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O CONCEITO DE CONFORTO A PARTIR DA OPINIÃO DE ESPECIALISTAS

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Academic year: 2021

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O CONCEITO DE CONFORTO A PARTIR DA OPINIÃO DE ESPECIALISTAS

Júlio C. de S. van der Linden, M.Eng. (LOPP/UFRGS), jlinden@producao.ufrgs.br Lia B. de. M. Guimarães, Phd, CPE (LOPP/UFRGS) lia@producao.ufrgs.br Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Programa de Pós-Graduação em

Engenharia de Produção - Porto Alegre, Brasil

Este artigo apresenta resultados de um estudo realizado com especialistas visando compreender o significado do conforto. Foi utilizado o Método Delphi (Dalkey e Helmer, 1963), com a coleta de expressões que definem o conforto e com a sua posterior validação sob enfoque qualitativo e quantitativo. Os resultados indicam que para esse grupo, o conforto é multidimensional, com dimensões subjetiva e objetiva. Palavras-chave: conforto, sapato. Método Delphi

INTRODUÇÃO

O conforto é um tema importante para as sociedades contemporâneas, tanto que, cotidianamente, as pessoas são expostas a estímulos comerciais que vinculam produtos à idéia de conforto. A despeito disso, não é simples definir o conforto, não havendo uma definição universalmente aceita na literatura (Pineau, 1982; Lueder, 1983; Slater, 1985; Zhang, 1992; Sanders e McCormick, 1993; Quehl, 2001).

A origem da palavra conforto está ligada ao conceito de consolo ou apoio, a partir da palavra latina cumfortare, derivada de cum-fortis, significando aliviar dor ou fadiga. Originalmente, esse foi o significado do francês confort, que no século XIII deu origem ao inglês comfort (Maldonado, 1991; Quehl, 2001) e, na língua portuguesa, à palavra conforto (Instituto Antônio Houaiss, 2001). A evolução dos seus significados corresponde à evolução da cultura ocidental, e espelha a mudança dos valores espirituais desde o início do cristianismo para a atual busca de bem-estar material. A Revolução Industrial levou à visão do conforto como uma necessidade lícita e comprometida com a modernização (Maldonado, 1991).

Desde a década de 1950, a definição de conforto tem estado presente na apresentação de estudos ergonômicos, particularmente relacionados a assentos. A primeira definição operacional para conforto foi proposta por Hertzberg, que definiu conforto como “a ausência de desconforto” (Lueder, 1983). Apesar de muitos autores ainda utilizarem o desconforto como uma medida do conforto, outros consideram que existem poucas evidências de que o conforto seja a ausência de desconforto (Goonetilleke, 1998; Stracker, 1999). Atualmente, o conforto também é apresentado como um construto associado ao prazer (Jordan, 2000; Coelho e Dahlman, 2002) a “um estado prazeroso de harmonia fisiológica, física e psicológica entre o ser humano e o ambiente” (Slater, 1985) sendo que Zhang (1992) diferencia entre o sentimento de relaxamento e bem estar auferido pelo conforto, enquanto o desconforto estaria relacionado a questões biomecânicas e fisiológicas. O que os vários conceitos e definições têm em comum é a subjetividade e dependência da opinião do sujeito em um dado momento: a “conveniência experimentada pelo usuário final durante ou logo após o uso do produto” que se manifesta de três formas: desconforto, conforto (ou confortável) e não desconforto (Vink, 2002).

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A polissemia da palavra conforto, decorrente dos usos feitos pelas diversas disciplinas do conhecimento e pelo uso popular, leva a dificuldades quando se faz necessária a precisão com relação à sua inteligibilidade, como ocorre em ambientes experimentais destinados à avaliação de produtos. Assim, a questão do significado do conforto e quais as suas dimensões é um tema que propicia polêmica nos meios acadêmicos da Ergonomia e do Design.

