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Sistema agrossilvicultural cacaueiro modelo de agricultura sustentável 1

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1 Trabalho convidado.

2 Ceplac/Cepec, Fone: (73) 214-3200, Fax: (73) 214-3204, Caixa Postal 07, 45600-000 Itabuna-BA. 3 Central Nacional

dos Produtores de Cacau (CNPC), Fone/fax: (73) 612-6630, Av. Amélia Amado 31, 45600-000 Itabuna-BA, <cnpccacau@ig.com.br>.

Sistema agrossilvicultural cacaueiro – modelo de

agricultura sustentável



Cacao agroforestry system – A sustainable agriculture model

Dan Érico Lobão2, Wallace Coelho Setenta3 e Raúl René Valle2

RESUMO: Cacau-cabruca, termo regional do sul da Bahia empregado para caracterizar um sistema de

plantio de cacaueiros, é um sistema agroecológico de cultivo agrossilvicultural. Baseia-se na substituição de estratos florestais por uma cultura de interesse econômico, implantada no sub-bosque. Esse sistema não tem um padrão bem definido quanto à densidade, à altura total e à composição florística das árvores que compõem a proteção de topo. Contudo, podem ser consideradas como cacau-cabruca aquelas

áreas que têm densidade arbórea ≥ 25 ind ha-1, tendo pelo menos seis diferentes espécies no sombreamento

por hectare, ou um coeficiente de mistura de pelo menos um oitavo, ocupando o estrato vertical superior (altura > 5 m). Considerando-se os princípios de paridades socioeconômico-ambientais requeridos por modelos de desenvolvimento sustentável, o cacau-cabruca constitui-se na melhor forma de uso do solo em clima tropical. Recomenda-se a transformação das monoculturas regionais em áreas com maior diversidade, baseadas neste modelo.

Palabras-chave: Cacau, Mata Atlântica, sistema agroflorestal e agroecologia.

ABSTRACT: Cacau-cabruca is a southern Bahia regional term used to characterize a cocoa planting

system, i. e., an agroecological system of agroforestry cropping. It is based on substitution of forest strata for an economic crop implanted in the sub-forest. This system does not have a defined pattern in relation to density, total height and floristic composition of top protection trees. However, it can be

considered cacau-cabruca those areas that have tree density ≥ 25 ind ha-1, with at least six different

species of shade trees per hectare or a mixture coefficient (MC) of at least 1/8, occupying the superior vertical stratum (5 m height). Considering the principles of socio-economic-environmental parity required by sustainable development models, the cacau-cabruca constitutes the best form of soil use in tropical climates. It is recommended for transforming regional monocrops in areas of more diversity, based on this model.

Key words: Cacao, Mata Atlântica, agroforestry system and agroecology.

A REGIÃO CACAUEIRA SUL-BAIANA A formação vegetal primária dominante na região cacaueira do sul da Bahia era de floresta

tropical úmida, classificada como floresta perenifólia latifoliada ombrófila hileana baiana (Andrade-Lima, 1966). Hoje em dia, conhecida simplesmente como Mata Atlântica, a ela se

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vinculam todas as tipologias florestais encon-tradas ao longo de uma faixa de floresta úmida, praticamente contínua, com mais de 1 milhão de quilômetros quadrados ao longo do litoral brasileiro, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul (Andrade-Lima, 1966; Rizzini, 1979).

Muitas referências têm sido feitas em relação à magnitude dessa floresta tropical, desde a carta de Pero Vaz de Caminha até estu-dos e levantamentos recentes, que dão uma idéia geral sobre a sua biometria e a diversidade arbórea (Vasconcelos, 1888; Ceplac, 1976; Santos, 1991, 1992, 1993, 2003; Lobão, 1993). Em alguns espaços, os fragmentos apresen-taram exemplares arbóreos com mais de 40 m de altura, troncos grossos e copa densa. Existem registros de que apenas um indivíduo de jequitibá-rosa (Cariniana estrelensis) chegou a produzir 64 m3 de madeira serrada em tábuas

(Lobão et al., 1997).

