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Contra a solidariedade que precisamos, Jean Wyllys e a esquerda sionista Soraya Misleh

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Academic year: 2021

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Contra a solidariedade que

precisamos, Jean Wyllys e a

“esquerda” sionista

Soraya Misleh |

“Quando cidadãos em uma posição privilegiada formulam e desenham uma solução e a impõem a um povo colonizado e sob ocupação como a única solução viável e o ‘único passo construtivo restante’, isso não é solidariedade, mas sim outra forma de ocupação.” A afirmação é da palestina Budour Youssef Hassan em seu artigo intitulado “A falsa solidariedade da esquerda sionista”. O brilhante texto refere-se à realização de uma marcha em Jerusalém em 15 de julho de 2011 cujos slogans eram “luta compartilhada” e “solidariedade” contra a ocupação dos territórios palestinos – obviamente nenhuma menção ao direito legítimo de retorno dos milhares de refugiados às terras de onde vem sendo expulsos há mais de 67 anos ou sobre o racismo inclusive contra os palestinos que vivem onde hoje é Israel (criado em 1948, mediante limpeza étnica, a nakba – catástrofe palestina). Para Budour Hassan, “uma marcha palestino-sionista não oferece uma oportunidade para se estabelecer um diálogo produtivo, mas dá aos sionistas uma chance de marginalizar vozes palestinas sobre como devem resistir e o que devem aceitar”. Ela acrescenta: “Assim, essas manifestações que ostensivamente exigem igualdade, na realidade, visam manter o privilégio dos israelenses.” Por conseguinte, condenam, enfatiza Budour Hassan, “os cidadãos p a l e s t i n o s e m I s r a e l à i n f e r i o r i d a d e p e r p é t u a e discriminação”. A ativista conclui: “A solidariedade não é medida por números; não é sobre quantas pessoas vieram a uma manifestação pró-Palestina. Trata-se de porque essas pessoas vieram. Lutar ao lado de cinquenta israelenses realmente comprometidos com a causa palestina é, portanto, muito mais importante e valioso do que marchar na sombra de milhares de

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israelenses que pensam que a Palestina é apenas a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.”

Convocada por sionistas “de esquerda”, a marcha contou com algumas poucas presenças palestinas – a maioria declarara, como aponta o artigo em questão, que via em sua participação a oportunidade de obter a tão negada visibilidade na tradicional imprensa internacional. Ou seja, mesmo conscientes de que havia diferenças fundamentais e vale acrescentar – irreconciliáveis –, decidiram aproveitar uma suposta oportunidade de se fazer ver e ouvir. A despeito da atitude compreensível diante do regime de apartheid imposto cotidianamente por Israel aos palestinos, certamente um equívoco, como identifica a ativista palestina: “Essas manifestações são dominadas por sionistas liberais, e as vozes palestinas, as quais supostamente querem se fazer ouvir, são inaudíveis em meio a um coro de cânticos em língua hebraica sobre a paz e coexistência. Mesmo os slogans e os cartazes que foram levantados durante as manifestações foram decididos de antemão pelos organizadores israelenses, transformando os protestos em uma rotina entediante, dolorosamente previsível e elitista.” Em outra parte do artigo, ela revela o grande risco de que esses grupos sequestrem o crescente movimento popular de resistência sob o manto da solidariedade e da coexistência. E vai além: “A solidariedade não é nem um ato de caridade, nem um festival de discursos arrogantes e retórica vazia. É uma obrigação moral que deve ser realizada com todo o empenho, firme e incondicional. (…) As tentativas de explorar o sofrimento palestino para fins políticos e de transformar a causa palestina a partir de uma luta pelos direitos humanos, justiça, liberdade e igualdade em um desfile de independência e clichês falsos devem ser combatidas.”

A essa “solidariedade” é que tem feito coro o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), desde o início de sua viagem para participar de conferência na Universidade Hebraica de Jerusalém. Sua atitude lembra a de movimentos que seguem a

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lógica do que vem sendo chamado de feminismo colonial, fundamentado na falsa dicotomia Oriente-Ocidente para ditar regras de comportamentos às árabes e às muçulmanas e, portanto, em ideias que mantêm o colonialismo e servem ao imperialismo. Entre essas, as de que as ditas “ocidentais” seriam a civilização a ser levada àqueles povos atrasados. É esse pensamento que demonstra Jean Wyllys quando afirma que não poderia ir a algumas cidades palestinas ou a países árabes vizinhos porque, como homossexual, seria morto. Um discurso que destila o preconceito que ele diz combater e revela o desconhecimento que se nega a ter humildade em reconhecer.

“Pombas da paz”

Quando o deputado reproduz a ideia de um diálogo possível, em contraposição à campanha central de solidariedade ao povo palestino – um chamado amplo dessa sociedade feito em 2005 ao mundo –, ignora a realidade no terreno e a história. Com a autoridade de quem luta por justas causas democráticas, presta um desserviço à causa palestina. Confunde a fundamental solidariedade internacional, ao falar em “esquerda” sionista como possível interlocutora e trazer questionamentos à eficácia da campanha BDS.

Em primeiro lugar, é preciso entender de que interlocutor possível e esquerda Jean Wyllys fala. “Na gíria israelense local e no discurso político utilizado pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica, o ‘campo da paz’ em Israel é a ‘esquerda’. Noutras partes do mundo, tal significaria necessariamente uma plataforma social-democrática ou socialista, ou pelo menos uma preocupação acentuada com os grupos social e economicamente desfavorecidos numa dada sociedade. O campo da paz em Israel tem se concentrado inteiramente nas manobras diplomáticas desde a guerra de 1973, um jogo que tem pouca relevância para um número crescente de grupos”, ensina o historiador israelense Ilan Pappe em “História da Palestina moderna”.

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Em resenha sobre a publicação “Falsos profetas da paz”, de Tikva Honig-Parnass, o Ijan (Rede Internacional de Judeus Antissionistas) demonstra que historicamente a “esquerda” sionista esteve tão alinhada com o projeto de colonização da Palestina quanto a direita. “Como esse livro mostra, desde antes da fundação do Estado de Israel, a esquerda sionista falou demasiadas vezes a língua do universalismo, enquanto ajudava a criar e manter sistemas jurídicos, governos e o aparato militar que permitiram a colonização de terras palestinas.”

A raiz dessa esquerda está no chamado “sionismo trabalhista”, constituído ao início da colonização, em fins do século XIX e início do XX. Seus membros reivindicavam a aspiração de princípios socialistas e cultivaram, como informa o texto do Ijan, deliberadamente essa falsa ideia. Os diários dos trabalhistas à época demonstram seu intuito não declarado: assegurar a “transferência” dos habitantes nativos (árabes não judeus em sua maioria) para fora de suas terras e a imigração de judeus vindos da Europa para colonizar a Palestina – um eufemismo para limpeza étnica. “Em um de seus momentos mais francos, David Ben Gurion, principal liderança desse grupo e chefe do movimento operário sionista (que se tornaria primeiro-ministro de Israel em 1948), confessou em 1922 que ‘a única grande preocupação que domina nosso pensamento e atividade é a conquista da terra, através da imigração em massa (aliá). Todo o resto é apenas uma fraseologia’.” O artigo cita ainda outra observação de Honig-Parnass: “No 20º Congresso Sionista, em 1937, Ben Gurion defendeu a limpeza étnica da Palestina (…) para abrir caminho à criação de um estado judeu.”

Independentemente de se autodenominar de “esquerda”, de “centro” ou de “direita”, o sionismo visava a conquista da terra e do trabalho, que seria exclusivo a judeus. Para tanto, a central sindical israelense Histadrut – ainda existente e alicerce do estado colonial, proprietária de empresas que

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exploram palestinos – teve papel central, e seu fortalecimento é defendido por sionistas de “esquerda”. Em outras palavras, a diferença entre os trabalhistas e os revisionistas (como Netanyahu) é que os últimos eram – e continuam a ser – mais francos.

