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Belo Horizonte, 7 a 10 de novembro de Grupo de Trabalho: O interesse da Redução de Danos (RD): os Humanos e suas vicissitudes:

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Belo Horizonte, 7 a 10 de novembro de 2017

Grupo de Trabalho:

O interesse da Redução de Danos (RD): os Humanos e suas vicissitudes:

PRÁTICAS DISCURSIVAS E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DE PESSOAS EM SOFRIMENTO PSÍQUICO DEVIDO AO USO DE DROGAS

Jullyanne Rocha São Pedro¹ Aleff Silva Aleixo² Camilla de Melo Silva³ Nemório Rodrigues Alves4 Maristela de Melo Moraes5

¹Mestranda em Psicologia da Saúde pela Universidade Estadual da Paraíba ²Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Campina Grande ³Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Campina Grande 4Graduando em Enfermagem pela Universidade Federal de Campina Grande 5Doutora em Psicologia Social e Professora Adjunta da Universidade Federal de Campina

Grande

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Resumo: Este trabalho visa a compreensão de como as práticas discursivas podem atuar nos processos de subjetivação de pessoas em sofrimento psíquico decorrente do uso de drogas. Para tanto, serão analisados brevemente alguns processos e discursos que possibilitaram a exclusão dos sujeitos que usam drogas, bem como os discursos que almejam a quebra de paradigmas (antiproibicionismo e Redução de Danos - RD), aliados ao relato da experiência das atividades de extensão realizadas no CAPSad da cidade de Campina Grande/PB, pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Drogas (NUD) da UFCG. A RD representa uma revolução nos modos de cuidar de pessoas que usam drogas, prezando pela autonomia e democratização dos espaços responsáveis pelo cuidado dessas pessoas. Entretanto, os efeitos dos discursos proibicionistas representam impasses e desafios, os quais são utilizados como exercícios privilegiados de poder, que tentam normatizar condutas e moldar sujeitos, excluindo os que não se adequam ao padrão esperado. A perspectiva teórico-metodológica aqui utilizada adota a Psicologia Social Discursiva, que concebe o discurso e a linguagem como produtores de realidade, na qual se incluem os modos de subjetivação. Deste modo, essa construção discursiva do sujeito implica que a sua definição apenas possuirá sentido dentro de um sistema de significação, que inclui a cultura e os sistemas simbólicos. Percebendo a subjetivação como aparelho moldado por diversas matrizes discursivas, o que salta aos olhos é que, dentre os componentes na compreensão sobre “usuário de drogas” figuram discursos que conferem a estes sujeitos rótulos e estigmas e, em decorrência disto, um não-lugar de sujeito político e cidadão. Portanto, ao verificar o efeito do discurso na produção da realidade social e a atuação da Psicologia na Saúde Mental, fica a seguinte reflexão: quais estratégias discursivas poderiam ser utilizadas para ajudar a modificar estigmas calcificados historicamente?

Palavras-chave: Discurso; Processos de Subjetivação; Drogas.

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Introdução

Algumas práticas discursivas vêm sendo utilizadas, em diversos contextos, para excluir categorias de sujeitos. Os preconceitos e estereótipos, presentes nos discursos, se tornam instrumentos imprescindíveis nos processos de exclusão, tendo em vista que fortalecem a categorização de grupos e de sujeitos (BILLIG, 2008; BUTLER, 2015; FOUCAULT, 2013; GOFFMAN, 2015a, 2015b; JODELET, 2002).

Em decorrência da legitimação desta exclusão, categorias de sujeitos, como a dos “loucos” e “dependentes químicos”, constituíram universos estigmatizados historicamente (SAWAIA, 2002; WANDERLEY, 2002). Como esses se tornam ameaças à normatividade, ocorre a tentativa de segregação e exclusão de suas vidas do convívio social. Para esses “loucos” e “dependentes químicos” são destinados os manicômios, em suas várias versões e configurações, como é o caso das mais recentes Comunidades Terapêuticas para pessoas que fazem uso de drogas.

Com os avanços da Reforma Psiquiátrica, surgem serviços substitutivos à lógica manicomial e novas formas de cuidado para (e com) as pessoas que se encontram em sofrimento psíquico. Novos serviços e ações de promoção à saúde, com foco no sujeito, passam a ser construídos, como é o caso do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que acolhe, de forma humanizada, as pessoas que, durante séculos, foram segregadas da sociedade (AMARANTE, 2007).

