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O SIGNO DO SILÊNCIO: UMA LEITURA HEIDEGGERIANA DO CONTO A TERCEIRA MARGEM DO RIO, DE GUIMARÃES ROSA

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Academic year: 2021

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O SIGNO DO SILÊNCIO: UMA LEITURA HEIDEGGERIANA DO

CONTO “A TERCEIRA MARGEM DO RIO”, DE GUIMARÃES ROSA

Educação, linguagem e memória

Samuel Cardoso1 (samuel100_cardoso@hotmail.com) André Cechinel2 (andrecechinel@gmail.com)

Introdução

Publicado por Guimarães Rosa, em 1962, quase oito anos após sua obra mais famosa (Grande sertão: Veredas), o conto “A terceira margem do rio” conta a história de um homem que abandona sua família para viver dentro de uma pequenina canoa, no meio de um grande e misterioso rio, sem partir ou retornar para casa, durante muitos e muitos anos. Uma história sobre amor, culpa e sobre a fugacidade da vida humana. O conto parece ilustrar, por meio de uma história extremamente familiar, os grandes dilemas da existência humana: vida e morte são, certamente, seus principais temas.

1 Mestrando em educação, UNESC. Graduado em Letras, UNESC.

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Assumido o caráter alegórico, fabulativo e enigmático do conto, permanece ainda a pergunta: que tipo de existência e, consequentemente, que tipo de morte a história de Guimarães Rosa pretende representar? Em outras palavras, que tipo de realidade simbólica Guimarães Rosa constrói em seu conto? A fim de alcançar uma maior compreensão da obra, o presente trabalho se propõe a analisá-la com base em alguns conceitos importantes do filósofo alemão Martin Heidegger, com quem a história de Guimarães Rosa parece dialogar intimamente.

O referencial teórico do trabalho aqui apresentado é composto, principalmente, por estudiosos da literatura rosiana e por especialistas no trabalho e na filosofia de Heidegger. Autores como Oliver (2001), Orione (2008) e Galvão (1978) ajudaram a separar os principais elementos do conto de Guimarães Rosa (facticidade, fluxo de tempo e dissolução) e a discernir os principais signos a eles relacionados (a horizontalidade da paisagem, o fluir das águas e o silêncio). Já os estudiosos da obra heideggeriana ajudaram a estabelecer uma importante relação entre cada uma das características encontradas na leitura do conto de Guimarães Rosa e os importantes conceitos heideggerianos de ser-no-mundo, ser-para-a-morte e nada. Para melhor analisar a história, o resumo expandido se divide em três seções. Em cada uma delas, os principais elementos do conto de Guimarães Rosa serão analisados a partir dos conceitos heideggerianos com os quais parecem dialogar.

O SIGNO DA HORIZONTALIDADE: a terceira margem, a solidão e a facticidade do ser-no-mundo

Em seu famoso tratado Ser e tempo, o filósofo alemão Martin Heidegger empreendeu uma gigantesca busca pela natureza humana. O homem não passa, para Heidegger, de um ser

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lançado no mundo, um ser que, desde sempre, existe no mundo e para o mundo. Em suma, um ser já sempre preso a sua espacialidade e a sua temporalidade. A essa característica de ser do homem, que o chumba à realidade que o cerca sem poder dela escapar, a tradição fenomenológica dá o nome de facticidade. E essa mesma facticidade transparece também em “A terceira margem do rio”. Vários são, no conto de Guimarães Rosa, os elementos e os signos que representam essa característica tão peculiar da existência humana. O maior desses signos, no entanto, pode ser apontado na horizontalidade da paisagem e do próprio rio.

Trata-se, aqui, da horizontalidade como símbolo de que não existe nada, acima do homem, a que ele possa se agarrar. Acima de tudo, o signo de que, por mais que o homem mantenha seus dois olhos voltados para o céu, seu lugar não é lá, mas aqui, no mundo. A horizontalidade surge, então, como a representação da força e do poder de uma natureza absurdamente bela, mas extremamente indiferente, uma natureza que a tudo absorve e a tudo consome.

O SIGNO DAS ÁGUAS: a angústia, a culpa e a finitude do ser-para-a-morte

Aqui, tem início a segunda grande característica do homem na filosofia heideggeriana: sua finitude, o fato de estar destinado ao fim. Vida e morte estão, no pensamento de Heidegger, extremamente ligadas. O mesmo mundo que nos constrói enquanto seres também está destinado a nos destruir. E a morte não é apenas a única certeza do ser humano, seu destino, é também parte integrante daquilo que o forma em sua essência, como relembra Agamben (2006).