O único partido hoje que se autodenomina sionista de esquerda é o Meretz, criado nos anos 1990. Como ensina Ilan Pappe em “A história moderna da Palestina”, o novo grupo de “pombas pragmáticas” surgiu da fusão do “movimento de direitos civis de Shulamit Aloni, um partido liberal da linha dura chamado Shinui (‘mudança’) e o partido socialista Mapam”. O autor acrescenta: “Pragmatismo nesse caso significava uma veneração tipicamente israelita de segurança e dissuasão, não um juízo de valor sobre a paz como conceito preferido, nem simpatia pelo problema do outro lado no conflito, nem reconhecimento do seu próprio papel na criação do problema.”

A “esquerda” sionista apoiou a invasão de Israel ao Líbano em 2006 e ofensivas subsequentes em Gaza, à exceção da operação terrestre em 2014. Sua alegação é que não abrem mão do direito de “defesa” de Israel. É o que conta Honig-Parnass em artigo publicado no The Palestine Chronicle. Durante o massacre em Gaza há 1,5 ano, informa a autora, o Meretz recusou-se a participar de manifestação conjunta com árabes-palestinos contra a ofensiva e pelo fim do cerco a Gaza, porque questionava esse “direito”. Em seu artigo, Honig-Parnass cita declaração de uma liderança do Meretz, Haim Orom, a respeito: “Nossa posição é essencialmente diferente do denominador comum daqueles grupos que organizaram a manifestação: Meretz apoia a operação em Gaza. Esses grupos não aceitam o direito básico de autodefesa do Estado de Israel, o que nos apoiamos. A massiva maioria do partido votou pela operação e por uma resolução em oposição ao ato terrestre.”

Arvorando-se a favor da paz, a “esquerda” sionista tenta apagar ou justificar a nakba. Racionaliza a afirmação da natureza democrática de um estado judeu e defende a lógica de

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“separados, mas iguais”. Essa “solução”, de dois estados, tornou-se inviável diante da expansão contínua da colonização, cuja face mais agressiva são os assentamentos – os quais não só não cessaram durante os sucessivos governos trabalhistas (no poder inclusive em 1967, quando Israel ocupou o restante da Palestina), como foram impulsionados por eles. Parte da esquerda mundial defende essa solução, mas um número crescente tem percebido sua impossibilidade e reconhecido que é preciso lutar por um estado único, laico e democrático, com direitos iguais a todos que queiram viver em paz com os palestinos.

Hoje, pensar nessa proposta seria semelhante a legitimar o regime institucionalizado de apartheid, com um estado dividido em bantustões, sem qualquer autonomia, em menos de 20% do território histórico da Palestina. Se essa “solução” hoje está enterrada, como reconhecem especialistas no tema, desde sempre é injusta, por não contemplar a totalidade do povo palestino, mas somente os que residem na Cisjordânia e Gaza – a maioria não vive ali, mas fora de suas terras, e há ainda 1,5 milhão no que é hoje Israel, considerados cidadãos de segunda classe. Negociações e Oslo

Defendidas e impulsionadas pela “esquerda” sionista, as inúmeras negociações fracassaram não à toa: em nenhuma, a pretensão era pôr fim à colonização de terras e assegurar justiça aos palestinos. Como escreve Waldo Mermelstein em seu artigo intitulado “Turnê de Jean Wyllys por Israel foi um desastre para a causa palestina”, a oferta generosa denominada Iniciativa de Genebra, de 2005, era de pouco mais do que “as já reduzidas propostas de Clinton e Ehud Barak em 2001. Retorno simbólico de poucos milhares de refugiados, manutenção das colônias com a permuta de territórios entre essas e as regiões em que os palestinos são majoritários nas fronteiras de 1948.”

Os acordos de Oslo firmados em 1993, mediante a rendição da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a Israel,

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aprofundaram o apartheid e a ocupação. Segundo a jornalista Naomi Klein denuncia em seu livro “A doutrina do choque – a ascensão do capitalismo de desastre”, entre aquele ano e 2000, o número de colonos israelenses dobrou.

Como demonstra ela, Oslo foi um ponto de virada numa política que sempre teve na sua base a limpeza étnica dos palestinos. De 1948 até então, havia certa interdependência econômica, a qual foi interrompida. “Todos os dias, cerca de 150 mil palestinos deixavam suas casas em Gaza e na Cisjordânia para limpar as ruas e construir as estradas em Israel, ao mesmo tempo em que agricultores e comerciantes enchiam caminhões com produtos para vender em Israel e em outras partes do território”, aponta Klein na obra. Após os acordos de 1993, o estado judeu se fechou a essa mão de obra, que desafiava o projeto sionista de exclusão dessa população. Simultaneamente, Israel passou a se apresentar, nas palavras da jornalista, “como uma espécie de shopping center de tecnologias de segurança nacional”. Em seu livro, a autora afirma que, ao final de 2006, ano da invasão de Israel ao Líbano, a economia do estado sionista, baseada fortemente na exportação militar, expandiu-se vertiginosamente (8%), ao mesmo tempo em que se acentuou a desigualdade dentro da própria sociedade israelense e as taxas de pobreza nos territórios palestinos alcançaram índices alarmantes (70%).

Apartheid e a justeza do BDS

Diante de uma economia a solidificar o regime de apartheid, o contraponto veio sob a forma do chamado da sociedade civil palestina por BDS em 2005. Suas demandas são: o fim imediato da ocupação militar e colonização de terras árabes e a derrubada do muro de segregação, que vem sendo construído na Cisjordânia desde 2002 e divide terras, famílias e impede a livre circulação; a garantia de igualdade de direitos civis a todos os habitantes do território histórico da Palestina, independentemente de religião ou etnia; e o respeito ao direito de retorno dos refugiados palestinos às suas terras e

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propriedades.

Em diversas partes do globo a campanha de BDS tem se intensificado. Na Europa, governos como o da Noruega desinvestiram em contratos com empresas israelenses. Cidadãos comuns recusam-se a comprar produtos oriundos da potência ocupante, sindicatos e intelectuais têm se engajado nessa luta, bem como universidades têm cancelado convênios de cooperação com instituições que mantém e legitimam o regime de segregação. Netanyahu estimou a perda de bilhões de dólares com o BDS – e o Parlamento israelense aprovou uma lei que proíbe os residentes em Israel de endossá-lo e criminaliza o boicote. A eficácia da campanha tem levado sionistas a desqualificarem-na e considerá-la uma ameaça. A “esquerda” segue nessa direção. Amplamente utilizados por Jean Wyllys, argumentos como o de que o BDS visaria indivíduos e impediria o possível “diálogo” são uma forma de enfraquecer a principal ação de solidariedade internacional ao povo palestino.

O boicote acadêmico é outra linha de frente nessa luta. Entre seus adeptos estão a própria Naomi Klein e o cantor Roger Waters. Conforme escreve o ativista Omar Barghouti em “BDS – Boycott, divestment, sanctions, the global struggle for palestinian rights”, nesse sentido, o chamado palestino reivindica: cessar qualquer forma de cooperação acadêmica e cultural, colaboração ou projetos com instituições israelenses; suspender todas as formas de fundos e subsídios a essas e ‘desinvestir’ nelas; trabalhar para condenar as políticas de Israel e pressionar pela adoção de resoluções nesse sentido; apoiar instituições acadêmicas e culturais palestinas sem contrapartida em relação ao estado sionista. Como afirmou Indra Habash em artigo de sua autoria sobre o tema, as instituições israelenses têm funcionado “como instrumento facilitador e normalizador da situação de ilegalidade das colônias israelenses, da construção do muro de separação e dos crimes cometidos contra os palestinos”. Além de se dar em uma das universidades que não foge à regra e

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ainda tem parte de seu campus construído em território ocupado – como aponta carta da Frente em Defesa do Povo Palestino a Jean Wyllys (leia em http://goo.gl/ER08Uw) –, a conferência e a viagem de Jean Wyllys foram um exemplo dessa “normalização”, a partir do uso de causas democráticas justas para manter o projeto colonial.

De encontro a isso, a campanha por BDS a Israel é tarefa u r g e n t e e p r e c i s a s e r e l e v a d a a o t o p o d a l i s t a d a solidariedade internacional pela Palestina. À frente de seu tempo, diferentemente de Jean Wyllys, o educador Paulo Freire recusou convite para participar de conferência em universidade israelense sobre “diálogo”, por entender que, diante da ocupação, parte dos interlocutores não seria ouvida. A propostas de “diálogo” que ousem a paz dos cemitérios, essa é lição a ser aprendida.