O cuidado aos sujeitos que fazem uso de álcool e outras drogas foi negligenciado durante um longo período pelas políticas públicas de saúde brasileiras, que fez com que a justiça e as instituições religiosas e filantrópicas assumissem um lugar que era da saúde pública. Tais instituições, baseadas na lógica da abstinência, reforçaram os discursos proibicionistas a partir de um “tratamento” excludente e segregador. É só a partir do advento da Lei 10.216/2001, que versa sobre a Reforma Psiquiátrica, e da III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, que vão se efetivar as estratégias que visam o cuidado das pessoas que fazem uso de drogas, a partir do desenho da política de álcool e outras drogas (BRASIL, 2005).

A III Conferência Nacional de Saúde Mental promoveu a consolidação da Reforma Psiquiátrica como uma política de governo, concedeu aos Centros de Atenção Psicossociais – CAPS a transformação do modelo de assistência e legitimou que a política de saúde mental fosse construída pensando nos sujeitos que fazem uso de álcool e outras drogas. A Conferência implementou o “Programa Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas”, concedendo a questão das drogas ao domínio da saúde pública, e estabelecendo a promoção dos direitos dos sujeitos a partir da perspectiva da redução de danos (BRASIL, 2005).

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De tal modo, a construção das estratégias da assistência às pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas ocorreu através do “Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas”, que se pautava em ações de promoção, prevenção, proteção e educação em saúde dos usuários, e de serviços substitutivos. Desse modo, surgem os CAPSad que são destinados ao cuidado dos sujeitos que fazem uso de álcool e outras drogas. Estes dispositivos são encontrados em cidades que possuem mais de 200 mil habitantes ou em localidades que demandam uma resposta efetiva deste serviço, e funcionam nos dias úteis semanais (BRASIL, 2005).

Assim, os CAPSad devem basear suas ações na ética do cuidado e da promoção da saúde, através dos princípios reformistas e da estratégia da Redução de Danos. A Redução de Danos consiste no reconhecimento do sujeito em suas singularidades, construindo com ele estratégias para o seu cuidado e para a proteção de sua vida, almejando prevenir agravos decorrentes do uso de álcool e outras drogas (BRASIL, 2005).

Nesse sentido, percebe-se que a proposta da Reforma oportunizou a construção de novos olhares sobre a Saúde Mental e a experiência do sofrimento psíquico, resultando em uma construção transversal, complexa e simultânea de saberes (AMARANTE, 2015).

Ademais, percebemos que a atuação dos profissionais da saúde mental na Reforma Psiquiátrica visa contribuir com a emancipação e transformação dos sujeitos, através de estratégias que visem a produção de saberes capazes de valorizar e inscrever o sujeito em sua própria história (MARTÍN-BARÓ, 2009).

Com relação às novas estratégias de cuidado, a Redução de Danos representa uma revolução no trabalho junto às pessoas que usam drogas, prezando pela autonomia e democratização dos serviços responsáveis pelo cuidado dessas pessoas. Entretanto, os efeitos dos discursos excludentes, como o discurso proibicionista, representam impasses e desafios aos paradigmas propostos pela Redução de Danos.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho consiste em discutir como as práticas discursivas influenciaram nos processos de subjetivação de pessoas em sofrimento psíquico devido ao uso de drogas. Partindo da experiência de extensão universitária proposta e vivenciada pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Drogas, da Universidade Federal de Campina Grande (NUD/UFCG), buscamos respostas para a seguinte inquietação: quais estratégias discursivas podem ser utilizadas para ajudar a modificar estigmas calcificados historicamente?

Percursos Metodológicos

Foi realizada inicialmente uma revisão bibliográfica a partir das reflexões e apontamentos trazidos por teóricos como Michel Foucault, Denise Jodelet, Paulo Amarante

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e Martin-Baró, que foram primordiais para o arcabouço teórico deste artigo. Aliada à revisão bibliográfica, trazemos o relato da experiência de atividades de extensão realizadas no CAPSad da cidade de Campina Grande/PB, pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Drogas da Universidade Federal de Campina Grande (NUD/UFCG).

