• Nenhum resultado encontrado

AUTORITARISMO, ANTILIBERALISMO E EXTERMÍNIO NOS ESCRITOS WEIMARIANOS DE CARL SCHMITT ( ) Resumo:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "AUTORITARISMO, ANTILIBERALISMO E EXTERMÍNIO NOS ESCRITOS WEIMARIANOS DE CARL SCHMITT ( ) Resumo:"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

AUTORITARISMO, ANTILIBERALISMO E EXTERMÍNIO NOS

ESCRITOS WEIMARIANOS DE CARL SCHMITT (1919-1933)

ALENCAR CARDOSO DA COSTA

Resumo:

Este trabalho tem como objeto de estudo os escritos produzidos por Carl Schmitt entre os anos da República de Weimar (1919-1933). O nosso sujeito histórico foi jurista e politólogo, sendo considerado por alguns de seus seguidores como o maior jurista alemão do século XX. Desenvolveu centenas de trabalhos nos formatos de artigos, livros e ensaios. Dedicado ao ramo da jurisprudência, interessou-se pelo Direito Público e pelo Direito Internacional. Realizou trabalhos que compreendem aos campos do direito, filosofia e ciências políticas. Seu pensamento, no recorte de tempo analisado, esteve marcado por uma postura antiliberal e autoritária. Tendo suas ideias inspiradas nos autores contrarrevolucionários, sendo Donoso Córtes o principal deles. Também possuiu inspiração pelas obras do pensador inglês Thomas Hobbes. A trajetória intelectual de Carl Schmitt é estigmatizada pelo seu envolvimento no nacional-socialismo, tendo se afiliado ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), em 1933. Porém, em 1936 acabará afastando-se dos quadros oficiais do partido. Carl Schmitt defendeu a formação de um governo forte e centralizado, em contraposição ao que ele denominava de “fraco”, “anacrônico” e “despolitizado” governo parlamentar da República de Weimar. Acreditou que o poder soberano poderia ser exercido por um líder que contivesse em si a vontade geral do povo. Acresenta-se o seu desprezo pelos Direitos Humanos, pela participação democrática e pela possibilidade de um pacifismo mundial.

Introdução

Buscaremos desenvolver neste trabalho, uma análise de alguns escritos do jurista e politólogo alemão Carl Schmitt (1888-1985), produzidos durante o período da República de Weimar, por meio da análise dos conceitos desenvolvidos no campo do direito público e do direito internacional. Não é objetivo deste trabalho realizar a biografia intelectual do nosso sujeito histórico, nem tampouco uma história do nazismo, mesmo que tratemos desses assuntos de forma auxiliar. Temos como propósito a análise conceitual dos escritos schmittianos, revisão bibliográfica e historiográfica referente ao período da República de Weimar (1919-1933). Ou seja, a derrota alemã na Grande Guerra Mundial, o desenvolvimento do governo parlamentar no Estado alemão e a tomada do poder pelo Nacional-Socialismo em 1933. Para isso, ampliaremos a discussão ao período do Império Alemão (1871-1918) e da Ditadura Nazista (1933-1945)1, quando necessário para compreender e articular o contexto histórico, político e social.

Doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História, na Universidade Federal de Mato Grosso,

sob a orientação do Professor Dr. Rodrigo Davi Almeida.

1 Durante o trabalho faremos uso das seguintes nomenclaturas para o período de 1933-1945: Ditadura Nazista,

Terceiro Reich e Governo Nacional-Socialista. Todos retratando um momento de governo autoritário e totalitário na história alemã.

(2)

Como intelectual Carl Schmitt, inspirou-se nos pensadores contrarrevolucionários, pós-Revolução Francesa, de denominação católica. Contudo, Carl Schmitt não defendeu em seus escritos um retorno das monarquias de direito divino, como a corrente anterior. Em seus escritos do período analisado, ele fundamentou uma perspectiva antiliberal e autoritária para o Estado, sob o véu de uma vontade geral que queria se demonstrar democrática – onde a figura do presidente do Reich deveria ser o guardião da Constituição. Mas que, na realidade, despolitizava os cidadãos a partir da escolha de um líder de caráter providencial, que conseguiria, na visão do autor, reunir em si as qualidades e desejos dos cidadãos. Nesse sentido, nosso objeto de análise, os escritos produzidos pelo autor durante o entreguerras, são um rico material de pesquisa – salientando-se a natureza ideológica autoritária, antiliberal, antissemita (principalmente durante o Terceiro Reich), dos escritos. Cabe ressaltar que Carl Schmitt é considerado o maior jurista alemão do século XX (segundo os comentadores de suas obras)2, fato este que transforma nossa missão numa árdua caminhada intelectual sobre pensamentos de diversos pensadores, anteriores à Idade Contemporânea. Por conseguinte, a participação do autor no Movimento Nazista, filiando-se ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, em 1933, conduz o trabalho por discussões de ordem teórica e moral que atravessaram todo o século XX e início do XXI – que não pretendemos por fim com esse artigo. Compreendemos que esse debate não deve ser sublimado, pois os escritos schmittianos continuam a agenciar ideias inerentes aos regimes totalitários do século XX, ainda neste início do século XXI. Além disso, o fato de trabalharmos com traduções das obras schmittianas se constitui numa problemática que acreditamos superar pela crítica sobre essas produções já consagradas em língua portuguesa e espanhola, e pelo caráter de análise conceitual a que nos propomos.

