFB n. 1022, de 5.4.2010, as quais reproduziam o tratamento fiscal dado aos dividendos (isenção, na forma do art. 10 da Lei n. 9249) e aos JCP (tributação pelo IRF à alíquota de 15%, nos termos do art. 9º da Lei n. 9249) quando havia sua distribuição direta aos cotistas de fundos de investimento:

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– Instrução Normativa SRF n. 25, de 6.3.2001:

“Art. 22. Os valores recebidos das companhias emissoras de ações integrantes da carteira do fundo, repassados diretamente aos cotistas, são isentos do imposto sobre a renda, no caso de dividendos; e tributados na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento), no caso de juros sobre o capital próprio”.

– Instrução Normativa RFB n. 1022, de 5.4.2010: “Art. 8º (...)

Parágrafo 13. Os valores recebidos das companhias emissoras de ações integrantes da carteira do fundo, repassados diretamente aos quotistas, são isentos do imposto de renda, no caso de dividendos, e tributados, na fonte, à alíquota de 15%, no caso de juros sobre o capital próprio”.

Não obstante a correção das normas transcritas acima, a RFB alterou seu entendimento sobre o tema, passando a dispor que, nos fundos de investimento em ações, ou em outros fundos que tenham ações em sua carteira, o pagamento de dividendos, JCP ou outros rendimentos diretamente aos cotistas acarretaria a incidência de imposto de renda na fonte, tal como se a cota tivesse sido resgatada, no caso de fundo aberto, ou amortizada, no caso de fundo fechado. Eis o que dispõe o art. 21 da Instrução Normativa RFB n. 1585, de 2015:

“Art. 21. O administrador de fundo ou clube de investimento que destinar diretamente aos cotistas as quantias que lhes forem atribuídas a título de dividendos, juros sobre capital próprio, reembolso de proventos decorrentes do empréstimo de valores mobiliários, ou outros rendimentos advindos de ativos financeiros que integrem sua carteira, fica responsável pela retenção e pelo recolhimento do imposto sobre a renda:

I - como resgate de cotas, no caso de fundo constituído sob a forma de condomínio aberto; ou

II - como amortização de cotas, no caso de fundo constituído sob a forma de condomínio fechado.

Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se, também, a qualquer fundo de investimento que tenha ações em sua carteira”.

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Ilegalidade, porque a orientação anterior estava em perfeita sintonia com a legislação em vigor à época e ainda vigente, inclusive da CVM, notadamente a legislação que disciplina os fundos de investimento, atribuindo-lhes natureza condominial e admitindo o repasse de dividendos, ações bonificadas e JCP aos cotistas. Não houve, desde a edição da Instrução Normativa SRF n. 25, de 6.3.2001, qualquer alteração legislativa que justificasse ou autorizasse a revisão da orientação da RFB.

Recorde-se que as instruções normativas da RFB são normas complementares à legislação tributária, nos termos do art. 100, inciso I, do Código Tributário Nacional (“CTN”), isto é, normas de caráter secundário, infralegal, que devem obediência à lei, não podendo inová-la ou contrariá-la, mas apenas regulamentá-la. A Instrução Normativa RFB n. 1585, de 2015, inovou o trato da matéria, criando hipótese ficta de resgate ou amortização de cotas, modificando, assim, o regime tributário aplicável ao JCP, aos dividendos e às ações bonificadas repassados aos cotistas, o que lhe era vedado fazer, porque os fundos de investimento, ou seus administradores, podem transferir diretamente a seus cotistas os frutos, produtos, ou rendimentos oriundos dos títulos ou valores mobiliários integrantes de sua carteira, como admite o art. 4º, parágrafo único, da Instrução CVM n. 555, aplicando-se o mesmo tratamento fiscal que a legislação tributária ordinariamente lhes confere – por exemplo, isenção aos dividendos e às ações bonificadas e tributação de JCP pelo IRF à alíquota de 15%.

A manutenção do regime tributário aplicável aos dividendos, às ações bonificadas e aos JCP, mais do que atender à natureza condominial dos fundos de investimento, em sintonia com a legislação que os regulamenta, atende também ao método da integração, que norteou a edição da Lei n. 9249, inclusive de seus art. 9º e 10.

