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Processo 5/14.4TCFUN.L1-2 Data do documento 21 de maio de 2020 Relator Pedro Martins

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Responsabilidade da seguradora > Relação material controvertida

SUMÁRIO

I - A pessoa colectiva, quer responda por facto próprio (art. 483/1 do CC) quer por facto de outrem (art. 500/1 do CC), não deixa de ser uma pessoa responsável pelos danos para os efeitos do art. 497/1 do CC, pelo que a sua responsabilidade, perante o lesado, é solidária com a do seu órgão ou com a do seu representante.

II – A obrigação da seguradora, que a lei permita possa ser demandada juntamente com o seu segurado, é solidária por força das respectivas normas legais e não por via do art. 497/1 do CC.

III – O direito de regresso, numa acção em que esteja em causa o pedido de indemnização feito por lesado, não é objecto da acção, excepto se isso tiver sido pedido num caso em que tal pode ser pedido (art. 317/1 do CPC).

IV – Se tiver sido provocada a intervenção principal de outros eventuais litisconsortes, a relação material controvertida tem a configuração que lhe for dada por autor e réus, não se podendo afirmar que há violação da causa de pedir invocada na petição inicial pelo facto de os réus primitivos terem sido condenados em parte por factos que eles próprios alegaram quando provocaram a intervenção do novo réu, também considerado obrigado solidário,

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ou quando a seguradora chamada é condenada com base no que eles alegaram.

V – Se a autora acende uma chama dentro de uma sala de uma moradia onde não pode deixar de sentir o cheiro a gás, deve considerar-se que um facto culposo dela também concorreu para a produção dos danos, no caso em 20%, devendo a indemnização ser reduzida com esse fundamento (art. 570/1 do CC), como o foi.

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

A propôs um acção contra (i) B-Unipessoal, Lda, e (ii) C, pedindo a condenação de ambos a pagar-lhe 120.000€ a título de danos morais e 4877,72€ a título de dano patrimoniais, a ampliar em função do montante dos danos que vier a ser determinado pelo Instituto de Medicina Legal, quanto aos danos morais e quanto à medida da incapacidade a fixar à autora, e dos valores que, por vir a estar de baixa, deixará de auferir; e ainda no pagamento de todas as despesas que venha a fazer em resultado dos danos corporais que sofreu, nomeadamente operações estéticas ou de recuperação, internamentos, viagens, medicamentos e outras.

Alega, muito em síntese, que no dia 23/10/2012, foi vítima de uma explosão de gás, seguida de incêndio, em casa de um amigo, onde tinha ido a pedido do mesmo, para ligar o alarme e verificar se estava tudo bem; a explosão deu-se quando acendeu um isqueiro a gás para fumar um cigarro na sala; o gás que provocou a explosão derramou de um tubo na cozinha, saído da parede, por detrás do armário que acondicionava o fogão; o proprietário da casa, D, remodelou a casa em 2010; a colocação e montagem da instalação de gás

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foram feitas pela ré B-Lda na zona da cozinha; como o proprietário, na altura, preferiu um fogão constituído por uma placa de indução a electricidade, o tubo do gás que provinha das bilhas exteriores não foi ligado a electrodoméstico nenhum e foi tampado com uma tampa de plástico e não tamponado com um bojão roscado ou fixado por processo equivalente, nomeadamente com batoque em latão; por outro lado, foi instalada, por cima do local onde a placa estava instalada e por cima do tubo de gás, uma torneira de corte de gás; tal torneira, precisamente porque o tubo do gás estava interrompido, devia estar colocada em posição de não poder ser aberta, isso é, deveria ter uma tranca para impedir rodar o manípulo, ou então não ter este; o que não ocorreu, pois no local foi instalada uma torneira de corte, mas com um pequeno torniquete/manípulo de abertura fácil (bastava girar com pouca força); o gás que provocou a explosão proveio do tubo, não selado, que alimentaria o fogão de cozinha; sendo que a tampa de plástico cedeu à pressão do gás a correr no tubo; a afluência de gás ao tubo ter-se-á devido ao facto de alguém, inadvertidamente, ter rodado a dita torneira de segurança, que não ocorreria caso a mesma estivesse nas condições referidas supra; foi o réu C, técnico de gás, quem pessoalmente esteve no local a montar a instalação de gás, quem praticou os actos de instalação; em resultado da explosão de que foi vitima, a autora sofreu inúmeras lesões, permanentes e com sequelas, e reflexos patrimoniais e não patrimoniais e vai continuar a sofrê-los.

Os réus contestaram, excepcionando a ilegitimidade de ambos, porque a ré tinha coberto a sua eventual responsabilidade civil para com terceiros através de um contrato de seguro celebrado com a Seguros-SA; e, também, quanto ao réu, porque não haveria contrato com este; e impugnando alguns dos factos alegados pela autora: as obras de instalação do gás foram realizadas correctamente e os danos, a verificaram-se, estão calculados com exagero; excepcionaram também a culpa do dono da moradia, por ter sido ele que, ao ter instalado uma placa de indução, tornou inútil o tubo de gás instalado para

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um fogão a gás, e, apesar de alertado para a necessidade de o fazer, não ter feito colocar um tampão cego no aludido tubo, nem retirado o (nem permitido a retirada do) manípulo da válvula do corte de gás para o fogão de modo a obstar a que alguém a pudesse abrir (artigos 16, 17, 19, 21, 25 e 26), criando assim as condições necessárias para o que veio a acontecer (art. 83); e ainda porque foi ele que abriu a torneira de segurança do tubo [por onde veio a sair o gás que provocou a explosão]; isto como resulta também do que alegam nos artigos 76 a 85 e do que dizem no art. 90, com remessa para os artigos anteriores e para o que teria sido dito pelo próprio dono: arts. 47 a 50, para o que foi dito pela PJ: arts. 52 a 55 e para as suas próprias conclusões: arts. 56 a 60; ainda dizem que relativamente às obras mencionadas o dono não deu entrada na Câmara Municipal qualquer projecto, de obras ou outro, e após a realização das obras não deu entrada nem requereu qualquer autorização de utilização do imóvel e consequentemente a Câmara não emitiu qualquer licença de utilização do imóvel (arts. 45 e 46); e da própria autora, que actuou de forma negligente ao acender um isqueiro na sala onde se encontrava o gás; a ré requereu, nos termos dos artigos 316 e seguintes, a intervenção principal provocada da sua seguradora, como sua associada, e do proprietário da moradia, D, como associado da autora.

A autora opôs-se ao pedido de intervenção do dono da moradia como seu associado, por ser evidente que o interesse deste não era igual ao seu. A B-Lda veio então dizer que tinha havido um lapso, requerendo que se passasse a entender que tinha pedido a intervenção do dono da moradia como seu associado e não como associado da autora. A este requerimento a autora opôs-se dizendo que não havia qualquer lapso manifesto.

Citado para o efeito, o Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, deduziu, contra os réus e contra os chamados, pedido de condenação solidária no reembolso de prestações da segurança social, no montante de 13.701,04€, acrescidos dos valores que, entretanto, viessem a ser pagos até ao

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encerramento da discussão e julgamento da causa, e dos juros a contar da notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.

Por despacho de 19/06/2015 foi admitida a intervenção principal dos chamados, como associados dos réus, nos termos do artigo 316/3-a do Código de Processo Civil (litisconsórcio voluntário como devedores solidários: artigos 483, 490, 493/1 e 497, todos do Código Civil); ambos contestaram os pedidos da autora e do ISSM:

- a seguradora, em resumo, impugnando alguns dos factos alegados pela autora e aderindo à e completando a contestação da B, dizendo que foi o dono da moradia que não deixou que o trabalho daquela tivesse sido concluído em condições e que o evento danoso nunca teria ocorrido sem esse impedimento; - e o réu D, a 04/01/2016, aceitando alguns factos alegados pela autora e admitindo a possibilidade da verificação de outros; impugnou os factos alegados pelos réus chamados como base da responsabilidade que lhe imputavam a si; e requereu a intervenção principal provocada de J, o empreiteiro da obra de remodelação, e de L-SA, como seus associados, para exercer um eventual direito de regresso, o que foi indeferido. Entre o mais, o réu dizia que a autora tinha recebido parte do montante do valor da eventual responsabilidade civil coberta pelo seu seguro, a título de danos corporais (esta contestação foi notificada a todas as outras partes, na sequência do despacho de fls. 290 e 291 do processo em papel, de 10/02 e 16/03/2016).