A questão dos direitos humanos é constante nos escritos schmittianos. Porém, não como algo positivo. Este pensador não acredita numa paz perpétua na humanidade, que seria o fim da política em seus termos. Saudoso dos extermínios físicos perpetrados pela Turquia e Austrália

2 Ao analisar a filosofia de Martin Heidegger, o filósofo Emmanuel Faye questiona o caráter filosófico dos textos

daquele. Da mesma forma, este autor questiona os elogios dados a escrita schmittiana, afirmando que o seu conhecimento de latim mascara a “carência de pensamento”, não vendo o porquê de alguns intérpretes o caracterizarem como “grande ‘pensador” (FAYE, 2015: 303). Como vimos, a classificação de maior jurista do século XX é questionável, tanto pelo conteúdo dos escritos quanto pela natureza comprometida com o Nacional-Socialismo. Como bem demonstra Emmanuel Faye, esses personagens históricos cooperaram de forma objetiva e engajada com a estruturação do nazismo nas universidades alemãs, no campo do direito e no campo da filosofia, não se caracterizando as suas filiações como meras formas de sobrevivência no “turbilhão” gerado com o desmonte da República de Weimar pelo hitlerismo.

(3)

em seus escritos, diz ser direito do Estado exterminar inimigos internos e externos que ameassem a homogeneidade do povo. Para ele, um Estado apenas pode ser forte quando consegue exterminar os agentes desagregadores ou pluralistas do seu território.

Democracia parlamentar versus Estado Total

Carl Schmitt compreende que a nova conjuntura histórica, marcada pela predominância do econômico sobre o político, fez com que o jogo parlamentar se desgastasse. Já em seus escritos do início dos anos 1920 retratava as negociações políticas como uma bolsa de valores. Ele expõe, por outro lado, o presidente com um agente central nessa nova conjuntura democrática e econômica. Esse novo agente necessitaria “[...] de uma teoria mais desenvolvida de um poder neutro, intermediário, regulador e preservador” (SCHMITT, 2007: 201)3. O ponto central para validar o poder como terceiro superior no sistema constitucional de Weimar estava na questão democrática, e o presidente poderia conceber a vontade geral do povo, para Schmitt, por meio do plebiscito e da aclamação4. Sendo assim, Schmitt estabeleceu que:

[...] A concepção estatal democrática (não liberal) tem que perseverar no axioma democrático fundamental, freqüentemente mencionado, de que o Estado é uma unidade indivisível e que a parte vencida por maioria de votos, na verdade, não é violentada nem forçada, mas apenas conduzida a sua própria vontade real. Logo, não existe nenhuma vitória por maioria de votos, mas apenas um acordo dado desde o início, sempre existente e livre de desvios errôneos mediante votação. Mas essa idéia se vê-se cada vez mais destruída pelo sistema pluralista, o qual, qual é oligárquico e não-democrático, pois o Estado lhe parece como um complexo de poder ao lado de outros complexos sociais de poder, que se alia ora a um lado, ora a outro, provocando, com isso, uma decisão. Assim, a formação da maioria torna-se um meio de sobrepeso e coação externos, em que o Estado não é um neutro no sentido da objetividade e da razão, como o terceiro decisivo em J. St. Mill, mas como um fator de poder acessório que proporciona a uma parte a vitória sobre a outra (SCHMITT, 2007: 213).

3 Para fundamentar seu preceito de que o Presidente do Reich teria uma espécie de poder mediador, melhor

dizendo, terceiro superior, Carl Schmitt passou a evocar as ideias de Benjamin Constant sobre o poder moderador dos reis. Tanto em A Teoria da Constituição quanto em O Guardião da Constituição, Schmitt cita o poder moderador atribuído ao Imperador do Brasil, por meio da Constituição Brasileira de 1824.

4Grande parte dos comentadores dos escritos schmittianos veem uma deturpação do princípio rousseauniano da

vontade geral apresentada por Carl Schmitt. Por exemplo, para Jean-Jacques Rousseau, o plebiscito significava a declaração da vontade do povo romano, por meio da discussão. Já a aclamação era utilizada durante o período imperial, onde: “[...] o temor e a bajulação transformam os sufrágios em aclamação; não se delibera mais, adora-se ou amaldiçoa-adora-se [...]” (ROUSSEAU, 2010: 118). Vemos que Rousadora-seau compreende a vontade do povo livre mediante a discussão democrática, enquanto a aclamação é apenas uma ação de povos escravizados ou subjugados.

(4)

Observa-se que Carl Schmitt realiza uma profunda crítica ao sistema pluralista weimariano. Crítica tão profunda e avassaladora que nos faz compreender com clareza que, segundo ele, aquela forma de ser já não possui mais nem legitimidade democrática e muito menos constitucional. Se a Constituição de Weimar é democrática, e a democracia é conduzida, em seu raciocínio, pela vontade da maioria, que se apreende por meio da votação, esse resultado torna-se a vontade de todo o povo, por meio de um acordo a priori. Schmitt vislumbra um caos onde grupos antagônicos se digladiam pela posse do Estado, não para se transformar na vontade da unidade do povo, mas como um instrumento egocêntrico de facção político-partidária. Se o parlamento estava então corrompido pelas divisões externas e já não poderia exercer sua função de maioria, cabia ao outro elemento democrático do Estado agir de forma concreta. Ou seja, “[...] O presidente do Reich é eleito pela totalidade do povo alemão e seus poderes políticos perante as instâncias legislativas (especialmente dissolução do parlamento do Reich e instituição de um plebiscito) são, pela natureza dos fatos, apenas um “apelo do povo [...]” (SCHMITT, 2007: 233). Por outro lado, como dizia Jean-Jacques Rousseau, ninguém pode representar a vontade de outro. A eleição de um presidente não significa o fim do poder do povo, mas o seu início em uma democracia.