O método da integração visa a combater ou mitigar a superposição de incidências tributárias sobre a mesma matéria econômica, o que pode ocorrer se os lucros empresariais forem, primeiramente, tributados na pessoa jurídica e, em seguida, tributados quando distribuídos na forma de rendimentos aos seus sócios ou acionistas40.

40 TILBERY, Henry. Imposto de renda – pessoas jurídicas: integração entre sociedade e sócios. São Paulo: Atlas e

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Há métodos de integração total (como o que tributa o lucro somente no nível da pessoa jurídica ou, então, no nível de seus sócios ou acionistas), assim como métodos de integração parcial (como o que tributa os lucros somente no nível da pessoa jurídica, impondo, no entanto, um complemento na tributação na hipótese de retenção dos lucros; como o que tributa a uma alíquota mais elevada os lucros retidos e mais baixa os lucros distribuídos; como o que atribui ao sócio ou acionista crédito correspondente ao imposto pago pela pessoa jurídica; como o que tributa tanto a pessoa jurídica como seus sócios ou acionistas, admitindo, no entanto, que a primeira deduza os dividendos pagos ou creditados; ou como o que impõe ao acionista o dever de tributar o dividendo, deduzindo, no entanto, o imposto pago pela pessoa jurídica, tal como se tivesse a natureza de tributo retido na fonte, promovendo, assim, uma espécie de imputação)41.

Desde a edição da Lei n. 9249, vigora no Brasil o sistema de integração total da pessoa jurídica e dos seus sócios e acionistas no que tange aos lucros a estes disponibilizados42. De fato, como visto acima, em se tratando de lucros, dividendos ou bonificações, os sócios ou acionistas ficaram isentos do imposto de renda quando de sua distribuição pela pessoa jurídica, a teor do art. 10 da Lei n. 9249, uma vez que o lucro distribuído sob a forma de dividendo ou bonificação, como regra, já é tributado na pessoa jurídica.

Na hipótese descrita no parágrafo anterior, dá-se uma única incidência tributária, isto é, no plano da pessoa jurídica, e não de seus sócios e acionistas, o que demonstra a adoção, pelo legislador tributário, do método da integração total.

A corroborar esse entendimento a respeito do sistema de integração e da abrangência da norma isentiva estabelecida pelo art. 10 da Lei n. 9249, confira-se a Exposição de Motivos MF n. 325/1995, que acompanhou a Lei n 9249, a qual confirma a intenção do legislador de concentrar a tributação dos lucros empresariais na pessoa jurídica que desenvolveu a atividade econômica geradora de tais lucros:

41 Idem, p. 43-47.

42 Outra hipótese de integração total prevista na Lei n. 9249 está relacionada à devolução de capital. É que, ao

receberem bens ou direitos do ativo da pessoa jurídica, por valor de mercado, a título de devolução de capital, os sócios ou acionistas não ficam obrigados ao recolhimento do imposto de renda, porquanto a lei determinou que os ganhos obtidos nesta operação devem ser tributados unicamente na pessoa jurídica, quando for o caso, na forma do art. 22 da mesma Lei n. 9249.

(22)

“Com relação à tributação dos lucros e dividendos, estabelece-se a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando-se esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-os quando do recebimento pelos beneficiários. Além de simplificar os controles e inibir a evasão, esse procedimento estimula, em razão de equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis, o investimento nas atividades produtivas”.

No mesmo sentido, cabe reproduzir trecho do Parecer PGFN/CAT n. 02/2013, o qual igualmente tratou da isenção do art. 10 da Lei n. 9249:

“25. Como já foi afirmado na Nota da Cosit, o art. 10 da Lei n. 9245, de 1995, teve como elemento motivador a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica. É por causa dele, que se evita a tributação da mesma riqueza duas vezes. A tributação simultânea do distribuidor e do beneficiário é juridicamente admitida, já que os sujeitos passivos são diversos. Com efeito, trata-se de riqueza manifestada tanto pela pessoa jurídica que aufere o lucro, quanto pelos beneficiários que recebem esse lucro distribuído. Sob o ângulo do distribuidor, a manifestação de riqueza é auferida sob forma de lucro, compondo a base de cálculo do seu IRPJ. Sob o ângulo do receptor, o lucro recebido configura acréscimo ao seu patrimônio, e, portanto, elemento integrante da base de cálculo do seu IR. Enfim, não fosse a norma isentiva, os lucros recebidos por distribuição comporiam o critério material do Imposto de Renda devido pelos beneficiários.