A autora respondeu às excepções suscitadas na contestação apresentada pelos réus B-Lda e C, impugnando a respectiva base de facto.

No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade processual passiva dos réus C e B.

Depois da realização de exame médico-legal, a autora deduziu incidente de liquidação do pedido genérico, aumentando para 37.574,96€ o valor dos danos patrimoniais; o incidente e os factos alegados, foram impugnados pelos réus. Na audiência final de 12/12/2018, a E disse que só nesse dia tinha tido

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conhecimento que a autora teria recebido uma indeminização de 20.000€ por parte da seguradora do interveniente D ou da respectiva seguradora L, e requereu a notificação da autora e do respectivo interveniente para juntarem aos autos cópia do respectivo recibo indemnizatório e, caso no mesmo não conste a natureza do respectivo pagamento, a que título foi paga a referida importância. Efectivamente tal montante poderia ser tido em conta no peticionado na presente acção, pelo que se mostrava de todo o interesse apurar a respectiva factualidade. A autora respondeu que a intervenção da L Seguros tinha sido requerida pelo interveniente D tendo sido indeferida pelo tribunal, pelo que entendia não ter que juntar qualquer documento que tenha estabelecido com a mesma. O réu D disse que nada tinha a opor à junção do eventual documento. Os réus B-Lda e C aderiram ao requerimento da E, referindo ainda que também só agora tiveram conhecimento da factualidade em causa, concretamente atinente ao facto de já haverem sido pagos, por conta do mesmo sinistro, 20.000€ para ressarcimento dos danos que a autora teria sofrido e daí toda a pertinência para a respectiva junção aos presentes autos e o conhecimento do tribunal. E depois a E ainda requereu que se notificasse a L para vir juntar aos autos toda a documentação do processo de sinistro relativo ao pagamento de 20.000€ à autora e toda a documentação do processo de sinistro inclusive toda a negociação existente. A autora, o réu D e o ISSM disseram nada a opor e os réus B-Lda e C aderiram ao requerimento da E, tendo então o tribunal proferido o seguinte despacho: Atenta a posição assumida por todos os intervenientes concede-se o prazo de 10 dias ao réu D para proceder à junção do documento nos termos do requerimento ou dizer o que tiver por conveniente. Quanto ao mais, oficie à L mencionada pelo requerente, nos termos requeridos.

A 03/01/2019, o réu D juntou a relação discriminada dos valores pagos pela L à autora, no valor global de 20.732€.

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listagem apresentada, no valor de 10.964,17€, todas as outras se destinaram a reembolsar a autora ou a pagar despesas incorridas pela mesma, após ter tido alta do Hospital onde esteve internada 155 dias por virtude da explosão de gás. Na verdade, mesmo antes da propositura da presente acção, o réu D accionou a sua apólice multirriscos habitação, ao abrigo da qual a L foi pagando à autora todos os tratamentos, consultas, cremes, fisioterapia e tudo o mais de que a mesma foi carecendo até Maio de 2015; nenhuma dessas despesas está reclamada na presenta acção. Em Abril de 2018, querendo a L encerrar o processo de sinistro, entendeu pagar à autora a quantia que faltava para esgotar o plafond da apólice. Foi nesse sentido que procedeu ao pagamento à autora de 10.964,17€. Fê-lo, contra a entrega pela autora do recibo de que ora se junta cópia, sendo que a referida quantia não é nenhuma das reclamadas pela autora na presente acção, pelo que os pagamentos feitos pela L em nada relevam no presente processo. E requereu a notificação do réu D para que viesse confirmar que todos os valores constantes do documento que juntou, com excepção do ultimo, se referem, não a entregas em numerário feitas à autora, mas sim ao pagamento directo ou reembolso à mesma de despesas por ela incorridas com tratamentos e medicamentos a que teve que recorrer em virtude do acidente de que foi vitima. Juntou documento da L onde, com referência aos detalhes dos pagamentos, consta, danos corporais, e ao valor: 10.964,17€ e um recibo de quitação da autora à L.

A 17/01/2019, os réus B-Lda e C escreveram que 1: Integram o objecto da presente acção, à luz da causa de pedir e do pedido, considerando quer a petição inicial quer o incidente de liquidação deduzido, os alegados danos corporais sofridos pela autora. […] 3: Acontece que, face ao requerimento apresentado pela autora, bem com face ao documento que o acompanha, se verifica que aquela já recebeu, em função dos ditos danos corporais, pelo menos 10.964,17€. 4. Integra ainda tal documento a quitação integral dada a esse título à seguradora que efectuou o pagamento em causa: L. 5. Assim, vêm

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os requerentes expressamente arguir, como defesa a título de excepção, quer o aludido pagamento, quer a aludida quitação integral, uma vez que a todos os respectivos devedores liberam, considerando que a responsabilidade civil extracontratual é fonte de solidariedade: cfr. arts. 497/1 e 512/1 do CC. 6. Na verdade “se, em vez de recorrer à via judicial, o credor exigir a prestação extrajudicialmente a um dos devedores, não fica inibido de a reclamar de outro ou outros, enquanto não for efectuada”, sendo que, no caso concreto, tal prestação já foi efectivamente realizada, na integra, face ao documento apresentado pela autora, devidamente assinado pela mesma, e no qual consta, assinado por aquela o recibo do pagamento da quantia acima identificada e a quitação integral referente aos alegados e ditos danos corporais. 7. A presente matéria só agora, em face do comportamento processual da autora, foi conhecida dos requerentes. Termos em que deve ser admitido o presente articulado nos termos do art. 588/3-c do CPC.

A 17/01/2019, a E subscreveu integralmente tal requerimento, aderindo à posição ali manifestada.

A 04/02/2019, a autora veio dizer, entre o mais, que “de acordo com o princípio da economia processual, a autora vem desde já responder ao articulado superveniente, arriscando a que a resposta seja considerada extemporânea, como, aliás, o é o próprio articulado a que ora se responde, porquanto, nos termos da norma acima referida, só deveria ser apresentado na continuação da audiência final. Respondendo: Não tem os réus qualquer razão. De facto, e como já o afirmou anteriormente a autora, todas as verbas despendidas pela L, com excepção dos 10.964,17€, foram para pagar tratamentos ou deslocações ou outras despesas, todas incorridas pela autora antes da propositura da presente acção e nenhuma delas reclamada na mesma. Quanto aos 10.964,17€ recebidos pela autora, não foi a título de danos corporais como afirmam os réus, no artigo 3º do articulado superveniente, que assim se impugna. Nem a autora deu quitação integral àquela seguradora, como se afirma no art. 4 do articulado

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superveniente, que assim se impugna, mas tão só a quitação daquela quantia, como resulta com evidente clareza do recibo de quitação. Nem a autora prescindiu de reclamar quantias remanescentes. Acresce que a L não é ré na presente acção, pelo que não poderá ser condenada em qualquer pagamento, pelo que nem sequer pode recair sobre ela a responsabilidade solidária que, para este efeito, pretendem os réus. Termos em que deve ser rejeitado o articulado superveniente, porquanto o nele alegado não interessa à boa decisão da causa.

A 19/02/2019, a L apresentou uma lista de pagamentos à autora, coincidente com aquela que já constava dos autos.

A 07/03/2019, a autora disse que, notificada da junção aos autos da listagem de pagamentos feitos pela interveniente L, que coincide, aliás, com a junta pelo réu D vem requerer que se ordene a notificação de ambos para, em complemento, virem aos autos informar se todas as despesas indicadas como tendo sido recebidas por ela, autora, o foram efectivamente ou se foram reembolsos à mesma de despesas feitas por esta e depois reembolsadas contra a entrega dos respectivos comprovativos, bem como informem, de uma forma genérica, qual a natureza de tais despesas (consultas, medicamentos, tratamentos, transportes, etc.).

