• Nenhum resultado encontrado

STJ REsp /SC 3.ª T. j v.u e m.v. rel. Min. João Otávio de Noronha DJe Área do Direito: Consumidor; Processual.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "STJ REsp /SC 3.ª T. j v.u e m.v. rel. Min. João Otávio de Noronha DJe Área do Direito: Consumidor; Processual."

Copied!
30
0
0

Texto

(1)

a

CórDãos

s

uPerior

t

ribuNal De

J

ustiça

STJ – REsp 1.424.164/SC – 3.ª T. – j. 07.04.2015 – v.u e m.v. – rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 16.04.2015 – Área

do Direito: Consumidor; Processual.

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO – Inocorrência – Cônjuge de juíza que é primo do advogado de uma das partes – Hipótese não prevista no rol taxativo legal – Julgamento antecipado, vulto da condenação e eventual decisão ultra petita que não caracterizam a imparcialidade da magistrada – Apli-cação dos princípios do livre convencimento motivado e da fundamenta-ção das decisões que se impõe.

• Conteúdo Exclusivo Web: JRP\2002\3393. Jurisprudência no mesmo sentido

RT 899/278 (JRP\2010\60), RT 897/232 (JRP\2010\194), RT 874/248 (JRP\2008\2315), RT

872/308 (JRP\2008\2416) e RT 130/204 (JRP\2005\2144).

Veja também Jurisprudência

• Do relacionamento juiz-advogado como motivo de suspeição, de José Rogério Cruz e Tucci,

RT 756/69, RIASP 1/81, Doutrinas Essenciais de Processo Civil 3/1295 (DTR\1998\475); e

• Pré-julgamento e suspeição do julgador, de Ronnie Preuss Duarte – RePro 138/56

(DTR\2006\540). Veja também Doutrina

(2)

INDENIZAÇÃO – Danos material e moral – Consumidor – Redução do quantum fixado – Admissibilidade – Alimento contaminado que origi-nou grave infecção gastrointestinal e perda auditiva decorrente de re-ação adversa de medicamento prescrito para o tratamento – Montante arbitrado de forma exorbitante, não observando os critérios da razo-abilidade e da proporcionalidade – Exclusão da condenação à pensão vitalícia, ademais, uma vez que as despesas futuras já estão inclusas no valor do dano material.

RT 916/1008 (JRP\2011\4365); e

• Conteúdo Exclusivo Web: JRP\2015\495, JRP\2012\29271 e JRP\2010\19243. Veja também Jurisprudência

• Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, de Heloísa Carpena Vieira de Mello, RDC 28/59, Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil 4/403 (DTR\1998\677).

Veja também Doutrina

Evento danoso: Comercialização de alimento contaminado.

Caracterização do dano: Desenvolvimento de doença grave e perda auditiva em razão do

medicamento utilizado no tratamento contra a contaminação alimentar.

Composição do dano: Dano moral: ao infante: R$ 200.000,00, e a cada genitor: R$

50.000,00. Danos estéticos ao infante: R$ 100.000,00. Quadro de quantificação

REsp 1.424.164 – SC (2013/0403187-8). Relator: Min. João Otávio de Noronha.

Recorrente: Unilever Brasil Industrial Ltda. – advogados: Denise de Cassia Zílio, Flávio Augusto Boreggio Melara e Orlando Knop Júnior e outros.

Recorridos: Henrique Kloch e outros – advogados: Henrique Kloch (em causa própria) e outros.

Interessados: Supermercados Vitória Ltda. – advogados: Antonio Carlos Momm e outros; e Arisco Industrial Ltda. – advogados: José Marcelo Braga Nascimento e outros.

(3)

Ementa:NERecurso especial. Responsabilidade civil. Acidente de consumo.

Alimento infantil contaminado. Infecção gastrointestinal severa. Prescrição de antibiótico agressivo. Perda auditiva. Danos materiais e morais devidos aos pais e à menor. Suspeição da juíza. Parentesco entre seu cônjuge e o advogado da parte. Hipótese não prevista em lei. Interesse na causa não comprovado. Impe-dimento do presidente da câmara julgadora anunciado no início do julgamento. Deficiência de fundamentação. Súmula 284 do STF. Julgamento ultra petita. Ocorrência em relação à pensão mensal vitalícia. Nexo de causalidade. Tese amparada exclusivamente no voto vencido. Incidência das Súmulas 7 e 320 do STJ. Dano moral. Indenização. Excesso configurado. Redução.

1. O parentesco existente entre o cônjuge do magistrado e o advogado da parte não encontra previsão no art. 135 do CPC/1973, cujas hipóteses devem ser interpretadas de forma restritiva.

2. Para o acolhimento de suspeição fundada no inc. V do art. 135 do CPC/1973, é necessária prova induvidosa da aventada parcialidade do juiz, não servindo a tanto a mera circunstância de ter havido julgamento antecipado da lide e o vulto da condenação.

3. A ausência de indicação do dispositivo legal supostamente violado carac-teriza deficiência na fundamentação do recurso especial, atraindo a incidência da Súmula 284 do STF.

4. Segundo a jurisprudência do STJ, o pedido deve ser extraído a partir de uma interpretação lógico-sistemática de todo o conteúdo da petição inicial, não se limitando ao tópico específico referente aos pedidos. Todavia, esse entendi-mento requer cautela em sua aplicação, de modo que o julgador não resvale para a discricionariedade. Ainda que os fatos narrados comportem pedido de pensão, não pode o juiz, à míngua de qualquer pedido ou cogitação tendente a exigi-la, considerá-la, de ofício, implícita no pedido de ressarcimento de danos materiais.

5. A ausência do nexo de causalidade deduzida com base em tese exclusi-vamente tratada no voto vencido não logra conhecimento no âmbito do recurso especial, a teor do contido na Súmula 320 do STJ. O reconhecimento do nexo causal pelo voto vencedor com amparo nas circunstâncias fáticas da causa não pode ser revisto sem o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que encon-tra óbice na Súmula 7 do STJ.

6. O quantum indenizatório fixado na instância ordinária submete-se ao controle do STJ na hipótese em que o valor da condenação seja irrisório ou exorbitante, distanciando-se, assim, das finalidades legais.

NE Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibili-zado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

(4)

7. Reduz-se a indenização deferida à consumidora menor para R$ 300.000,00, sendo R$ 200.000,00 pelos danos morais resultantes da infec-ção gastrointestinal severa de que foi acometida e R$ 100.000,00 pela perda au-ditiva decorrente do tratamento com antibiótico agressivo. Igualmente, reduz-se a indenização devida a cada um dos genitores para R$ 50.000,00. Correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ.

8. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.

C

omeNtÁrio

u

m ligeiro esboço aCerCa Dateoria Do fato Do ProDuto

,

Do Nexo

De CausaliDaDe e Da QuaNtifiCação Dos DaNos extraPatrimoNiais

No Direito brasileiro

:

Notas a uma DeCisão JuDiCial1

A modernidade2 concebeu o risco como algo passível de sistematização e controle.3 Daí que, talvez,

também por isso, seus engenheiros tenham imaginado o futuro como um ambiente no qual o bem--estar de todos haveria de ser, inexoravelmente, alcançado. A ciência, com suas fórmulas e manuais, meticulosamente, alinhavados, levaria a humanidade a controlar as forças da natureza – única fonte de riscos, até então, conhecida –, auxiliando-a a encontrar o caminho até os Jardins do Éden.4

1. Este ensaio encontrou inspiração e moldura dogmática na literatura jurídica com a qual tivemos contato por ocasião do desvelar da primeira fase de nosso estágio de investigação pós-doutoral perante a Facultat de Dret de la Universitat de Barcelona (jan./fev. 2015) e integra o plano de

atividades do projeto A fragmentação dos danos na sociedade do espetáculo [470460/2014-8],

financiado, em parte, com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico – CNPq.