Este artigo apresenta resultados referentes a uma das questões abordadas em um estudo realizado com o objetivo de compreender a visão de especialistas com relação a conforto em calçados. A investigação foi realizada com o uso do Método Delphi (Dalkey e Helmer, 1963), contemplando a participação de pesquisadores com grau de doutor, oriundos de diferentes áreas de conhecimento afins ao tema. Foram utilizados três questionários que exploraram seis questões relacionadas ao tema da pesquisa. O foco deste artigo é a questão referente à definição de conforto.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Este estudo foi realizado com o uso de uma variante do Método Delphi (Dalkey e Helmer, 1963) que baseia-se em repetidas consultas a especialistas, com uso de entrevistas ou questionários, sem que haja confrontação direta entre eles. Atualmente, existem inúmeras variações do Método Delphi com enfoques quantitativos e qualitativos. O procedimento adotado tem como referência Baxter (1998) e consistiu em: i) definição do problema; ii) seleção dos especialistas; iii) convite aos especialistas; iv) primeiro questionário, para obter a sua opinião inicial;

v) segundo questionário, para identificar concordâncias e discordâncias; e vi)

terceiro questionário, para estabelecer a melhor solução.

A seleção de especialistas foi feita por meio da Plataforma Lattes do CNPQ (sistema de currículos de pesquisadores, disponível em http://lattes.cnpq.br). A partir dessa seleção, foi enviado um convite a 37 pesquisadores, explicando os objetivos e o método da pesquisa. Dispuseram-se a participar 16 pesquisadores em atuação nas áreas de Ergonomia (n=5), Biomecânica (n=5), Design Industrial (n=3) e Moda (n=3). Foram realizadas três rodadas de questionários, enviados por meio de correio eletrônico aos pesquisadores. O primeiro questionário consistiu de seis perguntas relacionadas ao conforto de sapatos. O segundo questionário apresentou a análise das respostas e solicitou aos respondentes a sua opinião quanto aos resultados, permitindo a complementação das informações. O terceiro questionário focalizou as mesmas questões, reformuladas de maneira a permitir que cada especialista pudesse registrar a sua concordância ou discordância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise das respostas para a questão “Como você define o conforto?”, apresentada no primeiro questionário, permitiu formular três diferentes definições, cada uma contemplando uma abordagem: conforto como estado subjetivo, físico e psicológico; conforto como subjetivo, mas apenas físico; e conforto como objetivo (independente do sujeito). Essas definições são apresentadas no Quadro 1.

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conforto como estado subjetivo, físico e psicológico

Conforto é uma sensação prazerosa de bem estar físico e mental, que implica na ausência de sensações desagradáveis de dor e estresse, estabelecida no relacionamento com o meio, no cumprimento das mais diversas atividades, situações e sentimentos, proporcionada por postos de trabalho, objetos ou produtos artísticos, considerada a partir de parâmetros sociais, culturais e históricos.

conforto como subjetivo, mas apenas físico

Conforto é uma sensação física de ausência de desconforto, dor, mal-estar ou sensações de incômodo, definida a partir de uma situação anterior de desconforto e que elimina as restrições comportamentais, otimizando a performance.

conforto como objetivo (independente do sujeito).

Conforto é uma condição em que o sujeito executa suas tarefas, de forma harmoniosa com o ambiente, sem estar exposto a sobrecargas que causem dor ou incômodo ou ainda dispêndio desnecessário de energia.

Quadro 1 Definições de conforto a partir da análise do primeiro questionário

No segundo questionário, as três definições para conforto foram apresentadas com a solicitação de que fosse selecionada a mais adequada. A Tabela 1 traz a distribuição de respostas, demonstrando a preferência pela definição do conforto como um sensação prazerosa de bem-estar físico e mental.

Tabela 1 Distribuição de respostas ao segundo questionário

SIM, sem alterações SIM, com alterações Total Conforto é uma sensação prazerosa de bem estar (...) 5 7 12

Conforto é uma sensação física de ausência de (...) 1 1 Conforto é uma condição em que o sujeito (...) 1 1 2

No terceiro questionário foram formuladas 26 afirmativas que descrevem o conforto, com base na análise da opinião dos especialistas. Essas afirmativas, apresentadas no Quadro 2, foram classificadas nas seguintes categorias: definição de conforto, natureza do conforto, efeitos do conforto e o que proporciona conforto.

