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O TECNÓGENO NO BRASIL: ESTADO DA ARTE

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Academic year: 2021

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O TECNÓGENO NO BRASIL: ESTADO DA ARTE

Marcel Bordin Galvão Dias

Programa de Pós-Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Campus de Presidente Prudente (SP). E-mail: mbgdias@gmail.com

INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo, diferentes civilizações desenvolveram-se a partir da transformação dos recursos naturais, produzindo os bens necessários à sua existência, ao mesmo tempo em que imprimiam modificações às condições naturais originais. A evolução das forças produtivas e a complexificação das sociedades responderam pelo avanço no uso e apropriação dos recursos naturais.

Desde o princípio de sua existência, as diferentes sociedades estabeleceram com o meio natural uma relação de interdependência, na qual os elementos naturais foram responsáveis por direcionar os fluxos migratórios das primeiras populações, ainda nômades, e também a escolha dos locais para os primeiros assentamentos humanos, durante o processo de sedentarização.

Ainda na Antiguidade, observa-se o surgimento dos primeiros núcleos de povoamento que, posteriormente, dariam origem às primeiras vilas e cidades. Com os aglomerados urbanos, a relação sociedade-natureza é requalificada, de modo que se intensifica a apropriação e transformação dos elementos naturais em consonância com o processo de urbanização. Porém, mantém-se ainda a interdependência das sociedades em relação ao meio natural, bem como a vulnerabilidade destas às dinâmicas da natureza, como aquelas relacionadas às variações climáticas, por exemplo.

A magnitude e os efeitos das intervenções humanas no meio natural dependem, primeiramente, da natureza da intervenção e das características ambientais do local no qual se desenvolvem. Secundariamente, estas possuem um forte componente escalar, de forma que não se restringem apenas ao nível local, podendo acarretar mudanças em diversos componentes do meio físico, além do local da intervenção. Do ponto de vista geológico-geomorfológico, tais mudanças compreendem os materiais, os processos e as formas ocorrentes.

Os depósitos e feições tecnogênicos constituem importantes testemunhos das alterações impressas pelas sociedades ao meio natural. Sua identificação, do ponto de

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vista dos materiais constituintes e dos locais de ocorrência, é indicativa da forma de apropriação do meio físico, uma vez que a ocorrência, composição e estrutura dos materiais tecnogênicos está relacionada à ação humana desenvolvida naquele ambiente, podendo conter materiais autóctones, remobilizados e artefatos manufaturados diversos. No Brasil, vários pesquisadores têm se debruçado sobre a temática dos depósitos tecnogênicos, desenvolvendo estudos no intuito de compreender a gênese destes materiais e formas, a exemplo das planícies e terraços tecnogênicos, e sua relação com as intervenções humanas desenvolvidas durante o uso e ocupação do solo, o que se denomina abordagem tecnogênica. Tal abordagem pressupõe a caracterização ambiental e o resgate do histórico de uso e ocupação da área, objetivando reconstituir as condições anteriores à ocupação humana e as influências desta sobre as dinâmicas da natureza, contribuindo para novos arranjos na fisionomia e fisiologia da paisagem.

OBJETIVOS

O presente trabalho tem por objetivo central resgatar as principais contribuições teóricas realizadas no âmbito da abordagem tecnogênica no Brasil.

Enquanto objetivos específicos:

a) Realizar o levantamento dos principais estudos desenvolvidos sobre a temática tecnogênica;

b) Identificar as diferentes perspectivas teóricas presentes nos trabalhos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, em especial, no âmbito das Geociências;

c) Resgatar as diferentes terminologias utilizadas para a designação da ação humana no ambiente e seus desdobramentos.