No entanto, não é só na estrutura vertical da floresta e na magnitude de seus elementos que se percebe sua exuberância. A presença de espécies amazônicas, de espécies da floresta atlântica sul, de espécies endêmicas regionais e mesmo de espécies endêmicas restritas, soma-da a um clima estável quanto à temperatura e precipitação, além de abundantes recursos hídricos, proporcionou as condições para o sur-gimento de uma floresta de variadas tipologias com alta biodiversidade (Santos, 1991, 1992, 1993; Lobão et al., 1997).

Por outro lado, a conservação de rema-nescentes de Mata Atlântica do sudeste da Bahia até o limiar do terceiro milênio deve-se, quase que exclusivamente, ao método utilizado para o estabelecimento da cultura do cacau (Theobroma cacao) nessa região (Lobão et al., 1997). Inicialmente o cacaueiro foi introduzido sob o dossel florestal, e ao longo dos anos foi

sendo adensado, vindo a ocupar todo o sub-bosque. Como espécie humbrófila, o dossel pro-porcionou-lhe a proteção inicial necessária. Este modelo - cacau-cabruca - valorizou as características agroecológica e agrossilvi-culturais desta cultura, consolidando uma estratégia única para estabelecimento de uma agricultura extensiva no sudeste baiano, sem se tornar plantation. Portanto, o agroecossis-tema cacaueiro do sudeste da Bahia é basica-mente composto pelos cacauais implantados no sistema cabruca (tradicional), com aproxi-madamente 600 ind ha-1, sombreados com

indivíduos arbóreos da mata original; é com-posto também por cacauais implantados em uma densidade recomendada de 1.111 ind ha-1

em áreas em que a floresta foi eliminada e tem como árvore de sombra (proteção de topo) a espécie exótica Erythrina fusca, em uma densidade de 25 ind ha-1, pelos remanescentes

florestais, além de mosaicos com diversificação agrícola (Alvim, 1958, 1965, 1969, 1972; Cunningham & Arnold, 1964; Amorim, 1965, Alvim & Pereira, 1972; CATIE, 1976; Coutinho, s.d.; Lobão & Setenta, 2002; Lobão et al., 2002).

CONTEXTUALIZAÇÃO DE UMA

AGROSSILVICULTURA SUSTENTÁVEL O desenvolvimento sustentável não é um estado fixo de harmonia. É um processo de mudanças em que as alterações na exploração dos recursos, na gestão dos investimentos, na orientação do desenvolvimento e no aspecto institucional são coerentes com as necessidades futuras e presentes (Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, 1998). Neste contexto, hoje são grandes as pressões aos sistemas ditos modernos de produção agrícola de alimentos, devido aos resultados ambientais negativos que esses sistemas geraram, como: (i) devastação das florestas e redução da

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diversidade de espécies; (ii) erosão e solos empobrecidos; (iii) contaminações pelo uso indiscriminado de pesticidas; (iv) poluição do ar e da água; (v) comprometimento dos recursos hídricos superficiais, tanto de pequenos como de grandes rios; e (vi) comprometimento do lençol freático e dos aqüíferos profundos. Isto tem feito com que novos métodos sejam reque-ridos para reduzir os impactos ambientais adversos e assegurar a pureza e a não-toxidade dos alimentos – é essa a exigência a um modelo sustentável de agricultura. Em última instância, é o desafio contido na expressão agricultura

sustentável (Lobão et al., 1999; Lobão &

Setenta, 2002).

Praticar uma agricultura sustentável é primordialmente praticar uma agricultura que, além de ser economicamente eficiente e viável, contribua de modo significativo com a conser-vação dos recursos naturais e forneça produtos saudáveis, sem comprometer os níveis tecnoló-gicos de segurança alimentar já alcançados, diferenciando-se, portanto, dos conceitos até hoje praticados.

É inegável que houve impactos ambientais para que a cacauicultura se instalasse na Bahia. Entretanto, ao contrário dos demais modelos agrícolas produtivistas, o cacau-cabruca não favoreceu, de modo comprometedor, a devas-tação das florestas e nem a diminuição da diver-sidade de espécies. Pelo contrário, permitiu a conservação de significativo número de áreas com remanescentes florestais que circundavam as áreas antropizadas, bem como a sobre-vivência de árvores da floresta original, na função de proteção de topo e lateral da cultura (sombreamento) (Figura 1). Isto propiciou a formação de corredores ecológicos entre os remanescentes florestais da região cacaueira baiana (Fernandes et al., 1994; Semana do Fazendeiro, 1997; Lobão et al., 1999; Lobão & Setenta, 2002).