A 08/03/2019, os réus B-Lda e C dizem que a informação mencionada no requerimento da autora não faz qualquer sentido no que toca aos 10.964,17€ de que a autora foi abonada: não só tal quantia foi expressamente excluída pela mesma do elenco de despesas em que incorreu (citando-a: “com excepção da última verba constante da listagem apresentada, no valor de 10.964,17€, todas as outras se destinaram a reembolsar a autora ou a pagar despesas incorridas pela mesma”), como, nos expressos termos do documento emitido pela L e junto aos autos, tal quantia não corresponde ao reembolso de quaisquer despesas, antes integra a compensação pelos respectivos danos corporais […] A 21/03/2019, foi proferido o seguinte despacho, em síntese:

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Vieram os réus B-Lda e C deduzir articulado superveniente, alegando que […]. […]. Notificada a autora do articulado, a mesma, além de arguir a extemporaneidade da respectiva apresentação, impugnou alguns dos factos alegados pelos réus […]. Nos termos do disposto no artigo 588, n.ºs 1 a 4, do CPC os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. […]. O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes deve ser oferecido na audiência prévia, se houver lugar a esta, quando os factos que dele são objecto hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento, nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado audiência prévia, ou na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores. O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo […]. […]. No presente caso, não foi realizada audiência prévia, tendo o despacho saneador sido proferido em 04/11/2016. Os réus vieram alegar materialidade consubstanciada em documento datado de 17/04/2018 […]. Assim, o prazo para a apresentação último articulado possível nestes autos terminou antes do momento em que terão ocorrido os factos supervenientes, conforme se extrai do documento em que assenta a factualidade supervenientemente alegada. Sucede que o despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento que, entretanto, se iniciou, foi notificado aos réus em causa em 16/10/2018 […]. Nesta sequência, a factualidade superveniente carreada para os autos, assente no documento datado de 17/04/2018 mencionado, ocorreu até aos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência de julgamento. Assim sendo, o prazo para a apresentação do articulado superveniente em causa terminou nos referidos 10 dias posteriores à

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mencionada notificação da data designada para a realização da audiência de julgamento. E diz-se terminou uma vez que nenhuma prova foi indicada no articulado superveniente apresentado (artigo 588/5 do CPC) e, por conseguinte, poderá ser produzida, no sentido da demonstração do conhecimento posterior da factualidade alegada em tal articulado (artigo 588/3-b-c do CPC). E nem se poderá afirmar que resulta dos próprios autos o conhecimento posterior pelos réus desses mesmos factos supervenientes, uma vez que o documento em que os mesmos réus assentam a matéria vertida no articulado superveniente foi junto aos autos na sequência de requerimento da E a que os réus apresentantes do articulado em causa aderiram em sede de audiência de julgamento […]. É que, ainda na fase dos articulados, e com data de 04/01/2016 […] o chamado D, na contestação por si apresentada em que, concomitantemente, deduziu requerimento de intervenção principal provocada precisamente da seguradora L, alegou que esta havia já pago valores à autora “a título de danos corporais” (cfr. artigo 51), articulado este que foi notificado aos réus na sequência do despacho com a ref. 417028758 fl. 291). Conclui-se, deste modo, que não alegam, nem oferecem os réus prova de que o conhecimento pelos mesmos dos factos alegados no articulado superveniente apresentado terá ocorrido depois do momento referido no n.º 3, alínea b) do [do art. 588 do] CPC. Assim sendo, pese embora os factos alegados pelos réus no articulado ora em apreço se mostrem objectivamente supervenientes, por se tratar de factos ocorridos posteriormente ao decurso do prazo para a apresentação do último articulado, não resulta alegado nem foi oferecida prova do conhecimento dos réus posterior ao momento estabelecido no art. 588/3-b do CPC desses mesmos factos, sendo certo que a respectiva ocorrência é anterior à notificação da data designada para a realização da audiência de julgamento, havendo, ainda na fase dos articulados, notícia nos autos, de que estavam já a decorrer pagamentos à autora por parte da seguradora L. Conclui-se, deste modo, que não estão preenchidos os pressupostos de admissão do articulado

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superveniente apresentado. Pelo exposto, rejeita-se o articulado superveniente apresentado pelos réus.

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença condenando solidariamente os réus a pagar:

- à autora 73.600€, a título de indemnização por danos patrimoniais [= 29.600€] e não patrimoniais sofridos [= 44.000€].

- e ao ISSM 10.830,19€, acrescidos de juros, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação para a dedução do pedido de reembolso e até efectivo e integral pagamento.

Os réus B-Lda e C recorreram desta sentença, impugnando a decisão de três pontos da matéria de facto, arguindo nulidades da sentença e pondo em causa a procedência da acção.

A autora recorreu subordinadamente, nos termos e ao abrigo do art. 633 do CPC, na parte em que a sentença lhe é desfavorável, isto é, na consideração de que a conduta dela concorreu em 20% para a produção de danos e em consequência reduziu a indemnização (art. 570 do Código Civil); entende que a indemnização deve manter-se no valor dos danos, de 92.000€, ou, quando muito, considerar-se que a autora é culpada apenas em 8%, sendo os réus condenados solidariamente no valor de 84.640€.

*

Questões que importa decidir: as nulidades; as impugnações das decisões da matéria de facto; se os réus recorrentes não deviam ter sido condenados a pagar uma indemnização à autora; se à autora não devia ter sido atribuída culpa no acidente ou, se, no máximo, lhe devia ter sido atribuída apenas 8% da culpa.

*

Foram dado s como provados os seguintes factos (não se transcrevem os referentes aos danos causados à autora e ao ISSM, ao menos para já):

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materiais ou corporais causados decorrentes de acções relativas à instalação de redes e/ou montagem e reparação de aparelhos de gases combustíveis, estava assumida pela E-SA, até ao limite de 600.000€, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 6000791100010/11.

2. Correu termos processo de inquérito com o nº 524/12.7JAFUN, da 1ª Secção dos Serviços do Ministério Público do Funchal.

3. A autora é beneficiária da Segurança Social com o n.º 10342664734.

4. A B-Lda estava, no momento referido em 1, e está, credenciada pela Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia da Região Autónoma da Madeira como “Entidade Instaladora de Redes de Gás”.

5. O réu C estava, no momento referido em 1, e está, credenciado pela mesma Direcção Regional como “Soldador de Redes de Gás”, “Instalador de Redes de Gás” “Mecânico de Gás”.

6. No âmbito do processo referido em 2, J, na qualidade de empreiteiro geral das obras em causa, declarou a fls. 99 e seguintes daqueles autos, que adjudicou a parte da execução da instalação de gás à B. Mais declarou, e em síntese, o seguinte: “Como na altura o proprietário da casa comprou no continente os móveis de cozinha com uma placa de indução, esta foi aplicada na cozinha, tendo o tubo de gás na parede por cima do móvel uma torneira de passagem e em baixo, na ponta, o técnico de gás colocou uma tampa plástica para não entrar lixo”; “Na altura adjudicou a parte do gás à B-Lda do Sr. F, com sede na Ribeira Brava, que tem a licença para fazer este tipo de instalações, e veio testar a instalação confrontou-se com o facto do acesso ao tubo do gás existente por baixo da placa do fogão já estar fechado pela bancada de mármore e não poder assim soldar ou colocar o batoque de latão na ponta do tubo que lá estava”; “Todos os materiais e equipamento (…) eram comprados pelo proprietário da casa”; “O carpinteiro (…) quando montou a bancada de cozinha não se lembrou que havia a ponta do tubo do gás para fechar”; “(…) lembra-se do Sr. Faria ter alertado o proprietário da casa Sr. D para a existência

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da torneira de passagem na parede ter de estar sempre fechada, já que a ponta do tubo ter apenas uma tampa plástica e não estar soldada”.