Nosso verbo é lutar: Somos

todos palestinos – Poesia

contra a opressão

Waldo Mermelstein.

A luta palestina vem de longe. O blog convergência sempre se colocou incondicionalmente a favor da justa causa de um povo despojado de sua terra há 68 anos e que resiste teimosamente ao colonizador sionista. Acabamos de passar mais um aniversario daquela funesta data de 29 de novembro de 1947, em que a ONU aprovou a criação da partilha da Palestina, contra a opinião de dois terços de sua população.

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combina poesia com esse combate político, editado pelo médico infectologista pediátrico e militante da causa palestina Yasser Jamil Fayad e que começa com uma coletânea de poemas do autor.

O livro contém também fotos da Nakba (catástrofe) palestina, que foi a limpeza étnica realizada pelos sionistas em 1947-8 e de movimentos que resistiram desde aquela época até a primeira Intifada, em 1987.

Destacamos que ao final há textos de Ghassan Kanafani, escritor e dirigente da Frente Popular para a Libertação da Palestina, que foi assassinado pelo serviço secreto israelense em Beirute, em 1972.

O blog convergência aproveita para convidar outros autores de livros marxistas e (ou) vinculados à luta pela emancipação humana, anti-imperialista, anti-capitalista, contra as diversas formas de opressão e em defesa da libertação dos povos, a que enviem apresentações de suas obras (como a enviada pelo autor que transcrevemos abaixo) para divulgarmos por aqui.

Boa leitura! —

“Nosso verbo é lutar: Somos todos palestinos.”

Há mais de 60 anos o povo palestino luta e resiste ao processo de colonização europeia sionista em suas terras. Em todas as f o r m a s d e e x p r e s s õ e s d e s s e m o v i m e n t o p a l e s t i n o anticolonialista esteve sempre presente a forma artística da poesia. Isso porque ela possui uma brilhante, longa e sólida posição na cultura árabe, tradicionalmente oral, mas também escrita e por ser uma das formas privilegiadas de reflexão e apropriação popular da cultura de Por isso é comum vermos pessoas do povo declamando poesias de luta e resistência escritas desde a Nakba (A grande catástrofe de

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1948). Não é menos significativo o registro que um dos traços marcantes e comuns das políticas de colonização sempre foi a destruição da cultura do colonizado; nesse aspecto o assassinato e prisão de poetas palestinos traduzem a relevância desses para a resistência e a cultura palestina e árabe.

Os poemas desse livro fazem justiça ao longo percurso de lutas do povo palestino e à tradição literária de combate da poesia desse heroico povo. Mais do que isso, assumem integralmente o posicionamento em favor e como parte atuante desta mesma luta, que articula vários substratos temáticos:

I. A luta contra o Imperialismo. II. A luta contra o Colonialismo.

III. A luta contra o racismo e a segregação étnica. IV. A luta pela terra e seus recursos.

V. A luta pela autodeterminação de uma identidade étnica própria.

VI. A luta contras as elites locais subservientes (burguesias locais

VII. A luta pelos direitos humanos.

VIII. A luta por um novo modelo societário para Palestina.

A decisão pelo formato de poemas, mesmo com as limitações que essa forma literária impõe à redação, é de abrir a possibilidade atrativa do diálogo entre literatura e política fazendo com que a forma literária da poesia torne-se mais convidativa a esse conteúdo tão sério como é a causa palestina.

O livro está separado em cinco capítulos:

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objetivo de explicar os principais movimentos e a essência do fenômeno de colonização sionista, assim como, dar apontamentos de sua antítese à luta de libertação palestina.

II. Só a luta liberta: contém um conjunto de poemas curtos com o objetivo de exporem o extenso panorama da luta de libertação III. Um povo que luta: fotos que incluem imagens da Nakba; movimentos e lideranças palestinas de resistência à colonização; lideranças anticolonialistas em apoio à causa palestina; primeira Intifada 1987; todos na luta contra a colonização; arte e luta.

IV. Cenas da luta palestina: poemas que condensam cenas da vida

V. Voz que não se cala: homenagem que contém foto, nota bibliográfica e textos de Ghassan Kanafani, que sintetizam a tomada de posição e luta da geração pós-67.

O autor do livro é o médico infectologista pediátrico e militante da causa palestina Yasser Jamil Fayad.

Depois de Gaza: o BDS é uma

opção

Ilan Pappé, o mais conhecido dos “novos historiadores” israelitas, visitou recentemente a África do Sul para i m p u l s i o n a r a c a m p a n h a i n t e r n a c i o n a l d e B o i c o t e , Desinvestimento e Sanções (BDS). Deu esta entrevista ao jornalista Shaun de Waal do semanário Mail &Guardian.

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diferença entre o colonialismo e o estado-colono. Basicamente, no estado-colono, o colono não tem uma casa de origem à qual possa voltar. Isto é o que nós, sul-africanos, chamamos “colonialismo de tipo especial”. 


Sim! O primeiro sionismo utiliza a palavra “colonialismo” para descrever o que o sionismo queria, porque a imagem do colonialismo no século XIX era muito boa. Estavam orgulhosos de qualificar o sionismo como um projeto colonial de sucesso. Mas na década de 1930, e após a fundação do Estado de Israel, a imagem do colonialismo tinha mudado.

Os primeiros estudiosos do sionismo inventaram uma nova palavra – nem sequer posso pronunciá-la, uma espécie de corrupção ortográfica de “colonização” em hebraico – para demonstrar que este projeto era único.

O sionismo começou a falar da volta a uma antiga pátria, da redenção de uma terra vazia. Isto significava que não podia descrever o movimento anticolonialista palestiniano como tal, mas sim como terroristas que tentavam destruir um estado democrático moderno.

Israel e os seus partidários usam o argumento de que Israel é um exemplo de democracia: o único estado democrático na região. 


Há dois Israel: o Israel não ocupado, que é uma democracia, e depois há o Israel com ocupação temporária. É como se Israel dissesse: “Não podemos ser julgados pela ocupação, porque é temporária.” Mas a ocupação tem lugar desde 1967! E, evidentemente, os árabes em Israel estavam submetidos a um regime militar até 1967 que depois se estendeu aos territórios ocupados.

Israel escapa a qualquer definição de uma sociedade democrática, especialmente pela sua atitude em relação aos povos autóctones. Este argumento de que é uma democracia não

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funcionou no caso da África do Sul do apartheid, por que deveria funcionar no caso de Israel?

Houve um momento da Primavera árabe, quando esta parecia muito promissora, muito democrática, que foi muito preocupante para Israel, como se refletiu nos meios de comunicação israelitas. A possibilidade de que pudesse haver uma democracia alternativa ou uma verdadeira democracia no Médio Oriente parecia abalar os fundamentos estratégicos do Estado de Israel.

Israel também afirma que o Hamas, que é o partido dirigente em Gaza, diz no seu programa que quer acabar com o estado de Israel. Esta é uma poderosa arma ideológica que permite aos sionistas mobilizar apoio a Israel, porque podem acusar a Hamas de querer outro Holocausto. 


Sim, estou a ver. Mas não se pode utilizar os direitos humanos para julgar os movimentos anticolonialistas no apogeu das suas lutas contra o colonialismo. O Hamas é uma reação palestiniana determinada num momento histórico específico. Não posso ir ter com a população de Gaza, estrangulada por Israel, e dizer que deixem de lançar foguetes contra Israel, que se deixem matar em Gaza. Preciso ter uma conversa séria com eles, num ambiente que lhes permita ver as diferentes opções.

Por isso o movimento BDS é tão importante. É preciso dar uma opção às pessoas. Muitas vezes digo aos meus amigos que propõem ações mais radicais contra Israel: cem mil mísseis lançados de Gaza não teriam o mesmo efeito que um único governo no mundo que estivesse disposto a romper relações com Israel.

Isto seria bem mais eficaz, e seria não-violento. Permitir-nos-ia construir algo novo, sem o legado de fundo da violência. Digo aos meus amigos palestinianos: a era do nacionalismo acabou. Temos de impulsionar a mobilização em relação aos direitos humanos.

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O governo israelita não fez reuniões de emergência sobre a ocupação durante muitos anos: até que o movimento BDS começou a ter alguns êxitos. E é por este motivo que a reação do governo da África do Sul perante a última crise em Gaza foi tão dececionante. Pelo menos poderia ter pedido a retirada do embaixador de Israel.

