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TERCEIRA VIA E TERCEIRO SETOR: ASPECTOS JURÍDICOS E CONSEQUÊNCIAS PARA A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

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Políticas Educativas, Porto Alegre, v. 3, n.2, p.56-73, 2010 – ISSN: 1982-3207

TERCEIRA VIA E TERCEIRO SETOR: ASPECTOS JURÍDICOS E

CONSEQUÊNCIAS PARA A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

Daniela de Oliveira Pires – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

Vera Maria Vidal Peroni – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

RESUMO

Este artigo objetiva analisar as mudanças ocorridas no papel do Estado, no que se refere às redefinições entre o público e o privado e suas conseqüências para a democratização da educação no Brasil. As relações entre o público e o privado manifestam-se no período atual tanto no que se refere à alteração da propriedade (público não-estatal), quanto em relação ao que permanece na propriedade estatal, mas reorganiza os processos educacionais na lógica do mercado. Este texto vai destacar os aspectos jurídicos do terceiro setor em geral e em particular da parceria entre o sistema público de um município do Rio Grande do Sul com o Instituto Ayrton Senna.

PALAVRAS-CHAVE

Terceira via, parceria público/privado na educação, políticas educacionais, gestão democrática.

THIRD WAY AND THIRD SECTOR: LEGAL AND POLICY IMPLICATIONS

FOR EDUCATIONAL BRAZILIAN

ABSTRACT

This article aims to analyze the changes in the state‟s role, with regard to the redefinitions between public and private, and their consequences for the democratization of education in Brazil. The relation between public and private are manifested in the current period both in terms of ownership changing (public non-state), and in relation to what remains in state ownership, but rearranges the educational processes in the market logic. This paper will highlight the legal aspects of third sector in general and in particular the partnership between the public system of a municipality of Rio Grande do Sul with the Instituto Ayrton Senna.

KEY WORDS

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Políticas Educativas, Porto Alegre, v. 3, n.2, p.56-73, 2010 – ISSN: 1982-3207

Este estudo propõe-se a compreender como as redefinições no papel do Estado reorganizam as fronteiras entre o público e privado e materializam-se na política educacional brasileira, através da parceria do setor público com o terceiro setor mercantil. Para fins deste texto serão destacados os aspectos jurídicos do terceiro setor em geral e em particular da parceria entre o sistema público de um município do Rio Grande do Sul com o Instituto Ayrton Senna.

O artigo tem como base estudos1 acerca das parcerias entre o público e o terceiro setor mercantil, como parte das redefinições do papel do Estado neste período particular do capitalismo, cujas principais características são a globalização, principalmente financeira, a reestruturação produtiva, o neoliberalismo e a Terceira Via. Estes movimentos, que são iniciativas do capital para superar a sua crise, minimizam os direitos sociais e apresentam o marcado como parâmetro de qualidade. Neste contexto, a relação público/privado ganha novos contornos, ou mudando a execução das políticas, repassando para o público não-estatal ou o privado, ou mudando a lógica de gestão do público, tendo como parâmetro o privado.

Este artigo está dividido em três partes. Na primeira, analisaremos a relação entre o diagnóstico neoliberal, incorporado pela Terceira Via, de que o “culpado” pela crise é o Estado, e as estratégias propostas que fundamentam o Plano de Reforma do Estado no Brasil (BRASIL, MARE, 1995) e propõem a parceria entre público e privado para a execução das políticas educacionais. Na segunda, apresentaremos o terceiro setor com o foco nos aspectos jurídicos. E na terceira, os dados de pesquisa sobre os aspectos jurídicos da parceria entre o Instituto Ayrton Senna e o município de Sapiranga no Rio Grande do Sul, descrevendo como se materializou a lógica do privado no público através de mudanças jurídicas na educação municipal como conseqüência de dez anos de parceria.

1. A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DA RELAÇÃO PÚBLICO E PRIVADO

Com base em autores como Mészàros (2002), Antunes (1999) e Harvey (1989), defendemos que a crise atual não se encontra no Estado, é uma crise estrutural do capital. As estratégias de

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superação da crise como o Neoliberalismo, a Globalização, a Reestruturação Produtiva e a Terceira Via é que estão redefinindo o papel do Estado (PERONI, 2006a).

Mas, ao contrário, conforme a teoria neoliberal e a Terceira Via2, o Estado entrou em crise, tanto porque gastou mais do que podia para se legitimar, já que tinha que atender às demandas da população por políticas sociais, o que provocou a crise fiscal, quanto porque, ao regulamentar a economia, atrapalhou o livre andamento do mercado. As políticas sociais, para a teoria neoliberal, são um verdadeiro saque à propriedade privada, pois além de distribuírem renda, atrapalham o livre andamento do mercado, na medida em que os impostos oneram a produção.