2. BauMan, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 15.

“A modernidade começa quando o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si, e assim podem ser teorizados como categorias distintas e mutuamente independentes da estratégia e da ação; quando deixam de ser, como eram ao longo dos séculos pré-modernos, aspectos entrelaçados e dificilmente distinguíveis da experiência vivida, presos numa estável e aparentemente invulnerável correspondência biunívoca.”

3. lóPez, Andrés Mariño. Los fundamentos de la responsabilidad contractual. Montevideo: Carlos Alvarez, 2005. p. 34.

4. Freire, Ricardo Maurício. Tendências do pensamento jurídico contemporâneo. Salvador: JusPo-divm, 2007. p. 14-16. “O objetivo da sociedade moderna era oferecer uma vida digna, na qual cada um possa realizar sua personalidade, abandonando as constrições de autoridades externas e ingressando na plenitude expressiva da própria subjetividade. (...) A ideia de modernidade denotava, assim, o triunfo de uma razão redentora, que se projetaria nos diversos setores da atividade humana. Esta razão deflagraria a secularização do conhecimento, conforme os arqué-tipos da física, geometria e matemática. Viabilizaria a racionalidade cognitivo-instrumental da

(5)

As previsões dos seus oráculos foram desmentidas.5

A Modernidade jaz, com suas promessas, sob o peso de seus escombros.6

Em seu lugar, alta modernidade,7 sociedade pós-industrial,8 transmodernidade,9 modernidade

reflexiva,10 sociedade de risco,11 hipermodernidade12 e pós-modernidade13 destacam-se dentre

ciência, concebida como a única forma válida de saber. Potencializaria, através [sic, leia-se por meio] do desenvolvimento científico, o controle das forças adversas da natureza, retirando o ser humano do reino das necessidades. Permitiria ao homem construir o seu destino, livre do jugo da tradição, da tirania, da autoridade e da sanção religiosa.”

5. Josserand, Louis. Evolução da responsabilidade civil, Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 86, p. 52-63, jun. 1941. p. 53. “Antes, ao tempo dos nossos antepassados, o acidente era raro, ou, pelo me-nos, apresentava-se sob uma feição tal que não era absolutamente gerador de responsabilidades; as guerras, o assassinato, as epidemias, a fome, faziam muitas vítimas, mas se suportava então, sem recurso, o que se chamou de riscos da humanidade, pois não se podia cogitar de pedir con-tas de sua desgraça a quem quer que fosse. Numa época em que reinava só a pequena indústria, quando o operário manejava individualmente utensílios inofensivos, quando as viagens, mesmo consideráveis, eram feitas a pé ou em veículos a tração animal, os fatos suscetíveis de importar em responsabilidade delitual, puramente civil, eram pouco frequentes, e o homem se sentia em segurança, na rua como na oficina ou na loja. Que mudanças depois dessa idade de ouro que era também a da imobilidade! Ao homem sedentário sucedeu um ser que parece pertencer a uma raça diferente, que se movimenta sem cessar, para seus negócios, para seu prazer, para vir fazer conferências diante de vós, e que recorre, para esse fim, a engenhos maravilhosos e rápidos, mas suscetíveis de causar catástrofes medonhas; a artérias das grandes cidades, onde a erva outrora crescia discretamente, são cortadas em todos os sentidos por veículos rápidos e diversos, que se cruzam e se chocam, por vezes não sem brutalidade; ao trabalho individual, a domicílio, sucedeu o labor coletivo nas oficinas, nas usinas, que ocupam centenas, milhares, dezenas de milhares de operários; os instrumentos inofensivos de antanho foram substituídos por máquinas cujo poder é terrível; o homem captou e utiliza as forças das quais ele não penetra sempre a essência íntima: a eletricidade, os raios X, o radium; multiplicam-se os acidentes, muitos permanecem anônimos

e sua causa verdadeira fica desconhecida; os acidentes de locomoção alimentam a crônica dos jornais e fazem cada dia, na Europa, milhares de vítimas; a segurança na via pública, mesmo nas calçadas, onde os automóveis se arriscam às vezes em desagradáveis incursões, não é perfeita; e será menos ainda, quando reinar praticamente a aviação, quando veículos aéreos circularem incessantemente acima das nossas cabeças, deixando cair sobre nosso planeta objetos de pesos e de dimensões variadas; então, o homem da rua (...), ocupará uma posição subordinada que não

será de repouso. O século do caminho de ferro, do automóvel, do avião, da grande indústria e do maquinismo, o século do transporte e da mecanização universal, não será precisamente o século da segurança material.”

6. Masi, Domenico de. A sociedade pós-industrial. In: Masi, Domenico de. A sociedade

pós-indus-trial. 4 ed. Trad. Anna Maria Capovilla et all. São Paulo: Senac, 2003. p. 30.

7. giddens, Anthony. As conseqüências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991. 8. Masi, Domenico de. A sociedade pós-industrial. In: Masi, Domenico de. A sociedade

pós-indus-trial. 4 ed. Trad. Anna Maria Capovilla et all. São Paulo: Senac, 2003.

(6)

as tentativas mais usuais14 de explicar um modus vivendi marcado, inegavelmente, (a) pelo tec-nocentrismo15 e (b) pela insegurança, paradoxalmente, imantada ao apressado avanço da técnica.16

Eis o admirável mundo novo.17

Um mundo marcado pela difusão de riscos que (a) ultrapassam a esfera individual, embora, con-tinuem a afligir seres humanos, aleatoriamente, eleitos pela Fortuna,18 (b) pulsam, de forma difusa

e incontrolável, no tempo e no espaço e, (c) são muito mais que singelas ameaças – passíveis de administração e controle – à integridade psicofísica ou patrimonial de alguém. Riscos, aliás, com (d) a capacidade de provocarem efeitos mais deletérios que aqueles que poderiam ser causados pelas situações, outrora, assim qualificadas e, enfim, (e) cuja identificação – eis, que, camuflam-se na invisibilidade e na imprevisibilidade – se tornou um trabalho digno de Hércules.19

Talvez, o cenário no qual o mito de Prometeu, diuturnamente, se renove.20

Eis o palco do conflito existencial que atingiu mais uma família brasileira. Uma tragédia vivida, em tempo real, por seres demasiadamente humanos.21

10. Beck, Ulrich. Viviendo en la sociedad del riesgo mundial. Trad. María Ángeles Sabiote González;

Yago Mellado López. Barcelona: CIDOB, 2007.

11. giddens, Anthony; Beck, Ulrich; lash, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Unesp, 1997.

12. liPovetsky, Gilles. Los tiempos hipermodernos. Trad. Antonio Prometeo Moya. Barcelona:

Anagra-ma, 2014.

13. BauMan, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos

Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

14. Masi, Domenico de. A sociedade pós-industrial. In: Masi, Domenico de. A sociedade pós-indus-trial. 4 ed. Trad. Anna Maria Capovilla et all. São Paulo: Senac, 2003. p. 33. São mais de trezentas

denominações utilizadas em mais de mil títulos publicados o que nos dá “motivos suficientes para não aceitar nenhuma delas.”

15. Barroso, Lucas Abreu. A obrigação de indenizar e a determinação da responsabilidade civil por

dano ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 16.

16. Beck, Ulrich. Viviendo en la sociedad del riesgo mundial. Trad. María Ángeles Sabiote González;

Yago Mellado López. Barcelona: CIDOB, 2007. p. 16.

17. huxley, Aldous. Admirável mundo novo. Trad. Lino Vallandro; Vidal Serrano. Rio de Janeiro:

Glo-bo, 2009.