26. Entretanto, o legislador entendeu que a isenção dos beneficiários, além de simplificar os controles e inibir a evasão, estimularia o investimento nas atividades produtivas, em razão da equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis, contudo, óbice jurídico não haveria em eventual revogação da regra. Assim, por política fiscal, decidiu-se tributar os lucros e dividendos exclusivamente na empresa desonerando-os quando da distribuição”.

Assim, os dividendos e as bonificações são abrangidos pela integração, nos termos do art. 10 da Lei n. 9249.

A integração também está contida no regime tributário do JCP. Isto porque o JCP é dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSL, reduzindo, portanto, os tributos devidos pela pessoa jurídica que paga ou credita o juro. Em contrapartida dessa diminuição, a lei tributária determina que o beneficiário do JCP deve oferecê-lo à tributação, sem prejuízo da retenção do IRF, à alíquota de 15%, pela pessoa jurídica que os pagar ou creditar. Trata-se, como se vê, de método de integração parcial, que tem como resultado a eliminação da dupla tributação que recai sobre a parcela dos lucros ou resultados utilizados pela pessoa jurídica para pagamento ou crédito do JCP,

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ou seja, dedução para quem paga e tributação para quem recebe43. O referido método alinha-se à finalidade que orientou o legislador quando da edição da Lei n. 9249.

À vista das colocações feitas até aqui, vê-se que, no repasse de dividendos, JCP e ações bonificadas aos cotistas, mantém-se o regime tributário ordinariamente aplicável a tais frutos, produtos, proventos ou rendimentos, quer porque isto é consentâneo com a natureza condominial dos fundos de investimento, inocorrendo, no repasse, mudança da natureza jurídica dos bens repassados; quer porque isto atende ao regime de tributação daqueles frutos, produtos, proventos ou rendimentos, que é regido pelo método da integração, o qual obsta a superposição tributária sobre um mesmo fato econômico.

4. Conclusões

Ao longo deste trabalho, procuramos demonstrar que o regime de tributação dos dividendos, das ações bonificadas e do JCP, repassados aos cotistas de fundos de investimento, sofreu alteração ilegal após a edição da Instrução Normativa RFB n. 1585, de 2015, especialmente seu art. 21.

Com efeito, ainda no regime previsto no art. 22 da Instrução Normativa RFB n. 25, de 2001, repetido no art. 8º da Instrução Normativa RFB n. 1022, de 2010, os dividendos e as bonificações em ações eram isentos de tributação, com base no disposto no art. 10 da Lei n. 9249, e o JCP era tributado na fonte à alíquota de 15%. Após a mudança de entendimento da Receita Federal do Brasil, com a edição da Instrução Normativa RFB n. 1585, os pagamentos de dividendos e de JCP, bem como a entrega de ações bonificadas diretamente aos cotistas de fundos de investimento, passaram a ser tributadas como se fossem resgates ou amortização de cotas dos fundos de investimento.

Essa modificação no entendimento do fisco é ilegal, pois contrária à natureza jurídica condominial dos fundos de investimento, tendo em vista que os verdadeiros beneficiários dos rendimentos e frutos produzidos pelas ações da carteira

43 Henry Tilbery destaca critério semelhante, denominado “método da dedução dos dividendos pagos”, o qual,

segundo ele, ao autorizar a dedução dos dividendos, tem como resultado a eliminação da tributação em dobro dos dividendos, transformando o IRPJ em imposto sobre lucros retidos, apenas (TILBERY, Henry. Imposto de renda –

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dos fundos de investimento são os seus cotistas e não os fundos. Estes não têm personalidade jurídica nem têm titularidade sobre os ativos que integram as suas carteiras. Os rendimentos, frutos e produtos repassados aos cotistas devem, então, gozar do benefício da isenção de dividendos e bonificações prevista no art. 10 da Lei n. 9249 e do regime de tributação de 15% de IRF do JCP previsto no art. 9º da mesma lei.

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