Atualmente, as essências arbóreas nativas da sombra do cacau constituem não só uma atrativa reserva financeira, mas também uma variada base genética que pode vir a ser, junto com os fragmentos florestais, um valioso banco natural de sementes, imprescindível a progra-mas de recuperação de áreas e manejo florestal (Van Belle, Lobão & Herrera, 2003; Santos & Lobão, 1982).

No entanto, os baixos preços do cacau no mercado externo, a falta de políticas públicas adequadas à realidade regional, a falta de incentivos eficazes à modernização da lavoura e o desestímulo da sociedade regional ameaçam a permanência do cacau na região, seja ele cabruca ou não, e, conseqüentemente, a sobre-vivência dos remanescentes de Mata Atlântica, a despeito da legislação vigente. O compro-metimento se dá de duas formas: a primeira pela substituição do cacaual e seu sombreamento por outra cultura; e a segunda pela exploração do capital florestal de forma desordenada e incon-seqüente, visando unicamente gerar recursos financeiros (Lobão & Setenta, 2002; Lobão et al., 2002).

O perigo não está apenas na exploração irracional dos recursos madeireiros sem plano de manejo que permita uma exploração em bases sustentáveis, mas também na falta de políticas públicas adequadas, na baixa cons-cientização dos agricultores para uma colheita florestal ordenada, na baixa instrumentalização dos órgãos de governo que têm relação direta com problema, bem como de um plano de ma-nejo e exploração de produtos e subprodutos de base florestal, em uma intensidade e periodi-cidade que não comprometam a capaperiodi-cidade de sustentação natural dessas áreas (Lobão & Setenta, 2002).

É imprescindível não comprometer a continuidade do sistema cacau-cabruca na

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Bahia, ou a sua descaracterização a ponto de não permitir a continuidade dos benefícios até então verificados. Esta atitude iria no mínimo comprometer a Mata Atlântica e, assim, perdería-se a oportunidade de duplica-ção do modelo com outras culturas. Afinal, esse é possivelmente o primeiro sistema agrossilvicultural dos trópicos. Nenhum outro cultivo em clima tropical úmido e em área quase

que contínua e extensa (mais de 400.000 ha), com eficiência comprovada há mais de 200 anos, conseguiu gerar tantos dividendos, ao tempo que conservou recursos naturais –

hídricos, edáficos e florestais – e fixou o

homem no meio rural, podendo ser considerado como um dos mais modernos e acertados mo-delos de agricultura tropical sustentável praticado.

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Figura 1 – Vista panorâmica de um cabruca, município de Barro Preto-BA (a). Perfis de

cacau-cabruca na região de Anuri, município de Arataca-BA (b) e Ilhéus-BA (c), com árvores de sombra e cacaueiro no sub-bosque. – Panoramic view of a cacau-cabruca area, Barro Preto, BA (a). Cacau-cabruca profiles in the Anuri region, Arataca BA (b) and Ilhéus, BA (c), with shade trees and cacao trees under sub-forest.

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ANTECEDENTES E CARACTERIZAÇÃO A cacauicultura, mais especificamente o cacau-cabruca, possivelmente é o precursor dos sistemas agrossilviculturais. Os primeiros cacauicultores, migrantes e imigrantes vindos de regiões áridas do nordeste e desérticas da Arábia, chegaram à região sul da Bahia há mais de 200 anos e enfrentaram grandes desafios para se estabelecer agronomicamente, implantando a cacauicultura no sub-bosque da mata primária (Tavares, 1979; Lobão et al., 1997).

Cacau-cabruca é um termo regional que significa: cacaueiro implantado pelo método cabruca. Cabruca é uma palavra oriunda do verbo brocar, empregado para caracterizar um sistema usado pelos colonizadores da região sudeste da Bahia no plantio de cacaueiros. Sob a ótica do desenvolvimento sustentável, pode ser considerado como o melhor modelo de agricultura (agrossilvicultural) tropical até hoje praticado nos trópicos úmidos, devendo ser citado como exemplo de sistema agrossilvi-cultural econômico, social e ambientalmente eficiente e eficaz (Lobão et al., 1997; Lobão, Lobão et al., 1999; Setenta, 2003).