Portanto, a estratégia é racionalizar recursos e diminuir os gastos estatais com as políticas sociais e diminuir o papel das Instituições públicas, que são permeáveis á correlação de forças, o que os teóricos neoliberais chamam de rent seeking3 (PERONI, 2007). Assim, o neoliberalismo propõe como principal estratégia a privatização, enquanto a Terceira Via indica as parcerias com o terceiro setor, mas os dois retiram das instituições públicas estatais a coordenação e em alguns casos a execução das políticas sociais.

Assim, os direitos sociais materializados em políticas são a grande perda, já que a democracia passa a ser desvinculada da igualdade e dos direitos, ocorrendo o que Ellen Wood chama da separação entre o econômico e o político no capitalismo (WOOD, 2003). Mas, a concepção de democracia não é a mesma para as duas teorias. Enquanto para o Neoliberalismo a democracia atrapalha o livre andamento do mercado, pois deve atender a demanda dos eleitores para se legitimar, o que provoca o déficit fiscal (HAYEK, 1983), para a Terceira Via a democracia deve ser fortalecida. Para Giddens (2001) é preciso democratizar a democracia. No entanto, a democracia é entendida como a sociedade assumindo tarefas que até então eram do Estado. Participação significa responsabilização na execução de tarefas (PERONI, 2009).

Neste redesenho, verificamos que em alguns casos o Estado se retira da execução e permanece com parte do financiamento; em outros, permanece com a propriedade estatal, mas passa a ter a

2 A Terceira Via aqui entendida como a atual social-democracia, “no sentido de que é uma tentativa de transcender tanto a social-democracia do velho estilo quanto o Neoliberalismo” (GIDDENS, 2001, p. 36).

3“Rent-seeking (captura de rendas) – Teoria [...] da política segundo a qual o intervencionismo estatal propicia „situações de renda‟, ou seja, posições na sociedade que permitem a um agente (indivíduo, empresa, grupo) capturar vantagens superiores àquelas que obteria no mercado, onde é orientado pelos preços e „custos de oportunidade‟” (MOARES, Reginaldo, 2001, p. 150).

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lógica de mercado na gestão; ou, ainda, realiza parcerias com organizações do terceiro setor, como ocorre entre o Instituto Ayrton Senna e sistemas públicos de educação, que foi nosso objeto de pesquisa por ter abrangência nacional.

No caso brasileiro, tivemos Plano de Reforma do Estado em 1995, que tinha como diagnóstico a crise do Estado e propunha a administração gerencial, com parâmetros de mercado para a com foco no cidadão cliente.

As estratégias de retirada do Estado para com as políticas sociais, que não foram consideradas atividades exclusivas do Estado e não pertenciam mais ao núcleo estratégico, descentralizando a sua execução para a sociedade através da privatização, da publicização e da terceirização. Privatização é passagem dos serviços lucrativos para o mercado, terceirização é o processo de transferência para o setor privado de serviços auxiliares ou de apoio e publicização, a “transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (BRESSER PEREIRA, 1997, p.7- 8).

Ainda conforme Bresser Pereira, que é intelectual orgânico da Terceira Via e foi o Ministro da Reforma do Estado no Brasil, quando se refere às políticas sociais aponta que, “essas são atividades competitivas e podem ser controladas não apenas através da administração gerencial, mas também e, principalmente, através do controle social e da constituição de quase-mercados” (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 8). É importante atentar que “quase mercado” quer dizer que a lógica de mercado é a que orientará a ação Estatal.

Verificamos que a gestão gerencial teve continuidade nos governos posteriores4 pois a estratégia das parcerias foi aprofundada e a proposta de gestão pactuada pelo Ministério do Planejamento e Secretários estaduais de administração na Carta de Brasília (2009) retoma os princípios da gestão gerencial. Estes mesmos princípios de gestão estão presentes no documento “Gestão pública para um país de todos”, plano de Gestão do Governo Lula, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BRASIL, 2003). E está sendo aprofundado pelo governo Dilma Rousseff, com a criação, em maio de 2011, da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC), presidida por Jorge Gerdau, empresário brasileiro, que vem fazendo uma verdadeira cruzada para que a lógica de mercado seja incorporada na gestão pública.