Ao analisar a questão da vontade geral e o seu enfraquecimento frente às vontades individuais, Rousseau argumenta:

Enfim, quando o Estado, perto de sua ruína, não subsiste mais senão por uma ilusória e vã, quando o vínculo social está rompido e o mais vil interesse ostenta descaradamente o nome sagrado do bem público, então a vontade geral torna-se muda; todos, guiados por motivos secretos, não opinam mais como cidadãos, como se o Estado nunca tivesse existido, e são aprovados, sob o nome de leis, decretos iníquos que têm por finalidade apenas o interesse particular (ROUSSEAU, 2010: 116).

Vemos que a crítica schmittiana não destoa sobre a corrupção do poder popular frente às vontades individuais, de outros pensadores clássicos sobre o tema. Mas como o próprio Rousseau salienta sobre essa problemática, as perguntas colocadas sobre essa questão podem conduzir a respostas que não tenham como retorno uma solução a querela em questão. O cidadão teria, para Rousseau, o direito de votar nos atos de soberania, “[...] direito que nunca pode ser tirado dos cidadãos, e o de opinar, de propor, de dividir, de discutir, que o Governo tem sempre o maior cuidado de só deixar a seus membros [...]” (ROUSSEAU, 2010: 116). Para

(5)

Rousseau, um povo somente pode ser autogovernar quando é livre, sendo esse um preceito fundamental. Para ele a vontade geral não desaparece frente às vontades individuais. “[...] Isso supõe, é verdade, que todos os caracteres da vontade geral estejam ainda na pluralidade; quando deixam de estar, não importa o partido que se tome, não há mais liberdade” (ROUSSEAU, 2010: 119). Ao contrário de Carl Schmitt que imagina somente ser possível uma democracia verdadeira quando existe uma unidade entre a vontade do povo e a do governo, sendo para ele os pluralismos elementos maléficos ao Estado democrático. Afirma Rousseau, ao contrário, que o Estado democrático é aquele onde os pluralismos podem ser expressos, discutidos e avaliados pelo povo livre que, por meio de um acordo (o contrato social fundador), compreende como vontade geral a união dos elementos plurais. Não existem perdedores, para o pensador iluminista, pois a vontade geral estava em todos desde o início. Nos escritos Schmittianos o povo parece sumir após a aclamação de seu representante, a ele não é mais evocado posicionar-se, discutir e opinar livremente.

É importante notar como a tese schmittiana para legitimação do poder presidencial é construída desde o início de O Guardião de Constituição5, como reflexo da fragilidade, divisão, fragmentação e confusão do campo político da República de Weimar. Ressaltamos aqui posições já expressas de que diversos grupos afirmaram que a República parlamentar possuía uma fraqueza inerente de sua formação, confrontada com a monarquia, ou com um poder forte (ditatorial ou autocrático). Tese essa contestada pela historiografia por nós consultada. Richard J. Evans, por exemplo, questiona isso pelos avanços sociais que a República alcançou, mesmo enfrentando diversos reveses profundos. O voto universal, sufrágio feminino, liberdade de expressão, construção de casas populares, aposentadoria e seguro desemprego, são avanços que o autor considera muito superiores aos que se creditam ao governo nacional-socialista (1933-1945). Cabe lembrar que outros países europeus do entreguerras sucumbiram a governos autoritários muito antes da Alemanha, como exemplo a Áustria, Polônia e Itália (EVANS, 2010;

5 Importante salientar que, para Carl Schmitt, o povo existe antes e por cima da constituição. Assim: “El pueblo

es, en la Democracia, sujeto del Poder constituyente. Toda Constitución, según la concepción democrática, se basa, incluso par su elemento de Estado de Derecho, en la decisión política concreta del pueblo dotado de capacidad política. Toda Constitución democrática supone un tal pueblo con capacidad […]” (SCHMITT, 1996c: 234). Proposição polêmica quando se avalia o conjunto do discurso schmittiano da República de Weimar. Pois, se o mesmo alega que o parlamento já não mais pode representar o povo, dada as divisões pluralísticas, e que somente resta o presidente como elemento de representação popular para guardar a Constituição, pode-se argumentar que o presidente legisle em nome do povo. Percebe-se uma erosão do poder parlamentar, e seu possível descarte por tempo indeterminado, sem abalar o princípio democrático que Carl Schmitt busca estabelecer para os novos Estados de constituição econômica.

(6)

2014). Como afirma Peter Gay, a República foi minada por forças de diversas matrizes ideológicas (GAY, 1978).

Norbert Elias nos lembra que haviam forças centrífugas que fizeram com que a República se vaporizasse perante o nacional-socialismo. Podemos afirmar, por tudo que foi apresentado, que mesmo tendo que pagar indenizações astronômicas aos países vencedores, a República de Weimar alcançou um sucesso bastante sólido. Posição que Schmitt discorda, obviamente. O pacifismo e o pluralismo político somente poderiam significar fraqueza para alguém que temia a voracidade dos apetites humanos, creditando ao gênero humano uma antropologia da maldade6, onde somente um governo autoritário poderia controlar e/ou exterminar fisicamente os inimigos internos e externos da unidade total que representava o povo alemão por meio do Reich7.

