JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS: UM ESTUDO
APARTIR DOS CASOS ATENDIDOS NA ÁREA DE FAMÍLIA DO
NÚCLEO DE PRÁTICAS JURÍDICAS DA PUC-RIO (2012-2014)
Aluno: Jacqueline Corrêa de Abreu Orientador: Antonio Carlos de Oliveira
Introdução
Atualmente podemos observar um aumento na busca pelo Poder Judiciário, também em decorrência da Constituição de 1988, que possibilitou este acesso maior da população a ele. Esta procura, na maioria das vezes, aparece como forma de resposta e solução para os problemas do cotidiano. Configura-se, assim, uma tendência a tornar grande parte dos processos de acesso e garantia de direitos cada vez mais legalistas e remetidos a autoridades diversas, que sobre eles deverão se pronunciar e decidir. Assim temos o que se chama de judicialização das relações sociais. Esta questão se agrava com o fato de o Estado não implementar políticas públicas que atuem na origem dos conflitos e na oferta de acesso universal a outras formas para sua resolução.
Este relato tem o intuito de apresentar e discutir as atividades realizadas durante o período de agosto de 2015 a julho de 2016, na pesquisa em epígrafe.
Objetivos
GERAL: analisar o percurso dos casos atendidos na área de Direito de Família do NPJ
da PUC-Rio, nos anos de 2012 a 2014, com ênfase no processo de judicialização das relações familiares
ESPECÍFICOS: (a) reconstruir o circuito percorrido pelos casos antes de chegarem ao
atendimento no NPJ, em especial por instâncias governamentais e da sociedade civil; (b) mapear tentativas de resolução dos conflitos, tanto em âmbito intrafamiliar como através de recursos extrafamiliares, quer institucionais ou informais.
Metodologia
Tendo em vista os objetivos propostos, as principais fontes de produção de dados são: (1) registros da equipe do NPJ relativos a cada caso; e (2) informações fornecidas pelos próprios assistidos pela equipe da área de Direito de Família do NPJ, sendo tomado o discurso do integrante da família – ressalvados os cuidados de não considerar nenhum discurso como expressão factual ou da verdade acerca do ocorrido – como significativo representante do discurso familiar (LAING, 1983; PICHON-RIVIÈRE, 1998). Para consecução dos objetivos, a metodologia da pesquisa consiste em: (a) levantamento de dados – motivo da procura; conflito ou demanda principal; lugar do assistido no núcleo familiar; tipos de ações propostas; duração; sentenças – referentes aos casos atendidos no NPJ no período estudado; (b) entrevistas com familiares assistidos pela equipe do NPJ – para conhecimento do percurso do caso e das alternativas de resolução de conflitos intentadas.
Situando a Pesquisa
A Constituição de 1988 apresentou mudanças significativas no contexto da proteção e garantia de direitos, que possibilitou o acesso de toda e qualquer pessoa ao judiciário, sem diferenciação de classe social, como um direito previsto nesta Carta Magna. Para cumprir esta iniciativa, criaram-se as Defensorias Públicas e os Escritórios Modelos de Advocacia nas universidades, com o intuito de garantir o acesso da camada mais pobre a população a este
serviço. Cabe ressaltar que o EMA/PUC-Rio foi criado em 1979, o que significa que este Escritório Modelo antecedeu o movimento da Constituinte e da Constituição Federal de 1988, oferecendo, desde sua criação, acesso gratuito para população que dela precisava ao judiciário.