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A Câmara contará com quatro representantes da sociedade civil, "com reconhecida experiência e liderança nas áreas de gestão e competitividade", segundo a Presidência da República. São os empresários Jorge Gerdau Johannpeter, (presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau) que presidirá a Câmara de Políticas de Gestão; Abílio Diniz (dono da Companhia Brasileira de Distribuição - redes Pão de Açúcar, Extra, CompreBem, Sendas e Ponto Frio); Antônio Maciel Neto (presidente da Suzano Papel e Celulose); e Henri Philippe Reichstul (ex-presidente da Petrobrás - 1999/2001). Pelo governo federal, participam os ministros da Casa Civil, Antônio Palocci; da Fazenda, Guido Mantega; do Planejamento, Miriam Belchior, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.(http://economia.estadao.com.br/noticias, acesso em 12 de maio de 2011)

Assim, o Terceiro Setor passa a falar em nome da sociedade; mas, questionamos, que sociedade? Estado e Sociedade Civil não são abstrações, e a questão central permanece sendo a classe social. No exemplo acima, os representantes do empresariado e não dos movimentos vinculados às lutas sociais foram chamados para representar a sociedade civil em um conselho que vai definir a gestão das políticas públicas. Outra questão importante é que a gestão não é técnica, é política, e aparece como técnica nos argumentos do governo e dos empresários sobre qualidade e eficiência com a lógica do mercado na gestão pública.

Portanto, quando as instituições do terceiro setor, através das parcerias, pretendem “qualificar” o serviço público, a proposta de qualidade não é neutra: são concepções de sociedade em disputa. O Instituto Ayrton Senna é uma organização do terceiro setor e faz parcerias com sistemas públicos em todo o país, encaminhando uma proposta de geral de educação envolvendo currículo, gestão e formação de professores. Na pesquisa que abrangeu dez estudos de caso em diferentes regiões brasileiras (PERONI, 2010), verificamos que as prescrições do Instituto materializavam-se inclusive através da legislação municipal, vigorando mesmo depois de terminada a parceria, como verificaremos na terceira parte deste trabalho.

Pela importância do tema, apresentaremos a seguir mais dados sobre os aspectos jurídicos do terceiro setor, enfatizando assim que as instituições filantrópicas sempre existiram, mas desde a década de 1990 elas recebem estatuto jurídico no Brasil, pela sua importância na implementação das políticas sócias e na sua relação de parceria com o Estado.

2. A QUALIFICAÇÃO DAS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR: OS E OSCIPS

As entidades do Terceiro Setor se materializam através da promulgação das leis que regem a instituição das Organizações Sociais – OSs e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscips. Para Maria da Gloria Gohn:

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As OSs e as Oscips fazem parte de um novo modelo de gestão pública e, em longo prazo, a reforma do Estado prevê que toda a área social deve adotar essa nova lógica e forma de operar na administração pública propriamente dita. As OSs, por exemplo, inserem-se no marco legal das associações sem fins lucrativos, cuja lei foi regulamentada e promulgada em 1999. Elas são pessoas jurídicas de direito privado, estando, portanto, fora do âmbito dos órgãos públicos. Seus funcionários poderão vir de estatais, mas nas OS eles não estarão mais sujeitos ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, portanto, não serão mais funcionários públicos no sentido lato do termo. [...] Registre-se, ainda, que as OS ou Oscips têm de se qualificar para se constituírem como operantes das novas orientações políticas. Na prática, são ONGs e organizações do terceiro setor que estão se qualificando (GOHN, 2008, p.99).

As OSs e as Oscips são pessoas jurídicas de direito privado, submetidas espontaneamente às normas de direito público, que desenvolvem atividades de interesse social (não-exclusivas do Estado), com o apoio da administração.

Essas qualidades jurídicas asseguram vantagens e sujeições incomuns para as tradicionais pessoas jurídicas qualificadas pelo título de utilidade pública; essas passam a gozar de benefícios especiais não extensíveis às demais pessoas jurídicas privadas, benefícios tributários e vantagens administrativas diversas. Qualificada como Organização Social, com ela se firmará um contrato de gestão, que, de acordo com o art. 5° da Lei nº. 9.637/98 se caracteriza como “o instrumento firmado entre o poder público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes (...)”, no qual discriminará atribuições, responsabilidades e obrigações do poder público e da organização social, especificando programa de trabalho, estipulação de metas e os respectivos prazos de execução.

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “não há dúvidas de que as organizações sociais constituem-se em um instrumento de privatização do qual o governo se utiliza para diminuir o tamanho do aparelhamento da Administração Pública” (DI PIETRO, 1999, p. 201). Um ano após a criação das organizações sociais (OSs), foi promulgada a Lei Nº. 9.790/99, que trata das organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs). Esta legislação visa possibilitar a outorga de título a outra categoria de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, integrante do Terceiro Setor, com objeto social mais amplo e aperfeiçoado que a anterior legislação (Lei Nº. 9.637/98) sobre as organizações sociais (OSs).

Podem solicitar a qualificação como OSCIPs, as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham pelo menos uma das seguintes finalidades (art. 3°, da Lei Nº. 9.790/99):

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promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação, ou saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta lei; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; entre outros.

Quadro: Diferenças entre as Organizações Sociais - OSs e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscips

OSs OSCIPs

Podem ser criadas por iniciativa do Poder Público para absorver órgãos extintos.

Criadas exclusivamente por iniciativa de particulares. Em verdade, elas vieram substituir o antigo modelo de entidades de utilidade pública.