Definição de conforto

• O conforto é uma sensação de bem estar • O conforto é uma condição de bem estar • O conforto é físico

• O conforto é psicológico

• O conforto é uma sensação prazerosa • O conforto é ausência de dor • O conforto é ausência de estresse • O conforto é ausência de desconforto

• O conforto é definido a partir de uma situação de desconforto

Natureza do conforto

• O conforto depende de não haver sobrecarga física • O conforto depende de não haver sobrecarga psicológica • O conforto depende de não haver consumo excessivo de

energia

• O conforto depende do meio interno (corpo) • O conforto depende do meio externo (ambiente)

• O conforto depende de estar em harmonia com o ambiente • O conforto depende da atividade que está sendo cumprida Efeitos do conforto

• O conforto elimina as restrições comportamentais • O conforto otimiza o desempenho

O que proporciona conforto

• O conforto é proporcionado por ambientes • O conforto é proporcionado por postos de trabalho • O conforto é proporcionado por objetos

• O conforto é proporcionado por produtos artísticos • O conforto é proporcionado por situações • O conforto é proporcionado por sentimentos • O conforto é afetado pela aparência

• O conforto depende de parâmetros sociais, culturais e históricos

Quadro 2 Classificação das afirmativas relacionadas a conforto por grupos

O questionário foi respondido por 15 especialistas (um foi descartado por não ter respondido ao segundo questionário). Foi utilizada uma escala verbal, que foi posteriormente convertida em escala numérica (discordo fortemente = -2; discordo = -1; nem concordo nem discordo = 0; concordo = 1; concordo fortemente = 2).

Para análise do conjunto de afirmativas referentes à definição de conforto, utilizou-se a Análise de Componentes Principais, extraindo-se três componentes, que explicam 61,9% da variância das respostas. Na Figura 1, são apresentadas as afirmativas

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com relação aos três componentes, formando dois agrupamentos, que levam a duas definições complementares: “O conforto é uma sensação prazerosa de bem-estar físico e psicológico” e “O conforto é uma condição de bem-estar com ausência de estresse, dor e desconforto, definida a partir de uma situação de desconforto”.

Figura 1 Análise de Componentes Principais para as expressões que definem o conforto

Para as afirmativas sobre a natureza do conforto, foi utilizado o Teste de Spearman, cujos resultados indicaram a existência de correlação significante para a relação entre o meio interno e o meio externo (coeficiente de correlação Spearman 0,882 a 0,01). Esse resultado indica que, na opinião dos especialistas, o conforto é função de uma harmonia entre as condições internas e externas. Quanto aos efeitos do conforto, a análise demonstrou que a afirmativa “o conforto elimina as restrições comportamentais” não é aceita pelos especialistas. Já a afirmativa “o conforto otimiza o desempenho” apresentou concordância entre os especialistas. Para as afirmativas relacionadas ao que proporciona conforto, os resultados demonstraram a existência de correlações significantes, apresentadas na Tabela 2. Para “o conforto é proporcionado por ambientes” há correlação com postos de trabalho e objetos, indicando a interação entre os elementos que constituem o entorno do trabalho na percepção do conforto. O efeito de produtos artísticos está correlacionado com sentimentos e com parâmetros sociais, culturais e históricos, indicando que é mediado pelos sentimentos e por variáveis individuais e de contexto. A correlação encontrada para a afirmativa “o conforto é proporcionado por situações” com sentimentos e aparência reforça o efeito do contexto na percepção do conforto.