7. Ainda no âmbito daquele processo, resulta da participação da Polícia de Segurança Pública constante de fls. 4 e seguintes daqueles autos que: “(...) a vítima, segundo informações da equipa da ambulância, encontrava-se no exterior do prédio aquando da chegada destes (…)”; “Pelo facto de a vítima até ao presente momento ainda estar a receber tratamento hospitalar, não foi possível chegar à fala com esta. Após diligências, viemos a apurar que esta é companheira do proprietário da residência, informações estas prestadas pela vítima, a qual, apesar de, no momento, estar nos “Cuidados Intensivos” daquela unidade de saúde, informou que o nome do seu companheiro é D, o qual encontra-se ausente na Suécia”.

8. No âmbito do mesmo processo, resulta da “Informação de Serviço” da Polícia Judiciária de fls. 18 e seguintes daqueles autos que: “Segundo foi possível apurar, A, namorada do proprietário, deslocou-se à residência alvo de explosão com o intuito de accionar o alarme; “(…) mantida breve conversa com a mesma, referiu que entrou na aludida residência, tendo de imediato sentido um odor estranho”.

9. No mesmo processo de inquérito, resulta das declarações da aqui autora de fls. 85 e seguintes daqueles autos que: “Quando chegou à residência verificou um forte odor a gás que lhe pareceu vir de umas obras, já que andavam na moradia vizinha a arranjar os esgotos, pelo que não deu importância ao cheiro”; “Na cozinha, por trás do armário que acondicionava o fogão eléctrico, não tinha conhecimento da existência de um tubo de cobre de alimentação do gás saído da parede, próprio para futura instalação de gás no fogão e que presume ter sido aí o derrame de gás para o interior da residência por o mesmo se encontrar mal selado”.

10. A petição inicial da presente acção deu entrada em juízo no dia 07/01/2014. 11. No âmbito do mesmo processo, por despacho de 06/11/2013, de fls. 161 e

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seguintes daqueles autos, o Ministério Público autorizou a consulta ao processo, tendo, posteriormente, por despacho de 15/11/2013, deferido a confiança do processo à aqui autora.

12. Após a realização das obras, o proprietário do imóvel não deu entrada nem requereu qualquer autorização de utilização do mesmo e, consequentemente, a Câmara Municipal não emitiu qualquer licença de utilização de habitação do imóvel.

13. Ainda no âmbito daquele processo, consta “Informação de serviço” da PJ, a fls. 18 e seguintes daqueles autos, que: “A residência afectada é propriedade de D (…)”; “ Em conversa com este apurou-se, conforme já referido, que o mesmo se encontrava na Suécia, tendo-se ausentado de casa por volta das 4h30, tendo para o efeito fechado o passador de gás existente na cozinha, na parede junto ao fogão.

14. Em declarações por si prestadas, a fls. 58 e seguintes ainda desse processo, o aqui réu D afirmou que: Na cozinha, por trás do armário que acondicionava o fogão eléctrico tinha conhecimento da existência de um tubo de cobre de alimentação de gás, saído da parede, próprio para futura instalação a gás no fogão”.

Em declarações prestadas a fls. 89 e seguintes, o mesmo réu referiu que: “(…) esteve a residir nesta casa cerca de dois anos e desde o início com esquentador a gás ligado e nunca detectou derrames ou fugas de gás no interior da sua residência durante esse período”; “A pré-instalação de gás na cozinha foi efectuada pelo construtor mas que nunca foi ligado o gás porque teve sempre fogão eléctrico”; “Face ao relatório da peritagem verificou-se duas irregularidades graves na instalação do gás aquando da instalação do gás aquando da construção, por um lado, uma devida ao fecho do tubo do gás da pré-instalação junto ao fogão que estava tapado com uma tampa plástica quando o tubo deveria estar devidamente selado ou plumbeado. Por outro lado, a torneira de passagem do gás, colocada na parede por cima do fogão deveria

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ter uma tranca na posição de fechada com impedimento de abertura e que não tinha”; “recorda-se de no dia anterior ter estado a limpar a parede da cozinha na zona da torneira e, apesar de não se lembrar, acha possível que a tenha aberto sem querer, razão porque, depois face à pressão fez saltar a tampa plástica da ponta do tubo na pré-instalação do fogão e foi por aí que se deu a fuga do gás”; “(…) caso (…) não tivesse inadvertidamente aberto a referida torneira de passagem este acidente/explosão não teria acontecido apesar das irregularidades existentes na instalação do gás”.

15. Do “Relatório de Missão constante de fls. 75 sempre daquele processo, da PJ, consta o seguinte: “Em suma, e tendo em conta a avaliação dos Bombeiros, as causas do incidente são desconhecidas”.

Depois, do relatório da PJ a fls. 110 e seguintes daqueles autos consta, além do mais, que: o proprietário do imóvel “esclareceu que quando deixou a casa tomou banho de água quente e os passadores se encontravam abertos e os redutores ligados às garrafas de gás sendo que não mexeu em qualquer torneira ou ponto de instalação de gás; “Em novas declarações o proprietário da casa” referiu que “recordava-se de no dia anterior ter estado a limpar a parede da cozinha na zona da torneira e referiu que, apesar de não se lembrar, achava possível que tivesse aberto a mesma sem querer, razão porque, depois face à pressão fez saltar a tampa plástica da ponta do tubo na pré-instalação do fogão e foi por aí que se deu a fuga do gás”; “(…) caso (…) não tivesse

inadvertidamente aberto a referida torneira de passagem este

acidente/explosão não teria acontecido apesar das irregularidades existentes na instalação do gás”; “Foi afastada a intervenção dolosa de terceiros na origem da deflagração do incêndio e explosão, apontando todos os indícios para uma deflagração acidental havendo negligência ao nível da instalação do gás aquando da reconstrução da casa a somar claro às negligências do proprietário por ter aberto inadvertidamente as torneiras de passagem na cozinha e da amiga deste A que cheirou gás no exterior da casa e dentro acendeu o cigarro”;

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“No entanto, tais falhas eram do conhecimento do proprietário da casa conforme declarações do empreiteiro e do técnico do gás e não fosse alguém (confirmou-se ter sido o proprietário da casa) ter aberto a torneira de passagem do gás na cozinha que originou um derrame de quantidade de gás indeterminada no interior da residência e depois, face à existência de chama viva aquando a A acendeu o isqueiro que originou um pequeno foco de incêndio junto ao sofá e a explosão, excluindo-se a possibilidade de crime doloso na origem do incêndio e da referida explosão; “a explosão ocorreu devido à conjugação de pequenas negligências individuais ao longo do tempo que vão desde o técnico do gás, do empreiteiro, do proprietário da casa e da amiga deste, que cada uma, por si só, não eram susceptíveis de provocar a explosão. 16. Do artigo 20/1 das “Condições Particulares” da apólice referida em 1, consta que “Mediante convenção expressa, pode ficar a cargo do Tomador do Seguro ou do Segurado uma parte da indemnização devida a terceiros, não sendo, porém, esta limitação de garantia oponível a estes”, sendo que, em consonância, ficou acordada uma franquia de 10% do valor da indemnização, com um mínimo de 249,40€.

17. E do artigo 28/1-b dessas Condições consta que “Satisfeita a indemnização, a E tem direito de regresso, relativamente à quantia despendida, contra o Tomador do Seguro ou o Segurado, nos seguintes casos: b) Danos decorrentes do incumprimento por parte do Segurado, ou do pessoal ao seu serviço, das regras de segurança exigidas por lei, relativas à instalação de redes e/ou montagem e/ou reparação de aparelhos de gases combustíveis.

18. No dia 23/10/2012, por volta das 13h30, a autora dirigiu-se a casa do réu D, uma moradia no Funchal.

19. A autora procedeu da forma referida em 1 a pedido do réu D para ligar o alarme e verificar se estava tudo bem.

20. O réu D encontrava-se ausente no estrangeiro.

(18)

o que acendeu o seu isqueiro a gás.

22. De imediato, e motivado pelo acender do cigarro, deu-se uma explosão seguida de incêndio.

23. Tal explosão deveu-se à presença de gás butano/propano na sala onde a autora se encontrava.

24. Na data referida em 1, a moradia só tinha dois pontos de entrada de gás: um esquentador que se encontra na lavandaria, situada numa varanda, e que era o único electrodoméstico que tinha ligado o gás como energia, e um tubo na cozinha, saído da parede, por detrás do armário que acondicionava o fogão e que ligava às bilhas de gás colocadas no exterior da moradia em local resguardado.