O fundador do Hamas, que foi assassinado por Israel, disse que se o seu opressor tivesse sido muçulmano ou árabe, ou mesmo palestiniano, teria resistido da mesma forma.

O programa da Fatah costumava dizer que os judeus que chegaram após 1918 deviam voltar aos seus países de origem. Mas no momento em que a Fatah pensou que tinha uma possibilidade de diálogo, em Oslo, admitiu que isto era absurdo. Disseram que nem sequer exigem que os russos voltem para casa, os russos que chegaram ontem.

Eu não sou partidário do Hamas, mas precisamos de um longo diálogo entre pessoas de diferentes religiões e origens, porque no final encontrar-nos-emos com um estado de diálogo. Desejo começar esta viagem com os meus amigos muçulmanos.

E que dizer da recente iniciativa dos Estados Unidos liderada pelo secretário de Estado, John Kerry? 


A solução dos dois estados está morta há anos. O corpo está na morgue. De vez em quando aparece um secretário de estado dos EUA entusiasta que retira o cadáver da morgue e finge que o ressuscita e que está vivo. Mas quando deixa de funcionar, devolve o cadáver à morgue. Acho que deveríamos enterrá-lo já. Não sei como poderemos desenvolver um novo estado de Israel-Palestina, mas nem sequer posso começar este diálogo se toda a gente está cativa de um falso paradigma.

A solução dos dois estados reduz o que seria a Palestina a 20% do território. Não se pode dizer que a Palestina é só a Cisjordânia e Gaza. E não se pode reduzir o povo palestiniano

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à população de Gaza e da Cisjordânia. Se não se abordar o problema de 5,5 milhões de refugiados, seja como for, a solução dos dois estados será pura quimera.

As elites políticas são bem mais produto da inércia do que a d m i t e m . U m a m u d a n ç a d e p a r a d i g m a r e q u e r e s t u d o e aprendizagem, e são preguiçosas. Significa pôr em risco a sua popularidade. Implica uma grande incerteza.

Precisamos desta mudança de paradigma, e temos de preparar o terreno para esse momento.

Ilan Pappé é o mais conhecido dos “novos historiadores”

israelitas, autor entre outros de A Limpeza Étnica da Palestina (2006). Expulso das universidades israelitas, ensina atualmente na Universidade de Exeter, no Reino Unido, e impulsiona internacionalmente o movimento BDS. Shaun de Waal é jornalista do semanário sul-africano Mail & Guardian desde 1989.

Tradução para o português de Luis Leiria para o Esquerda.net

A ideologia do discurso “pela

paz” na Palestina, ou como

esconder a barbarie.

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Hélio Rodrigues

A foto do papa Francisco que viajou pelo Mundo mostrando-o no pé do muro que separa o espaço israelense do palestino, na Cidade de Belém, foi vendida como símbolo de repúdio à guerra, ao desamor, à intolerância religiosa (1). Todavia, a fotografia serve para reforçar a ideia de um futuro de paz na Terra Santa – quiçá porque basta a vontade dos homens de boa vontade das três religiões monoteístas. Este texto busca demonstrar que tal ação simbólica serve muito mais aos opressores e exploradores, do que para os oprimidos e explorados.

O simbolismo funcional dos exclusivos movimentos pela paz

Correndo na frente da principal crítica que se faz à igreja católica, de opulência, megalomania e extravagância, o Papa Francisco ao assumir o pontificado divulgou sua proximidade com o historicamente bem quisto Francisco de Assis, subliminarmente dizendo acerca de uma nova reforma da igreja em pleno século XXI, como por exemplo, enfrentando os padres pedófilos e os gestores do banco do Vaticano. Muito embora não se tenha efetivas notícias sobre esse enfrentamento, a divulgação é que as mudanças são silenciosas, discretas, cosméticas, preocupadas com a “boa comunicação” e “com o consumo das novas mídias”; e que vários padres foram apenas trocados de suas funções, conforme notícias dos próprios

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veículos de comunicação da igreja (2).

É nesse campo da comunicação e do consumo das novas mídias que o Papa Francisco pediu paz pelos palestinos, por meio de uma foto bem trabalhada na esfera do marketing. Logo, sob o simbolismo de uma oposição mais fiel ao imperialismo capitalista, se garante e se ajuda a estabilizar o que os economistas chamam de “demanda agregada”, aqui ironicamente transferida para a esfera política. Explica-se. Sob o keynesianismo e fordismo, protege-se o sistema capitalista das crises oriundas da demanda agregada, especialmente em recessões, ou seja, funcionalmente outros objetivos são buscados pelo sistema capitalista para torná-lo sustentável. Assim, sabe-se que o sistema capitalista tem se beneficiado muito com a ascensão de estéreis contramovimentos aos governos do lucro e do mercado. E esses contramovimentos, representados pela camisa branca, grito de paz, pseudoausência de envolvimento político de alguns exclusivos movimentos pela paz, funcionalmente impede o capitalismo de destruir o seu não alicerce capitalista, a saber, confiança, boa-fé, altruísmo, solidariedade no meio da família e na comunidade, e assim por diante.

No caso em questão da opressão e exploração do Estado de Israel aos palestinos, a foto direciona o debate para “o respeito religioso”, a “convivência religiosa”, o repúdio “ao fundamentalismo religioso”, obscurecendo a exploração e a opressão ali existente. Trata-se, pois, do uso ideológico da religião e da paz para omitir a realidade posta. Essa realidade é de um Estado totalitário que esmaga os palestinos. Adiante se voltará a esse tema.

Aliás, as perguntas que não são feitas, mas que permanecem latentes pelo senso comum são: Quem são àqueles que não respeitam a religião alheia? Quem são os fundamentalistas religiosos? Quem são os que não “sabem conviver com a diferença religiosa”? Ora, a grande mídia internacional

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impregnou, dia após dias, o senso comum dos “cidadãos ocidentais” (no uso de um eurocentrismo), de que os palestinos, árabes, mulçumanos, islamitas (como se todos fossem iguais e tudo fosse a mesma coisa) são, genericamente, terroristas. Eles explodem crianças-bombas e não aceitam o Estado de Israel. Este apenas estar a se defender. Em algumas oportunidades, diante do paradoxo da realidade, aquela mesma mídia noticia de modo acrítico, e bastante higienizado, que centenas de crianças palestinas morreram ou que palestinos estão desabrigados pelas bombas que caíram.

Destaque-se aqui a sutileza da falsa existência de pluralismo político e midiático, uma vez que essas notícias novamente reforçam a tese (tão cara ao cristianismo da igreja católica) de que a “culpa” é do próprio palestino que escolhe o Hamas ou qualquer outro grupo religioso fundamentalista.

Existe, então, um círculo vicioso que retroalimenta a exploração e a opressão, porque mais uma vez se acusará, ou se culpará, os palestinos pobres, desabrigados, invadidos, com parentes/amigos/familiares mortos de serem violentos e fanáticos.

No âmbito dos instrumentos ambíguos do sistema capitalista, seria mais importante exercer uma pressão mundial real, de compromisso efetivo e coercitivo para forçar o fim da colonização da Palestina, similar ao patrocinado pelo finado Papa Karol Wojtyla, contra os então regimes totalitários do Leste Europeu, exemplificado na Polônia. Ou ainda no campo da comparação, contra o sistema do apartheid que vigorava na África do Sul, que então contou com a colaboração de alguns movimentos sociais. De modo mais simples e direto: se poderia exigir seriamente o cumprimento das regras internacionais de direitos humanos.

A ideologia do pedido de paz

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versus Palestina, simbolizando que sua prioridade é a paz, e se, ao mesmo tempo, a única medida adotada é de reforço ao estigma dos palestinos como “todos os mulçumanos são fundamentalistas” e de que “eles escolheram errado seus representantes políticos”, evidentemente que aquela foto mais esconde a realidade do que revela. É uma mensagem que esconde o essencial, na verdade, inverte a realidade (4).

Por que a mensagem da foto é ideológica? Porque ao contrário da foto refletir a busca pela paz, ela omite a existência de um Estado que impõe um regime totalitário aos palestinos. Diversos fatos reforçam essa afirmativa, exemplifique-se: a existência de presos políticos palestino, a expropriação de terras, a limpeza étnica e o nacionalismo étnico que dirige o Estado de Israel.