Participação de representantes do Estado e da Sociedade Civil no órgão de

deliberação superior em proporção elevada em relação aos seus associados.

Corpo decisório formado exclusivamente pelos associados. A participação do Estado se dá apenas no acompanhamento gerencial dos termos de parceria eventualmente firmados. Obrigatoriedade de se firmar o Contrato de

Gestão.

Faculdade de se firmar o Termo de Parceria em substituição ao tradicional convênio.

Publicação anual no Diário Oficial da União do relatório de execução do

contrato de gestão, no formato de relatório gerencial.

Publicação anual da prestação de contas da totalidade dos recursos recebidos, públicos ou privados, no formato tradicional.

Possibilidade de acumulação da qualificação de utilidade pública para todos os efeitos.

Impossibilidade de acumular qualificações.

Rol aberto e genérico de entidades que podem se qualificar como OS

Rol taxativo de entidades que não podem se qualificar como Oscips.

Certificação por ato discricionário Certificação por ato vinculado Ausência de detalhamento das atividades

próprias da OS

Detalhamento das atividades a que devem se dedicar as Oscips

Objetivos sociais mais restritos Objetivos sociais mais amplos Regramento mais específico, que desce a

minúcias sobre o funcionamento

Regramento mais genéricos, sem imposição de estruturas

Fonte: SANTOS. Enoque Ribeiro. As OSCIP (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e a Administração Pública – Intermediação Fraudulenta de Mão-de-Obra Sob Uma Roupagem Jurídica. Revista de Direito Administrativo Nº 26: Rio de Janeiro, p. 10. Fev/2008.5

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As Organizações Sociais, ao promoverem atividades de interesse público, contam com uma série de benefícios que devem ser mais bem compreendidos, principalmente no que diz respeito a transferências de recursos, bens e serviços públicos (Lei nº. 9.6737/98 arts. 11 a 15); em razão do art.12, a OS pode “ser destinatária de recursos orçamentários e bens públicos que viabilizem a realização do “contrato de gestão”. Conforme o art. 14, o Executivo poderá “ceder, às Organizações Sociais, servidores públicos, com ônus para a origem”, o que significa dizer, com ônus para o Estado. Ainda de acordo com o art. 1º, é permitido as OSs realizar pagamentos adicionais, “vantagens pecuniárias adicionais”, conforme poderemos constatar a partir da análise da parceria entre o Instituto Ayrton Senna e o Município de Sapiranga.

3. ASPECTOS JURÍDICOS DA PARCERIA ENTRE O MUNICÍPIO DE SAPIRANGA E O INSTITUTO AYRTON SENNA

Para realizar a análise dos aspectos jurídicos da relação público-privado no âmbito da parceria firmada entre a Secretária de Educação de Sapiranga e o Instituto Ayrton Senna (IAS), devemos ressaltar o longo período que perdurou a parceria, do ano de 1997 até o ano de 2006. A parceria com Sapiranga foi considerada pelo Instituto como um projeto - piloto no Rio Grande do Sul (RS), na medida em que teve início juntamente com o Município de Campo Bom, com a criação de 5 (cinco) turmas de correção de fluxo escolar.

Sapiranga6 é um Município do Estado do Rio Grande do Sul e faz parte da Região Metropolitana de Porto Alegre, capital do Estado. Situa-se a 60 km da capital. A área do município é de 135,38 km2, sendo que deste total 108,38 km2 pertencem às zonas rurais. A população do Município, segundo estimativa do IBGE para 2006, (com ano base 2003) é de 75.996 habitantes. A taxa de urbanização é de 95,7%.

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Texto baseado no site www.famurs.com.br (acesso em 01/12/07) e nas informações contidas no site http://www.sapiranga.rs.gov.br. e também no texto intitulado “Exclusão Social, Desemprego e Direitos Humanos” de autoria de Antonio Machado, Darnis Corbelilni e Maria Clara Bueno Fischer, no site: http:// www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/estaduais/rs/adunisinos/antonio.htm. Acesso em 31/01/2011.

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A respeito da parceria na época do estabelecimento do convênio foi considerada pela Prefeitura como uma autêntica política educacional, de acordo com a Lei Municipal de Ensino:

Voltadas para as políticas educacionais em busca de melhoria e qualidade de ensino, em 1997 Sapiranga foi convidada, junto com outros 14 municípios brasileiros, a integrar o Programa Acelera Brasil. A parceria da Prefeitura, do Instituto Ayrton Senna, MEC, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a Petrobrás teve como objetivo a corrigir o fluxo escolar dos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. Alunos de 1ª a 3ª séries, defasados em idade série, no mínimo 2 anos, participaram de turmas com estas características trabalhando conteúdos até a 4ª série, utilizando-se de metodologia e material específico (LEI MUNICIPAL DE ENSINO, 2004, p.19).