A perspectiva teórico-metodológica que orienta a construção deste trabalho é a Psicologia Social Discursiva, que compreende que o discurso/linguagem produz, por meio de diferentes ações, a realidade social em que vivemos. Esta perspectiva considera o discurso como ação contextualizada, que significa que a linguagem produz efeitos nas relações sociais e esta produção corresponde a uma ação (OLIVEIRA FILHO, 2013).

O interesse da Psicologia Social Discursiva pela epistemologia construcionista é na ação do discurso e na função da linguagem. O discurso é compreendido como uma prática social, o qual leva em consideração a sua utilização em determinado contexto para se definir o seu sentido e significado. Assim, há um interesse em determinar a função dos discursos nos processos de subjetivação, bem como identificar as estratégias de dominação e interesses de grupos a partir da análise de suas práticas discursivas (OLIVEIRA FILHO, 2013).

Práticas Discursivas e Processos de Subjetivação

A virada linguística, protagonizada por Wittgenstein, institui uma ruptura epistemológica nas ciências da linguagem: esta não extrai seu significado das coisas em si, não é um simples meio para expressar o que já está dado no mundo, mas de uma negociação socialmente construída. Fica, então, evidenciada a ausência de relação direta entre as palavras e as coisas. Este marco é fundamental para o surgimento de saberes que se propõem a analisar discursos, dada a quebra da naturalização que fora atribuída à linguagem, o que torna possível o estudo dos mecanismos formadores dos sentidos e discursos (HENNIGEN; GUARESCHI, 2006).

Para Foucault, um enunciado é antes um acontecimento discursivo, que catalisa em si um conjunto de referências oriundas de um mesmo sistema de formação, que um ato de fala e conjuntos de palavras reunidos em frases com um fim em si mesmo; não deve ser analisado em si mesmo, mas em sua composição formada por uma série de outros enunciados (BELLOTI; NAVARRO, 2012; HENNIGEN; GUARESCHI, 2006). Esses enunciados são provenientes de uma episteme, termo cunhado por Foucault para designar as regras que orientam e tornam possíveis diversos discursos localizados historicamente, que disputam entre si os sentidos das coisas do mundo e os sujeitos que os irão propagar. Tal episteme, portanto, é uma condição de possibilidade (BELLOTI; NAVARRO, 2012; HENNIGEN; GUARESCHI, 2006; FOUCAULT, 2006).

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Assim, o sujeito perde o status de origem do discurso e passa a ser considerado um espaço de disputa que, posteriormente, irá propagar os discursos com os quais se identificou (seja espontânea ou forçosamente) – estes, por sua vez, tornar-se-ão substanciais no modo como o sujeito enxerga a si mesmo. Nesse sentido, o sujeito isoladamente não é considerado como um produtor de discursos, mas um hiato, uma descontinuidade cuja existência será alvo de disputas. Cabe ressaltar que trata-se de um processo de subjetivação sem um fim delimitável (BELLOTI; NAVARRO, 2012; HENNIGEN; GUARESCHI, 2006; FOUCAULT, 2006).

A modernidade, por romper com as antigas instituições de ancoragem da coesão social e individual, torna o processo de subjetivação ainda mais complexo por implodir as instituições que outrora orientaram as práticas e sentidos sociais: rompe-se, então, com a ideia de uma identidade fixa ou estável, fundada no solo eclesiástico e nos nacionalismos tradicionais (BAUMAN, 2001). Temos agora subjetividades orientadas a partir de diversos centros que, por sua vez, estão sob constante modificação; mesmo os sólidos conceitos de gênero e de família tradicionais estão sendo desmanchados no ar pelo advento dos atuais estudos de gênero – tudo isto em um mundo que se liquefaz.

Se há uma constante na nossa atual sociedade, é a mesma constante identificada por Heráclito no século VI A.C.: o movimento. Isto coaduna com os processos de subjetivação citados neste trabalho: um sujeito que se funda numa descontinuidade, orientado por uma gama de discursos que disputam entre si sob o véu de uma episteme que dita as regras do jogo (HENNIGEN; GUARESCHI, 2006; FOUCAULT, 2006; RUSSEL, 2015).