Sabe-se que dezenas de palestino são presos políticos. Geralmente eles fazem greve de fome contra a chamada “detenção administrativa” ordenada por autoridades militares por suspeita de participação em atos contra o Estado de Israel. Dois pontos aqui são importantes:

(a) a prisão se faz por decreto e sem o devido processo legal e ampla defesa. Aliás, o grau de arbitrariedade é tão absurdo que basta o mando da autoridade militar sem nenhuma necessidade de fundamentação desse ato, sem exigências de prévias provas ou indícios e sem a capacidade do acusado explicar ou apresentar, ainda que de modo informal e oral, sua defesa. Não se garante nenhuma possibilidade do acusado eventualmente ter condições de provar sua inocência. Aliás, não existe nenhuma possibilidade do Estado de Israel provar a culpa dos acusados, pois não há processo.

Portanto, o mero pedido de paz como uma medida que deve ser adotada, igualmente, pelos dois lados do conflito esconde a desigualdade de direito e de fato entre palestinos e israelenses na solução do conflito. Israel é um Estado. A Palestina tem uma organização para a formação de um Estado.

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Israel é armado como uma potência militar e dispõe de armas nucleares e de destruição em massa. Os palestinos dispõem de s e u s c o r p o s . I s r a e l d i s p õ e d e e s t r u t u r a p o l í t i c o -administrativa-financeira, apoiado internacionalmente, enquanto a Palestina não dispõe de estrutura e depende da v o n t a d e d e I s r a e l p a r a r e c e b e r a j u d a h u m a n i t á r i a internacional. O Estado de Israel pode se valer do direito nacional e internacional e a Palestina, sequer no âmbito formal, dispõe de mecanismos para se valer dos fundamentos basilares de coerção – normativa e de formação de tratados internacionais. Israel apropriou-se da já sucateada infraestrutura dos palestinos (produção de energia, estradas, acesso ao mar, acesso ao espaço aéreo, comércio etc.), dispondo sobre o local de trabalho daquela população, bem como sobre a produção e prestação de serviços públicos.

(b) Que o Estado de Israel adotou legislação que permite que os grevistas tenham alimentação forçada. Nenhuma palavra que isso viola as regras de direito internacional está simbolizada na foto que ora é utilizada como representação dos exclusivos movimentos pela paz. É verdade que a união médica israelense (espécie similar ao Conselho Federal de Medicina no Brasil) circulou nota entre os médicos e hospitais dizendo que seu conselho de ética se posiciona contra a alimentação forçada, lembrando que o compromisso médico é com o paciente, de modo a tentar preservar a sua vida e saúde respeitando a sua vontade. Contudo, nada é dito que os que estão nos hospitais sob o comando da alimentação forçada estão, também, algemados à cama, sob vigilância e incomunicáveis, inclusive, com os próprios médicos, que recebem autorização, caso a caso e momento a momento, para ter acesso ao prontuário e ao paciente.

Lembre-se: vários desses presos são ativistas políticos palestinos que lutam pela libertação nacional, sequer comprovado que eles estejam envolvidos em ações violentas ou ilegais de algum tipo, sob a jurisdição israelense.

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O mero pedido de paz, com flores, camisas brancas, pombas e orações, solicita que palestinos não sejam fundamentalistas e intolerantes. É um pedido vazio, estéril, que só não é inócuo porque favorece a manutenção do “status quo” do Estado de Israel.

É cada vez mais intensificada a expropriação das áreas agrícolas do território palestino ocupado militarmente desde 1967 por Israel. Há casos esdrúxulos em que pastores ou agricultores são desalojados de suas terras porque elas passaram a ser qualificadas como “zona de fogo”, isto é, área de treinamento de tropas. Igualmente é notório o caso de Hebron, onde colonos israelenses hostilizam abertamente os nativos palestinos com a cumplicidade da polícia-militar, enquanto que inspetores destoem antigas cisternas e canais de água, algumas delas que datam da época da ocupação romana, sem a devida autorização das autoridades israelenses responsáveis pelo “planejamento dos colonos”. (idem)

De qualquer modo, alguns políticos da coalizão do governo israelense ultradireitistas abertamente defendem que o extenso território palestino já ocupado e sob ocupação militar sejam anexados oficialmente (idem).

Por fim, mas que não significa a finalização de diversos outros exemplos possíveis de demonstrar o regime totalitário i m p o s t o p o r I s r a e l a o s p a l e s t i n o s , e x i s t e a c l a r a identificação de um nacionalismo que prega a “limpeza étnica”. O governo de Israel produz cada vez mais políticas agressivas de ocupação militar, em fomento de construções de moradias nos territórios palestinos; além de uma ofensiva racista-nacionalista que tem como principal alvo os aproximadamente 20% dos cidadãos israelenses que são árabes – palestinos. Ou seja, o Estado de Israel defende, abertamente, que o Estado seja exclusivamente judeu.

Outro exemplo da caracterização de um Estado fundado na raça-religiosa: milhares de refugiados africanos, que fugiam da

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guerra civis no Sudão e Eritreia, estão presos em Negev, no sul do país. O crime cometido por tais refugiados é terem atravessado ilegalmente a fronteira para Israel em busca de abrigo, trabalho e pão, sem serem judeus, ou como carimbado em suas fichas, “sem qualificação para ser considerado digno de obter um estatuto jurídico suportável”, seja lá o que isso significa, senão a identificação de homens e mulheres de segunda ou até de terceira categoria.

O que se quer dizer é que parece que a sociedade israelense se voltou para a extrema direita e é governado por políticos que se orgulham de seu aberto racismo e vontade de guerra expansionista, em pleno apogeu do mito do nacionalismo sionista.

E os exclusivos movimentos pela paz que pedem paz aos dois lados, ocultam a relação de opressão e de exploração, justificando (deliberadamente ou não, consciente ou não, isso pouco importa) a belicosa e intolerante cruzada judaica-cristã de todas as idades e correntes sob o suposto mito do islã fundamentalista. A Palestina precisa que se diga, abertamente, sobre a barbárie que ela enfrenta.

Notas:

(1) Exemplos da foto que viajou o mundo: Papa Francisco pede fim de conflito ‘inaceitável’ entre Israel e Palestina. BBC, 25 mai. 2014. Disponível em:< http://bbc.in/1uBNaZzl>; Papa convida presidentes palestino e israelense a rezar no Vaticano p e l a p a z . G 1 , 2 5 m a i . 2 0 1 4 . D i s p o n í v e l e m : < http://glo.bo/1phHYGS> e Papa Francisco reza em muro de Belém e pede por paz no Oriente Médio. Reuters Brasil, 25 mai. 2014. Disponível em: <http://bit.ly/1nWJVDS>

(2) REFORMAS: Vaticano apresenta mudanças na administração econômica. Canção Nova, 9 jul. 2014. Disponível em: <http://bit.ly/1m2fmNe>. Acesso em 10.jul.2014.

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crítica. São Paulo: ISKRA/Centelha Cultural, 2013.

(4) Médio Oriente: ¿Qué dirá el santo padre? ¿Qué diran ustedes? Que Hacer? Disponível em: <http://bit.ly/1uBOsDW>. Acesso em 31 jul.2014.

Gaza e a questão nacional na

luta palestina

Waldo Mermelstein

Desde 1967, quando Israel assumiu o controle militar permanente da Faixa de Gaza, o estado judeu deparou-se com uma realidade cujo custo não estava disposto a pagar. Optou por retirar suas tropas e colonos de dentro da Faixa em 2005, e posteriormente, a única “solução” encontrada foram as periódicas incursões militares, cada vez mais violentas, e o fechamento quase completo de todas as saídas para o exterior. A partir de 2005, o cerco a Gaza aumentou qualitativamente. Israel retirou alguns poucos milhares de colonos da borda da Faixa e decretou o bloqueio quase absoluto da área. A colaboração de todos os governos do Egito, pelo menos desde 1973, foi preciosa, no entanto, nada se compara ao claro alinhamento com Israel da atual ditadura militar egípcia durante esta última ofensiva.