METODOLOGIA

As atividades desenvolvidas para a execução deste trabalho compreenderam o levantamento bibliográfico e a revisão de literatura acerca da temática tecnogênica, no intuito de resgatar a base teórico-conceitual existente e os trabalhos já desenvolvidos sobre a referida temática. Buscou-se a revisão de textos elaborados por pesquisadores no âmbito das Geociências, em especial da Geografia e da Geologia, considerando a evidente preocupação destes estudiosos em analisar as formações tecnogênicas no

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contexto das transformações dos ambientes (urbanos e rurais) pelas atividades antropogênicas, integrando os aspectos físicos (estrutura, composição) destas formações com a dinâmica ambiental do local de ocorrência.

RESULTADOS PRELIMINARES

O período compreendido entre o Neolítico e o primeiro grande surto industrial ocorrido no século XVIII caracteriza-se pela modificação dos ambientes em decorrência da atividade agrícola, afetando, principalmente, a água, os solos e a vegetação. Com a Revolução Industrial, a intervenção humana intensificou-se sobre esses condicionantes e passou também a impor modificações aos sistemas atmosféricos e aos ambientes hidrológicos e biológicos. A atividade industrial, o desenvolvimento das técnicas e a urbanização, ampliaram a demanda por recursos destinados ao abastecimento da população e da indústria nascente e em franca expansão e, ao mesmo, os recursos (técnicos e instrumentais) disponíveis para sua obtenção.

Com a Revolução Técnico-Científica iniciada no século XX, as mudanças provocadas pela sociedade no ambiente, especialmente após a industrialização, atingem a escala global, assim como as marcas da ação humana sobre a paisagem. Conforme Rohde (2005), as modificações contemporâneas da paisagem, denominadas de efetuações paisagísticas, incluem as feições geomorfológicas antrópicas, a aceleração da erosão dos solos e episódios de poluição.

Tais efetuações, claramente demarcadas na escala do tempo geológico, extrapolam os limites do local e possibilitam a identificação da ação humana em escala planetária. No entanto, nos atentaremos para as marcas da ação humana a nível local, considerando a chamada efetivação litológica: a criação de depósitos geológicos efetuados a partir da intervenção humana, denominados de “depósitos tecnogênicos”. Estes depósitos são motivadores da proposta de criação de um novo período geológico, o Quinário ou Tecnógeno. Este novo período corresponde à época atual, nitidamente marcada pelo avanço técnico-instrumental.

As transformações ocasionadas pelo ser humano na crosta terrestre ocorrem de diferentes formas, dentre as quais se inclui a formação dos depósitos tecnogênicos.

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Rohde (2005) trabalha com as várias efetuações humanas, exemplificando o caráter particular do humano na modificação dos aspectos e processos naturais.

Desta forma, o autor apresenta as seguintes efetuações:

• Efetuação paisagística: feições geomorfológicas antrópicas, aceleração da erosão do solo e episódios de poluição;

• Efetuação litológica:

“A efetuação litológica é a atividade humana mais conspicuamente “geológica”: a criação de depósitos geológicos artificiais e a destruição ou modificação (quanti ou qualitativa) de formações geológicas “naturais” preexistentes”. Os depósitos geológicos efetuados por intervenção humana são, em geral, chamados “tecnogênicos” (...) expressão que veio da Geologia russa (Chemekov, 1982).

Além deste transporte e sedimentação (ou “agradação”) antrópicos, em que podem ser incluídas as áreas agrícolas, camadas culturais e a deposição de resíduos sólidos, existe toda a gama de atividades minerarias e de construção civil que, da mesma forma, originam depósitos tecnogênicos (ROHDE, 2005, p. 148).

• Efetuação geodinâmica: inclui duas situações, ou seja, a tentativa humana de reduzir e eliminar processos geodinâmicos e o desencadeamento (proposital ou não) de fenômenos relacionados. Aqui são incluídas a efetuação sísmica (terremotos provocados pelo enchimento de reservatórios de água, injeção de água e outros fluidos a grandes profundidades na crosta, explosões de artefatos nucleares nas profundidades do subsolo e mesmo, o controle de terremotos), a efetuação vulcânica (atenuação dos efeitos resultantes dos vulcões), a efetuação hídrica (efetuação humana no ciclo hidrológico através da urbanização e industrialização), a efetuação massiva (movimentos de massa causados ou potencializados pela ação humana), e a efetuação erosional (erosão acelerada).