Do Discurso Proibicionista ao Antiproibicionista

O discurso proibicionista remonta ao limiar entre os séculos XIX e XX, quando foram proibidas algumas substâncias associadas a grupos de pessoas socialmente “indesejadas”. O Brasil, pioneiro na proibição da maconha e último na abolição da escravidão, associou seu consumo a costumes da população escrava, proibindo, além do consumo da cannabis, outras práticas relativas à população negra, como a capoeira (FRANÇA, 2015; LIMA-SILVA, 2015). Em nível global, podemos destacar as ações de lobbying dos movimentos norte-americanos de temperança, com apoio de industriais como Henry Ford, pela proibição de diversas substâncias psicoativas, incluindo o álcool (associado aos imigrantes irlandeses, conhecidos pelo seu consumo e considerados “vagabundos” pelo restante da população) (ESCOHOTADO, 1999).

Isto põe em evidência o caráter, trabalhado por Becker (2009), de “empreendedores morais” de tais grupos: o desvio só é considerado como tal quando se infringe normas e

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regras socialmente construídas e estimadas por grupos majoritários (seja no que diz respeito ao poder ou no que diz respeito à quantidade). Tais normas e regras tornam-se lei mediante o empreendimento de tais grupos na publicação e denúncia dos desvios, tornando legalmente proibido algo que anteriormente não era.

Cabe ressaltar que nem todos os desvios são publicados ou denunciados, a depender de quem o cometa, o que não acarreta nas sanções comumente impostas e nem na concepção do próprio ato como desvio. Após obterem sucesso na sua cruzada moral contra determinado desvio, geralmente passam a procurar um outro contra o qual possam combater – foi o que aconteceu com os movimentos de temperança, que voltaram seus olhares para o consumo de outras substâncias e outros costumes (BECKER, 2009).

Tais ações não tardaram a obter sucesso, culminando, em 1920, na implementação da Lei Seca, que tornou proibidos consumo, produção e transporte de bebidas alcoólicas em todo o território norte-americano. O que também não tardou foi a revogação da lei: em 1933 notou-se que a proibição não foi eficaz na tentativa de resolução do anseio pela redução do consumo, tornando possível a ascensão de organizações criminosas que tinham no álcool (e, após a revogação da lei, em outras drogas ilícitas) sua principal fonte de renda, o decorrente aumento da violência, e prejuízos à saúde dos consumidores por conta da falta de mecanismos de regulação de qualidade do álcool vendido (VERSIGNASSI, 2015; LIMA-SILVA, 2015).

Essa experiência, apesar de atestar a ineficácia e os impactos negativos do proibicionismo, revela o motivo que subjaz a persistência da proibição de outras substâncias: a preocupação principal não é com a saúde dos cidadãos, mas com o controle daqueles que fogem à regra e/ou são alvos de exclusão. Em decorrência da proibição e do constante enrijecimento de penas para aquele que é pego exercendo o tráfico de drogas, vivenciamos aumentos exponenciais da população carcerária norte-americana e brasileira (seguindo à risca os ditames estadunidenses), que, por sua vez, trazem na suas respectivas peles o racismo velado presente em tais leis (LIMA-SILVA, 2015).

No Brasil, para além disso, estamos diante de uma cooptação crescente da nossa juventude pelo tráfico de drogas nas periferias e, posteriormente, nas prisões, por organizações criminosas de amplitude nacional e internacional. Os altos índices de violência urbana e os constantes confrontos armados em comunidades possuem relação direta com a proibição das drogas. Ademais, a ausência de regulamentação na produção de drogas causa prejuízos à saúde dos usuários pela presença de agentes extremamente nocivos em sua composição (BIONDI, 2014; LIMA-SILVA, 2015; PIMENTEL, 2016; SILVA, 2016).

Desse modo, o antiproibicionismo emerge nessa conjuntura entre usuários e estudiosos do campo das drogas como uma alternativa à proibição e sua famigerada ineficácia. Acredita-se, aqui, que o cerne de todos os problemas comumente associados às

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drogas encontra-se exatamente na sua proibição, por razões que já foram abordadas neste texto. Conclama a população à luta pelo direito de gerir o que entra em contato com os seus corpos, evidenciando as contradições éticas, políticas e jurídicas residentes no centenário discurso proibicionista e seus agentes.