18. Deusa da mitologia romana, que tem em Tique, seu correspondente grego.

19. BauMan, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 85.

20. diniz, Arthur José Almeida. Humanismo de tecnologia, Revista da Faculdade de Direito, Belo

Horizonte, n. 31, p. 121-136, 1987/1988. p. 122. “Por que Prometeu? Prometeu, o titã, filho de Jopestos e Clymene, irmão de Atlas e de Epimeteu, teve a audácia de roubar o fogo do Olimpo, ajudado pela deusa da sabedoria, Pallas-Atenas, e doá-lo aos homens. A vingança de Zeus é ter-rível. Vai aprisionar Prometeu num rochedo no Cáucaso onde este terá seu fígado vorazmente comido por um abutre. Este, o mito.”

21. nietzsche, Friedrich Wilhelm. Ecce homo: de como a gente se torna o que a gente é. Trad. Marcelo

(7)

Uma história que tem início na identificação, tardia, de defeito de fabricação,22 comercialização

indevida e, consumo de alimento que, embora, recomendado pela pena de médico habilitado a fazê--lo, não poderia ter sido destinado ao consumo humano, ante o contato, anterior, com larvas e inse-tos adulinse-tos. Uma biografia que ganha contornos sombrios,23 quando o leitor percebe que a principal

personagem – eleita para vivenciar um papel, ao que parece, marcado pela irreversibilidade – é uma criança em tenra idade, intoxicada ao ingerir produto que, apesar de concebido e fabricado visando à saciar necessidades nutricionais dos que transitam pelos primeiros anos de vida, foi qualificado, explicitamente, como produto “incontestavelmente impróprio ao consumo humano”.24

Intoxicada, com notas de crueldade, pois, diante dos primeiros sinais de infecção gástrica, sua alimentação foi restringida, concentrando-se, no malfadado alimento, razão pela qual a ingestão continuada – ao longo de, intermináveis, dois meses – conduziu à piora substancial de um quadro clínico que transitou por contextos de (a) febre, (b) náuseas e vômitos, (c) deterioração da flora in-testinal, (d) desnutrição e desidratação, desaguando, (e) na infecção aguda combatida com Garami-cina, medicamento que estagnou aquela patologia, ao mesmo tempo em que – consoante indicado na bula, é preciso informar –, provocou a perda, aparentemente, definitiva, da audição da infante.

Uma história que, ao ser levada ao Judiciário, assim foi narrada.

Em primeiro grau imputou-se, solidariamente, ao fabricante e ao comerciante, o dever de reparar ou pagar (a) R$ 900.000,00, a título de danos extrapatrimoniais, à infante – R$ 300.000,00, diante da intoxicação alimentar e, R$ 600.000,00, decorrentes da perda da audição –, (b) pensão mensal de R$ 1.100,00 ante a diminuição da capacidade laborativa – com termo inicial, na data em que com-pletar 18 primaveras e, termo final, na data em que alcançar 60 anos –, (c) R$ 600.000,00, aos geni-tores, a título de danos extrapatrimoniais, (d) as despesas decorrentes do tratamento com fármacos, contratação de médicos e hospitais – atuais e (ou) futuras – e, enfim (e) o valor apurado a título de perda patrimonial, suportada pela mãe da menor, ligado à diminuição salarial decorrente da redu-ção da jornada de trabalho para que pudesse acompanhar o tratamento da filha.25

O Tribunal situado na Ilha da Magia alterou, minimamente, a sentença condenatória. Este acordão

(a) excluiu o comerciante do polo passivo da demanda – corretamente,26 em nosso sentir –, (b)

de-terminou que a pensão deferida à infante, em razão da redução de sua capacidade laborativa, tenha a marca da vitaliciedade e, ainda, (c) impôs a constituição de capital, buscando, assim, garantir o adimplemento de obrigações que pulsarão – talvez27 – por décadas.28

22. CDC. “Art. 8.º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em de-corrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”

23. O afirma, caro leitor, meu Dionísio, interior. 24. Termos utilizados pela perícia, citada nos autos.

25. STJ, REsp. 1.424.164/SC, 3.ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 16.04.2015.

26. CDC. Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados, II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou impor-tador [ou] III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

27. Talvez por que o futuro carregue a marca da incerteza. Daí que, também, talvez, o avanço da técnica, possa apagar a qualificação, irreversível, que hoje, cruelmente, adjetiva a perda auditiva

(8)

Enfim, o Tribunal da Cidadania, curiosamente, (a) além de afastar o dever imposto ao fabricante

de pensionar os alimentos estipulados em razão da perda auditiva29 sofrida pela menor, (b) reduziu

em 2/330 a verba extrapatrimonial deferida em favor da infante e, em 5/631 o valor atribuído – sob a

mesma rubrica – aos seus pais.

O acórdão selecionado como lastro para este ensaio – em que pese seus méritos, tanto os reais, como os aparentes – permitiu o alinhavar de reflexões (a) constatando a existência de importantes lacunas teóricas, (b) identificando a atribuição de primazia às formas processuais em detrimento do acesso a direito material consagrado na codificação civil, (c) apontando a existência de imprecisões dogmáticas e, enfim, (d) questionando o acerto (ou não) na redução havida no quantum debeatur

e, ainda, na justificativa que o informa.

A ausência de alusão à matriz teórica que molda o raciocínio que conduziu à imputação do dever de reparar32 e, ainda, o silêncio ensurdecedor propagado diante da não comunicação do lastro

teórico utilizado para emoldurar o nexo de causalidade havido entre a fabricação,

comercializa-ção e ingestão de alimento “incontestavelmente impróprio ao consumo humano”33 e os danos daí

resultantes – exceto, diante da equivocada34 referência à teoria da causalidade adequada,

extraí-da extraí-da ementa acordão do TJSC – são lacunas que indelevelmente (a) maculam a identificação do respeito (ou não) às regras e princípios balizadores da atividade judicial e, sem prejuízo de outras dimensões, igualmente, relevantes, não percebidas por esse observador, (b) obnubilam a aferição dos referenciais jusliterários utilizados na condução do(s) raciocínio(s) esboçados no julgamento e, consequentemente, dificultam a elaboração de juízos quanto a sua adequação (ou não) ao estado da arte do Direito tupiniquim.

A seu turno, a atribuição de primazia à forma35 – argumentação desnudada, é preciso apontar, no

voto vencido36 – afastou a verba mensal, até então, garantida à infante em razão da redução de sua

infligida à infante. Talvez, a sociedade torne-se mais includente e, em razão disso, não haja diferença salarial relevante a ser pensionada. Talvez...

28. STJ, REsp. 1.424.164/SC, 3.ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 16.04.2015.

29. CC. Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

30. De R$ 900.000,00 para R$ 300.000,00. 31. De R$ 600.000,00 para R$ 100.000,00.

32. O Superior Tribunal de Justiça teria construído a decisão – aqui analisada – tendo por lastro (a) a teoria do fato do produto, (b) a ideia de violação de deveres gerais de conduta ou, ainda, (c) outra matriz teórica não percebida na intertextualidade que pulsa do texto?

33. Termos utilizados pela perícia, citada nos autos.

34. Malheiros, Pablo. Responsabilidade por danos: imputação e nexo causal. Curitiba: Juruá, 2014. 35. Curiosamente, repudiada em outros momentos, igualmente relevantes, do julgado aqui analisado. 36. STJ, REsp. 1.424.164/SC, Voto vencido, Min. Marco Aurélio Bellizze. “Na espécie, não se ol-vidando o subjetivismo que encerra a análise em questão, tem-se que a petição de emenda

(9)

capacidade laborativa,37 opção que desprezou (a) a tradição que pulsa do brocardo da mihi factum, dabo tibi ius, (b) a normatividade que emana dos princípios da celeridade e economia processuais,

(c) o direito material consagrado no artigo 950 da codificação civil tupiniquim – bem como, a

pos-sibilidade de liquidação, antecipada, deste crédito38 – e, ainda, o que é, aparentemente, mais grave,

que ignorou (d) a força normativa da regra constitucional, que deveria garantir aos brasileiros,

acesso às portas do Judiciário39 e (e) deixou de densificar a vulnerabilidade tatuada, pelo Direito,

da inicial faz expressa menção à reparação pela redução da capacidade laborativa. A exem-plo da inicial, os inúmeros danos elencados pela parte demandante na petição de emenda não constaram em seguimentos apartados, do que não se pode inferir, a meu juízo, que a menção tenha se dado com o único propósito de nortear o dano moral propriamente. A pretensão posta na inicial e em sua emenda tem por propósito a reparação integral do dano. Nos termos do artigo 944 do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano. E, havendo expressa menção à redução da capacidade laborativa, no contexto em que inserida a narrativa dos fatos, a conclusão que segue é a existência de efetiva pretensão de obter a respectiva reparação.”