25. Foi nesse tubo da cozinha que se derramou o gás que provocou a explosão. 26. A lavandaria (onde se encontrava o esquentador, a funcionar) foi um dos espaços que não sofreu danos.

27. O piso superior é constituído por três quartos, um wc e uma varanda. 28. O telhado ruiu.

29. Foi na sala, onde a autora acendeu o cigarro, que se deu a ignição da explosão.

30. O proprietário da casa, o réu D remodelou a moradia em 2010.

31. E entregou a realização geral da obra a uma empresa de construção civil detida e gerida por J.

32. Este, por sua vez, encarregou a B-Lda para a colocação e montagem da instalação de gás.

33. A instalação para o esquentador ficou completa.

34. Na zona da cozinha, como o proprietário, na altura, preferiu um fogão de cozinha constituído por uma placa de indução a electricidade, o tubo do gás que provinha das bilhas exteriores não foi ligado a electrodoméstico nenhum e foi tampado com uma tampa de plástico e não tamponado com um bujão roscado ou fixado por processo equivalente, nomeadamente com batoque em latão.

(19)

35. Por outro lado, foi instalada, por cima do local onde o fogão de cozinha estava instalado e por cima do tubo de gás, uma torneira de corte de gás.

36. No troço final de abastecimento, na posição do fogão na cozinha, por ser uma linha de reserva (não existir nenhum equipamento de gás alocado à mesma), o final da linha a jusante do pater e respectiva válvula de corte, deveria estar selado/obturado ou por roscagem de um tampão “cego” ou soldando a ponta da tubagem de cobre, de forma a não ser possível a fuga de gás perante uma possível abertura acidental da respectiva válvula de corte, e também não estava nessas condições.

37. O gás que provocou a explosão proveio do tubo, não selado, que alimentaria o fogão de cozinha.

38. Sendo que a tampa de plástico cedeu à pressão do gás a correr no tubo. 39. O que não ocorreria caso a torneira referida em 35 estivesse na posição de fechada e a instalação estivesse nas condições referidas em 36.

40. O local onde se encontram as bilhas de gás, por se encontrar situado no quintal na fachada da moradia para a via pública e em armário próprio, existe a necessidade de o mesmo se encontrar permanentemente fechado e com tranca.

41. Para este tipo de abastecimento deveria existir uma válvula de corte ao fogo (do tipo redutor de segurança), localizada no lado exterior do armário ou na fachada da moradia que dá para o passeio da via pública, sinalizada e de fácil acesso.

42. Desta forma permitiria o rápido corte geral do gás da moradia em caso de emergência.

43. Na data referida em 1 existia apenas a possibilidade de corte geral de gás na moradia na válvula existente no interior do armário de garrafas.

44. Foi o réu C quem pessoalmente esteve no local a montar a instalação de gás, quem praticou os actos de instalação.

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46. No dia 31/10/2012, compareceu no local a SGS-SA, membro do grupo SGS, entidade reconhecida internacional e internacionalmente neste tipo de peritagens, a qual produziu, em 31/10/2012, o Relatório de Inspecção de fls. 27 a 32.

[…]

71. As obras de instalação de gás efectuadas pela B, pelo réu C na moradia referida em 1 foram entregues, recebidas e aceites sem qualquer reserva ou reparo pelo respectivo proprietário.

72. A instalação de gás executada pelos réus referidos em 71 ficou pronta, designadamente, para instalar um fogão a gás na cozinha da moradia.

73. Daí que os mesmos réus tenham preparado a instalação para esse efeito, ou seja, para que o tubo referido em 34, na ocasião própria, pudesse ser ligado a um fogão a gás.

74. Não existindo ainda gás na moradia, a tampa plástica de vedação do extremo do tubo era a suficiente.

75. Destinando-se a mesma, apenas e exclusivamente, a não permitir a entrada de areia, cimento ou lixo para o tubo, provenientes do revestimento da parede. 76. Isto sem prejuízo de existir um dispositivo ou torneira de corte do gás na parede por cima do espaço destinado ao fogão da cozinha, a qual, não obstante ainda não existir gás, foi colocada, pelos réus referidos em 71, na posição de fechada.

77. Torneira essa, com mecanismo de fecho de segurança, uma vez que, para rodar o respectivo manípulo, é necessário previamente pressionar firmemente para dentro, já que sem tal pressão a mesma não roda nem permite a passagem de gás.

78. Tal torneira de segurança destinava-se a ligar e a cortar a passagem do gás para o fogão a gás.

79. Os réus regressaram à obra a fim de efectuar as ligações da instalação aos respectivos equipamentos a gás, nomeadamente ao esquentador.

(21)

80. Tendo então constatado que já havia sido montado o móvel da cozinha, o qual incorporava uma placa eléctrica, esta também já instalada.

81. Mais verificando que tal móvel escondia e tapava completamente o tubo de saída do gás para o fogão.

82. Tendo o réu C alertado de imediato o proprietário do imóvel para a necessidade de cortar tal móvel e de colocar um tampão cego no tubo referido em 34, bem como para retirar o manípulo da válvula do corte do gás para o fogão, de modo a obstar a que alguém a pudesse abrir.

83. O proprietário não assentiu nem numa coisa nem a noutra, evitando o corte do móvel e a retirada do manípulo da válvula.

84. Alegando que ficava inestético sem o manípulo, já que estava à vista.

85. A escusa do proprietário a cortar o móvel de cozinha, de modo a permitir a vedação segura e definitiva do tubo do gás, e a permitir a retirada do manípulo da válvula de corte do gás levou a que os réus [referidos em 71 - TRL] recusassem emitir e entregar ao proprietário, como habitualmente acontece, o termo de responsabilidade relativamente às instalações de gás em causa.

86. Os trabalhos de colocação do móvel e de instalação da placa de indução referidos em 80, não foram executados pelos réus referidos em 71.

87. Não sendo instalado o fogão a gás, seria antes da colocação do móvel de cozinha que o tubo devia ter sido retirado.

88. Ou, não sendo tal possível, tamponado com um bujão roscado, ou fixado por processo equivalente, uma vez que já não se destinava a permitir ligar e desligar o gás do fogão, ficando consequentemente fora de serviço.

89. Desde a data da instalação de gás em 2010 ao dia 23/10/2012, a moradia vinha sendo regularmente utilizada.

90. O respectivo proprietário nunca reclamou de qualquer deficiência dos trabalhos de instalação de gás realizados pelos réus referidos em 71.

91. As tubagens do gás são propriedade do dono da moradia.

(22)

moradia, o réu D.

93. E era frequentadora habitual de tal moradia. 94. A qual conhecia.

95. Quando chegou a tal moradia a autora verificou um cheiro a gás.

96. Não deu entrada na Câmara Municipal do Funchal qualquer projecto, de obras ou outro relativamente às obras realizadas no prédio urbano sito à Rua do Castanheiro, nº 19 de polícia.

97. No dia anterior ao referido em 1, o réu D procedeu à limpeza da cozinha na zona da torneira do gás.

98. O réu C efectuou um 1.º teste à instalação do gás quando instalou e soldou os tubos, tendo o ensaio sido efectuado com 1,5 bares de pressão, utilizando um manómetro de pressão na ponta de saída.

99. Não tendo sido detectada qualquer fuga.

100. A B-Lda efectuou o teste, fechando, para o efeito, a válvula de corte para o tubo do fogão.

101. A B-Lda alertou o proprietário do imóvel para nunca abrir a torneira de corte (torneira essa que exige que seja efectuada uma pressão para dentro e só depois é possível rodá-la).

102. A obra referida em 31, atinente à reconstrução da moradia, incluía a instalação de canalização de gás.

103. Tal moradia destina-se à habitação própria do réu D, bem como a ser utilizada pela filha, genro e netos do mesmo.

104. No âmbito do acordo referido em 31 ficou estabelecido e foi reciprocamente aceite que os móveis da cozinha seriam escolhidos e adquiridos a gosto pelo proprietário do imóvel e por conta deste.