NUD/UFCG e Extensão: um relato de experiência

Inicialmente, para sinalizar nosso lugar de fala, torna-se pertinente apresentar brevemente o Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Drogas da Universidade Federal de Campina Grande (NUD/UFCG). Criado em novembro de 2015, o NUD surgiu de inquietações sociais e da necessidade de construção de espaços de diálogo e formação qualificada sobre drogas. A nossa proposta é construir um espaço de formação engajada politicamente e orientada para projetos de transformação social que dialoguem com campos diversos, a saber: estudos de gênero e a epistemologia feminista, as reformas sanitária e psiquiátrica, a luta antimanicomial e o antiproibicionismo, a perspectiva ética da Redução de Danos, os impactos do proibicionismo, bem como os processos de subjetivação relacionados às drogas, orientados pelo grande guarda-chuva do debate sobre os Direitos Humanos.

O presente relato é fruto da atividade de extensão que envolveu integrantes do NUD, no período de maio a dezembro de 2016. A proposta de extensão foi vinculada ao Programa de Bolsas de Extensão da UFCG e recebeu o apoio da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), em parceria com o Projeto REDES (projeto de iniciativa da SENAD-MJ em parceria com a área técnica de saúde mental do Ministério da Saúde e com o Ministério do Desenvolvimento Social que visa promover a aproximação entre as políticas de saúde,

prevenção, segurança, proteção e inclusão social).

A extensão assumiu enquanto objetivo central a realização de ações de apoio matricial e metodologias participativas com a presença de usuários e profissionais do CAPSad. Foram realizadas, quinzenalmente, oficinas nas quais utilizamos metodologias participativas para o trabalho com grupo, a saber, Círculo de Cultura, Roda de Conversa, Tenda do Conto, Teatro do Oprimido e construção de varal da redução com produções dos participantes em papel. Os recursos de pintura, desenho, recorte-colagem e música foram auxiliares em algumas oficinas.

Além das oficinas realizadas com os usuários do serviço, o grupo de extensionistas pôde participar das reuniões agendadas pelos profissionais do mesmo. Nessas ocasiões, não apenas eram compartilhadas questões que surgiam no decorrer da semana, mas também foram propostas discussões teóricas que pudessem contribuir diretamente com o trabalho realizado no serviço. Ao passo que estavam acontecendo os momentos acima

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citados, foram realizadas conferências, o Simpósio Drogas, Direitos Humanos e Modos de Cuidar e processos formativos com profissionais convidados à contribuir com o percurso trilhado.

Nos trabalhos realizados com os usuários do serviço em questão, estivemos vinculados, diretamente, ao Grupo de Redução de Danos - que era mediado por uma psicopedagoga e um musicoterapêuta. Desse modo, a cada encontro levávamos uma proposta de intervenção “inacabada” e, a partir do que as pessoas estavam dispostas a vivenciar, íamos costurando e construindo em coletivo. As intervenções propiciaram espaços de diálogo sobre a política de RD e o modo como esta era entendida e pensada pelo serviço e pelos próprios usuários.

Conforme discutíamos, fomos percebendo, em algumas falas, que a RD era muitas vezes entendida como oposta à abstinência e, por isso, muitas vezes colocada em confronto com o que ouviam e discutiam em outros grupos, ou ainda enquanto uma possível “desculpa para não ficar limpo” (colocação de um usuário do serviço). A partir das colocações, fomos gerando reflexões que partiram das experiências dos próprios participantes, de modo que, ao final, foi sendo construída a compreensão de que não há um modelo certo e engessado que será utilizado por todos e todas. Ao contrário, é necessário que se pense na singularidade de cada sujeito.

Como foi dito no parágrafo anterior, não havia apenas o grupo de RD sendo realizado nos dias em que nos fazíamos presentes. Além deste, acontecia o encontro do grupo dos Alcoólicos Anônimos (AA). O grupo do AA não era mediado por profissionais do serviço, mas por pessoas que vinham de fora e que se dispunham a facilitar os encontros. Ele surgiu a partir da proposta de um AA da cidade e da aceitação dos próprios usuários. Por acontecerem simultaneamente, os grupos dividiam os usuários entre aqueles da RD e os do AA.