37. STJ, REsp 1.424.164/SC, 3.ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 16.04.2015. “Conquanto

os pedidos devam ser interpretados restritivamente, segundo a dicção do art. 293 do CPC, a jurisprudência [!?] desta Corte firmou-se no sentido de que o pedido deve ser extraído a partir de uma interpretação lógico-sistemática de toda a petição inicial, abrangendo os requeri-mentos feitos em seu corpo e não se limitando aos termos constantes de capítulo especial ou sob a rubrica “dos pedidos”. (...) No presente caso, é possível extrair da petição inicial a pretensão de ressarcimento dos lucros cessantes sofridos pela mãe da criança em razão da necessidade de reduzir sua carga horária no trabalho, a fim de acompanhar o tratamento da filha. O mesmo se diga em relação aos gastos futuros, necessários à reparação dos da-nos físicos sofridos pela menor. Na petição de emenda à exordial, foram discriminadas novas despesas já efetuadas e que teriam de ser renovadas ao longo do tempo, em decorrência da perda auditiva que acometera a menor, tais como consultas com médicos e fonoaudiólogos, despesas de locomoção e estadia para se consultar no centro auditivo de Bauru, moldes de si-licone, aparelhos auditivos e pilhas. É possível concluir, com base numa interpretação lógico--sistemática da inicial e da emenda à inicial, que os autores pretenderam ver-se ressarcidos não só das despesas até então efetuadas com o tratamento da menor mas também daquelas necessárias à continuidade do tratamento e que se consumariam em momento posterior ao ajuizamento da demanda. Assim, em relação aos gastos futuros com o tratamento da menor, deferidos ao pai, e aos lucros cessantes concernentes à redução salarial da mãe, não há falar em julgamento ultra petita, pois a condenação imposta à recorrente guarda consonância com

o inteiro teor da petição inicial, complementada pela emenda decorrente de fato superve-niente. O mesmo não se pode dizer da pensão mensal vitalícia. (...) A interpretação do pedido deve se guiar por duas balizas: de um lado, a contextualização do pedido, integrando-o ao inteiro teor da petição inicial, de modo a extrair a pretensão integral da parte; e, de outro lado, a adstrição do pedido, atendendo-se ao que foi efetivamente pleiteado, sem ilações ou conjecturas que ampliem o seu objeto.”

38. tartuce, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo:

Método, 2015. p. 483-493.

(10)

na epiderme de crianças e adolescentes no Brasil,40 quando deveria – em nosso sentir –, (f) ter se

limitado a ratificar uma decisão a ser liquidada, oportunamente, em algum instante do futuro ex-pectado pela infante.

Quando optou por excluir a pensão estipuladas nas instâncias inferiores, o Superior Tribunal de Justiça, em vez de encaminhar a solução do problema, criou uma situação que – tal qual o efeito de um bu-merangue, provavelmente – retornará em busca de nova apreciação judicial. O argumento se sustenta quando identifica-se que foram desprezados, tanto o fato de que, (g) se não há pedido, formalmente, formulado, não será possível cogitar a existência de coisa julgada, como o de que, (h) antes de a menor completar 16 primaveras, o prazo de prescrição da pretensão à tais verbas, não fluirá.41

Ademais, a análise, minudente, da decisão aqui explorada apontou, ainda, a existência de problemas atados à imprecisões dogmáticas na identificação e, consequente, imputação do dever de reparar os danos havidos na situação fática levada ao Judiciário.

Em tal contexto, dois pontos serão recortados para análise.42

O primeiro, percebido o recurso à proporcionalidade e à razoabilidade como parâmetros para a identificação e, na hipótese, a fundamentação da drástica redução havida no valor fixado a título

de danos extrapatrimoniais e, isso, sem que, em qualquer momento, tenha havido alusão ao modus operandi de uma e (ou) outra baliza normativa. Só por isso seria possível afirmar que – como ocorre

com inoportuna habitualidade –, proporcionalidade e razoabilidade foram utilizadas como orna-mentos – e, não, como fundaorna-mentos – jurídicos.

O segundo, imerso em um ambiente marcado pela complexidade, está atado à imprecisão que per-meou o processo de identificação dos danos infligidos à infante e aos seus pais, percepção que emerge no contato do olhar com expressões como (a) “danos morais propriamente ditos” e (b) “danos estéticos” – capturadas entre outras utilizadas na contextualização dos danos sofridos pela menor – e, ainda, na referência aos (c) “momentos de enorme sofrimento” vividos por seus pais. Um problema, em parte, imantado à inclinação da doutrina pátria em resumir o conteúdo das le-sões imateriais ao dano moral43 e (ou) aos danos estéticos, e que, em alguma medida, não permite

afastar a imprecisão e ambiguidade que impregnam as reflexões dogmáticas acerca dos danos extrapatrimoniais.44

Note o leitor que o (a) incessante labor visando à lapidação dogmática de figuras e institutos jurí-dicos, por si só, justificaria a análise alinhavada, aqui. Ocorre que, muito além de buscar colher tais louros, parece, imperioso, identificar que a escorreita análise e catalogação dos danos havidos em

40. Marques, Cláudia Lima; MirageM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: RT, 2012.

41. CC. Art. 198. Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3.º. 42. Inexiste espaço para outras digressões.

43. Barroso, Lucas Abreu; dias, Eini Rovena. O dano psíquico nas relações civis e de consumo, Revista

de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 94, p. 87-112, 2014. p. 95-109. “Adverte-se, porém, que

não obstante a designação dano moral à lesão aos direitos extrapatrimoniais seja normalmente utilizada, os danos morais em sentido estrito, na verdade, apenas alcançam os denominados danos anímicos”.

44. gonzáles, Maria Paz Sánchez. El daño moral: una aproximación a su configuración jurídica, Re-vista de derecho privado, Madrid, n. 4, p. 27-53, jul.-ago. 2006. p. 28.

(11)

concreto45 (b) poderá conduzir à ampliação da tutela das vítimas, além de, (c) servir como dique à

onda panreparatória46 provocada pelo tsunami da preguiça e (ou) desonestidade intelectuais. E é

por tudo isso que os danos extrapatrimoniais47 precisam ser, adequadamente, categorizados. Nesse

contexto – ao menos, a partir das informações capturadas nos votos disponibilizados –, é possível afirmar que além da inexistência de dano estético,48 é patente a imprecisão que adjetiva a alusão

aos “danos morais propriamente ditos”, exceto, se utilizados, visando a significar toda a dor e an-gústia suportadas pela criança ao longo dos intermináveis meses de tratamento.49

Assim, se é possível demarcar a aflição e angústia que rasgaram as almas de cada um dos três pro-tagonistas da tragédia existencial aqui investigada, catalogando-as entre as telas intituladas dano moral puro, o mesmo não ocorre no que pertine à lesão atada à perda da audição infligida à menor,

espécie a ser qualificada como dano (a) biológico50 – diante da lesão à saúde51 –, (b) existencial –

imantado à degradação da qualidade de vida52 de modo a comprometer a reverberação da liberdade

e acompanhar a pessoa por todo o seu existir53 ou, (c) à integridade psicofísica, ideia mais difundida

na terrae brasilis.