A despolitização de um povo, no pensamento schmittiano, somente seria segura quando todos os outros povos estivessem também despolitizados – inexistindo a possibilidade de luta8. O ideal do Jusnaturalismo para Carl Schmitt é uma utopia, não aplicável à realidade concreta. Sendo o mundo um “pluriversum político”, a despolitização em âmbito mundial é algo praticamente impossível. Observando-se que:

[...] a humanidade das doutrinas jusnaturalistas e individualistas-liberais é uma humanidade universal, isto é, uma construção social ideal englobando todos os homens da terra, um sistema de relações entre homens individuais que só então estará realmente presente quando a possibilidade real de luta estiver excluída e todo agrupamento de amigo e inimigo tornado impossível. Nesta sociedade universal não existirão mais povos ou nações enquanto unidades políticas, mas nem classes conflitantes e nem grupos inimigos (SCHMITT, 1992: 82).

As teorias universalistas não foram capazes de apreender o pensamento humano, segundo o autor, pois a humanidade não é um todo homogêneo. Mas sim, seguindo a lógica

6Para mais informações sobre o pessimismo antropológico na teoria política de Carl Schmitt, consultar a obra 10

Lições sobre Carl Schmitt.

7 Nesse sentido, Carl Schmitt difere do pensamento Iluminista do século XVIII e da teoria do Estado liberal, das

quais trabalhamos no segundo capítulo. Principalmente aos preceitos defendidos por John Locke e a limitação do poder soberano, sobre a questão da bondade humana defendida por Jean-Jacques Rousseau e a divisão e o equilíbrio dos poderes teorizados por Montesquieu.

8Para Carl Schmitt a democracia corre um risco quando a população não consegue estabelecer a relação de

amigo-inimigo, pois “[...] el peligro de que la opinión pública y la voluntad del pueblo sean dirigidas por fuerzas sociales invisibles e irresponsables. Pero también par esto se encuentra la respuesta al problema en el supuesto esencial de toda Democracia. En tanto que exista la homogeneidad democrática de la sustancia y al pueblo tenga conciencia política, es decir, pueda distinguir de amigos y enemigos, el peligro no es tan grande […]” (SCHMITT, 1996c: 241).

(7)

schmittiana, um complexo multifacetado de seres formados a partir de conhecimentos próprios e inerentes a cada espaço físico, social e moral, não podendo ser traduzida por uma única ótica de pensamento. Ou seja, em sua crítica ao pensamento jusnaturalista, Carl Schmitt deixa claro que o seu posicionamento leva em conta os fatores culturais, religiosos e filosóficos dos povos. Obviamente que esta forma de compreender a humanidade condiciona a forma de compreender e agir sobre o outro, que é diferente e passível de destruição quando ameaça o estilo de vida de outro agrupamento humano.

Por meio do princípio da decisão política, nos escritos schmittianos do período weimariano, o direito seria atualizável frente às mudanças sociais, não estando normatizado (naturalizado) por regras incontestáveis e pré-estabelecidas antes da formulação do Estado. Ou seja, somente existiria direito pela política, pois é ela quem estabeleceria o que seria verdadeiro ou falso, correto e incorreto, que diferenciaria o amigo do inimigo. A sua crítica ao sistema parlamentar é contundente ao que se refere a problemas de identidade. Ao separar os conceitos de democracia e de liberalismo, Carl Schmitt tem como objetivo demonstrar que eles são antagônicos e que se negam entre si. Para ele,

A crença no sistema parlamentar, num government by discussion, pertence ao mundo intelectual do liberalismo. Não pertence à democracia. O liberalismo e a democracia devem ser separados, para que se reconheça a imagem heterogeneamente montada que constitui a moderna democracia de massas (SCHMITT, 1996a: 10).

As questões culturais e sociais são pensadas por Schmitt, de forma que as diferenças internas na sociedade não possibilitariam um discurso homogêneo, necessário para um governo liberal. A sociedade de massas se apresenta heterogênea e não há um caminho único a se seguir. Por isso, segundo ele, ocorre a crise do sistema parlamentar, onde as massas não se veem representadas no meio político estabelecido – seja porque os políticos liberais não quiseram ou não souberam lidar com elas.

A democracia historicamente pode conviver com diferenças internas, pois não era o discurso da liberdade individual e nem da igualdade a todos os homens que regia seu plano político, mas sim a defesa do interesse coletivo. Dentro do pensamento político contemporâneo, os conceitos de igualdade e liberdade são intrinsecamente ligados ao desenvolvimento político

(8)

das constituições burguesas9. O termo igualdade, segundo Carl Schmitt, estaria ligado a formas de governos democráticos, sendo que no “[...] concepto democrático de igualdad no basta cualquier igualdad general e indiferente que se encuentre dada, sin atención a la sustancia o valor de la misma. La forma política específica de la Democracia sólo puede basarse en un concepto específico e sustancial de igualdad” (SCHMITT, 1996c: 223). A igualdade como conceito político, seria conceituada conforme cada sociedade lhe conferisse sentido próprio, historicamente situado. Pois a democracia é o governo da maioria e não de todo o povo, e a igualdade pode ser atribuída a determinados grupos sociais (por credo, capital econômico, grupo racial, gênero sexual, etc.), e não estaria relacionada diretamente ao gênero humano – ao direito natural. Aqui Schmitt discorda dos ideais lockeanos.