Do fato de estar lançado no mundo, sem nada a que se agarrar e sem nada que lhe dê sentido, surge a angústia do homem, como relembra Heidegger (1989). E da presença da morte,

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enquanto força motora do homem, surge a culpa. Angústia e culpa são grandezas latentes também no conto de Guimarães Rosa. Não há na história, porém, nada que as justifique, pois elas não precisam de justificativa, estão cravadas não apenas na consciência, mas também na própria essência desse filho.

O tempo, na história de Guimarães Rosa, literalmente dissolve seus personagens, não apenas física, mas também espiritualmente, e interage com seus protagonistas como se realmente fizesse parte do enredo. Também o rio, como o tempo, tudo corrói. E é justamente nesse dissolver-se rumo ao nada que o filho encontra seu perdão. O rio é perpétuo, como o tempo. Suas águas jamais se cansam, em oposição à fragilidade e à fugacidade do ser humano, como relembra Galvão (1978). O fluir do rio se transforma em signo, assim como a horizontalidade da paisagem.

O SIGNO DO SILÊNCIO: a ausência de palavras e a dissolução no nada

A linguagem ocupa posição central e definitiva na filosofia de Heidegger em sua investigação sobre o ser. A essência da linguagem surge, na filosofia heideggeriana, como uma voz que é "pura intenção de significar, puro querer dizer" (AGAMBEN, 2006, p. 53). E a linguagem, em seu fundamento ontológico, é também silêncio. Existe, porém, na filosofa heideggeriana, outro tipo de silêncio, não mais o emudecer dos signos, nem mesmo essa Voz da qual provém a linguagem humana, um silêncio mais denso e mais pesado, o não ter o que dizer. Em outras palavras, o silêncio resultante do fim de todo o ser.

Qual é, porém, o tipo de silêncio representado em “A terceira margem do rio”? Essa é, provavelmente, a pergunta mais importante que emerge da leitura do conto. O silêncio era uma

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característica intrínseca do pai desde o início da história, característica essa que apenas evoluiu ao longo dos anos de solidão na canoa. O silêncio, no conto de Guimarães Rosa, parece representar tanto essa linguagem silenciosa, capaz de expressar o que simples palavras não podem, quanto o fim de todo o querer dizer. Como um ser de linguagem, o homem só se cala, realmente, quando deixa de “ser” e retorna a seu estado pré-original de “não-ser”.

Considerações Finais

A solidão do ser, iconizada pela imagem do homem na canoa em meio ao grande e silencioso rio, pode ser entendida não apenas como uma metáfora para a morte, mas também como uma metáfora da própria existência humana. Isso se partirmos do entendimento heideggeriano de que não apenas a morte, como também a vida são experiências pessoais. Já a culpa e a angústia, que corroem o filho no conto de Guimarães Rosa, podem ser entendidas, por meio de uma análise heideggeriana, não apenas como sentimentos ônticos (com uma origem concreta), bem como sentimentos ontológicos (enraizados na própria essência humana). Além disso, o próprio tempo, em Guimarães Rosa, mostra sua qualidade destrutiva de aniquilamento vista, de forma muito clara, na filosofia de Heidegger, em especial na imagem desse ser-para-a-morte.

Por fim, o silêncio, no conto de Guimarães Rosa, parece representar dois conceitos de silêncio presentes na obra e no pensamento de Heidegger. De um lado, assemelha-se ao dizer silencioso, muito mais eficiente que simples signos enquanto expressão. Contudo, o silêncio, em “A terceira margem de rio”, parece representar também o silêncio definitivo, um não ter o que dizer.

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Referências

AGAMBEN, Giorgio. A linguagem e a morte: um seminário sobre o lugar da negatividade; Tradução de Henriqe Burigo. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

GALVÃO, Walnice Nogueira. Do lado de cá. In: ______. Mitológica Rosiana. São Paulo: Ática, 1978.

HEIDDEGGER, Martin. Ser e tempo I. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti Shuback. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1989.

OLIVER, Elide. Fluxo do tempo e paternidade em Guimarães Rosa (com reflexões em Drummond de Andrade). Revista USP, São Paulo, n. 49, p. 114- 125, mar/maio. 2001. ORIONE, Eduino José de Macedo. O drama barroco em "A terceira margem do rio". Ângulo, são Paulo, n. 115, p. 66- 72. dez. 2008.

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