Para esse sistema de cultivo não há reco-mendações precisas quanto à densidade de indivíduos, quanto à altura do dossel e nem quanto à composição florística das árvores que compõem a proteção de topo do cacau. O núme-ro e a distribuição dos levantamentos realizados não permitem estabelecer a existência de mo-delos diferenciados segundo cada sub-região ou condições topo-edafoclimáticas onde a cacauicultura foi implantada.

Na década de 1980, a tendência de desbas-tar árvores de sombra das cabrucas, por influên-cia do conceito monocultural de plantation que se disseminava na região, fortalecido pela idéia errônea de que as Leguminosae generaliza-damente são fixadoras de nitrogênio, também

pode ter afetado a diversidade florística arbórea do sombreamento do cacaueiro e contribuído para a permanência de espécies dessa família em áreas onde houve raleamento do sombrea-mento, prática muito usada nos municípios mais novos de cacau, como Gandu e adja-cências (Alvim, 1958, 1966, 1967, 1969, 1972; Cunningham & Arnold, 1964; Amorim, 1965; Alvim & Pereira, 1972; CATIE, 1976; Coutinho, s.d.).

A existência de fragmentos de Mata Atlântica no entorno das áreas com cacau e a presença de árvores remanescentes da floresta primária sombreando os cacaueiros funcionam como corredores de biodiversidade, interli-gando os remanescentes florestais. Este fato permite a sobrevivência de uma fauna rica e de grande porte, praticamente inexistente em outras regiões agrícolas do País, como o gavião-prego e a harpia (Thrasaetus harpya), maior águia das Américas, além de ariranha (Pteronura brasiliensis), lontra (Lutra sp.), corsa (Mazama spp.), queixada (Tayassu pecari

pecari) e cateto (Tayassu tajacu tajacu), entre

outros (Santos, 1992, 1993).

Alguns cenários se delineiam, como a renovação da cacauicultura, necessária e irre-versível, bem como a redução das áreas com cacau. Contudo, poderá ser menos impactante se for utilizado um sombreamento diversifica-do e com espécies da Mata Atlântica, mantendiversifica-do, desta forma, a função de corredor ecológico que o cacau-cabruca é capaz de proporcionar. Possuindo no mínimo 20% de espécies arbóreas de alto valor comercial e 60% de médio valor, sem considerar ainda as espécies de valor social e ecológico, a Mata Atlântica da região sul-baiana possibilita e proporciona uma diversi-dade arbórea muito grande, com espécies que possuem características adequadas para com-por sistemas de proteção do cacaueiro, para as mais distintas condições edafoclimáticas, sem

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que seja necessário implantar extensas áreas com características monoculturais ou com baixa diversidade.

A caracterização e identificação da biodi-versidade vegetal dos ecossistemas naturais associados à cacauicultura, a identificação de espécies arbóreas de interesse regional e a sua conservação, mantendo coleções vivas e produ-zindo material de propagação, têm sido algumas das áreas trabalhadas por órgãos governa-mentais como a CEPLAC, ao longo dos anos.

Contudo, a intensidade com que a devastação tem atuado, descaracterizando ou mesmo des-truindo os remanescentes naturais, impõe a necessidade de ações mais específicas voltadas para a conservação dos remanescentes flores-tais e a sustentabilidade do agroecossistema cacaueiro.

DEFINIÇÕES E CONCEITOS

A palavras cabruca é uma corruptela do verbo brocar, que deu origem a um outro, o

cabrocar ou cabrucar, que significa roçar o

mato e cortar algumas árvores para plantar cacaueiro. Regionalmente, ainda hoje, esse conceito inicial está muito arraigado. O modelo cacau-cabruca e o sistema agrossilvicultural de produção (sistema cacau-cabruca), criado sem precedentes, têm benefícios agroecológicos e ambientais muito valorizados no desenvol-vimento sustentável, mas não são facilmente percebidos pela sociedade regional. O ato de

cabrucar as matas por anos a fio (prática e

repetição), associado a fatores culturais (Lobão et al., 1997) gerou um modelo de produção agrí-cola (cacau-cabruca) e um sistema de produção agrossilvicultural (sistema cacau-cabruca) refinados.