No sistema liberal os conceitos de liberdade, igualdade e individualismo são os elementos que sustentam o seu discurso, abrindo espaço para o acirramento das diferenças internas. O problema do liberalismo, na visão de Carl Schmitt, seria de inserir o direito natural (da igualdade e das liberdades individuais como elementos intrínsecos aos seres humanos), acima do direito de Estado, limitando assim o poder do Estado. Com isso a coletividade que é o ponto central da democracia é abalada. Nesse sentido, Carl Schmitt acreditava que todo o direito nascia da política, e uma sociedade política não podia ter em seu discurso, direitos universais e incontestáveis. A dupla negação entre parlamentarismo e a democracia teria criado a crise pensada por Schmitt.

Em outras palavras, a questão da democracia e a do parlamentarismo teriam que ser radicalmente diferenciadas devido à oposição dos princípios nelas vigentes: a democracia basear-se-ia na idéia da necessária homogeneidade do povo, enquanto o parlamentarismo de massas pressuporia a contradição existente dos interesses particulares entre as camadas da sociedade (FLICKINGER, 1992: 12).

9 Reconhecidamente por Carl Schmitt e por seus comentadores um dos pensadores que inspiraram as saídas

teóricas do jurista alemão, Donoso Cortés foi extremamente crítico ao Estado liberal do século XIX. Em seu Discurso sobre a Ditadura, realizado no parlamento espanhol em 1849, o autor reflete sobre o fim da era monárquica europeia, as individualidades liberais e a soberania do poder Papal sobre os Estados papais e sobre toda a cristandade. Ao fim de seu discurso, se colocando a pergunta se na atual situação espanhola, se ele escolheria a liberdade ou a ditadura, responde da seguinte forma: “[...] si estuviera entre la libertad y la dictadura, yo votaría por la libertad, como todos los que nos sentamos aquí. Pero la cuestión es ésta, y concluyo: se trata de escoger entre la dictadura de la insurrección y la dictadura del Gobierno; puesto este caso, yo escojo la dictadura del Gobierno, como menos pesada y menos afrentosa (CORTÉS, 1970: 322). Para o pensador, existiriam dois tipos de ditadura, uma que vinha de baixo e outra de cima. Segundo ele, escolhia a que vinha de cima, por vir de regiões mais serenas e limpas.

(9)

Por isso, Carl Schmitt acreditou que em decorrência desta crise conceitual, um novo modelo de Estado surgiria, o Estado Total. Estado esse em que a vontade soberana do povo seria conduzida por um indivíduo que pudesse reunir em si a vontade da maioria, o chefe soberano que daria, então, coesão à coletividade. A vontade do chefe seria então, por meio de uma espécie de espelho invertido, a vontade do povo.

Dentre os elementos da política, devemos ressaltar que os mitos políticos são parte da estrutura que legitima uma dada organização política. A sua legitimidade não se baseia na racionalidade, mesmo podendo haver sentidos racionais em sua concepção política, mas no imaginário da sociedade que o adota. O mito político não está restrito às sociedades antigas ou ditas primitivas, pois no século XX podemos observar que o sucesso do nazismo esteve ligado à evocação dessa prática política. Entre os mitos políticos,

[...] o tema do Salvador, do chefe providencial, aparecerá sempre associado a símbolos de purificação: o herói redentor é aquele que liberta, corta os grilhões, aniquila os monstros, faz recuar as forças más (...) o tema da conspiração maléfica sempre se encontrará colocado em referência a uma certa simbólica da mácula: o homem do complô desabrocha na fetidez obscura; confundido com os animais imundos, rasteja e se insinua; viscoso ou tentacular, espalha o veneno e a infecção... (GIRARDET, 1987: 17).

A figura do salvador foi utilizada pelos nazistas na construção de um ethos político baseado na personificação do líder, representado por Adolf Hitler. A criação de um imaginário sobre os judeus, baseado na sua impureza e os caracterizando como ratos que propagam pestes e pensamentos impuros fizeram parte da criação do mito político da raça pura, defendido pelo NSDAP. A eleição dos judeus como inimigos internos possibilitou aos nazistas realizarem a desconstrução da figura humana deles, tornando possível a desumanização do povo judeu e a sua aniquilação física10.

O Estado pensado por Carl Schmitt se apresenta de forma intervencionista, expandindo seu domínio por todos os campos da sociedade civil. Acima de tudo, é um Estado belicoso, pois

Ao Estado como unidade essencialmente política pertence o jus belli, isto é, a possibilidade real [de], num dado caso, determinar, em virtude de sua própria decisão, o inimigo, e combate-lo. Com que meios técnicos a luta será travada, que organização das forças armadas existe, quais são as perspectivas de

10Para mais informações sobre os atos de extermínio em massa das minorias nos domínios do Terceiro Reich

(10)

vencer a guerra, é aqui indiferente, enquanto o povo unido politicamente estiver pronto a lutar por sua existência e sua independência, sendo que ele mesmo determina, em virtude de decisão própria, em que consiste sua independência e sua liberdade [...] (SCHMITT, 1992: 71).