Gaza continua sendo território ocupado segundo o direito internacional, pois é totalmente controlado por Israel em todos os aspectos, incluído o acesso por ar, mar e terra e até o registro civil das pessoas. A chamada operação “Borda protetora” marcou a escalada nessa estratégia, mas também significou que o mundo começou a ver o que é o estado sionista.

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Apartheid sionista

Israel domina toda a Palestina histórica, desde o mar até o rio Jordão. Controla as terras, as fronteiras, as estradas, a água, a circulação de pessoas, dita e executa a lei. As reservas naturais, a água e o movimento de pessoas estão sob seu controle.

Sua dominação mesmo nas fronteiras de 1948 se baseia em diferenciar cidadania de nacionalidade. Todos são cidadãos israelenses, mas a única nacionalidade reconhecida é a judaica, do que advêm as discriminações. Uma das chamadas leis básicas do estado (que não possui uma constituição escrita) é a “lei do retorno”, pelo qual qualquer judeu tem o “direito” de se tornar instantaneamente cidadão de Israel, ao passo que o mesmo não é efetivo para os milhões de refugiados e seus descendentes que perderam suas terras e propriedades em 1948. Segundo as repetidas resoluções da ONU, os palestinos têm o inalienável direito de a elas retornar, o que não muda se foram expulsos todos ou alguns simplesmente fugiram.

A minoria palestina possui direito de voto, mas são proibidos partidos que questionem o caráter judaico do estado e apoiem o nacionalismo palestino. Os direitos fundamentais são outorgados de forma preferencial – e quase exclusiva – aos judeus. Por exemplo, as terras são controladas pela Autoridade de Terras (seis dos seus 13 diretores escolhidos pelo Fundo Nacional Judaico), que proíbe a concessão de terras a não judeus e possui mais de 93% da terra do país. As instituições do estado são dominadas pelos judeus israelenses que se beneficiam desproporcionalmente das verbas orçamentárias e investimentos.

As instituições estatais responsáveis pelo planejamento urbano e pela licença para construções são, naturalmente, dominadas pelos judeus. Quase nenhum novo bairro ou poucas construções

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de casas foram autorizadas desde 1948, apesar de que a população palestina aumentou de 150 mil para 1,5 milhão de pessoas. Por isso, os bairros palestinos são um amontoado caótico de domicílios. Frequentemente assistimos à demolição de casas e obras de ampliação “ilegais”. Quando palestinos tentam alugar ou comprar casas em outros lugares, os chamados “Comitês de Admissão”, com maioria judaica e com participação de representantes da Agência Judaica ou da Organização Sionista, podem legalmente impedir que “indesejados” (sabemos quem são eles) se atrevam a furar o bloqueio das zonas “só para judeus”. Mais sutil que o apartheid, mas com resultados similares. Além disso, cerca de 100 mil palestinos de Israel vivem em aldeias “não reconhecidas” pelo estado, sob constante ameaça de erradicação, em particular os beduínos.

Os melhores empregos são esmagadoramente reservados aos judeus (com exceção da área médica), pois o pré-requisito de ter servido o exército é um filtro poderoso e insuperável. O mesmo requisito serve para empréstimos habitacionais e educativos. Quanto aos direitos individuais, a discriminação é constante. Por exemplo, a lei que proíbe reunificações familiares em Israel entre cidadãos israelenses e palestinos dos territórios ocupados. Por outro lado, a atitude das instituições do estado frente aos palestinos, particularmente as encarregadas da segurança é claramente discriminatória. Basta ingressar no aeroporto de Tel Aviv ou andar de ônibus para ver isso. Nos territórios ocupados, os colonos são regidos pelas leis israelenses e os palestinos por leis que remontam ao mandato britânico. Além disso, há milhares de presos políticos palestinos, muitos sem julgamento.

Isso, em rápidas pinceladas, é o que se denomina o regime de apartheid existente em todo o território dominado pelos sionistas[1].

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Alternativas para a Palestina

Independentemente do regime social que for estabelecido no território da Palestina histórica (eu defendo um regime socialista com pleno gozo das liberdades), o problema da opressão nacional e dos direitos democráticos é uma das tarefas a ser enfrentadas.

Há duas correntes principais quanto à forma estatal futura, a que propõe dois estados e a que é favorável a um estado único. Os que propõem dois estados sustentam, com variações, que se deve obedecer às fronteiras de antes da guerra de 1967, reconhecendo a conquista realizada em 1947-48, quando os sionistas se apropriaram de 27% a mais da proposta original de Partilha, perfazendo 78% da área total.

A solução de um estado considera que o mais correto é corrigir a injustiça histórica da Partilha, constatando também que a expansão de Israel nas últimas décadas não deixou outra alternativa prática.

Não tenho dúvidas que a opção por um estado é a única que pode incorporar a restituição dos direitos retirados aos Palestinos em uma área já pequena e que não leve à formação de um pequeno estado inviável, totalmente ofuscado pelo vizinho poderoso. Mesmo que houvesse a possibilidade real de haver dois estados sem que um fosse um estado-tampão, aquele que tiver a maioria de judeus não poderia ser étnico-religioso, como alguns outros no mundo. Isso tornaria este estado em algo similar, por exemplo, à Arábia Saudita e Irã.

As futuras estruturas estatais precisam ser rigorosamente laicas, o que significa que um “estado judeu e democrático” como se denomina Israel é um verdadeiro contrassenso: ele só funciona sendo democrático para os judeus e judeu para os que não o são[2].

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hipótese estatal, os refugiados precisam poder exercer seu direito de retorno e compensação nas terras e propriedades originais (não são direitos excludentes, ambos se aplicam, pois à devolução da propriedade se soma a indenização pela perda no tempo, segundo a própria resolução 194 da ONU). É razoável pensar que após tantos anos na diáspora nem todos desejarão retornar, especialmente os que moram nos países ocidentais. O oposto se aplica aos que vivem em acampamentos nos países vizinhos e na Cisjordânia e Gaza, assim como os refugiados internos dentro de Israel (os chamados “ausentes-presentes” – mais um oximoro sionista). Estes setores, necessariamente, teriam prioridade.

A decisão tem que ser unicamente dos refugiados, sem pressões e com pleno suporte financeiro internacional, como apontam as organizações de refugiados ([3]). Estudos de um importante pesquisador palestino, Salman Abu Sittah[4], explicam que a maior parte das terras de onde provieram os refugiados estão despovoadas até hoje, localizando-se longe dos grandes centros urbanos do território atual de Israel. No caso de um acordo amplo de justiça restaurativa, nos lugares em que for impossível que voltem aos mesmos lugares (onde tenham sido construídas Universidades ou hospitais, por exemplo), pode-se procurar outras soluções vizinhas, se o critério não for racista.

Após tantos anos, talvez a urbanização da sociedade naquela região torne obsoleta a opção de regresso às aldeias, mas o direito e a forma de fazer alguma substituição no próprio território original e a indenização pela perda são dos próprios refugiados e seus descendentes e são inalienáveis. Nas cidades que foram “judaizadas” de forma quase que instantânea, como Jaffa, Beersheva e Lida, a situação será mais complicada, mas sempre há soluções, desde que haja vontade política do estado: afinal, Israel absorveu um milhão de russos em poucos anos na década de 90. Um terço deles nem eram judeus segundo a lei religiosa judaica.

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O que é absolutamente inaceitável são os critérios demográficos racistas manejados pelo establishment sionista, lamentavelmente compartilhados por setores amplos da chamada “esquerda sionista”, com conceitos como “bomba demográfica” ou de manter um “estado judaico” e assemelhados. Não há nenhum problema que por princípio impeça que haja maioria ou minoria de um ou outro setor em um país.

Os palestinos, mesmo sem contar os refugiados, já são cerca de seis milhões na Palestina histórica, número aproximado ao dos judeus. A única diferença é que hoje são brutalmente discriminados pelo estado, em variados graus.

Um plano de ajuda internacional amplo e incondicional (sem tentar impor condições, a administração precisa estar nas mãos da população afetada) deveria dar suporte a essa restauração.