Enfim, a redução do quantum debeatur não encontra em sua fundamentação, fundamento lógico.

Primeiro, porque, ao afirmar-se que “no que concerne ao valor indenizatório [...], verifica-se a im-possibilidade de ser estabelecido [algum] juízo de valor acerca da semelhança dos pressupostos fáti-cos dos acórdãos confrontados”, mostrou não ser possível, encontrar em outras decisões, o parâme-tro que viria a informar a quantificação dos danos infligidos à infante e seus pais. Depois, porque, a partir dessa mesma passagem, revela que tal atividade exige revolver matéria fática. Enfim, porque,

45. catalan, Marcos. A morte da culpa na responsabilidade contratual. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 98-130.

46. Ponzanelli, Giulio. Il danno non patrimoniale: una possibile agenda per il nuovo decennio (2010-2020),

La nuova giurisprudenza civile commentata, Padova, v. 27, n. 5, p. 247-252, mag. 2011. p. 247.

47. salvi, Cesare. Il risarcimento integrale del danno non patrimoniale, una missione impossibile: osservazione sui criteri per la liquidazione del danno non patrimoniale, Europa e diritto privato,

Milano, v. 2, p. 517-531, 2014. p. 520-524.

48. Pérez-ruBio, Lourdes Blanco. El daño moral y su indemnización por falta de consentimiento informado, Revista de derecho privado, Madrid, n. 2, p. 03-40, mar./abr. 2014. p. 32. El llamado precio de la belleza é conhecido aqui como dano estético.

49. E, esse, não parece ser o caso, quando se identifica, a alusão feita aos “momentos de enorme sofrimento” suportados pelos pais da infante como lastro da verba que lhes foi destinada a título de dano moral.

50. galgano, Francesco. Le antiche e le nuove frontiere del danno risarcibile, Contratto e impresa:

dialo-ghi con la giurisprudenza civile e commerciale. Padova, v. 24, n. 1, p. 73-110, gen.-feb. 2008. p. 86. 51. sessarego, Carlos Fernández. El daño al “proyecto de vida” en la jurisprudencia de la corte

inte-ramericana de derechos humanos. In: sánchez, Antonio Cabanillas et all (org.). Estudios jurídicos en homenaje al profesor Luis Díez-Picazo. t. 1. Madrid: Civitas, 2003. p. 542.

52. cendon, Paolo; saPone, Natalino. Verso una nuova stagione (esistenzialista) del diritto privato, La

nuova giurisprudenza civile commentata, Padova, v. 30, n. 5, p. 247-256, mag. 2014. p. 249.

53. sessarego, Carlos Fernández. Apuntes para una distinción entre el daño al proyecto de vida y el daño psíquico. In: GHERSI, Carlos (Coord.). Los derechos del hombre: daños y protección a la

(12)

paradoxalmente, o Superior Tribunal de Justiça, foi buscar em seus alfarrábios as balizas utilizadas54

para, uma vez mais, atribuir à vida humana um preço, artificialmente, sugerido pelo Mercado.55

Sob as luzes, deslumbrantes, de um pôr-do-sol, no outono gaúcho

marCos CatalaN Doutor summa cum laude em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco – Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Professor do Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle, no curso de Direito da Unisinos e em diversos cursos de especialização no Brasil. Diretor do Brasilcon. marcoscatalan@uol.com.br

54. STJ, REsp. 1.424.164/SC, 3.ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 16.04.2015. “(...) Em outro

precedente [REsp 1.074.251⁄SP], envolvendo a morte de filho nas dependências de hospital, após ser submetido a cirurgia para extração de amígdalas, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para reduzir o valor da indenização de R$ 400.000,00 para R$ 200.000,00, com amparo na seguinte fundamentação: (...) os danos morais tem como objetivo compensar a dor causada à vítima e desestimular o ofensor de cometer atos da mesma natureza. Não é razoável o arbitramento que importe em uma indenização irrisória, de pouco significado para o ofendido, nem uma indenização excessiva, de gravame demasiado ao ofensor [e] o valor fixado no presente caso, R$ 400.000,00, destoa dos valores aceitos por esta Corte para casos seme-lhantes, isto é, de morte de filho menor decorrente de erro médico. Assim, tendo em vista a jurisprudência desta Corte a respeito do tema e as circunstâncias da causa, conclui-se que a indenização deve ser reduzida para o valor de R$ 200.000,00, quantia que cumpre, com razoa-bilidade, a sua dupla finalidade, isto é, a de punir pelo ato ilícito cometido e, de outra banda, a de reparar a vítima pelo sofrimento moral experimentado. No [REsp 1.239.060⁄MG], que tratava de consumo de alimento contaminado (leite condensado em cuja lata fora encontrada uma barata), embora sem o relato de problemas de saúde específicos advindos para o consumidor, a Terceira Turma considerou adequada a indenização por dano moral fixada no patamar de R$ 15.000,00, sopesando, para tanto, a sensação de náuseas, asco e repugnância certamen-te provocadas. Em outras hipócertamen-teses coletadas na jurisprudência descertamen-te Tribunal, foram fixados os seguintes montantes: (a) paraplegia decorrente de acidente de trânsito – R$ 40.000,00 [REsp 1.189.465⁄SC], (b) amputação de perna decorrente de erro médico – R$ 80.000,00 [AgRg no REsp 920.225⁄RN], (c) paraplegia e amputação de membro inferior decorrente de acidente de trânsito causado por agente do Estado – R$ 100.000,00 [REsp 1.168.831⁄SP], (d) comprome-timento de mais de 90% da visão de uma criança em razão de falha do serviço hospitalar no acompanhamento de recém-nascido – R$ 106.400,00, sendo R$ 76.000,00 pelos danos morais e R$ 30.400,00 pelos danos estéticos [AgRg no Ag 1.092.134⁄SC], e (e) queimadura de terceiro grau em 30% do corpo de um jovem de 19 anos, mais amputação do braço direito e da genitália, em razão de choque elétrico de alta intensidade provocado por transformador de alta tensão mal instalado em poste vizinho a uma boate – R$ 800.000,00 [REsp 1.011.437⁄RJ]. Tomando, de um lado, esses precedentes como balizadores e, de outro, as circunstâncias fáticas do presente caso delineadas pelas instâncias de origem, entendo configurado o excesso justificador da in-tervenção do STJ a fim de readequar os termos da condenação imposta à recorrente, observan-do os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.”

55. Porter, Eduardo. O preço de todas as coisas: por que pagamos o que pagamos. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

(13)

ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da 3.ª T. do STJ, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao re-curso especial no tocante aos valores da indenização e, por maioria, excluiu o pen-sionamento mensal nos termos do voto do Sr. Ministro relator. Vencido em parte o Sr. Min. Marco Aurélio Bellizze. Participaram do julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Dr. Henrique Kloch, pela parte recorrida: Henrique Kloch.

Brasília, 07 de abril de 2015 – JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, relator. REsp 1.424.164 – SC (2013/0403187-8).

Relator: Min. João Otávio de Noronha.

Recorrente: Unilever Brasil Industrial Ltda. – advogados: Denise de Cassia Zílio, Flávio Augusto Boreggio Melara e Orlando Knop Júnior e outros.

Recorridos: Henrique Kloch e outros – advogados: Henrique Kloch (em causa própria) e outros.

Interessados: Supermercados Vitória Ltda. – advogados: Antonio Carlos Momm e outros; e Arisco Industrial Ltda. – advogados: José Marcelo Braga Nascimento e outros.

RELATÓRIO – O Exmo. Sr. Min. João Otávio de Noronha:

Trata-se de ação indenizatória de danos materiais e morais movida por Hen-rique Kloch, sua esposa e filha menor em desfavor de Arisco Industrial Ltda. – Divisão Colombo, posteriormente sucedida pela ora recorrente, Unilever Brasil Industrial Ltda., e de Supermercado Vitória Ltda., em razão da venda e consumo do produto “Creme de arroz Colombo” contaminado com insetos vivos, larvas e fragmentos de insetos.