105. O réu D, em 06/08/2010 adquiriu no IKEA, em Lisboa, o mobiliário de cozinha.

106. Móveis esses que foram posteriormente transportados pela R-SA e depositados numa moradia no caminho de L, em F, por indicação do referido J.

(23)

107. A moradia foi entregue ao réu D pronta a habitar.

108. O único equipamento existente na moradia utilizando gás era o esquentador.

[…]

117. A B-Lda tem, desde a respectiva constituição, como sócio e gerente o réu C.

118. A autora nasceu em 27/02/1971.

119. No âmbito do processo referido em 2, com data de 30/10/2015, foi proferido pelo magistrado do MP despacho que, depois de declarar encerrado o inquérito, determinou o arquivamento do mesmo, “uma vez que não foi possível coligir indícios suficientes de se ter verificado o crime de incêndio, explosões ou outras condutas especialmente perigosas.

*

Da impugnação da decisão da matéria de facto

A B-Lda entende que as alegações correspondentes aos factos 25, 37 e 38 não estão provadas.

Para o efeito diz que [a numeração foi colocada por este TRL para facilitar as referências]:

I- É facto que o cheiro a gás se verificava no exterior da casa. II- E é facto que ocorriam obras na vizinhança.

Na verdade, e como foi feito constar do ponto 9 da matéria de facto, resulta das declarações da autora que: “quando chegou à residência verificou um forte odor a gás que lhe parecer vir de umas obras, já que andavam na moradia vizinha a arranjar os esgotos, pelo que não deu importância ao cheiro”.

III- É ainda facto que a autora reportou sentir o cheiro a gás, no exterior da casa, mais do que dentro da mesma.

O tribunal a quo contraditou essa afirmação, nos termos acima transcritos, concretamente no ponto anterior.

(24)

dentro de casa.

Essa afirmação, contudo, carece de suporte probatório.

Essa afirmação, na verdade, parte do pressuposto do tribunal de que a fuga de gás está dentro de casa.

Nada impede ou exclui a possibilidade da fuga de gás ter a sua origem no exterior, aliás, nas próprias obras a que a autora fez menção, e que esse gás, a seguir o seu caminho, se tivesse também concentrado no interior da casa em questão.

E não só nada impede ou exclui tal possibilidade, como, à luz das próprias declarações da autora, que inequivocamente afirmou ser mais forte o cheiro no exterior, tudo leva bem pelo contrário a crer que é justamente no exterior que se encontraria a fuga de gás em causa – seguindo para tanto o exacto raciocínio do tribunal a quo no sentido de que a dispersão do gás é maior no exterior. IV- É facto que as obras tinhas mais de dois anos, em plena utilização, e que nunca ali nenhuma fuga se verificou.

Como consta do facto 14, resulta das declarações do chamado D que: “esteve a residir nesta casa cerca de dois anos e desde o início com esquentador a gás ligado e nunca detectou derrames ou fugas de gás no interior da sua residência durante esse período”, e ainda “a pré-instalação de gás na cozinha foi efectuada pelo construtor mas que nunca foi ligado o gás porque teve sempre fogão eléctrico”.

E como consta do facto 89, “desde a data da instalação do gás em 2010 ao dia 23/10/2012, a moradia vinha sendo regularmente utilizada”.

V- É facto que a explosão ocorre, não na cozinha, mas na sala da casa, onde se encontrava a presença de gás.

Como consta dos factos 21 a 23 e 29 “a autora resolveu fumar um cigarro, para o que acendeu o seu isqueiro a gás”; “de imediato, e motivado pelo acender do cigarro, deu-se uma explosão seguida de incêndio”; “tal explosão deveu-se à presença de gás butano/propano na sala onde a autora se encontrava”; “foi na

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sala, onde a autora acendeu o cigarro que se deu a ignição da explosão”. VI- É facto que os Bombeiros não identificaram a causa do sinistro.

Como consta do facto 15, “tendo em conta a avaliação dos Bombeiros, as causas do incidente são desconhecidas”.

VII- É facto que o perito que verificou a instalação de gás da casa em causa, após o sinistro, a testou e verificou que a mesma estava perfeitamente estanque, ou seja, sem qualquer fuga.

Remete-se, nesta matéria, para o respectivo depoimento (depoimento da testemunha MG, prestado na audiência da manhã do dia 12/12/2018, cfr. acta com a refª. 46483812, gravação com a refª.

20181212123256_899898_2871374) – de 50:00 em diante:

“Advogado – Entre aquilo que o Sr. viu e aquilo que estava no dia da ocorrência, o Sr. não sabe se estava tal qual ou se houve alguma alteração designadamente quanto à posição da torneira?

Resposta – Não.

Advogado – Não sabe. Pergunto-lhe ainda outra questão. Podendo haver aquelas desconformidades, umas leves outras graves, que referiu, no estado em que encontrou no tal dia 30 de Outubro aquela instalação, pergunto se o senhor fez por acaso algum teste de carga àquela instalação, para excluir a hipótese de qualquer outro ponto de fuga naquele local? (…) No fundo, quando, e já teve a oportunidade de esclarecer o tribunal, quando fez a sua vistoria, e já explicou que aquela torneira estava numa posição de aberta, portanto obviamente que se fizesse um teste de carga nessa altura o gás escaparia por… Resposta – Exactamente.

Advogado – … imediatamente por ali, mas o que lhe estou a perguntar é se por acaso fez, fechou a torneira e fez um teste de carga à instalação com aquela válvula fechada para ver se havia ainda assim algum ponto de fuga noutro sítio daquela instalação de gás ou não?

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quase a certeza que fiz ensaio de estanquidade. Juíza – Ensaio?

Resposta – Ensaio para verificar se existe alguma falta, alguma fuga em qualquer ponto da instalação. (…) Está aqui no 4.1: ensaio de estanquidade, feito a 150 milibares, aceite, no decorrer do ensaio a instalação não tem fuga. Advogado – Portanto o Sr. para fazer esse teste fechou aquela válvula… Resposta – Exactamente.

Advogado – … Na posição fechada e fez o teste de estanquicidade? Resposta – Sim, não há outra maneira.

Advogado – Não houve qualquer fuga. Resposta – Não.

Advogado – Portanto a válvula estava em perfeitas condições e na posição fechada cortava totalmente…?

Resposta – Mesmo depois do acidente, sim. Advogado – Cortava totalmente a saída de gás? Resposta – Sim, não havia qualquer fuga.”

VIII- É facto que nada se apurou quanto a qualquer torneira da instalação de gás ter sido aberta, provocando a fuga em causa.

Na verdade, o facto 39 (“o que não ocorreria caso a torneira referida em 35 estivesse na posição de fechada e a instalação estivesse nas condições referidas em 36”) não o esclarece.

Bem pelo contrário, além do que respeita à instalação e foi dado como provado sob 33 a 35, o tribunal a quo especificamente deu como não provados os seguintes factos:

- “a afluência de gás ao tubo ter-se-á devido ao facto de alguém, inadvertidamente, ter rodado a dita torneira de segurança” – não provado; - “no momento referido em 97, o réu D abriu a torneira, sem querer – não provado;

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fuga de gás” – não provado.

Não há assim como concluir pela proveniência do gás, nos termos em que o tribunal a quo o fez.

Decidindo:

Tendo em conta os factos 21 a 24, 26 e 29 - Pouco tempo depois de ali chegar, a autora resolveu fumar um cigarro, para o que acendeu o seu isqueiro a gás. De imediato, e motivado pelo acender do cigarro, deu-se uma explosão seguida de incêndio. Tal explosão deveu-se à presença de gás butano/propano na sala onde a autora se encontrava. Na data referida em 1, a moradia só tinha dois pontos de entrada de gás: um esquentador que se encontra na lavandaria, situada numa varanda, e que era o único electrodoméstico que tinha ligado o gás como energia, e um tubo na cozinha, saído da parede, por detrás do armário que acondicionava o fogão e que ligava às bilhas de gás colocadas no exterior da moradia em local resguardado. A lavandaria (onde se encontrava o esquentador, a funcionar) foi um dos espaços que não sofreu danos. Foi na sala, onde a autora acendeu o cigarro, que se deu a ignição da explosão - tendo em conta, dizia-se, estes factos, não tem qualquer plausibilidade a hipótese alternativa que está, no fundo, subjacente à crítica da B.