O Instituto Ayrton Senna (IAS) autodenomina-se uma “entidade do Terceiro Setor” e administra uma empresa, a marca Seninha. Nesse sentido, o IAS afirma que os seus recursos contam com 100% dos royalties do licenciamento das marcas Senna, Senninha, Senninha Baby, além das imagens de Ayrton Senna, doados pela família do piloto, acrescido das contribuições efetivadas por empresas privadas que, em troca, recebem uma série de benefícios, de ordem fiscal e tributária.

O IAS possui um sistema próprio de cadastro das informações relativas à educação, o Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI). Para este sistema deveria ser repassados mensalmente pelo Município, primeiro através das escolas, que repassavam para a Secretária de Educação, que finalmente remetia para o IAS. Como exemplo, cita-se os dados sobre o desempenho dos alunos, freqüência dos alunos e professores, cumprimento das metas dos alunos e dos professores, enfim um diagnóstico da realidade educacional. Compartilha-se da mesma inquietação proposta por Vera Peroni (2006, p. 7):

Questionamos o que leva os municípios a terem um trabalho enorme para cadastrar, mensalmente, os pormenores dos seus dados no Siasi e ainda pagarem para isso. Por meio desse cadastro pormenorizado, o instituto tem uma riquíssima fonte de dados, invejável para nós, pesquisadores.

De acordo com as entrevistas que foram realizadas até o presente momento, cabe destacar o depoimento da Professora “A” que faz referência ao processo de implantação da parceria com o Instituto Ayrton Senna (IAS).

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Nós tínhamos reuniões na SMED, mas antes de ser discutido isso nessas reuniões, a coordenadora trazia isso para a escola. Primeiro eles vieram com as habilidades, tinha que desenvolver isso, porque o plano de estudos já estava organizado, era aquela linha de conteúdos, era aquilo ali. Então quando eles implantaram isso na primeira série eles estavam divulgando que a segunda série seria o próximo passo, que também teria que ter, e quando eles implantaram isso a primeira série teve vários cursos, para ver como trabalhar, como ia funcionar, e toda hora também eles queriam ver vídeos da própria SMED para ver trabalhos, como estava funcionando. E teve uma época que os próprios professores de primeira série aprovassem todos os alunos ganhavam tipo um abono, a gente chama de abono. Entrevista realizada por Daniela de Oliveira Pires e Juliana Selau Lumertz em setembro de 2007.

O depoimento da Professora “A” é bastante representativo dos aspectos referentes à implantação do convênio entre o município de Sapiranga e o Instituto Ayrton Senna (IAS) entendido como uma política pública educacional. Primeiramente, destacamos o fato de que a autonomia dos professores foi desprezada, pois conforme afirma a Professora “A”, os planos de aula/estudo já vinham prontos, cabendo ao professor apenas a função de mero executor. Para Christian Laval:

A retórica trinfalista da modernização, da eficácia, da avaliação da produtividade industrial encontra seus limites na própria natureza do ato pedagógico. Como ele se deixaria reduzir à função de produção que permitiria calcular um “valor agregado”? Os professores, por ofício, podem saber que a modernidade de um método, de um dispositivo, de um modo de avaliação, de uma técnica não é suficiente para definir seu uso pedagógico pertinente. Eles podem saber, pelo próprio fato da multiplicidade de parâmetros, que eles devem levar em conta e da inumerável singularidade dos sujeitos humanos com os quais eles têm que manter uma relação pedagógica, que aquilo que pode ser um ganho (LAVAL, 2004, p.223-224).

A influência do Instituto Ayrton Senna no Sistema de Ensino Municipal de Sapiranga foi significativa, pois tanto a estrutura da escola, como a da Secretária de Educação (SE) passaram por reformulações, tendo que se adequar as orientações perdendo a sua autonomia administrativa e pedagógica.

A Lei Municipal nº. 2.328/97 autorizou o Executivo municipal a firmar o convênio com o Instituto Ayrton Senna (IAS) para a implantação do Programa de Aceleração da Aprendizagem (art.1º, da Lei nº 2.328/97). Além de induzir o Município a adquirir os seus produtos, o IAS, de acordo com essa Lei Municipal, determina outras obrigações, tais como a divulgação, por parte da prefeitura, da sua filosofia de ensino, constante na cláusula quarta, letras “m” e “n”, da referida lei:

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m) “divulgar a filosofia do PROJETO junto aos demais professores da rede municipal de ensino, criando canais de participação e de compromissos com as direções das escolas envolvidas na execução integral do PROJETO; e;

n) atender a todas as determinações e orientações emitidas pelo IAS e pelo CETEB, na condução da execução do PROJETO.