Alegaram que o referido produto havia sido receitado por uma médica para complementar a dieta da filha do casal, então com 1 ano e 4 meses. Como a me-nor foi acometida de infecção intestinal aguda, a médica suspeitou de intoxicação alimentar, quando, então, foi constatada a contaminação do referido produto, con-firmada por laudo do órgão oficial de vigilância sanitária do Estado, inclusive nas embalagens ainda fechadas e expostas à venda no supermercado. Além do dano moral, alegaram ter assumido despesas imprevistas com o tratamento da menor, bem como ter sido reduzida a carga horária de trabalho da mãe para poder acom-panhar a filha, implicando o decréscimo na renda familiar. Pugnaram pelo ressar-cimento dos danos materiais e morais.

Em contestação, a ora recorrente suscitou as excludentes do § 3.º, II e III, do art. 12 e do inc. III do art. 13 do CDC. Descreveu seu processo produtivo, apto

(14)

a eliminar qualquer contaminação do produto, e sustentou que o vício provavel-mente decorria do armazenamento inadequado nos distribuidores ou na casa dos autores. Esclareceu que, se o produto fosse armazenado de forma indevida, mesmo as embalagens fechadas poderiam ser contaminadas. Questionou a ausência de prova do nexo de causalidade entre o produto contaminado e os danos sofridos.

O segundo réu defendeu a responsabilidade exclusiva da fabricante.

No curso da demanda, os autores relataram fato novo, consubstanciado na per-da auditiva per-da menor, decorrente do uso do antibiótico prescrito para combater a enfermidade do aparelho digestivo provocada pela ingestão do produto deteriora-do e readequaram os pleitos.

A sentença julgou procedentes os pedidos, condenando as requeridas, solida-riamente, ao pagamento de indenização aos autores na seguinte proporção: (a) à menor, no montante de R$ 900.000,00 pelos danos morais (R$ 300.000,00 pela intoxicação alimentar e R$ 600.000,00 pela perda auditiva), além de R$ 1.100,00 a título de pensão mensal, no período de 18 a 60 anos, totalizando R$ 554.400,00; (b) ao pai, no valor comprovado das despesas com o tratamento, a ser apurado em liquidação de sentença, mais R$ 300.000,00 pelo dano moral; e (c) à mãe, nos lu-cros cessantes decorrentes da redução de sua carga horária de trabalho no período necessário para acompanhar o tratamento da filha, a ser apurado em liquidação de sentença, mais R$ 300.000,00 pelo dano moral. Determinou a incidência de cor-reção monetária e juros moratórios a partir de cada desembolso, quanto aos danos patrimoniais a serem ressarcidos; a partir do evento danoso, no que concerne aos lucros cessantes; a contar da sentença, no tocante aos danos morais. Foram ainda imputados às requeridas as custas processuais e honorários, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.

Todas as partes recorreram, tendo o Tribunal de origem desprovido o apelo da ora recorrente, acolhido totalmente o recurso do segundo requerido e dado parcial provimento à apelação dos autores. O julgado recebeu a seguinte ementa:

“Apelações cíveis. Creme de arroz destinado à complementação da alimentação infantil, contaminado com insetos vivos, larvas e fragmentos de insetos. Bebê de apenas um ano e quatro meses que, após consumir o alimento, é acometido de infecção gastrointestinal grave e progressiva, vindo a sofrer de desnutrição e de-sidratação, enfrentando situação de iminência de morte. Prescrição de antibiótico agressivo, que acarreta perda da audição. Sentença que condena solidariamente fa-bricante e comerciante do produto ao ressarcimento dos danos materiais e morais à vítima direta do evento e a seus pais, além de pensão mensal àquela, até os seus 60 anos, por sua evidente diminuição da capacidade de trabalho. Recursos conhe-cidos, sendo o da primeira ré desprovido, o da segunda ré provido e parcialmente provido o adesivo.

1. A responsabilidade do comerciante pelo fato do produto é subsidiária sendo, in casu, descabida, a teor do art. 13 do CDC.

(15)

2. Tem-se na teoria da causalidade adequada o substrato capaz de antecipar o marco extremo da responsabilidade do agente pelo dano suportado pelo lesado.

Assim, se o fabricante é responsável pelo defeito do produto, causador da doen-ça – infecção gastrointestinal, responsável também será pela superveniente defi-ciência auditiva, ocasionada pelo medicamento ingerido a fim de dominar referida condição médica, pois a relação de causalidade restará demonstrada sempre que ‘não se possa considerar o dano como consequência extraordinária, indiferente ao fato atribuído ao indigitado responsável’. (NoRonHa, Fernando. Direito das Obriga-ções. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 611).

3. A confiança no produto, sua tradição e ampla indicação como complemento à dieta infantil, aliado ao bom nome da empresa no mercado de consumo nacional são fatores determinantes ao patamar atingido na condenação do fabricante pelo defeito no produto.

4. No arbitramento dos danos extrapatrimoniais suportados pela menor, tem--se tanto o dano corporal, traduzido na violência contra sua integridade física, acarretando-lhe a perda da função auditiva, como o dano moral em sentido estrito, consubstanciado no sofrimento, na dor, na frustração, no medo, na aflição, tanto sentida na época em que a doença encontrava-se em sua fase aguda, como também a que se sujeitará no futuro, sempre que imaginar que nascera perfeita e em razão de um alimento estragado perdeu a capacidade de interagir e conhecer, de forma integral, o mundo que a cerca.

5. O valor arbitrado a título de dano moral obedece aos princípios da razoabili-dade e proporcionalirazoabili-dade, além do caráter compensatório, punitivo e pedagógico. Patamar consentâneo aos valores jurídico-constitucionais em jogo.

6. A pensão mensal decorrente de acidente de consumo que diminui a capa-cidade laboral da vítima deve ser vitalícia, uma vez que não se pode presumir ne-nhuma melhora do problema auditivo com o avançar da idade da lesada.

7. Cabível a pretensão de constituição de capital para a garantia da obrigação alimentar até o seu termo final. Inteligência do art. 475-Q do CPC/1973”.

A Unilever Brasil Industrial Ltda. ofereceu embargos de declaração, apontando omissões, contradições e obscuridades no julgado, como também para fins de pre-questionamento. Os aclaratórios foram rejeitados.

Sobreveio a interposição do presente recurso especial, com amparo em ambas as alíneas do permissivo constitucional. Sustenta a recorrente vulneração dos arts. 135, V, 138, § 1.º, c/c o art. 304 e ss. do CPC/1973, em razão da suspeição e parcia-lidade da magistrada prolatora da sentença, cujo marido é primo do advogado dos autores, a quem os autos foram redistribuídos após 8 anos de trâmite processual e quando já designada audiência de instrução e julgamento, que acabou não sendo realizada em face do julgamento antecipado da lide pela juíza. Aduz contrariados os arts. 128 e 460 do CPC/1973 em razão de julgamento ultra petita. Alega nuli-dade do julgamento das apelações em virtude do impedimento do presidente da

(16)

6.ª Câm. Civ., somente anunciado no momento em que feito o pregão. Quanto ao mérito, argumentando serem suficientes para o deslinde da controvérsia a reva-loração das provas e a constatação da ausência de nexo de causalidade referidas no voto vencido, aponta violado o art. 12, § 3.º, II e III, do CDC, uma vez que o antibiótico que provocou a surdez da menor foi receitado para combater uma bactéria não encontrada no produto da recorrente e por estar corroborado que a contaminação do produto ocorreu após a abertura da embalagem, configurando a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, tudo a implicar a improcedência dos pedidos. Caso mantida sua obrigação de indenizar, pugna pela redução dos valores arbitrados na origem, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e por infringência aos arts. 403, 944 e 945 do CC/2002, além da observância do termo inicial da correção monetária, conforme preceitua a Súmula 362 do STJ. Ademais, afirma violado o art. 475-Q, § 2.º, do CPC/1973 porquan-to estaria preclusa a determinação de constituição de capital para pagamenporquan-to da pensão. Colaciona dissenso jurisprudencial concernente ao montante dos danos morais e à constituição de capital para pagamento da pensão.