Fundado com o nome de D. Paulo Evaristo Arns, o Núcleo de Prática Jurídica – Escritório Modelo de Advocacia está, desde 1979, sob a Coordenação do Departamento de Direito da PUC – RIO. Suas diretrizes são, de um lado, atender às necessidades de estágio orientado por parte dos alunos de graduação em Direito e, de outro, possibilitar a população que se encaixa em nossos pré-requisitos socioeconômicos, isto é, renda familiar de até 4(quatro) salários mínimos mensais, moradora na área de atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Comarca Capital, ação esta que deverá ser ajuizada no Fórum Central do Rio de Janeiro. Atende também aos membros da comunidade universitária (Professores, alunos e Funcionários), caso não se enquadra em algum dos requisitos, oferecendo orientação jurídica. Para cumprir tais objetivos, as atividades do Escritório Modelo concentram-se em diversas áreas (Penal, Trabalhista, Civil, Família, GIMEC, Previdenciário e Sucessões). O atendimento é feito por parte dos alunos, sob orientação do advogado/orientador de cada área especifica, onde são feitos esses atendimentos aos clientes do Escritório Modelo de Advocacia da PUC-Rio (DEPARTAMENTO DE DIREITO DA PUC-RIO, [s/d]).
Apesar de todas as áreas atendidas no Núcleo de Prática Jurídica da PUC-Rio (NPJ-PUC-Rio), nos detemos nesta pesquisa à análise dos casos referentes à área do Direito de Família, e como motivo principal consiste de a área de família ser elemento central de estudo, pesquisa e orientações do coordenador da pesquisa, cujo Grupo de Pesquisa do CNPq que lidera é intitulado "Famílias, Violência e Políticas Públicas". Em virtude desta área de interesse que a parceria com o NPJ se concentra, principalmente, na área de Direito de Família.
Igualmente conectado, como o objetivo é discutir a judicialização das relações sociais a partir da judicialização dos conflitos familiares, justifica-se a escolha e acreditamos que esta área atende a proposta da pesquisa com mais amplitude, dada as complexidades que envolvem as dinâmicas familiares.
Desenvolvimento
No primeiro ano da pesquisa vimos a necessidade de um aprofundamento no nosso conhecimento sobre temas que interferem e influenciam o processo de judicialização das relações sociais, como exemplo: família e suas definições, relações de gêneros, divisão sexual do trabalho, entre outros. Isto se fez necessário, pois este tema tem sua discussão recente e, por conta disso, seu embasamento teórico é, ainda, escasso, cabendo então a compreensão destes assuntos para conseguirmos contribuir futuramente com a elaboração de fontes teóricas sobre esta questão, baseando-se nos achados desta pesquisa.
Com base nisto, o ensaio bibliográfico elaborado no decorrer do levantamento teórico teve sua importância, pois com ele tivemos a oportunidade de sintetizar nosso conhecimento acerca das transformações familiares no Brasil, com ênfase nas dimensões de gênero e geração. Todo este processo nos possibilitou uma inquietação acerca da teoria que se refere a família e gênero, onde buscamos debater as questões levantadas, para que houvesse uma melhor compreensão acerca de seus conceitos.
Este ensaio ganhou uma amplitude maior quando em 2016.1 retomamos sua elaboração, com a importante contribuição da bolsista PIBIC Camila Dornelas, participante da pesquisa intitulada “Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: casos atendidos no NACA-Rio nos anos de 2009 e 2010”, tendo o mesmo orientador de pesquisa, o professor Dr. Antonio Carlos de Oliveira. Observamos que, por mais que as pesquisas tivessem seus objetos
diferentes, a base deles era a mesma: família, gênero e cuidado no Brasil, que se tornou o título do ensaio elaborado, com a coautoria de nosso orientador de PIBIC. Este ensaio passou a ter como característica, não só ser a síntese dos conhecimentos apreendidos, mas também uma rica produção sob perspectivas diferentes, porém complementares de ambas as pesquisas, e como síntese deste trabalho pudemos submeter à Revista Estudos Feministas nosso ensaio bibliográfico, para possível aprovação e publicação.
As reuniões semanais durante todo o período da pesquisa foram essenciais para maior compreensão das fontes bibliográficas consultadas, pois neste momento pudemos trocar conhecimentos e relacionar a teoria estudada com nosso conhecimento empírico sobre os temas família, gênero e judicialização, relacionando este debate com as questões que vivenciamos na pesquisa de campo. Neste ultimo semestre os encontros se realizaram com um diferencial, visto que teve, também, como finalidade a discussão de temas em comum nas pesquisas, como já referido acima.