• Efetuação fossilífera: relacionada produção de fósseis artificiais, ou seja, produção daquilo que em uma futura visão retrospectiva, possua características de vestígios ou restos de organismos que existiram previamente.

As ações humanas são, portanto, capazes de interferir em fenômenos e processos que, em períodos anteriores ao Quinário, ocorreriam de modo mais lento e gradual no transcorrer do tempo geológico (tempo longo).

Desta forma, o processo de alteração das dinâmicas da natureza por parte da sociedade vem sofrendo contínua aceleração, iniciada a partir da primeira grande

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revolução agrícola, momento em que o ser humano sedentariza-se, fixando-se a terra e cultivando-a para seu sustento. Para tanto, inicia-se um processo de alteração das condições naturais, a começar pela conversão de florestas em pastagens e áreas de cultivo, no intuito de facilitar a instalação dos grupos humanos e possibilitar a extração dos recursos necessários à sua sobrevivência.

O desenvolvimento social e a evolução progressiva da ciência e da técnica foram acompanhados pela crescente demanda por recursos naturais, gerando inúmeros desequilíbrios ambientais. Esses desequilíbrios são produto da ampliação da capacidade interventiva e transformadora da sociedade sobre a natureza, alterando suas dinâmicas e processos no intuito de aperfeiçoar as condições necessárias à sua existência. De modo geral, a ação humana e suas consequências sobre os ambientes podem ser compreendidas e observadas a partir de diferentes níveis de abordagem, considerando-se às formas, processos, formações e depósitos superficiais existentes no ambiente:

1- A modificação do relevo e as alterações fisiográficas da paisagem, (por exemplo, retificações de canais fluviais, terraplanagem, surgimento de áreas erodidas, áreas mineradas, etc.). Ter-Stepanian (1988), por exemplo, refere-se a tais efeitos como “novos tipos de relevo tecnogênico”. Já Fanning & Fanning (1989) chamam de “superfícies decapadas” (scalped land surfaces) a algumas paisagens resultantes da ação do homem como agente geomórfico. Rohde (1996), por sua vez, cita a expressão “morfotipos artificiais” para referir-se a unidades paisagísticas geológico-geomorfológicas derivadas da ação humana [...]

2- A alteração da fisiologia das paisagens, materializada pela criação, indução, intensificação ou modificação do comportamento de processos da dinâmica geológica externa (tais como o incremento da erosão e da carga sedimentar correlativa, os escorregamentos em geral, a infiltração, as drenagens pluvial e fluvial, as taxas de sedimentação, os fluxos subterrâneos, etc.), que podem atingir portes comparáveis aos resultantes de variações climáticas ou dos efeitos dos movimentos tectônicos [...]

3- A criação de depósitos correlativos comparáveis aos quaternários (depósitos tecnogênicos), os quais vão se constituir em “marcos estratigráficos”, este caráter é indiretamente ressaltado por Fanning & Fanning (1989), ao afirmarem que “do ponto de vista de gênese dos solos, a destruição e formação de solos pelo homem, pela grande manipulação física dos materiais terrosos, são ‘eventos catastróficos’ que criam novos pontos de partida para a formação dos solos” [...] (PELOGGIA, 1998, p. 19-21)

A compreensão dos efeitos das alterações promovidas pela ação humana nas paisagens constitui-se tema relevante nos estudos dos processos geológicos e geomorfológicos do Quaternário. Destaca-se o conceito de geotecnogênese, associado à proposição, adotada por diversos autores (CHEMEKOV, 1982; TER-STEPANIAN,

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1988) em assinalar o período de tempo geológico denominado “Tecnógeno”, ou “Quinário”, momento a partir do qual as mudanças promovidas pela ação humana se fazem sentir em termos geológicos. A denominação “Tecnógeno” deriva, portanto, do caráter técnico das intervenções humanas sobre as paisagens.