Foi interposto também recurso extraordinário, com alegação de afronta ao art. 5.º, XXXV, XXXVII, LIII, LIV e LV, da CF/1988.

Após o transcurso in albis do prazo para contrarrazões, apenas o recurso espe-cial foi admitido.

Houve a interposição de agravo em recurso extraordinário, devidamente con-traminutado.

É o relatório.

Ementa: Recurso especial. Responsabilidade civil. Acidente de consumo. Alimento infantil contaminado. Infecção gastrointestinal severa. Prescrição de antibiótico agressivo. Perda auditiva. Danos materiais e morais devidos aos pais e à menor. Suspeição da juíza. Parentesco entre seu cônjuge e o advogado da parte. Hipótese não prevista em lei. Interesse na causa não comprovado. Impe-dimento do presidente da câmara julgadora anunciado no início do julgamento. Deficiência de fundamentação. Súmula 284 do STF. Julgamento ultra petita. Ocorrência em relação à pensão mensal vitalícia. Nexo de causalidade. Tese amparada exclusivamente no voto vencido. Incidência das Súmulas 7 e 320 do STJ. Dano moral. Indenização. Excesso configurado. Redução.

1. O parentesco existente entre o cônjuge do magistrado e o advogado da parte não encontra previsão no art. 135 do CPC/1973, cujas hipóteses devem ser interpretadas de forma restritiva.

2. Para o acolhimento de suspeição fundada no inc. V do art. 135 do CPC/1973, é necessária prova induvidosa da aventada parcialidade do juiz, não servindo a tanto a mera circunstância de ter havido julgamento antecipado da lide e o vulto da condenação.

(17)

3. A ausência de indicação do dispositivo legal supostamente violado carac-teriza deficiência na fundamentação do recurso especial, atraindo a incidência da Súmula 284 do STF.

4. Segundo a jurisprudência do STJ, o pedido deve ser extraído a partir de uma interpretação lógico-sistemática de todo o conteúdo da petição inicial, não se limitando ao tópico específico referente aos pedidos. Todavia, esse entendi-mento requer cautela em sua aplicação, de modo que o julgador não resvale para a discricionariedade. Ainda que os fatos narrados comportem pedido de pensão, não pode o juiz, à míngua de qualquer pedido ou cogitação tendente a exigi-la, considerá-la, de ofício, implícita no pedido de ressarcimento de danos materiais.

5. A ausência do nexo de causalidade deduzida com base em tese exclusi-vamente tratada no voto vencido não logra conhecimento no âmbito do recurso especial, a teor do contido na Súmula 320 do STJ. O reconhecimento do nexo causal pelo voto vencedor com amparo nas circunstâncias fáticas da causa não pode ser revisto sem o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que encon-tra óbice na Súmula 7 do STJ.

6. O quantum indenizatório fixado na instância ordinária submete-se ao controle do STJ na hipótese em que o valor da condenação seja irrisório ou exorbitante, distanciando-se, assim, das finalidades legais.

7. Reduz-se a indenização deferida à consumidora menor para R$ 300.000,00, sendo R$ 200.000,00 pelos danos morais resultantes da infecção gastrointestinal severa de que foi acometida e R$ 100.000,00 pela perda audi-tiva decorrente do tratamento com antibiótico agressivo. Igualmente, reduz-se a indenização devida a cada um dos genitores para R$ 50.000,00. Correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ.

8. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. VOTO – O Exmo. Sr. Min. João Otávio de Noronha (relator):

Trata-se de ação indenizatória de danos materiais e morais movida por uma casal, em nome próprio e representando sua filha menor, em razão de acidente de consumo decorrente da ingestão de alimento contaminado com insetos, larvas vivas e fragmentos de insetos, que acarretaram infecção intestinal aguda na menor, à época com 1 ano e 4 meses de idade, sobrevindo, no curso da demanda, a infor-mação de fato novo, consubstanciado na deficiência auditiva da criança, atribuída ao antibiótico ministrado no tratamento.

A sentença deferiu o pleito indenizatório, condenando a fabricante Unilever Brasil Industrial Ltda. e o Supermercado Vitória Ltda., solidariamente, ao ressar-cimento dos danos materiais e morais, a seguir discriminados: (a) R$ 900.000,00 à filha do casal pelos danos morais, sendo R$ 300.000,00 pelos males físicos e

(18)

psicológicos decorrentes da intoxicação alimentar e R$ 600.000,00 pelos males físicos e psicológicos decorrentes da perda auditiva, além de pensão mensal de R$ 1.100,00 pelo dano patrimonial relativo à diminuição da capacidade laborativa e para custear os gastos com a administração de seu problema de saúde, tendo como parâmetro os anos que integram o período produtivo da vida adulta (18 a 60 anos), totalizando R$ 554.400,00; (b) R$ 300.000,00 pelos danos morais sofri-dos por cada um sofri-dos genitores; (c) ressarcimento das despesas comprovadas nos autos, além das que forem documentalmente comprovadas em liquidação de sen-tença, no tocante ao pai; e (d) lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença para a mãe, atinentes à diminuição salarial sofrida pela redução da carga horária para acompanhar o tratamento da filha. Determinou ainda a incidência de correção monetária e juros de mora a contar de cada desembolso, quanto aos danos patrimoniais; a partir do evento danoso, no que tange aos lucros cessantes; a contar da sentença, no caso dos danos morais.

Em grau de apelação, a sentença foi parcialmente modificada para excluir a res-ponsabilidade solidária do supermercado e determinar que a pensão à menor fosse vitalícia e que se procedesse à constituição de capital para garantia da obrigação.

Passo ao exame destacado das proposições deduzidas pela recorrente.

I – Nulidade da sentença em razão da suspeição de parcialidade da juíza – Violação dos arts. 135, V, 138, § 1.º, c/c o art. 304 do CPC/1973

Sustenta a recorrente a nulidade da sentença porquanto prolatada por juíza cujo marido é primo do advogado dos autores. Argumenta que a parcialidade da magistrada ficou evidenciada ao deixar de realizar a audiência de instrução e jul-gamento já designada pelo juiz que presidiu o feito nos primeiros oito anos, en-cerrando abruptamente a instrução e lhe cerceando a defesa, além de lhe condenar em montante excessivo e superior ao próprio pedido exordial, em manifesto jul-gamento ultra petita.

O acórdão recorrido afastou o vício apontado à míngua de amparo legal, visto que ultrapassada a limitação de parentesco prevista no inc. II do art. 135 do CPC/1973, entendendo prejudicada a causa prevista no inc. V do art. 135 do CPC/1973, uma vez que os indícios de parcialidade apontados carecem de fun-damento fático ou jurídico. Afirmou que a demanda percorreu seis anos somen-te na somen-tentativa de realização de perícias médicas, constansomen-temensomen-te impugnadas pela ora recorrente, havendo o desentranhamento de laudo a pedido da própria empresa, por suspeição do perito. No mais, afastou qualquer cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, uma vez que este se mostrou adequado ao caso concreto, assim como o montante da condenação.

O art. 135, II, do CPC/1973 reconhece fundada a suspeição de parcialidade do juiz quando houver entre o magistrado, seu cônjuge ou parentes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, relações de débito e crédito para com alguma das partes. Inexiste previsão de suspeição baseada em relação de parentesco entre o

(19)

cônjuge do magistrado e os advogados das partes, já tendo decidido o STJ que as hipóteses de suspeição previstas no art. 135 da lei processual são taxativas e devem ser interpretadas de forma restritiva para não comprometer a garantia do juiz natu-ral. Nesse sentido: REsp 1.340.594/MT, 2.ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 19.03.2014; e AgRg no Ag 444.085/SP, 3.ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 22.05.2005.