Como ampliação do conhecimento teórico e exposição desta pesquisa, organizamos em 2015.1, o Seminário "Processos de Vulnerabilização: proteção e cuidado a famílias e indivíduos", do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da PUC-Rio, pertencente a linha de pesquisa “Violência, Direitos, Serviço Social e Políticas Intersetoriais”, do já referido programa. Dele pudemos expor nosso trabalho para os participantes, sendo eles expositores ou ouvintes, possibilitando uma interlocução entre as diversas pesquisas, para seu aprimoramento e entendimento mais amplo.
No que diz respeito à pesquisa de campo, a entrada no mesmo, em 2015.1 se deu de forma fluida. Tivemos como desafio inicial a coleta dos dados necessários para o andamento da pesquisa, onde analisamos qual seria a melhor forma de produzirmo-los, quer fosse ele no sistema Maxwell (sistema onde se armazenam os dados dos assistidos da instituição), ou através da consulta dos processos jurídicos do Direito de Família. Como característica deste último temos a apresentação detalhada dos casos, com as causas do requerimento, ações tomadas para atender a demanda apresentada pelo usuário do serviço, uma breve história do contexto familiar e do conflito, dentre outras informações, que nem sempre aparecem nos dados do sistema Maxwell.
Chegamos à conclusão de que a consulta nos processos jurídicos seria o meio mais viável para a continuação da pesquisa de campo, e para isto, conseguimos o apoio e permissão das Professoras Inês Alegria e Denise Pupo, advogadas do Direito de Família do NPJ/PUC-Rio, para que tal trabalho fosse executado, mas antes de começarmos, nos deparamos novamente com o desafio nos colocado anteriormente: as divergências entre o sistema Maxwell e os processos jurídicos. O levantamento dos casos atendidos na área do Direito de Família do NPJ/PUC-Rio no período proposto pela pesquisa (2012–2014), que foi realizado no sistema Maxwell, onde havia sido descoberto o quantitativo de 195 casos não estavam de acordo com o quantitativo observados nos arquivos das professoras, onde se encontravam os processos jurídicos1.
Como motivo para a problemática exposta acima, vimos que no sistema Maxwell entram relatados todos os casos atendidos na triagem do NPJ/PUC-Rio, que tem como característica ser a "porta de acesso" aos serviços jurídicos, oferecidos na instituição, então se apresentavam nos registros deste sistema as pessoas que demandavam por orientações jurídicas; as que deram entrada na Triagem, mas não apareceram no dia marcado com as respectivas advogas do Direito de Família; como também os que viraram processos. A partir daí, vimos que os processos jurídicos ativos se encontravam nos armários, e somente os ativos, uma vez que os encerrados eram arquivados e ficavam localizados ou em uma sala
1 Esta descrição apresentada acima sobre a pesquisa de campo constou também no relatório de pesquisa anterior,
submetido aos anais do XXIII Seminário de Iniciação Cientifica e Tecnológica da PUC-Rio, mas observamos a importância da retomada do mesmo neste trabalho, para a melhor compreensão dos percursos desta pesquisa.
reservada para tal, ou digitalizada do servidor do NPJ/PUC-Rio, para futuras consultas de pesquisas como esta.
Tais constatações interpuseram o desafio de redimensionar os passos necessários à produção de dados na pesquisa de campo, através da apreciação e análise de cada pasta de casos em atendimento nos arquivos da área de Direito de Família do NPJ. Do total de 240 (duzentos e quarenta) analisados, 169 escapavam ao recorte temporal estabelecido na pesquisa, restando 71 (setenta e um) correspondentes a tal critério, porém nem todos já envolvendo processos.
Durante este processo de análise dos casos, buscamos registrar os que tinham como característica o grande período de tramitação da ação proposta, observando também as informações existentes para o entendimento da dinâmica familiar e do circuito percorrido para resolução dos conflitos, condições, entendidas por esta pesquisa, como importantes para a compreensão dos elementos relativos à judicialização das relações sociais, em especial no âmbito da conflitualidade intrafamiliar.