A magnitude das alterações antrópicas, em termos geológicos, justifica a proposição de que o Homem constitui-se como agente ativo nos processos superficiais. Conforme Peloggia e Oliveira (2005), os efeitos da ação humana podem alcançar magnitude superior àqueles resultantes da dinâmica natural. Considerando-se a expressão do agente geológico na superfície terrestre, que abrange vastas extensões de terras em diferentes domínios climáticos, incutindo transformações no ambiente por meio da agricultura, do extrativismo ou da expansão urbana, têm-se condição suficiente para que os processos geológicos estejam sujeitos aos condicionantes tecnogênicos, justificando a adoção de uma nova abordagem a respeito da dinâmica dos processos superficiais.

No mesmo sentido, Wilkinson (2005) aponta que a magnitude da ação humana, na atualidade, ultrapassa as taxas naturais, especialmente no tocante à movimentação de rochas e sedimentos. Assim, o autor valoriza a importância das sociedades como agentes da erosão mundial, comparando as taxas pré-históricas de erosão natural com o transporte de sedimentos e rochas por meio de construções e atividades agrícolas, de modo a evidenciar que a movimentação de materiais superficiais pela ação humana assume magnitude superior ao montante dos processos naturais operantes na superfície terrestre.

Outro ponto fundamental é que a ação humana não ocorre de igual maneira em toda a superfície terrestre, pois depende de fatores diversos. A esse respeito, Nir (1983) coloca a existência de quatro fatores fundamentais:

1. A destruição por uma única atividade humana e seu impacto global sobre a superfície da Terra (Collier, 1972), multiplicando-a, por parte da população mundial, ou seja, o fator demográfico.

2. O intervalo de tempo o qual essas atividades ocorreram (ocupação intensiva do solo em algumas áreas tem continuado sem pausa de 6.000 a 15.000 anos) (ibid., 1972), ou seja, o fator histórico.

3. O aumento da capacidade do homem para modificar a paisagem pelas novas tecnologias e pelo investimento de capital, ou seja, o fator econômico.

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4. A crescente demanda e a necessidade de um melhor padrão de vida, que envolve ainda a intervenção em processos naturais, ou seja, o fator socioeconômico (NIR, 1983, p.8, tradução nossa).

Apesar da capacidade de modificação da superfície terrestre pelo ser humano ter se acentuado no período da Revolução Industrial, o início das transformações, mesmo que de modo menos intenso, pode ser atribuído à Revolução Neolítica, há aproximadamente 10.000 anos “[...] quando o Homem conquista as primeiras técnicas de produção de alimentos, deixando sua fase de coletor, na qual não se destacava do conjunto de atividades biológicas nas suas relações com a natureza” (OLIVEIRA, 1990, p. 412).

Antes desse período os grupos humanos, então nômades, reagiam reflexivamente aos impulsos determinados pelo ambiente. Entretanto, o desenvolvimento da agricultura trouxe consigo a acumulação de excedente, a apropriação do relevo e a consequente exteriorização da natureza, fazendo emergir o binômio natureza-sociedade. O início da revolução agrícola no período Neolítico representa, também, o início de um novo período na escala do tempo geológico: o Quinário1.

Este período constitui um marco no tempo geológico caracterizado pela apropriação da natureza pelas sociedades através do trabalho e da técnica enquanto instrumentos de produção, acumulação e por consequência de produção de uma nova natureza (tecnificada). Nesta perspectiva, o produto do Quinário seria o antropostoma, termo criado para designar o ambiente gerado pelos seres humanos. Etimologicamente, a palavra é resultado da soma do radical “antropo” e palavra grega “stoma”, utilizada no sentido literal de “tapete”, devido à associação dos artefatos humanos e construções desenvolvidas como uma camada, um tapete, sobre a superfície terrestre (PASSERINI, 1984 apud ROHDE, 2005).