Refletindo sobre o cerceamento do poder do Estado, sobre a normatização do político como analisou Max Weber – ou seja, a burocratização do Estado Moderno –, Schmitt entende que a decisão perdeu sua preponderância política, sendo condicionada à negociação, “[...] o político desaparece no econômico ou no técnico-organizacional e, por outro lado, se desfaz no eterno discurso das generalidades histórico-filosóficas e culturais, que com caracterizações estéticas degustam uma época clássica, romântica ou barroca [...]” (SCHMITT, 1996b: 130). Pelo seu arquétipo político entre 1919 a 1933, constatamos que o discurso antiliberal e autoritário schmittiano sobre o modelo liberal-burguês de governo, baseado na discussão, buscou inspiração em alguns dos intelectuais católicos da contrarrevolução11. Segundo ele,

[...] Os filósofos de Estado católicos de Maistre, Bonald, Donoso Cortés, chamados na Alemanha de românticos por terem sido conservadores ou reacionários e terem idealizado as condições medievais, consideravam o eterno discurso muito mais como um produto tragicômico da fantasia. O que a sua filosofia de Estado contra-revolucionária mais destaca é a consciência de que a época exigia uma decisão; com uma energia levada ao extremo entre as duas revoluções de 1789 a 1848, o conceito de decisão passou a ocupar o centro de seus pensamentos. Em todos os lugares em que a filosofia católica do século XIX se expressou, numa atualidade espiritual, de alguma forma ela expressou o pensamento da imposição de uma alternativa, que não admitia mais mediações [...] (SCHMITT, 1996b: 121).

Assim, como afirmam os autores Bernardo Ferreira (2004: 129-235) e Jean-François Kervégan (2006: 3-23), o decisionismo político é o tema de maior relevância tratado nos trabalhos de Carl Schmitt no período de 1919 a 1933, antes de seu engajamento no movimento nazista. Ou seja, a sua matriz conceitual estaria vinculada ao pensamento dos filósofos católicos sobre as questões de Estado do século XIX.

11 O teórico político Roberto Bueno aponta que: “A antropologia de Donoso – e também a de De Maistre e de De

Bonald – estão comprometidas com a demarcação de fronteiras pessimistas. E essa alternativa é logo posta por Schmitt como o antídoto teórico adequado para a opção antropológica rousseauniana [...]” (BUENO, 2012: 488). A pluralística visão democrática de Rousseau, anteriormente apresentada, é vista como perigosa por Carl Schmitt, pois ele compartilha a visão de que os seres humanos são maus por natureza. Para garantir a preservação do Estado frente às cobiças individuais, ele se filia principalmente a lógica do pensador espanhol do século XIX que via na ditadura a saída menos maléfica frente o fim da era monárquica. Ou seja, ambos propõem saídas radicais às tensões inerentes ao sistema parlamentar (em Donoso, a ditadura, e, em Schmitt, o Estado de Exceção), onde o soberano manteria a ordem frente a um mal insuportável (BUENO, 2012:.489).

(11)

Possivelmente, os motivos dessa defesa de ações extremas tomadas pelo Estado para manter a ordem estejam relacionados ao contexto histórico da Alemanha após o fim da Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Alemão. Uma Alemanha dominada pela guerra civil, movimento operário, grupos armados de extrema direita, golpes de Estado e fragmentação territorial decorrem após a derrota alemã de 1918 (ELIAS, 1997; LOUREIRO, 2005). Como superação inevitável do incoerente modo de governo parlamentar, surgiria então um quarto tipo de Estado, segundo Carl Schmitt, o Estado Total, sendo compreendido da seguinte forma:

[...] conceito polêmico contraposto a tais neutralizações e despolitizações [por parte liberalismo parlamentar] de importantes domínios surge o Estado total da identidade entre Estado e sociedade, o qual não se desinteressa por qualquer âmbito e, potencialmente, abrange qualquer área. Nele, por conseguinte, tudo é, pelo menos potencialmente, político, e a referência ao Estado não mais consegue fundamentar um marco distintivo específico do político (SCHMITT, 1992: 47).

Ao pensar seu tempo – o contexto político conturbado da República de Weimar, com tentativas de golpe de Estado por parte de extrema direita e extrema esquerda –, Carl Schmitt busca nas ideias políticas respostas para os problemas que julga corromperem o sistema liberal burguês de governo.

Tratando especificamente da Alemanha antes da tomada do poder pelos nazistas, ele nos diz que:

[...] O que mais dificulta o reconhecimento de nossa situação constitucional concreta é a concomitante ligação e interseção de organização federalista com outros princípios de volição estatal. Tentei caracterizá-la como “Estado partidário pluralista” e “policracia” e também tratar o problema, dai resultante, da “neutralidade da política interna do Estado”, de modo algum por prazer com uma tese “brilhante” ou “estimulante”, e, sim, sob a força coercitiva de uma necessidade criada com o próprio tema (SCHMITT, 2007: XVIII).

Observam-se as temáticas que Carl Schmitt buscou desenvolver em seus livros de 1919 a 1933, e a sua inspiração – os acontecimentos da Alemanha do Entreguerras. Quando da sua filiação ao NSDAP, as pessoas não tinham a consciência que os nazistas colocariam em prática os seus ideais até as últimas consequências.