O cacau-cabruca é um método ecológico de cultivo agrossilvicultural. Baseia-se na ocupação do sub-bosque (estrato florestal

intermediário) por uma cultura de interesse econômico, implantada de forma descontínua e circundada por vegetação natural, não preju-dicando as relações com o meio físico à qual está relacionada.

Apesar de tecnicamente ainda não ter padrões bem definidos, é possível através da análise das experiências e dos resultados regio-nais (etnociência) contribuir para o manejo e a recomposição do sistema, devendo-se seguir os critérios em relação a densidade, biometria, estrutura vertical do cacau-cabruca e compo-sição florística ou diversidade.

DENSIDADE: (i) baixa densidade: quando o sombreamento do cacaueiro apresenta entre 25 e 50 ind ha-1; (ii) média densidade: entre 50

e 85 ind ha-1; e (iii) alta densidade: maior que

85 ind ha-1. Áreas cuja densidade do

sombrea-mento estabelecido for menor que 20 ind ha-1,

mesmo com essências arbóreas nativas, não devem ser consideradas cabrucas, sendo passíveis de ser adensadas (recabrucadas). A recabrucagem consiste no plantio de árvores de sombra com espécies nativas em cacauais cultivados a pleno sol (monocultura), ou com baixíssima densidade de sombra (menos de 20 ind ha-1), ou ainda em cacauais tecnicamente

implantados (padrão recomendado pela CEPLAC na década de 1970) sombreados

apenas com uma espécie arbórea, a eritrina (Erythrina fusca). A densidade da árvore de sombra (estrato superior) deverá enquadrar-se a uma das três faixas (baixa, média e alta densidade) estabelecidas anteriormente. Em áreas que se enquadram como de preservação permanente, recomenda-se um sombreamento de alta densidade (> 85 ind ha-1).

BIOMETRIA: O número de indivíduos, aliado à altura e à área seccional das espécies (ocu-pação horizontal) das árvores do sombrea-mento, determina o volume de madeira de um cacau-cabruca. Algumas áreas possuem uma

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volumetria comercial muito próxima à de área de mata. A biometria do sombreamento está diretamente associada a decisões tomadas na fase de implantação. Uma delas diz respeito à intensidade de sombra desejada, o que se relaciona ao número de árvores de sombras (densidade) deixadas; a outra diz respeito à estrutura vertical, ou seja, à posição que as árvo-res ocupam (dominância – codominância – dominadas) que será conservada.

Basicamente três situações podem ser descritas: (i) são deixadas as árvores que ocu-pam a posição das dominantes e co-dominantes; (ii) são deixadas as árvores que ocupam a posição das dominadas; e (iii) raleia-se bastante a área, deixando-se umas poucas árvores de variadas posições, ao tempo que se induz (plantando ou favorecendo a regeneração) a recomposição do sombreamento.

Na situação (i) têm-se uma maior área basal (AB) e volumetria remanescente, portanto uma quantidade de resíduo menor, mas normalmente apresenta menores possibilidades de manejo da luminosidade. Na situação (ii), maior produção de madeira é disponibilizada para comercia-lização, contudo há maior produção de resíduos que a anterior. A situação (iii), com menor volumetria remanescente e maior número de árvores cortadas, apresentava maior produção de madeira, portanto maior disponibilidade de aproveito comercial. Porém, requer maior custo de formação e deixa maior resíduo na área, o que dificulta a implantação de cacau. Em alguns casos há a necessidade da formação de som-breamento provisório e em outros, de recom-posição de sombreamento definitivo. O aspecto positivo é a escolha das espécies para compor o sistema de proteção de topo do cacaueiro. ESTRUTURAVERTICAL: Em uma floresta tropical, podem ser considerados três estratos verticais, enquanto no cacau-cabruca são considerados apenas dois. O cacau ocupa o estrato vertical

entre 1,5 e 5 m e os elementos arbóreos de pro-teção de topo ocupam o estrato superior, nor-malmente a uma altura acima de 5 m. Em ambos os ecossistemas, as árvores para produção de madeira devem ser manejadas para atingir uma altura média de 20 m, permitindo a formação de um fuste comercial que possibilite colheitas futuras, bem como a ventilação no cacaual.