Todavia, o termo antropostoma destina-se à caracterização do conjunto de processos e formas que se intensificam e resultam da interação sociedade-natureza, promovendo a constituição de uma nova face da superfície da Terra, enquanto o termo tecnogênico indica as formações sedimentares novas, resultantes de fases mais atuais da

1 Conforme Rohde (2005), os geólogos russos denominam este acontecimento como o nome de

“Quinário” ou “Tecnógeno”; outros o chamam de “Antropostoma” ou “Antropógeno”. Na Geoquímica, a denominação mais utilizada é “Antroposfera”.

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tecnificação da sociedade (ROHDE, 2005). Neste sentido, Suertegaray (1998) aponta a existência de diferentes formações tecnogênicas, trazendo, individualmente, explicações localizadas e específicas de processos tecnogênicos, que se tornam globais, mas que atuam diferentemente no tempo e se expressam diferentemente no espaço.

O termo “Quinário” foi introduzido no universo científico para caracterizar a passagem do homem de um estado primitivo a um estado avançado, na escala da evolução biológica. No primeiro caso, a ação humana em nada se diferenciava daquela dos outros animais, pois se resumia, basicamente, à atividade coletora e a caça, destinadas a satisfazer as necessidades essenciais. No outro extremo, a ação humana, por meio do trabalho e da técnica, inicia o processo de acumulação primitiva, interferindo diretamente no equilíbrio dinâmico do planeta, na busca pelo domínio dos outros elementos do meio natural (CUNHA, 2000). Assim, o Quaternário marca o momento de surgimento do homem, ao passo que o Quinário constitui o período de sobreposição ativa deste sobre a natureza.

Outro ponto importante nesta consideração é que a transição do Quaternário para o Quinário é gradual em todo o planeta, de acordo com a intensidade da ação humana transformadora da natureza e o aparato técnico disponível para sua concretização.

Assim, todo evento tecnogênico (origem) seria antropogênico (período), o inverso não sendo necessariamente verdadeiro. Por outro lado, o termo tecnogênico (originado pela técnica) destaca a importância em se considerar que os eventos resultantes da ação humana refletem uma “ação técnica” e, neste aspecto, sua adoção tem larga vantagem sobre a do antropogênico, pois a técnica, conjunto de processos por meio dos quais os homens atuam na produção econômica e qualquer outra que envolve objetos materiais, surge com o homem. (OLIVEIRA, 1990, p. 412).

Assim, o Quinário-Tecnógeno é marcadamente o período da geo-história no qual a ação humana difere-se qualitativamente da atividade biológica, desencadeando processos tecnogênicos de intensidade, por vezes, superior à dos processos naturais.

Em sentido análogo, Crutzen e Stoermer (2000), considerando os impactos das atividades humanas sobre a Terra, propõe a utilização do termo “Antropoceno” para designar a época geológica atual, enfatizando o papel central da humanidade na geologia. Segundo os autores, o Antropoceno tem início no final do século XVIII, momento em que os efeitos das atividades humanas tornam-se mais evidentes na escala

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global, a exemplo do aumento nas concentrações atmosféricas de “gases de efeito estufa”, em particular, CO2 e CH4.

No tocante ao tempo geológico, vale ressaltar que o Quinário e o Tecnógeno constituem termos relativos a um período e uma época, respectivamente. Conforme a proposta estabelecida por Ter-Stepanian (1988), o Quinário seria um período e o Tecnógeno sua época correspondente. Peloggia (1998) menciona que a denominação “Quinário” implica em estatuto de sistema, representando, portanto, um período dotado de posição estratigráfica superior ao Quaternário e ao Terciário. Aponta ainda que o termo “Quinário” (ou “Tecnógeno”) difere do termo “Antropógeno” utilizado na literatura soviética. Isto porque enquanto este destaca tão-somente os eventos levados a efeito no intervalo entre o aparecimento e a evolução do homem, o termo Quinário expressa o evento ruptural caracterizador da situação em que o Homem, por meio do trabalho, passa a apropriar-se da natureza que, assim, torna-se externalizada, humanizada (CUNHA, 2000).