Nesta etapa da pesquisa coletamos alguns dados relevantes para a análise do objeto da pesquisa, sendo eles a respeito do perfil do público atendido no Direito de Família do NPJ/PUC-Rio, levando em consideração aos casos ativos, relativos ao período de 2012 à 2014.
No que se refere ao sexo, 77% das requerentes são mulheres, em um total de 55 de 71 do total, sendo somente 23% representados por homens, ou seja, 16 pessoas. Este público tem como faixa etária predominante a de 27 à 46 anos.
A ação de alimentos representa a grande maioria nos tipos de ação demandadas no NPJ/PUC-Rio, constituindo, aproximadamente, 52% (37 pessoas) do total de 71casos, em seguida as ações de Divórcio e Reconhecimento e Dissolução de União Estável. Na categoria “Outros”, encontramos os demais processos que não representam um número significativo para ser descriminado no gráfico, sendo eles as ações de Adoção, Destituição do Poder Familiar, Interdição, dentre outros tipos.
Conclusão
No atual estágio de desenvolvimento da pesquisa, não dispomos de dados conclusivos para mostrar se há dinâmicas de judicialização ou se o excesso de processos judiciais se dá por outro motivo. No entanto, o exame detido dos registros efetuados pela equipe da área de
de 18 à 26 anos 10% de 27 à 36 anos 29% de 37 à 46 anos 34% de 47 à 56 anos 14% de 57 à 66 anos 6% com mais de 67 1% não declarado 6%
Perfil dos casos analisados no Direito de Família do NPJ/PUC-Rio, relativos ao período de 2012 à 2014, conforme
a idade Ação de Alimentos 27% Ação de Alimentos, cumulada com outro tipo de ação
25% Divórcio 21% Reconhecimento e Dissolução de União Estável 4% Outros 23%
Perfil dos casos analisados no Direito de Família do NPJ/PUC-Rio, relativos ao período de 2012 à 2014, conforme
família do Núcleo oportunizou o contato com aspectos que contribuem para iniciar a problematização acerca da questão apresentada.
No período estudado, o perfil majoritário das pessoas que procuram o Direito de Família do NPJ/PUC-Rio está conformado por famílias monoparentais femininas simples ou extensas (MOREIRA, 2013), sendo a motivação para procura de assistência jurídica, em sua maioria, relacionada a demandas pela regularização de prestação de alimentos ou ações necessariamente precursoras da pertinência de tal pleito, como a investigação de paternidade.
Procuramos nos processos uma certa perpetuação dos conflitos por período relativamente longo, com vistas às possibilidades de análise das diversas alternativas buscadas pela família para resolução de seus conflitos. E apesar de, em uma primeira avaliação, constituírem reduzida parcela do total de casos, surpreende o fato de um número considerável de processos referentes a alimentos envolver conflitos de alta ou média complexidade, ensejando longos litígios e permitindo-nos indagar sobre a existência de demandas subjacentes e implícitas ao motivo de procura por assistência jurídica no NPJ. A continuidade do processo de análise, bem como a etapa de entrevistas com famílias usuários do serviço, certamente fornecerá novos e mais consistentes elementos para aprofundamento de tal questionamento e de outros até aqui impensados.
Referências Bibliográficas
DEPARTAMENTO DE DIREITO DA PUC-RIO. Escritório Modelo. Disponível em: <http://www.jur.puc-rio.br/?page_id=269>. Acessado em: 13 de julho de 2016.
FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa, 3.ª edição, Porto Alegre, Artmed, 2019. LAING, Ronald D. A política da família, 2.ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983.
MOREIRA, Maria I.C. Novos rumos para o trabalho com famílias, São Paulo, NECA– Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente, 2013.
OLIVEIRA, Antonio C. Judicialização das Relações Sociais. In: O Social em Questão, v. 31, p. 9–12, 2014.