É preciso incorporar um terceiro estrato vertical, o inferior, abaixo do cacaueiro, para agregar valor ao sistema produtivo, de modo a contribuir para a sustentabilidade econômica da propriedade.

COMPOSIÇÃO FLORÍSTICA OU DIVERSIDADE: A diversidade mínima de espécies para o cacau-cabruca não está tecnicamente determinada. Estudos têm demonstrado a riqueza da diver-sidade vegetal da Mata Atlântica sul-baiana e do sombreamento do cacau-cabruca (Lobão, 1993; Lobão et al., 1997a, b). O quociente de mistura (QM), índice fitossociológico que faz referência à diversidade de espécie, possibilita comparar populações distintas. Na região sudeste da Bahia o QM de áreas com cacau-cabruca tem variado de um terço até um oitavo para espécie e de um oitavo a um doze avos para família botânica, ou seja, a cada 3 – 8 indi-víduos arbóreos ocorre uma nova espécie e entre 8 – 12 indivíduos uma nova família (Lobão et al., 1997a, b; Santos, 1991, 2003). SUSTENTABILIDADE DO MODELO

O cacau-cabruca tem permitido a conser-vação de remanescentes florestais da Mata Atlântica, conservando indivíduos arbóreos de elevada significância econômica, social e ecológica. Além do mais, propicia condições microclimáticas favoráveis à conservação e ao aumento da densidade de plantas ornamentais de grande valor, a exemplo de orquídeas, bromélias e variadas epífitas.

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Esse sistema conserva a qualidade dos solos em padrões próximos ao de uma floresta natural, assim como nascentes e pequenos cursos d’água, como nenhum outro cultivo agrí-cola. O sistema cabruca permite a conservação natural de uma fauna silvestre rica e diversi-ficada, que além de proporcionar abrigo amplia a capacidade de suporte dos fragmentos flo-restais e funciona como corredor ecológico, interligando fragmentos florestais, bem como consegue, com relativa eficiência, a conserva-ção de recursos hídricos como as matas ciliares, ratificando sua capacidade de proporcionar uma conservação produtiva. O sistema proporciona, também, condições favoráveis de manejo para produção de um cacau com tecnologia mais lim-pa, e até mesmo a produção de cacau orgânico. Como um sistema agrossilvicultural, o cacau-cabruca possibilita a utilização e a explo-ração comercial de outros estratos verticais do agrossistema, e não só do cacau, como a Bahia explorou na sua fase áurea, décadas de 1970 e 80, gerando divisas e dividendos que permi-tiram tanto o fortalecimento econômico dos setores ligados à cacauicultura, como também o desenvolvimento da região sul do Estado e da Bahia.

Em termos sociais, esse sistema fixa o homem no meio rural, criando novos postos de trabalho e de negócios, possibilitando o uso intensivo de mão-de-obra durante todo ano agrícola – sem sazonalidade. Ele favorece a me-lhoria da infra-estrutura e instalações de servi-ços da comunidade, assim como gera novos conhecimentos e tecnologias, propiciando maior consciência e proteção do ambiente e cultura locais.

A preocupação com o meio ambiente vem conquistando espaços dentro das empresas e mudando comportamentos. Recentemente, o Banco do Nordeste (BNB) associou-se à Fundação Cultural Educacional Popular de

Defesa do Meio Ambiente (CEPEMA) e ao Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA) e juntos elaboraram, em 1999, o Guia do Meio Ambiente para o Produtor Rural (BNB, 1999). Esse guia tem o intuito de contribuir para o desenvolvimento da atividade rural em sintonia com a conservação ambiental. O BNB poderá servir como um instrumento de diferenciação de créditos e incentivos fiscais, utilizando-se para isto o Desempenho Ambien-tal. Este parâmetro é obtido com base em sete questionários temáticos sobre i) uso do solo, ii) adubo e fertilizantes, iii) uso de agrotóxico, iv) qualidade da água, v) qualidade do ar, vi) energia e lixo, e vii) vida selvagem e ambiente natural.