Sobre a questão nacional

O tema de se se a população judaica do estado sionista constituiu uma nova nação judia-israelense após três gerações, quase 70 anos depois, precisa ser debatido. Tradicionalmente foram considerados como colonos (aliás, eles próprios assim se denominavam quando ocupavam terras palestinas, muito antes da ocupação da Cisjordânia). Talvez, não mais devam ser considerados como os clássicos colonos, mas uma nacionalidade opressora, como os brancos da África do Sul, isso sem aceitar sua mitologia bíblica, mas com um critério essencialmente prático pelo tempo transcorrido, a língua e a economia comuns. É preciso levar em conta que a maior parte da população judaica não teria a opção dos pieds-noirs da Argélia de voltar para a metrópole, com exceção dos que tenham dupla nacionalidade ou os mais abastados, o que torna o paralelo colonial mais frágil. Para complicar ainda mais o tema, aproximadamente 50% dos judeus israelenses são oriundos dos países árabes e muçulmanos e seus descendentes, que sofrem

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também discriminação forte, ainda que dentro no marco de pertencerem à nacionalidade ou etnia com supremacia no estado. O poderio de Israel e sua consolidação como potência regional e nuclear, amparada pelo apoio americano e da União Europeia, torna ainda mais importante que um setor importante, mesmo que não majoritário da nacionalidade opressora seja ganho para acabar com a estrutura sionista que impede qualquer perspectiva de mudança na situação dos palestinos.

A resistência palestina em todo o território possui várias formas, nas várias partes da Palestina e da diáspora, inclusive a resistência armada, como no caso da defesa frente ao ataque brutal a Gaza, Continua sendo o motor essencial dessa luta. Como em toda luta nacional, cobra importância, ganhar setores da população judaica para uma opção democrática e não racista. Para ganhar mais do que indivíduos isolados solidários, é necessário um programa que consiga mobilizar para a luta conjunta contra o sionismo. Um primeiro passo nessa luta, ainda em seus começos, são justamente o movimento pelo BDS, os movimentos de solidariedade contra a ocupação e a discriminação aos palestinos dentro de Israel e dos conscritos e reservistas que ousam negar-se a servir no exército ou pelo menos nos territórios ocupados.

Mas como toda nacionalidade opressora, os judeus teriam que ceder seus privilégios derivados da limpeza étnica e da estrutura etnocêntrica do estado para poder conviver em igualdade de condições e desfrutar de seus direitos nacionais (direito à sua língua, cultura, religião, tradições, etc.). De qualquer forma, é um tema controverso e precisa ser mais bem analisado.

Sabemos que quaisquer dessas soluções terão imensas dificuldades e resistências dentro da população judaica, especialmente de setores como os colonos da Cisjordânia, que possuem uma clara inspiração fanática e fascista ou entre aqueles que vivem diretamente das subvenções militares e

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econômicas americanas ou pelo fato de terem condições superiores às que teriam em um estado “normal”. O chamado complexo industrial-militar do país, o quarto exportador de armas do mundo, será certamente uma fonte de resistência encarniçada. Em uma nacionalidade opressora beneficiada pela dominação brutal como no caso é natural que, em condições “normais”, somente uma pequena minoria manifeste seu desacordo abertamente. Sobretudo em tempos de chauvinismo e militarismo tão aguçados como durante este novo ritual de matança em Gaza. Um índice das fronteiras “étnicas” dos movimentos sociais j u d e u - i s r a e l e n s e s , m e s m o q u a n d o h á e x p l o s õ e s d e descontentamento social, foi dado pelas grandes manifestações de “indignados” de 2011 contra a carestia da vida nas grandes cidades, quando se evitou cuidadosamente qualquer referência aos gastos militares e com os colonos como fonte dos problemas sociais, sem falar do grande problema social de Israel, a tremenda desigualdade institucionalizada que sofre a minoria palestina e os milhões que vivem sob a ocupação. Além disso, a “saída” que amplos setores do movimento reivindicavam para a crise habitacional nas grandes cidades era aumentar a construção de casas subsidiadas na Cisjordânia, o que limitou drasticamente o caráter progressivo do movimento.

Se as coisas permanecerem como estão, como parece ser a posição da esmagadora maioria dos dirigentes sionistas de todas as tendências e da grande maioria da própria população judaica de Israel, qual é o futuro que terão as novas gerações? Um país eternamente militarizado? A continuidade na insegurança permanente em que vivem, o seu caráter de pária no Oriente Médio, a manutenção da fina flor de sua juventude como gendarmes de outro povo? A condenação cada vez maior em todo o mundo? A degeneração racista e chauvinista extrema contra os palestinos de Israel ou a perseguição aos próprios judeus que se atrevam a dissentir que vimos aflorar com mais força que nunca durante a ofensiva em Gaza?

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Um novo momento político

A ofensiva sobre Gaza abriu os olhos de muita gente para o que é capaz o regime sionista. Grandes manifestações têm sido realizadas, como as do dia 9/8, que teve 150 mil em Londres e 200 em Cape Town (África do Sul), entre dezenas de outras. Muitos se perguntam: que tipo de regime tem a coragem de fazer tamanho morticínio, sem provocar mais do que ínfima oposição entre os judeus israelenses? Entre a opinião pública ocidental, Israel começou a perder sua aura de progressista e avançado. Nos EUA, a maioria da juventude está contra a ação de Israel (51% x 29%), bem como os não brancos, mulheres e trabalhadores com menor instrução, ainda que em menor proporção, o que sinaliza uma mudança importantíssima. As próprias comunidades judaicas têm mostrado fissuras. Um número minoritário, mas crescente, de judeus liberais vem se juntar aos antissionistas de mais longa data (como é meu caso, há mais de 40 anos com essa posição).

Assim como na luta para derrubar o apartheid, o desequilíbrio atual de forças na região da Palestina torna fundamental que seja exercida uma pressão externa para mudar esse estado de coisas. Excluir as instituições de Israel das atividades econômicas, militares e culturais internacionais, por exemplo, pode ser um poderoso recado à maioria judia de que o mundo não mais tolerará o seu comportamento, impondo a eles prejuízos claros em todos os terrenos, como ocorreu com o regime do apartheid sul-africano. Será um apoio material e moral à luta dos palestinos para derrubar o muro de discriminação que cerca a Palestina.

[1] http://www.cjpmo.org/DisplayDocument.aspx?DocumentID=219. [2] Para uma descrição completa das leis racistas de Israel,

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http://occupiedpalestine.wordpress.com/2013/03/20/the-laws-tha t-enshrine-israel-as-a-racist-state/

[3] http://www.badil.org/

[4] http://www.pij.org/details.php?id=1217

Cinco

teses

sobre

o

desempenho da resistência

armada em Gaza

Aldo Cordeiro Sauda

Em meio a usual matança israelense na Faixa de Gaza, está surgindo algo de novo no front. Nunca, na história da luta armada palestina, um grupo guerrilheiro impôs tantas baixas a Israel como faz o Hamas.

Durante a última grande ofensiva israelense na Faixa, que durou entre os dias 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009, para além dos 1400 palestinos mortos, apenas 10 soldados de Israel cariam no campo de batalha. Destes, quatro morreram por conta de fogo amigo.

Segundo o relatório do International Crisis Group durante a guerra de então, o Hamas “na maior parte do tempo evitou confrontos diretos com as tropas israelenses”. O documento cita até mesmo um ex-ministro de relações exteriores de Tel Aviv, que afirma “não houve guerra. O Hamas sentou nos seus bunkers e apenas saiu de lá quando tudo se acabou”[1].

Hoje, a realidade é outra. Em menos de um mês, foram 64 soldados israelenses mortos. Os foguetes do Hamas, que antes

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se restringiam ás regiões em torno da faixa, também passaram a ter um poder de fogo muito maior. Eles quase atingiram a pista do aeroporto internacional Bem Gurion, parcialmente paralisando por alguns dias o complexo civil-militar. As novidades militares no campo de batalha não implicam, de forma alguma, que o Hamas constitua uma alternativa de direção ao povo palestino ou qualquer ameaça a existência do estado de Israel. O grupo islâmico, que dirige a faixa de Gaza com mãos de ferro, reprimindo brutalmente qualquer oposição ao seu governo, possui vínculos orgânicos com estados burgueses contrarrevolucionários como o Qatar e o Irã, além da reacionária Irmandade Muçulmana do Egito. Vale lembrar que a Irmandade, apesar de sua proximidade com o Hamas, atuou d u r a n t e t o d o s e u g o v e r n o p a r a g a r a n t i r o s a c o r d o s internacionais entre Egito e Israel, que legitimam a destruição e colonização da Palestina.