Como estávamos no serviço semanalmente, nossas idas eram previamente agendadas e, por isso, dificilmente nossos encontros eram remarcados. No caso das pessoas do AA, isto era mais fluido, pois não era uma proposta do serviço propriamente dito. Dessa maneira, já próximo ao final da nossa extensão, as atividades do outro grupo começou a ficar mais diluída, o que fez com que, em alguns dias, juntássemos as “pessoas da RD” com as “pessoas do AA”.

Isto foi de extremo engrandecimento para todos que estavam envolvidos com a atividade, pois pudemos nos comunicar com o que era enxergado como “oposto”. No momento em que estávamos em atividade, não havia mais distinção entre os grupos. Ainda que os discursos algumas vezes se estranhassem, era possível evoluir no conflito. Enxergamos um coletivo de pessoas com experiências de vida distintas e que estavam ali para compartilhar a partir de lugares de fala singulares.

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Estivemos inseridos, ativamente, no serviço e conectados à rede de cuidados em saúde do município. Todas as intervenções foram construídas e pensadas de maneira coletiva - não apenas internamente, enquanto Núcleo, mas com todas as pessoas que estavam em diálogo conosco. Neste ciclo de atividades, pudemos construir estratégias discursivas que pouco a pouco deslocavam a atenção do uso de drogas, limitadas à substância, para as pessoas e suas histórias de vida. Estas pessoas - a partir da fala, da troca de cuidado, do desenho, da escrita e/ou da escuta - em um ritmo próprio, compartilharam vivências e se colocaram nas atividades. Produziam sentidos a partir das práticas discursivas que ali estavam sendo (re)significadas.

Considerações e Reflexões

Ao considerar os processos de subjetivação como resultados de matrizes discursivas, percebemos que diversos discursos conferiram a quem usa drogas um não-lugar enquanto sujeito político ou cidadão/cidadã. Para estes, parece não haver espaço na sociedade produtivista a qual estamos submetidos, no ambiente familiar tradicional, nos próprios serviços de saúde - quando esses não enxergam pessoas, mas substâncias.

As práticas discursivas hegemônicas, principalmente aquelas que legitimam a lógica proibicionista e da abstinência, colocam as pessoas que usam drogas em um não-lugar, onde se é deixado de dar significados. Desse modo, entende-se que a constituição desse não-lugar está repleto de estigmas e estereótipos, que vem fazendo com que esse sujeito ocupe o limbo da vida cotidiana. Jodelet (2002) considera que deve ser feita uma crítica a esses mecanismos de poder que submetem e normatizam as subjetividades. Em contrapartida, a Redução de Danos, através de práticas discursivas libertárias, que prezam a autonomia, valorização da singularidade e identidade dos sujeitos, almeja a quebra desse paradigma recolocando os sujeitos no espaço do lugar.

Cabe-nos, pois, identificar quais são os processos de subjetivação estabelecidos pelos usuários do CAPSad e compreender como se constitui o seu (não)lugar dentro das dinâmicas discursivas daquele microcosmo. Cabe ressaltar que, no caso de tal população, o caráter de descontinuidade comum a todos os sujeitos nos meandros dos processos de subjetivação apresenta-se no superlativo: se é um hiato o que constitui o lugar dos sujeitos nos seus processos de subjetivação, o que falar de alguém que representa explicitamente uma descontinuidade nas dinâmicas institucionais e interpessoais do seu cotidiano? Quais são os discursos possíveis para um usuário de um CAPSad? Quais são as dinâmicas subjetivas decorrentes disso? Nesta conjectura, o CAPSad – lugar de onde se espera a acolhida do sofrimento – não estaria se constituindo enquanto uma força motriz do sofrimento psíquico dos usuários?

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Nesse sentido, podemos inferir que um dos papéis dos trabalhadores e trabalhadoras que atuam na saúde mental, na discussão sobre drogas, seria o de promover a reflexão a respeito dos estigmas que difundem a desigualdade social, através de uma atuação ético-política, preocupada com a garantia dos direitos humanos, com a defesa e valorização da cidadania e com a efetivação da democracia (GONÇALVES, 2010; MARTÍN-BARÓ, 2009).

Referências

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