Esses questionários temáticos geram uma pontuação que permite calcular, em porcenta-gem, o Desempenho Ambiental. Em uma tabela sugerida pela Instituição estão faixas que variam de crítica à ideal, exprimindo o desem-penho da propriedade em relação às questões ambientais. Aplicando esta metodologia a uma área com cacau-cabruca, Setenta (2004) deter-minou o Desempenho Ambiental de 79,5%, o que significa que, segundo os preceitos estabe-lecidos no Guia do Meio Ambiente para o Produtor Rural (BNB, 1999), o sistema possui um desempenho classificado como bom. Cul-tivos como soja e milho tem Performances Ambientais muito abaixo deste número. O ideal seria superior a 90%.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Considerando-se os aspectos socioeconô-mico-ambientais, o cacau-cabruca acabou sendo a melhor forma de uso do solo para estabele-cimento de uma economia agrícola e ecológica em clima tropical. Uma boa parte dos indivíduos arbóreos que pertenciam ao estrato dominante, co-dominante ou dominado da mata primária que foram deixados no sombreamento e as

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árvores que não se adaptaram à condição de isolamento tombaram. Mas ainda é possível encontrar elementos remanescentes da mata primária sombreando cacaueiros.

A cacauicultura, principalmente a implan-tada pelo sistema cabruca, além de gerar recur-sos financeiros, contribuiu para a conservação dos mais representativos e significantes rema-nescentes da Mata Atlântica do sul da Bahia, assim como de exemplares arbóreos de inesti-mável valor para o conhecimento agronômico, florestal e ecológico. Contribuiu também para a conservação de uma fauna silvestre diver-sificada, além dos recursos hídricos regionais, e fixou, como nenhum outro modelo de agri-cultura tropical, o homem na zona rural.

A soma de todos esses valores compõe um ecossistema único, diferenciado e extremamente diversificado, conhecido como

-agroecossistema cacaueiro. Cacau-cabruca foi

o modelo utilizado para o estabelecimento da cacauicultura deste Estado, tornando-se o gran-de exemplo gran-de sustentabilidagran-de que a região cacaueira da Bahia foi capaz de gerar.

O cacau-cabruca, elemento fundamental na composição do ecossistema cacaueiro, pode ser definido agronomicamente como um sistema de plantio onde se elimina o sub-bosque da mata nativa, deixando-se conservado parte do estrato dominante e co-dominante da floresta. Em alguns casos, chega-se a promover um ralea-mento nos indivíduos do dossel superior, para proporcionar maior penetração de radiação. Florestalmente, consiste no uso de um ou mais estratos da mata, no qual introduz-se um novo elemento agregador de renda, fundamental para a correta exploração comercial.

Numa visão mais ampla, sob a égide do desenvolvimento sustentável, que envolve o econômico, o social e o ambiental, pode-se definir o cacau-cabruca como um sistema eco-lógico de cultivo agrossilvicultural que se fun-damenta na substituição de alguns estratos florestais, por uma cultura de interesse econô-mico, implantada no sub-bosque de forma des-contínua e circundada por vegetação natural, não prejudicando as relações mesológicas com os recursos naturais remanescentes.

(a) (b)

Figura 2 – Áreas onde foi mantido o sistema cabruca, mas substituiu-se o cacau como cultura principal

por café (a) e pastagem (b). – Areas in which the cacau-cabruca system was maintained but cacao was substituted by coffee (a) and pasture (b).

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O cacau-cabruca é resultado do aprimo-ramento de uma prática agrícola, cuja origem está diretamente relacionada com a ocupação e colonização da região sudeste da Bahia. Sua prática evoluiu a ponto de se tornar um sistema agrossilvicultural que apresenta vantagens agro-ambientais sustentáveis, quando comparado a outros sistemas agrícolas de produção hoje praticados.

Diante dos benefícios que é capaz de pro-piciar, recabrucar as áreas com cacau som-breado por eritrina e plantações de cacau com baixa densidade e baixa diversidade de espécie arbóreas no sombreamento, transformando-as em áreas com maior diversidade, semelhantes ao modelo cacau-cabruca, é de vital impor-tância. O sistema cabruca possibilita também, com as mesmas vantagens agroambientais, o cultivo de outras culturas, além do cacau, como o café e as gramíneas para pastagem, conforme ilustrado na Figura 2.

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Referências

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