A explosão não se pode ter dado com gás proveniente do exterior. Se assim fosse, a explosão na sala – onde chegou a haver um início de incêndio cortado pelo refluxo da explosão (como consta do relatório de missão de fls. 119 da SOCIEXSS da PSP) - teria necessariamente provocado outras explosões ou pelo menos muitos outros danos, quer na moradia quer nas moradias adjacentes. Ora, a explosão nem chegou a provocar danos na lavandaria e provocou poucos noutras divisões.

Por outro lado, não há qualquer dúvida sobre a fonte do gás que levou à explosão: foi o tubo de gás que levaria ao fogão a gás (se este estivesse instalado), cuja torneira de corte de gás estava aberta, como resulta da primeira parte do ponto 39 (“O que não ocorreria caso a torneira referida em 35

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estivesse na posição de fechada […]” – ou seja, só ocorreu porque estava aberta).

É certo que – como sugere a B-Lda em VIII – dos factos dados como provados, não consta, designadamente, que a torneira tenha sido aberta, ou como ou por quem foi aberta, e que não se deram como provadas as alegações de facto, transcritas a seguir pela B, que a isso se referiam. Mas isso não impede que se tenha dado como provado que ela estava aberta. E por isso, tendo em conta esta primeira parte do ponto 39, com este sentido inequívoco, conjugada com os factos 21 e 24, 26 e 29, não há qualquer dúvida de que se podia e devia dar, como se deu, como provado o que consta dos factos 25, 37 e 38.

E nenhuma perturbação a isto é causada pelo facto de as fotografias tiradas pela PJ ao local (no próprio dia do acidente), mostrarem (fl. 484v do processo em papel) que a torneira de corte estava na posição de fechada, pois que no relatório (fl. 472) diz-se que “Aquando desta inspecção todos os passadores se encontravam fechados e os redutores fora extraídos das garrafas, o que foi feito pelos elementos dos Bombeiros que ali se deslocaram. Refira-se que a botija maior apresentava sinais de condensação no seu exterior, fruto da libertação rápida de gás.” Nem se retruca que aquela frase se está a referir às garrafas ou ao exterior, pois, para além de não ser inequívoco que assim seja, trata-se apenas da descrição de um modo de proceder perfeitamente natural, o que seria suficiente indício de que teria acontecido mesmo que não fosse dito. Os bombeiros, deslocando-se ao local de uma explosão de gás, fecham, naturalmente (como qualquer outra pessoa com presença de espírito), todos os possíveis pontos de fuga de gás. Não os vão deixar abertos, para poder ocorrer outra explosão. Aliás, antes, no mesmo relatório, já havia a seguinte descrição: “o chefe dos Bombeiros […] referiu que quando acorreu ao local, por questões de segurança, teve necessidade de estroncar o compartimento que acondicionava as duas botijas de gás e fechar o compartimento que acondicionava as duas botijas de gás, e fechar o circuito do mesmo. […]”. No

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mesmo sentido, na participação do acidente feita pela PSP do Funchal (fl. 499v) diz-se: “Chegado ao local, já se encontrava uma equipa de Bombeiros […] O chefe […] informou que à sua chegada, não havia chama, pelo que, supondo ser acumulação de gás, desligou a electricidade, gás e válvulas de gás.”

De resto, a B-Lda chamou à acção o réu D, dono da moradia, precisamente por achar que tinha sido a conduta do mesmo as criar as condições necessárias para o que veio a acontecer: ou seja, ao não ter feito colocar um tampão cego no aludido tubo, nem retirado o (nem permitido a retirada do) manípulo da válvula do corte de gás para o fogão de modo a obstar a que alguém a pudesse abrir; e ainda porque foi ele que abriu a torneira de segurança do tubo [por onde veio a sair o gás que provocou a explosão].

Os factos que a B-Lda vai dizendo que estão provados, não põem – antes pelo contrário – em causa esta conclusão.

Quanto ao facto de a autora dizer que tinha sentido cheiro a gás apenas no exterior e a toda a discussão que a B-Lda a partir daí desenvolve, diga-se que a fundamentação da sentença está certa e não deixa dúvida nenhuma:

“Relativamente ao sucedido antes da explosão, nomeadamente antes da autora acender o cigarro e, mais concretamente, no que concerne ao cheiro a gás, pese embora a autora tenha declarado ter sentido tal cheiro apenas na rua, quando se dirigia à casa, e a uns 10 a 15 metros da mesma casa, cheiro esse que associou a umas obras que estavam a decorrer na rua, tendo chegado mesmo a afirmar não ter sentido cheiro de gás no interior da casa, desde logo este relato não se revela consentâneo com a normalidade da vida, com o que a experiência de vida apresenta e o que o conhecimento dos homens e as regras da lógica patenteiam. Efectivamente, seguro que a autora não tinha qualquer limitação física a nível olfactivo, uma vez que afirmou ter sentido cheiro a gás, considerando a singularidade, intensidade e volatilidade do odor em causa, muito dificilmente tal odor poderia ter sido sentido apenas a 10/15 metros da casa e não o ter sido no interior da casa, onde o grau de concentração teria de

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ser tal, que o acender de um isqueiro conduziu ao sinistro em causa, sendo certo que, na rua, a existir cheiro a gás, o lógico e normal seria uma dispersão do gás e, consequentemente, do cheiro. E afigura-se-nos não ser bastante para refutação da constatação explanada a justificação que a autora alvitrou (e que lhe terá sido adiantada por um terceiro) de que não terá sentido o cheiro a gás no interior da casa, eventualmente porque o cheiro na rua se terá impregnado no seu sistema olfactivo, nomeadamente nos pêlos nasais. De facto, a diferença entre a concentração de gás que, como se disse, teria que existir no interior da casa que, segundo a própria autora referiu, estaria com as janelas e as portas fechadas, e a dispersão que na rua logicamente haveria que verificar-se, de acordo com a natureza das coisas e as compreensões adquiridas pela prática cognitiva e sensorial, teria que conduzir a uma diferença de intensidade de cheiro tal no interior da casa e no exterior da mesma, que muito dificilmente não seria minimamente detectada, nomeadamente quando o cheiro que terá começado a ser sentido no exterior não tivesse tido muito tempo para se impregnar e ficar impregnado no sistema olfactivo da autora, de tal forma a que a permanência do mesmo provocasse insensibilidade. […]”

Acrescente-se apenas que esta parte das declarações da autora são, claramente, uma forma de ela se desculpar, ou seja, de tentar evitar que o seu comportamento seja visto como uma das causas do dano e que a culpa dela releve para a fixação da indemnização. Não merece qualquer credibilidade. Assim, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.

(I)

Das nulidades e dos títulos de solidariedade

A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação, em síntese:

O objecto da presente acção enquadra-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (art. 483/1 do Código Civil).

O facto revela-se na explosão, enquanto conduta humana dominável ou controlável pela vontade, em concreto nos factos 22, 23, 25, 37 e 47. A

(31)

explosão assim descrita preenche o primeiro pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos.

O segundo pressuposto traduz-se na ilicitude.

Dos factos 24, 34, 36 a 39, 87, 88 e 96 resulta a violação dos artigos 44/1 e 47/3 da Portaria 361/98, de 26/06, alterada pela Portaria 690/2001, de 10/07, e também dos artigos 1/2 e 11, n.ºs 1 e 3, do DL 521/99, de 10/12, vigente à data do sinistro, que prevêem cautelas e procedimentos que devem ser observados em matéria de instalação de gás em edifícios, inclusivamente de instalação de tubagens, e do DLR 19/2012/M, de 16/08.

Acresce que, tendo em conta os factos 47 a 68 estão violados os direitos de personalidade e patrimoniais da autora, atendendo às lesões e danos que a autora sofreu.

O requisito seguinte da responsabilidade civil extracontratual é o nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja, a culpa.