Sobre a parceria público-privada, concordamos com Geraldo M. P. Leão, quando afirma que:

Atualmente, somos convocados a pensar a relação público - privada na educação brasileira com novos enfoques, tendo em vista a sua redefinição por parte do capital interessado em ampliar as possibilidades de sua realização. Há uma complexidade grande nesse campo, tendo em vista que as estratégias de privatização do setor público passam por uma gama variada de ações, tanto em sua forma quanto em sua intensidade, que vão desde a transferência direta de propriedade a formas como “financiamento-público de prestação privada de serviços, financiamento pelo usuário com fornecimento público, parcerias, etc” (LEÃO, 2003, p.116).

O autor demonstra as várias formas assumidas pela relação público-privada, no que diz respeito ao financiamento das ações para a educação pública. No caso da parceria ora analisada, com relação ao financiamento do programa, podemos afirmar, utilizando a terminologia apresentada pelo autor, que se trata de um caso de “financiamento-público de prestação privada de serviços”, ou seja, o poder público financia a aplicação de uma metodologia privada, para a promoção da educação pública. Corroborando com a afirmação de Geraldo Leão, no caso da parceria analisada, a Lei nº. 2.328/97, em seu art.2º, dispõe que “As despesas decorrentes da execução da presente lei, correrão por conta da dotação orçamentária própria da Secretaria Municipal de Educação e Cultura”.

Ademais, não consta que o Município necessitava desembolsar recursos para serem repassados diretamente ao IAS, entretanto, o mesmo deveria se responsabilizar pela aquisição de todo o material utilizado nas aulas, que era produzido pela Editora Global, além de pagar para AUGE – Tecnologias Educacionais7, a empresa que desenvolve o Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI), de controle dos dados da educação no Município e, que o IAS utilizava para realizar o monitoramento nas escolas, para verificar o cumprimento das metas estabelecidas, dentre outras despesas, verificadas na análise das obrigações da esfera pública, abaixo mencionadas.

7 De acordo com o “site” da empresa, “a AUGE Tecnologia & Sistemas é uma empresa de gestão e gerência de projetos educacionais para o setor público e privado. Seus projetos implementam metodologias voltadas para eficácia da gestão escolar, administrativa, acadêmica e pedagógica. Acesso em 15 de janeiro de 2011.

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O instrumento particular que estabelece a parceria entre Sapiranga e o Instituto Ayrton Senna é o convênio, no qual especifica, dentre uma série de cláusulas, as obrigações, tanto do Município, quanto do IAS, com o objetivo de desenvolver o Programa de Aceleração da Aprendizagem. Vale salientar que, dentre as cláusulas dispostas no instrumento do convênio, cabe ao Município o maior número de obrigações, restando ao IAS, quase que exclusivamente a função de fiscalização das orientações repassadas ao Município, no que diz respeito às metas do programa.

As obrigações da prefeitura constam dispostas na cláusula quarta, da Lei 2.328/97 sobre o convênio. Dentre essas obrigações, podemos destacar alguns dispositivos, dentre eles a Cláusula quarta, letra “a”, “assumir inteira e total responsabilidade pela execução do PROJETO, cumprindo os prazos e obedecendo as etapas do mesmo, observadas as disposições contidas no Anexo II”; cláusula quarta, letra “b”, “assumir, como assumido tem, inteira responsabilidade, por todos os encargos, ônus, alvarás, licenças e autorizações de toda a natureza, que se tornarem exigências para a execução integral do projeto”.

Outro destaque é para o fato de que o município deve se comprometer em pagar todos os salários dos coordenadores envolvidos no projeto (cláusula quarta, letra “f"), devendo, para tanto, “disponibilizar um coordenador, devidamente qualificado e preparado para o desenvolvimento do projeto” (cláusula quarta, letra “h”), bem como “responsabilizar-se pelo pagamento de todos os impostos, taxas, contribuições fiscais, previdenciárias, trabalhistas, acidente de trabalho ou parafiscais, que incidam ou venham a incidir sobre o presente Convênio, devendo exibir toda documentação comprobatória do cumprimento dessas obrigações, quando exigido pelo IAS e/ou quaisquer terceiro” (letra “e”).

O que se depreende da análise de tais dispositivos é que o poder público não se afasta do campo educacional, ao contrário, passa a figurar de acordo com a legislação que regulamenta o convênio, como um grande financiador da esfera privada, atuando como o sustentáculo econômico da parceria. O que se observa é que a prefeitura se responsabiliza, desde o pagamento, dos salários dos participantes do “projeto”, que além de realizar as suas atividades, também passam a figurar como funcionários do IAS, na medida em que assumem as funções estabelecidas para a realização da parceria.

Disso decorre a constatação de que a parceria significou, em última análise, mais investimentos públicos do que propriamente privados, uma vez que ao IAS se beneficiava da compra

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dos seus materiais pelo Município, da realização das capacitações, que eram obrigatórias à comunidade escolar, acrescido ao fato de que o Instituto se beneficiava no sentido de que não se constituía nenhum vínculo empregatício com o IAS e os funcionários da prefeitura, e o projeto era o maior beneficiado por esse convênio (cláusula oitava), uma vez que o convênio era renovado anualmente.