Tabela 2 Correlações significantes para as afirmativas sobre a natureza do conforto (Coeficiente de Correlação Spearman)(**correlação significante a 0,01; *correlação significante a 0,05 )

Coeficiente de correlação O conforto é proporcionado por ambientes x o conforto é proporcionado por postos de trabalho 0,784** O conforto é proporcionado por ambientes x o conforto é proporcionado por objetos 0,731** O conforto é proporcionado por postos de trabalho x o conforto é proporcionado por objetos 0,870** O conforto é proporcionado por produtos artísticos x o conforto é proporcionado por sentimentos 0,701** O conforto é proporcionado por produtos artísticos x o conforto depende de parâmetros sociais, 0,531* O conforto é proporcionado por situações x o conforto é proporcionado por sentimentos 0,535* O conforto é proporcionado por situações x o conforto é afetado pela aparência 0,553* CONCLUSÕES

Esta investigação, realizada com pesquisadores de diversas áreas relacionadas com a ergonomia, permitiu mapear componentes do discurso acadêmico com relação ao conforto. As respostas, embora tenham sido fornecidas, de um modo geral, a partir da opinião pessoal do respondente, trazem consigo valores e convicções construídas por meio da prática profissional e da reflexão.

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A intenção de construir uma resposta de consenso, em investigações como esta, sempre esbarra na variabilidade individual e na complexidade do tema. As três definições cunhadas com base na análise do primeiro questionário demonstram isso. Assim, ao invés de uma definição fechada para o conforto, que poderia ser proposta, cabe propor um entendimento mais amplo do conceito de conforto. Os resultados desta investigação apresentam o conforto como um construto fortemente afetado por variáveis de contexto, de forma coincidente com Slater (1983).

As implicações deste estudo para a avaliação de conforto em produtos, que são mais evidentes para o enfoque macroergonômico (Hendrik e Kleiner, 2001), levam a que sejam consideradas dimensões subjetivas ainda hoje tidas como de menor valor para a ergonomização de ambientes de trabalho. É necessário, portanto, a utilização conjunta de instrumentos de avaliação objetivos e subjetivos.

REFERÊNCIAS

BAXTER, M. Projeto de Produto: Guia prático para o desenvolvimento de novos produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 1998.

COELHO, Denis A.; DAHLMAN, Sven. Comfort and Pleasure. In: GREEN, William S.; JORDAN, Patrick W. Pleasure with Products: Beyond Usability. London: Taylor & Francis, 2002, p. 322-331.

DALKEY, Norman; HELMER, Olaf. An Experimental Application of the Delphi Method to the Use of Experts. Management Science, v.9, n. 3, p. 458-467, Apr. 1963.

GOONETILLEKE, R.S. Design to Minimize Discomfort. Ergonomics in Design, p. 12–19, Jul 1998.

HENDRIK, Hal W; KLEINER, Brian M. Macroergonomics: an introduction to work system design. Santa Monica (CA): HFES, 2001.

INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

JORDAN, Patrick W. Designing Pleasurable Products: an introduction to the

new human factors. London: Taylor and Francis, 2000.

LUEDER, Rani Karen. Seat comfort: A Review of the Construct in the Office Environment. Human Factors, v. 25, n. 6, p. 701-711, 1983.

MALDONADO, Tomas. The Idea of Comfort. Design Issues, v. VIII, n.1, Fall 1999. PINEAU, Claude. The psychological meaning of comfort. International Review of

Applied Psychology, v. 31, p. 271-283, 1982.

QUEHL, Julia. Comfort studies on aircraft interior sound and vibration. Dissertation submitted to the Universität Oldenburg. Oldenburg, 2001.

SANDERS, M.S., McCORMICK, E.J. Human Factors in Engineering and Design. New York: McGraw Hill, 1993.

SLATER, Keith. Human Comfort. Springfield (Illinois): Charles C. Thomas, 1985. STRACKER, L. M. Body Discomfort Assessment Tools. In: KARWOWSKI, W., MARRAS, W.S. (ed) The Occupational Ergonomics Handbook. London: CRC, 2000, p. 1239-1252.

VINK, Peter. Comfort. Inaugural Address, Faculty of Design, Construction and Production, Delft University of Technology, June 2002.

ZHANG, Lijian. Multi-dimensional approach for sitting comfort assessment. Dissertation submitted to the Department of Industrial Engineering Program and the Faculty of the Graduate School of the State University of New York at Buffalo. Buffalo, New York, 1992.

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