Ora, dos factos 5, 24, 25, 30 a 32, 34, 36 a 39, 44, 45, 71 a 73, 82, 85, 87, 88, 96, 101 a 103 e 117, resulta, desde logo, que é possível imputar a explosão em que se traduziu o sinistro em análise ao réu C, técnico de gás que pessoalmente montou no local a instalação de gás, de molde a fundamentar um juízo de censura dirigido à respectiva conduta.

De facto, tal réu, desde logo, aquando da colocação da obra, e no cumprimento rigoroso das disposições do regulamento a que se reporta a Portaria 361/98, de 26/06, tendo verificado que existiam tubagens que estivessem ou se destinassem a ser colocadas fora de serviço, deveria retirá-las ou, não sendo tal possível, tamponá-las com um bujão, isto é, com uma peça que se destina a assegurar a estanquidade de um orifício, roscado ou fixado por processo equivalente, não devendo ter deixado, por não permitida, qualquer solução provisória, situação esta última para que apontam os factos 72 a 82 e 85.

E não se diga que a culpa deste réu é afastada ou mesmo atenuada em face dos factos 71 a 88, 90, 91 e 101.

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Efectivamente, ante os normativos acima enunciados e as características e perigosidade que a actividade que desenvolvia acarretavam, impunha-se o cumprimento rigoroso dos deveres que sobre o réu C impendiam. Isto mesmo em face da posição manifestada pelo proprietário da casa e não se esbatia com simples alertas do proprietário para determinados comportamentos ou com a mera recusa de emissão do termo de responsabilidade.

Cumprimento rigoroso significa observância intransigente, inflexível, rígida, sem margem para condescendências e tolerâncias, ainda que advertidas e prevenidas.

E perante dificuldades ou mesmo a impossibilidade de um tal cumprimento rigoroso dos deveres, outra solução que não fosse o alerta necessário das autoridades, quaisquer que fossem, para a situação em que a instalação de gás se encontrava, não se mostra susceptível de esbater a censurabilidade da conduta do réu C.

Acresce que, como resulta dos normativos supra enunciados, incumbia também ao réu C, enquanto instalador, cumprir com rigor os projectos das instalações. Ora, ante o facto 96, mesmo antes de iniciar qualquer obra de instalação de gás, tal cumprimento afigurava-se impraticável para o réu em causa, situação que não obstou nem inibiu tal réu de levar a cabo actos de instalação de gás na moradia.

Aliás, aponta-se que a negligência se presume, quando há inobservância das leis ou regulamentos, o que dispensa a prova da negligência em concreto (cfr. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed. págs. 205-206 e acs. do STJ de 10/03/98, BMJ 475-635, e de 09/09/98, BMJ 479-592).

A responsabilidade das pessoas colectivas por actos ilícitos dos seus representantes, mandatários ou agentes está sujeita ao regime legal da responsabilidade civil por facto de outrem (extracontratual ou delitual), baseada no risco, conforme os artigos 165, 998/1 e 500 todos do CC, o mesmo parecendo acontecer, de resto, com a responsabilidade desses entes por actos

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ilícitos dos seus órgãos (cfr. Brito Correia, [Direito Comercial, 2º vol., Sociedades Comerciais, AAFDL, 2.ª edição, 1987, pág.] 274).

Nos termos do disposto no art. 500/1 do CC (que se enquadra no instituto da responsabilidade pelo risco), “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”.

De acordo com o disposto no art. 500/2 do CC, a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

Trata-se de uma responsabilidade objectiva do comitente, porquanto o mesmo é responsável mesmo que não tenha culpa, mas só é responsável se o comissário tiver culpa. Ou como afirma Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 322, “a responsabilidade do comitente é uma responsabilidade objectiva, pelo que não depende da culpa sua na escolha do comissário, na sua vigilância ou nas instruções que deu. No entanto, essa responsabilidade objectiva apenas funciona na relação com o lesado (relação externa), já que posteriormente o comitente terá na relação com o comissário (relação interna) o direito a exigir a restituição de tudo quanto pagou ao lesado, salvo se ele próprio tiver culpa, caso em que se aplicará o regime da pluralidade de responsáveis pelo dano (artigo 500/3 do CC)”.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 507), “o comitente poderá, no entanto, responder independentemente de culpa do comissário, se tiver procedido com culpa (culpa in eligendo, in instruendo, in vigilando, etc.). Nesse caso, já não haverá responsabilidade objectiva, mas responsabilidade por actos ilícitos, baseada na conduta culposa do comitente”.

A aplicabilidade do artigo 500 do CC depende, assim, da existência de uma relação de comissão, e esta pressupõe uma relação de dependência entre o

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comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, pág. 446 -, sendo que “a expressão comissão não tem aqui o sentido técnico referido no artigo 266 do Código Comercial, mas antes o sentido amplo de tarefa ou função realizada no interesse e por conta de outrem, podendo abranger tanto uma actividade duradoura como actos de carácter isolado e tanto actos materiais como jurídicos” (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, pág.323).

O regime de responsabilidade objectiva do comitente pelos factos danosos praticados pelo seu comissário tem os seguintes pressupostos:

a) A existência de uma relação de comissão;

b) Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função; c) Responsabilidade do comissário.

Apreciando o que ficou dito à luz dos factos 5, 24, 25, 30 a 32, 34, 36 a 39, 44, 45, 71 a 73, 82, 85, 87, 88, 96, 101 a 103 e 117, impõe-se a conclusão de que, vislumbrando-se uma relação de comissão, aparecendo como comitente a B-Lda e comissário o réu C, estão preenchidos os pressupostos do regime da responsabilidade objectiva do comitente pelos factos danosos praticados pelo seu comissário, razão pela qual é também a B-Lda responsável pelos actos ilícitos do seu órgão, no caso, do réu C.

Por seu turno, dos factos 24, 25, 30, 34, 36 a 39, 71 a 73, 79 a 88, 90, 96 e 101 a 103, resulta também ser imputável ao réu D, proprietário da moradia, a explosão em que se traduziu o sinistro em análise.

Com efeito, tendo tal réu tido conhecimento do estado em que se encontrava a instalação de gás, mormente no que concerne ao mecanismo que havia sido instalado para fazer a ligação ao fogão a gás, e sido alertado para o facto de ser necessário proceder a intervenções no mesmo por razões de segurança, deveria o mesmo réu, não só ter assentido em tais intervenções, como exigido as

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mesmas, jamais devendo ter permitido qualquer ligação, colocação em funcionamento, permanência e utilização da instalação de gás no estado em que se encontrava.

Um bom pai de família ou o homem médio (in abstracto), normalmente diligente e prudente, com as capacidades do réu D e em face das mencionadas circunstâncias, não só devia, mas podia ter agido de tal modo e, por conseguinte, de modo diferente do escolhido pelo mencionado réu. Daí que a sua conduta mereça a reprovação ou censura do direito.

Assim, o facto é igualmente imputado ao réu D a título de culpa, na forma de negligência, traduzida esta na omissão da diligência devida ou do discernimento exigíveis para ter evitado a violação do direito alheio ou da disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou para a ter prevenido ou evitado quando, porventura, nem sequer dela se tenha apercebido.

Tendo resultado provada a culpa efectiva dos mencionados réus, afastada fica a possibilidade de uma eventual obrigação de indemnizar resultante de responsabilidade objectiva ou pelo risco por danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás, nos termos, na medida e limites do disposto nos artigos 483/2, 499 e 509 a 510, todos do CC. É que este tipo de responsabilidade, de carácter excepcional, em que o dano tem que representar a concretização de um risco específico, em atenção ao qual a responsabilidade é imposta e que surge independentemente de culpa, serve para indemnizar quando não se prova ou não se presume a culpa. Aliás, basta que o acidente seja devido, atribuível, ao lesado, mesmo que não haja culpa dele, para que a lei, no artigo 505 do CC, considere quebrado, em virtude do facto praticado pela própria vítima, o nexo de causalidade entre o risco e o dano, excluindo-se a responsabilidade objectiva.

No entanto, nem só os mencionados réus agiram com negligência.

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