Porem por conta da nova conjuntura político-militar na faixa, cujo Hamas foi importante catalizador, Israel não se atreveu a avançar para o centro de Gaza, como pedia a extrema-direita sionista, porque para fazer isso teria que matar dezenas de milhares de palestinos e perder algumas centenas de homens, muito acima do que as condições políticas permitiam. Ou seja, a grande vitória do Hamas é que não deram a oportunidade do exército israelense avançar facilmente, a primeira vez em um enfrentamento desse tipo e escala em território palestino.

À luz dessas novidades, seguem abaixo um conjunto de teses sobre o desempenho da resistência palestina.

1 – A revolução egípcia de 2011, especificamente o período entre a derrubada de Mubarak e a queda do governo da Irmandade Muçulmana, em 3 de julho de 2013, mudaram, de fato, a conjuntura político-militar na Faixa de Gaza. Durante estes dois anos e meio, um verdadeiro mar de tuneis se multiplicou

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entre as fronteiras dos dois países, rompendo o bloqueio israelense ao enclave palestino.

Logo após o inicio da revolução, o governo militar que assumia o comando do Cairo perdeu o controle da península do Sinai, que liga o Egito à Palestina. Com a península na mão das tribos beduínas, os tuneis que ligavam Gaza ao mundo proliferaram. Pouco dessa realidade mudou sob o governo da Irmandade Muçulmana, organização egípcia cujo braço palestino é o Hamas, que até 1967 era parte integral da irmandade. Segundo o Major General israelense Yaakov Amidror, durante o governo da Irmandade os túneis tornaram-se “uma verdadeira rodovia”[2].

Para além do armamento e material bélico que entrou na faixa, a resistência ganhou uma oportunidade de ouro para melhor formar seus quadros. Dirigentes militares e engenheiros do Hamas e da Jihad Islâmica, que nunca antes haviam saído da pequena Gaza, tiveram a oportunidade de formarem-se militarmente, principalmente no Irã – cuja cooperação com a vertente islâmica da resistência palestina segue tendo grande peso. Para além da compra de misseis e foguetes, os palestinos de Gaza, por conta de intercâmbios científicos, adquiriram a capacidade técnica para produzi-los.

Em 2012, durante uma curta guerra entre palestinos e israelenses que deixaram 150 palestinos mortos, os principais foguetes do Hamas eram de fabricação iraniana, como o Fajr-5, que possui 75 km de alcance. Hoje quase todos os foguetes utilizados pelo Hamas são feitos pelos palestinos. O R-160, com 160 km de alcance, é um deles. O foguete, cujo nome é uma homenagem a Abdel Aziz al-Rantisi, cofundador do Hamas morto em 2004, é de modelo chinês, mas agora possui uma cópia palestina. Até mesmo drones de fabricação gazense, como o A1A, para reconhecimento de território, e o A1B e A1C, utilizados para operações de ataque, estão sendo utilizados contra Israel.[3]

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Desde a chegada do General Abdel Fatah Al-Sisi a presidência do Egito, a grande maioria dos tuneis na fronteira foram fechados. Mas o estrago já havia sido feito. Segundo depoimento de um comandante do braço armado do Hamas para o jornal egípcio Ahram Weekly:

As brigadas não perderam um só segundo [antes da chegada de Sisi]. Foi a era dourada das armas da resistência. Elas consistiam essencialmente de armas russas vindas do Irã ou de outros lugares, e até mesmo do mercado que existe em ambos os lados da fronteira. Apesar de as fronteiras estarem agora sob controle rígido, as armas são abundantes. O fechamento dos túneis diminuiu a constância das armas, mas não as encerrou por inteiro. A chance de fazer dinheiro faz com que os traficantes sejam muito criativos no tráfico das mercadorias. (…) Tínhamos clareza que a situação no Egito após a revolução não duraria, e que a Irmandade Muçulmana não ficaria no poder por mais de um ano, e muito menos iria cumprir o mandato. Tínhamos certeza disto e sabíamos que tínhamos que aproveitar ao máximo este período para garantir a chegada de armas e munições.[4]

2 – Se por um lado a revolução egípcia em muito contribuiu para melhor localizar o Hamas em sua luta contra Israel, a revolução síria e o apoio do Hamas ao levante popular abalou apenas de forma secundária as relações internacionais do grupo. Os que apostaram em um isolamento dos islamistas, perderam.

Ao defender a derrubada de Bashar Al Assad, o relacionamento dos palestinos com o Irã, principal mecenas do genocídio sírio, se esfriou. O mesmo se aplica ao Hezbollah. Mas dado que a brigada Izedin Al Qassam, braço armado do Hamas, possui uma relação de autonomia relativa do polit-bureau da organização, laços importantes foram mantidos entre todos

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ambos os lados.[5]

Além do mais, a vantagem causada pela abertura dos túneis fez crescer tanto a capacidade de comunicação do Hamas que ela secundarizou qualquer perda causada pelo seu apoio à revolução síria. Em soma, a “Primavera Árabe” é o principal combustível que abastece a resistência em Gaza.

3 – A contrário de 2008-09, durante a atual guerra Israel perdeu uma de suas principais armas, o efeito surpresa. O ataque israelense pode ser previsto pela resistência, contribuindo positivamente à moral das guerrilhas palestinas. Entre a dura onda de repressão aos palestinos na Cisjordânia e os bombardeios a Gaza, passaram-se semanas. Mais que o suficiente para o Hamas se preparar. Esta realidade se opõe frontalmente aos eventos de 2008/9, quando logo nos primeiros minutos da guerra, dezenas de alvos meticulosamente selecionados há meses foram bombardeados de uma só vez por Israel. Tudo isto em um curtíssimo intervalo de tempo.

O elemento da surpresa, inclusive, muitas vezes atuou a favor dos palestinos. Seus foguetes, tuneis e drones repetidamente surpreenderam a população e a imprensa israelense, abalando causando um mal estar geral no país.

Talvez esta seja a principal diferença entre 2009 e 2014; passou-se a impressão, pela primeira vez, de que os palestinos conseguiriam, ou ao menos estavam tentando com algum sucesso, disputar os tempos político-militares da guerra.

4 – O Hamas também mudou inteiramente sua estrutura interna, dando um grande salto organizacional. Segundo um dirigente da brigada Izz Al Din Al Qassam, “nós nos beneficiamos das escolas de combate iraniana, síria e do

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Hezbollah, além de termos finalmente formulado a [escola] independente da Qassam, alinhada à nossa situação e que nos da capacidade para responder aos desafios dos inimigos.”[6]

Diferentemente de 2009, a brigada Qassam funciona hoje como um p e q u e n o e x é r c i t o , c o m p o r v o l t a d e 7 . 0 0 0 s o l d a d o s permanentemente mobilizados que recebem um soldo de 1.500 reais por mês. Há por volta de outros 20.000 reservistas em potencial, prontos para serem convocados pela resistência.

O salto organizacional do Hamas, cuja organização interna está cada vez mais similar ao Hezbollah libanês, representa um novo momento na luta militar palestina. Tal fato é assimilado pelo principal adversário palestino do grupo islâmico, o Fatah. Segundo testemunho de um importante Major-General da Autoridade Palestina, dado em condições de anonimato a principal revista militar norte-americana, IHS Jane “As baixas causadas pela brigada Qassam desde o início desta operação… são maiores que tudo que fizemos em todas as guerras da PLO [contra Israel] no sul do Líbano.”[7]

Não só o Hamas se profissionalizou, como ele conseguiu, talvez pela primeira vez em sua história, guerrear contra Israel sem perder, ao menos até agora, seus principais dirigentes militares. Em 2012, o principal comandante militar do grupo, Ahmed Jabari, foi assassinado por Israel. Durante atual guerra, incomparavelmente mais feroz, Israel não matou um único dirigente do alto comando do Hamas.

Segundo o mais popular jornal de Israel, Yedioth Ahronoth, “Ao contrário das operações anteriores, o Hamas preparou planos de combate e protocolos para seis comandos regionais em toda faixa, fazendo com que a necessidade de ordens diretas se tornassem quase inteiramente obsoletas, salvado os principais comandantes de inúmeros riscos que os exporiam a ira israelense.”[8]

Referências

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