Para consolidar a sua política perante a comunidade na qual estabelece as parcerias, o IAS toma como parâmetro o exemplo das parcerias realizadas com outros municípios brasileiros, no caso a parceria com o Município de Rio Branco/AC. Outro ponto que merece destaque é a vinculação com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN; o IAS toma como base legal para a sua atuação os dispositivos constantes na legislação federal, com destaque para o art.24, inciso V, alínea “b”, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na qual possibilita a “aceleração de estudos para alunos com atraso escolar”.

As parcerias público-privadas se valem do argumento de que assim estariam aumentando a participação da sociedade civil, a partir do repasse de responsabilidades. Entretanto, tal realidade revela o caráter de desmantelamento e a desregulamentação do Estado, acrescida a uma legislação federal, que estimula a realização de parcerias, tanto com o IAS, como por programas semelhantes, como os da Fundação Roberto Marinho. Coincidência ou não, a legislação federal faz uso de um termo muito utilizado na proposta pedagógico do IAS, qual seja, “aceleração”. O IAS se coloca como uma “alternativa pedagógica do sistema público de ensino”; para isso, a sua proposta pedagógica baseia-se na Pedagogia do Sucesso. Sobre a sua fundamentação pedagógica, o IAS parte do pressuposto de que:

A escola eficiente configura-se pela conjugação do compromisso político de todos os seus agentes, desde servidores, professores, diretores, até a mais alta autoridade educacional constituída, com a competência técnica comprovada pelo sucesso do aluno, no percurso temporal legalmente estabelecido (SAPIRANGA, Lei nº 2.328/97, Anexo II, VI. Fundamentação Pedagógica, p.07).

Em verdade, o IAS se baseia, para desenvolver a sua proposta de ensino e aprendizagem, em indicadores de eficiência guiados por uma política meramente de resultados; para tanto, utiliza a sua influência no Município, no qual estabelece a sua parceria, para induzir a produção de uma legislação que atenda às suas metas para a educação pública. Sobre isso, temos a Lei Municipal nº 2.537 de 25

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de junho de 1999, que instituiu o Programa de Qualidade Denominado “5S‟s” nas Escolas Municipais. No Art. 1° fica determinado que:

Art. 1° Fica instituído o Programa de Qualidade nas Escolas Municipais, denomindado “5S‟s, como meio de fomentar ações de mudanças comportamentais positivas, na busca de um melhor ambiente escolar e qualidade de vida, envolvendo toda a comunidade escolar.

Parágrafo único: O Programa de Qualidade denominado 5S‟s, provém de um programa japonês, com os seguintes significados:

a) SEIRI: Utilização; b) SEITON: Organização; c) SEISO: Limpeza; d) SEIKTSU: Saúde;

e) SHITSUKE: Autodisciplina.

A partir do momento em que um Programa de Qualidade Total se coloca como uma nova orientação para a educação pública é necessário termos presente alguns questionamentos: como atingir a qualidade total em todas as escolas municipais? Como ficariam a relação com o contexto de cada escola, as suas especificidades, as suas individualidades?

Como exemplo “da premiação ao esforço pessoal”, defendida pela gestão da qualidade total, pode citar a promulgação da Lei Municipal nº 3.118, de 26 de março de 2003 (Anexo C), na qual estabelece a premiação “Aluno Nota Dez” para estudantes do ensino fundamental e médio nas redes de ensino do Município de Sapiranga. A lei estabelece em seus artigos que:

Art. 1° Fica criada a premiação “Aluno Nota Dez”, ao final de cada ano letivo, para os cursos fundamental e médio, das três redes de ensino do Município de Sapiranga.

Art. 2° Será selecionado um aluno de cada escola que obtiver no boletim o maior número de nota dez. (Lei Municipal nº 3.118/03).

Assim, a educação é vista a partir de uma perspectiva essencialmente meritocrática, não possui como referencial, uma educação que vise ao atendimento para todos os cidadãos e, sim, que exclui a maioria, em prol de promover o laureamento de alguns poucos, fazendo da educação uma grande competição em busca de uma premiação ao final de cada ano letivo, responsabilizando a comunidade escolar pelo sucesso e pelo fracasso do processo educacional. De acordo com Theresa Adrião:

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Atribuir aos testes o status de indicador de desempenho escolar é induzir o trabalho pedagógico a partir de uma limitada percepção do que seja educação. O máximo que se consegue com esse tipo de instrumento é “fotografar” uma parcela do produto da escola, o que não informa sobre a melhoria da qualidade (ADRIÃO, 2006, p.80).