Rohde (2005) propõe a divisão (teórica) do Tecnógeno em duas idades ou momentos distintos, genericamente denominados “Tecnógeno I e II”. A inclusão dessa nova época na escala do tempo geológico considera o Quaternário representativo da evolução natural da Terra, ao passo que Quinário representa o período em que o ser humano passa a desempenhar importante papel enquanto agente morfogenético.

O “Tecnógeno I” é aquele em que os seres humanos descobrem o desequilíbrio introduzido, a deriva antrópica e antropogênica dos sistemas terrestres e se conscientizam do fato e das suas implicações, em que se migra de uma Biosfera I (evoluída, natural etc.) para uma Biosfera II (criada, modificada etc.).

O “Tecnógeno II” é o período seguinte, em que os humanos tentam diminuir seus impactos ou, até, reduzi-los a zero, obtendo um novo equilíbrio dinâmico (sinergia) entre a Tecnosfera e a Biosfera [...] (ROHDE, 2005, p. 135)

A Tabela 1 representa a inserção do Quinário na sequência de períodos geológicos, bem como as características inerentes às suas idades.

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Fonte: Adaptado de CUNHA (2000)

Segundo Peloggia e Oliveira (2005), a ação geomorfológica da sociedade, denominada morfotecnogênese, pode acarretar a geração de formas (ou feições) de primeiro tipo e de segundo tipo. As de primeiro tipo são aquelas originadas de processos tecnogênicos degradacionais, nos quais ocorre a mobilização de material. Entre as formas de primeiro tipo, o autor exemplifica os terrenos rampeados por terraplanagem e as vertentes ravinadas. No entanto, ressalta-se que tal ação pode ocorrer de forma direta ou indireta.

A ação indireta ocorre através de alterações nas características hidrológicas de um local, na estrutura superficial da paisagem, nos vetores e limiares de atuação dos processos. Já a ação direta ocorre por meios mecânicos que geram geometrias próprias ou que possuem alguma relação com as superfícies anteriores (PELOGGIA, 1999).

As formas de segundo tipo, no entanto, estão relacionadas a processos tecnogênicos agradacionais, resultantes da acumulação de material geológico. Neste caso, também podem ser resultantes de ações diretas de deposição, que ocorrem por meios mecânicos, ou indiretos, correlativos à degradação. Entre os exemplos, têm-se os aterros e morrotes artificiais e as planícies aterradas. Podem configurar, portanto, “rampas” e “terraços” originados por materiais carreados das encostas, cedidos por

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processos erosivos intensificados e que colmatam a base das vertentes e assoreiam os canais com material colúvio-aluvionar.

Ressalta-se que, em relação aos relevos tecnogênicos, é possível identificá-los taxonomicamente, conforme a proposta de Ross (1992), como pertencentes ao 6º táxon (formas resultantes de processos atuais) e ao 5º táxon (tipos de vertente). Eventualmente são também identificadas formas pertencentes ao 4º táxon (tipos de formas de relevo), sendo, contudo, diferenciadas das formas naturais por não possuir vínculo genético no encadeamento aos táxons superiores. Esta relação entre a formação do relevo tecnogênico e a classificação taxonômica é possível devido a certo grau de dependência que essas novas formas esculpidas pela ação humana têm em relação às formas originais (PELOGGIA e OLIVEIRA, 2005).

As alterações na fisiologia da paisagem expressas na criação de depósitos tecnogênicos possuem estreito vínculo com os modos de uso e ocupação do solo. Em se tratando de áreas de fragilidade, cujos atributos físicos denotam suscetibilidade natural ao desencadeamento de processos acelerados, as modificações antrópicas podem induzir respostas em termos degradacionais, expressos na maioria das vezes em feições erosivas, e em termos agradacionais no assoreamento de cursos d’água, ambos processos naturais acelerados pela intervenção humana, com efeitos ao ambiente e à sociedade.

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