Com razão, existem diferenças entre o Estado Total pensado por Carl Schmitt e o Estado totalitário posto em prática durante o Terceiro Reich. Contudo, não observar que as

(12)

aproximações são maiores que os distanciamentos seria imprudência, ou adotar uma postura incoerente com os fatos.

[...] O Estado total autêntico, isto é, o que se chama hoje de totalitarismo, aparece, neste contexto, como o limite do processo pelo qual o político - ou a “politicidade” da existência – coincide realmente consigo. Sem dúvida, não é preciso dizer a Schmitt que o totalitarismo, fascista ou nazista, é o final da História, assim como ele não o faz [...] (KERVÉRGAN, 2006: 73).

A existência do Estado Total, politizado e decisionista pode ser observado no fascismo histórico. A questão da soberania para Schmitt é o seu objetivo para a formação de um Estado forte, capaz de neutralizar ou aniquilar os seus inimigos. Isso se insere tanto em seu caráter externo, como interno. Quando o governo se vê ameaçado, para proteger a sua constituição ele pode agir utilizando-se de instrumentos não constitucionais para retomar a ordem, pois segundo Schmitt, é impossível que numa constituição possua os mecanismos necessários para garantir a sua existência eterna. Como já discutimos, no âmbito teórico do direito, os escritos schmittianos do período weimariano legitimam os atos nazistas, como decisão política – tanto na tomada do poder, a decisão soberana, quanto nas atrocidades contra a humanidade, em sua desconstrução dos direitos naturais dos seres humanos. Que contrapõem o ideal do Estado Liberal, típico do pensamento lockeano.

O conceito de ditadura12 pode ser considerado um dos mais importantes de sua racionalização conceitual, onde Carl Schmitt utilizou de um livro completo para demonstrar a sua variação desde a antiguidade até o mundo contemporâneo. De forma geral, no mundo contemporâneo, segundo ele

[...] puede llamarse dictadura a toda excepción de una situación considerada como justa, por lo que esta palabra designa ya una excepción de la democracia, ya una excepción de los derechos de libertad garantizados por la Constitución de la separación de los poderes o bien (como en la filosofía de la historia del siglo XIX)

12 Em sua obra A Ditadura, publicada em alemão no ano de 1921, Carl Schmitt apresenta uma discussão sobre o

termo, demonstrando seu sentido mutável. Haveria, segundo ele, duas formas de ditaduras: “[...] El dictador comisarial es el comissário de acción incondicionado de um pouvoir constitué; la ditadura soberana es la comisión de acción incondicionada de un pouvoir constituant” (SCHMITT, 1968: 193). A questão do poder incondicionado da comissão de ação estaria submetida às duas formas de poder: o poder constituído, onde os poderes de exceção são concedidos para a manutenção da ordem estabelecida; e o poder constituinte, onde os poderes de exceção são concedidos para possibilitarem o processo de transição de uma ordem à outra – por exemplo, a Ditadura Jacobina na França entre 1993 a 1994. Neste último caso, os poderes de exceção eram atribuídos pela Assembleia Nacional Constituinte para o Comitê de Salvação Pública, tendo esse último como principal membro Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794).

(13)

una excepción del desarrollo orgánico de las cosas. Desde luego, el concepto permanece así siempre en una dependencia funcional respecto de una Constitución existente o idealizada [...] (SCHMITT, 1968: 194-195).

Como sabemos, a prática se distancia da teoria. A intenção não é fazer aqui um julgamento sobre a culpabilidade de Carl Schmitt sobre os milhões de mortos relacionados à Ditadura Nazista, mas demonstrar que a sua teoria política esteve presente na conceituação do mesmo. E não só isso, que ele foi um intelectual engajado, produzindo textos que buscavam legitimar o direito de existência do Terceiro Reich frente à extinção da República de Weimar. Pelo menos após 1933. Enfim, sua crítica ao parlamentarismo se demonstrou factível – a destruição deste com a subida dos nazistas ao poder, implantado um governo de partido único, pode ser compreendida pela perda de representação do parlamento frente às massas.

Considerações finais

Desta forma, os escritos de Carl Schmitt apresentam uma discussão atual sobre elementos dos Estados modernos e a participação das massas no cenário político. Como pontuamos anteriormente, o autor desenvolveu respostas com vieses autoritários para as problemáticas surgidas em seu contexto histórico. Respostas extremas devido ao que acreditamos resultar da sua visão pessimista da essência antropológica dos seres humanos, inspirada nos resultados das guerras religiosas do início da Idade Moderna, tendo no poder Absoluto do rei uma resposta pacificadora. O pensador Giorgio Agamben demonstra em seu livro, Estado de Exceção, que esta postura autoritária e contrária aos ideais de liberdade e igualdade de direitos não é uma questão superada no mundo contemporâneo. Pelo contrário, segundo ele, as ideais de Schmitt ganharam relevância após o atentado de 11 de setembro de 2001, no Estado Unidos. O “país da liberdade” passou a controlar e a cercear os direitos estabelecidos pela Constituição Americana, base da identidade daquela nação para consigo mesma e para o mundo. Em âmbito global, Agamben apresenta como por quase todo século XX, os governos cada vez mais fizeram uso do poder do executivo para tomar as decisões e estabelecer leis que contrariam questões de participação cidadã e debate legislativo. Por isso, cabe aos cidadãos refletirem sobre os problemas que constituem a base da democracia liberal e a participação efetiva do povo nas tomadas de decisão nos governos.