Nesse sentido, a educação não pode ser vista de uma forma focalizada, ou seja, na busca apenas pela aprovação, ou ainda, o resultado desejado. Assim, não conseguiremos abstrair a totalidade do processo educacional, que é a soma de todas as interações, que envolvem todos os sujeitos que são parte do processo pedagógico, professores, pais, alunos, funcionários, comunidade em geral, pois somente dessa forma, vamos conseguir apreender a finalidade precípua da educação, que é a de preparar os cidadãos, não somente para o trabalho, mas para gozar em plenitude todos os seus direitos, podendo influir no status quo, com vistas à transformação social.

Em 09 de maio de 2002, foi promulgada Lei Municipal nº 2.934, que consistia em autorizar o Poder Executivo Municipal, a firmar um termo aditivo ao convênio com o Instituto Ayrton Senna (IAS) e juntamente com a Fundação Banco do Brasil (FBB). O objetivo desse termo aditivo foi propor alteração na Lei nº 2.328/97, com o objetivo de ampliar as funções da prefeitura, no que diz respeito ao funcionamento da parceria. Para tanto, ficou definido que caberia ao Município criar a função do superintendente. A função do superintendente era fundamental para as finalidades do IAS, pois aquele acompanhava diretamente a execução do programa, uma vez que aquele era considerado um fiscalizador das atividades realizadas, dos sujeitos envolvidos com a parceria, dentre eles, os professores.

Assim, a educação é vista a partir de uma perspectiva essencialmente meritocrática, não possui como referencial, uma educação que vise ao atendimento para todos os cidadãos e, sim, que exclui a maioria, em prol de promover o laureamento de alguns poucos, fazendo da educação uma grande competição em busca de uma premiação ao final de cada ano letivo, responsabilizando a comunidade escolar pelo sucesso e pelo fracasso do processo educacional.

Ao analisar de que forma os aspectos jurídicos da relação público-privada na parceria entre a Prefeitura Municipal de Sapiranga e o IAS influenciaram na produção legislativa educacional em Sapiranga, constatamos que houve uma grande influência, na medida em que, ao contrário do que se possa pensar, o poder público não se retira da promoção do direito à educação, o que ocorre no caso do objeto dessa dissertação é que, o Estado continuou a ser o grande executor desse direito, mas

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seguindo uma orientação privada, caracterizando com isso, a constituição da relação público-privada, através da parceria aqui tratada.

Ocorre que, o poder público, no caso da Prefeitura de Sapiranga, atuava financiando as ações e os projetos do Instituto para a educação pública e os professores passavam a seguir as suas orientações, ou seja, os professores continuaram sendo pagos pelo Poder Público, mas ficavam à disposição do Instituto para a execução de suas atividades. Esse contexto contava com o respaldo de uma ampla legislação municipal que foi criada, exatamente para conferir legitimidade à constituição da relação público-privada, através da parceria entre Sapiranga e o IAS.

Isso significa um retrocesso em relação à luta pela democratização da educação, que envolveu a sociedade brasileira nos anos 1980, de abertura política. Principalmente considerando o nosso histórico nacional de pouca cultura democrática e as várias ditaduras, sendo que a última foi um golpe militar iniciado em 1964 que perdurou até 1985. Assim, os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos.

Nesse contexto, os eixos principais da educação também estavam vinculados à democracia, à gestão democrática, à participação da comunidade, enfim, parte do movimento que havia na sociedade, de luta por uma sociedade mais justa e igualitária.

É nesse processo de correlação de forças que as lutas do período pós-ditadura tiveram alguns direitos educacionais consagrados na legislação, principalmente através do capítulo da educação na Constituição Federal de 1989, e também na Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento, em um processo de minimização dos direitos historicamente conquistados.

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PROFESSORA. Professora da Escola A. Sapiranga. [entrevista]. Entrevista concedida a Daniela de Oliveira Pires e Juliana Selau Lumertz na Escola A, 2007. Arquivos de Pesquisa. Porto Alegre.

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VERA MARIA VIDAL PERONI

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Autora de Política educacional e papel do Estado no Brasil dos anos 1990 (Xamã, 2003). Organizadora, com Theresa Adrião, dos livros O público e o privado na educação interfaces entre Estado e Sociedade (Xamã, 2005) e O público e o privado na educação: novos elementos para o debate (2008). Líder do Diretório Grupo de Pesquisa Estado e políticas públicas de Educação Básica. E-mail: veraperoni@yahoo.com.br

DANIELA DE OLIVEIRA PIRES

Graduada em História pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (2004) e graduada em Direito pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA (2005). Mestre em Educação pela UFRGS (2009), atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Direito Social e Políticas Públicas. Atualmente é doutoranda em Educação pela UFRGS (2010), na linha de pesquisa de Política e Gestão de Processos Educacionais. É professora nos cursos de Direito, Administração e Pedagogia e coordenadora adjunta do curso de Direito, da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA E-mail: danielaopires@yahoo.com.br

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