(14)

O nosso sujeito histórico no decorrer do processo histórico adquiriu denominações diversas, que o enquadram em determinados conceitos. Dentre eles: conservador, fascista, nazista e antiliberal. Pela natureza de nossa análise, dado o contexto histórico e os escritos por nós analisados, preferimos utilizar o conceito antiliberal de forma mais ampla. Pois nesse contexto, esse conceito melhor definiria as ideias de Carl Schmitt. Isso em momento algum foi feito para retirar o peso de conceitos como intelectual fascista e nazista. Segundo as nossas conclusões, nos anos 1920 o pensamento schmittiano estava mais alinhado com uma postura conservadora e fascista. Já nos anos 1930, o seu engajamento ao nazismo é incontestável, sendo ele um intelectual engajado como o governo Nacional-Socialista, dando-o legitimidade por meio de seu capital simbólico, de natureza universitária e jurídica. Além de combater o “espírito judeu”, estrangeiro e inimigo público do povo alemão e da raça germânica.

Assim, buscamos demonstrar a pertinência do nosso trabalho no contexto contemporâneo. Onde, a participação popular se defronta a questões econômicas, étnicas, religiosas e de gênero. Além disso, devemos salientar que não comungamos das respostas dadas por Carl Schmitt aos problemas de representação nas sociedades democráticas de massas. Para nós, a democracia é um bem inegociável, e deve ser defendida de forma racional, possibilitando o debate com formas antagônicas de compreensão da ação política. Mas, como salienta Norberto Bobbio, em O Elogio da Serenidade, devemos ser serenos em saber conciliar os diversos discursos. Essa serenidade não é passividade, mas atitude de proteção do ideal democrático e da promoção da liberdade de expressão, da discussão e da participação política, em moldes que possibilitem sempre a um maior grupo possível de cidadãos expressarem sua pluralidade, um atributo inerentemente democrático.

Referências Bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2º.ed. São Paulo: Boitempo, 2004.

(15)

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. José R. Siqueira. 12º reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

______. Origens do totalitarismo. São Paulo, Cia das Letras,1989.

BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade: e outros escritos morais. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 2º.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011b.

BUENO, Roberto. Carl Schmitt, leitor de Donoso Cortés: ditadura e exceção em chave teológico-medieval. Revista Brasileira de Estudo políticos. Belo Horizonte. N. 105. Jul./Dez, 2012, pp. 453-494.

CORTÉS, Donoso. Obras completas. Tomo II. Madrid: BAC, 1970.

ELIAS, Norbert. O colapso da civilização. In: ______. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus no século XIX e XX. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

EVANS, Richard J. A chegada do Terceiro Reich. Trad. Lúcia Brito. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

______. O Terceiro Reich no poder. Trad. Lúcia Brito. 2º ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2014.

FERREIRA, Bernardo. O risco do político. Crítica ao liberalismo na teoria política de Carl Schmitt. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, p. 655-660.

FAYE, Emmanuel. Heidegger: introdução da filosofia no nazismo em torno dos seminários

de 1933-1935. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: É Realizações, 2015.

FLICKINGER, Hans Georg. A luta pelo espaço autônomo do político. In: SCHMITT, Carl. O

conceito do político. Trad. Alvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.

GAY, Peter. A Cultura de Weimar. Trad. Laura Lúcia da Costa Braga. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978.

GIRARDET, Raoul. Para uma introdução ao imaginário político; O Salvador; Na direção de um ensaio de interpretação. In: GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987,p. 9-24; p. 63-96; p. 177-201.

(16)

KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Trad. Carolina Huang. Barueri: Manole, 2006.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Trad. Marsely de Marco Dantas. São Paulo: EDIPRO, 2014.

LOUREIRO, Isabel Maria. A Revolução Alemã: 1918-1923. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social.Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: Editora L&PM, 2010.

SCHMITT, Carl. La dictadura. Madrid: Revista de Ocidente, 1968.

______. O conceito do político. Trad. Alvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.

______. Situação intelectual do sistema parlamentar atual. In: SCHMITT, Carl. A crise da

democracia parlamentar. Trad. Inês lohbauer. São Paulo: Scritta, 1996a.

______. O Guardião da Constituição. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007.

______.Teologia política. In: _______. A crise da democracia parlamentar. Trad. InêsLobhauer. São Paulo: Scritta, 1996b.

Referências

Documentos relacionados

Os eletrodos foram confeccionados sob uma base flexível, sendo compostos por uma matriz de pinos de 7 mm de altura e usados para aquisição de sinais de EEG, como mostra a Figura

Seja através da aquisição ilimitada de conhecimento e transmissão de informação, das novas formas de relacionamentos virtuais, das experiências mediatizadas,

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros.. CONCURSO PÚBLICO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE ALTOS -

Nossas análises mostram que em relação ao conceito de número racional e os diferentes registros de representação semiótica, tratamentos e conversões, as obras analisadas

No presente trabalho, os tratamentos endodônticos foram mais frequentemente realizados pelos alunos do 9° período da graduação (segundo ano clínico)

“O Orçamento do Estado é o documento no qual estão previstas as receitas a arrecadar e fixadas as despesas a realizar num determinado exercício económico e tem por objecto a

Using polyclonal antibodies against both proteins, we confirmed the expression of XfYgiT in outer membrane vesicles (OMVs) as an unusual secreted protein.. Our findings supply