Por sua vez, as alegações utilizadas pela recorrente para tentar evidenciar a parcialidade da magistrada (julgamento antecipado da lide, montante da condena-ção e julgamento ultra petita) não se mostram plausíveis, sendo certo que, para o acolhimento da suspeição, seria necessária prova induvidosa da aventada parcia-lidade.

Conquanto o magistrado que antes presidia o feito tivesse designado audiência de instrução de julgamento, inexiste óbice a que o juiz a quem os autos são redis-tribuídos tenha compreensão diversa e entenda que a causa já se encontra madura para o julgamento de mérito. Sendo o destinatário das provas e encontrando ele-mentos suficientes para formar seu convencimento, é facultado ao magistrado, conforme preceitua o art. 330 do CPC/1973, conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença meritória.

Ademais, é cediço que “os arts. 130 e 131 do CPC/1973 consagram o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o juiz é livre para apreciar as provas produzidas, bem como a necessidade de produção das que forem requeri-das pelas partes, indeferindo as que, fundamentadamente, reputar inúteis ou pro-telatórias” (AgRg no REsp 1.483.175/CE, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, DJe 09.12.2014).

No caso, a juíza fundamentou, destacadamente, os motivos pelos quais consi-derava desnecessária a produção das provas requeridas, in verbis:

“2 – indefiro o pedido da primeira ré formulado à f., de realização de perícia de engenharia em sua fábrica para verificação da alegada infalibilidade na linha de produção do creme de arroz porque o tempo transcorrido desde a produção do lote 20 do referido produto que gerou a pretensão resistida ora em debate torna inócua qualquer verificação para o caso específico em apreço, pois não há como aferir se a(s) caixa(s) adquiridas pelos autores foram efetivamente submetidas ao rigor do processo produtivo descrito, tornando-se, assim, prova dispendiosa, mo-rosa e inútil à elucidação da quaestio juris;

3 – indefiro o pedido da primeira ré formulado à f., de expedição de ofício ao Instituto Adolfo Lutz para confirmação dos laudos técnicos de f. (documentos 25 e 26 da contestação), pois o teor dos documentos não está sendo questionado, atribuindo-lhes este Juízo total credibilidade, sendo, pois, supérflua a providência que contraria os princípios da celeridade e economia processuais;

4 – quanto à ouvida de testemunhas e depoimento pessoal dos autores antes deferida, incumbe ao Juiz, destinatário da prova, repelir as diligências inúteis e/ou

(20)

protelatórias. O presente feito encontra-se fartamente instruído com documentos e laudos suficientes à formação do convencimento deste Juízo, razão pela qual, usando do poder discricionário que me é conferido pelo art. 130 do CPC/1973, dispenso a dilação probatória que apenas retardaria desnecessariamente o processo que já tramita há mais de 10 anos, contrariando os princípios da economia e cele-ridade processuais;

5 – indefiro a produção de prova documental complementar postulada pela pri-meira ré à f. uma vez que já finda a fase probatória e porque a finalidade da mesma indicada pela parte a quem aproveitaria, de elucidação acerca do processo produti-vo e envase do creme de arroz, já está satisfeita com a admissão e manutenção nos autos dos documentos de f.”.

Da mesma forma, o vulto da condenação, por si só, não configura parcialidade do julgador, uma vez que foi devidamente fundamentado nas razões de decidir.

Por fim, eventual julgamento ultra petita também não é elemento caracteriza-dor de parcialidade do magistrado, havendo instrumentos recursais próprios para o afastamento de tal vício.

II – Nulidade do julgamento das apelações em face do impedimento do presidente da 6.ª Câm., somente anunciado no momento em que feito o pregão

Sustenta a recorrente a nulidade do julgamento levado a termo pelo Tribunal a quo, pois o presidente da Câmara julgadora somente se deu por impedido no mo-mento em que anunciado o julgamo-mento em que seu filho figurava como advogado dos autores da ação, nada obstante ter recebido a procuradora da ora recorrente em seu gabinete, para entrega de memoriais.

O vício foi apontado em embargos declaratórios, refutados pelo acórdão recor-rido ao fundamento de não se configurar uma omissão: “O eventual impedimento de magistrado, não relator, que tempestivamente refutou a participação no julga-mento da lide, não é matéria que deve ficar consignada no acórdão, pois alheia ao objeto da lide”.

O recurso especial não logra alcançar o conhecimento quanto ao ponto, vis-to que a recorrente absteve-se de indicar qualquer violação de dispositivo de lei federal, o que configura deficiência de sua fundamentação e atrai a incidência da Súmula 284 do STF.

III – Julgamento ultra petita – violação dos arts. 128 e 460 do CPC/1973

Neste tópico, a irresignação da recorrente abrange sua condenação ao paga-mento dos gastos futuros com o tratapaga-mento da menor, deferido ao pai; de lucros cessantes em favor da mãe, equivalentes ao que deixou de ganhar com a redução da carga horária no trabalho; e de pensão mensal vitalícia à menor.

Alega que os autores, quando da interposição da demanda, limitaram o pedido de danos morais a 200 salários mínimos para cada requerente e de danos patrimo-niais a R$ 700,00, relativos a despesas com alimentação especial e medicamentos

(21)

para a menor. Posteriormente, em razão do fato novo consubstanciado na per-da auditiva per-da criança, reformularam o pedido de condenação, limitando-o a R$ 1.000.000,00, quantia que abarcaria os danos materiais, morais e estéticos.

Ao contrário do que alega a recorrente, os autores não limitaram suas preten-sões aos patamares acima referidos, mas os invocaram como valores mínimos para a indenização pretendida.

Relativamente aos danos morais, anoto a posição do STJ de que os valores deduzidos na petição inicial para fins de ressarcimento têm caráter meramente estimativo, tanto que a condenação em montante a eles inferior não implica em re-ciprocidade de sucumbência. A esse respeito, colaciono os seguintes precedentes: AgRg no Ag em REsp 16.465/DF, 3.ª T., rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 02.05.2014; AgRg no REsp 1.403.118/AC, 2.ª T., rel. Min. Humberto Martins, DJe 31.03.2014; e AgRg no Ag em REsp 424.813/CE, 4.ª T., rel. Min. Isabel Gallotti, DJe 14.03.2014.

Os pedidos formulados pelos autores na petição inicial e na petição de emenda à inicial em razão do fato novo foram deduzidos nos seguintes termos:

“a) a procedência da ação a fim de condenar os requeridos aos pagamentos dos danos morais não inferiores a 200 (duzentos) salários mínimos a cada requerente, e danos materiais no valor de R$ 700,00 (setecentos reais) suportados pelos reque-rentes, com despesas de alimentação especial e medicamentos, com a incidência da correção monetária que integram a indenização, inclusive, custas e despesas processuais, aplicando-se a disposição da Súmula 562 do STF”.

“Ante a documentação em anexo e demais atos do processo que provam o nexo causal, os requerentes esperam que V. Excelência receba esta petição considerando como fato novo nos termos do art. 397 e 462 do CPC/1973, para ao final condenar os requeridos no pagamento dos danos materiais, morais e estéticos, num valor não inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)”.

Conquanto os pedidos devam ser interpretados restritivamente, segundo a dic-ção do art. 293 do CPC/1973, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o pedido deve ser extraído a partir de uma interpretação lógico-sistemática de toda a petição inicial, abrangendo os requerimentos feitos em seu corpo e não se limitando aos termos constantes de capítulo especial ou sob a rubrica “dos pedidos”. Confiram-se, entre muitos, os seguintes julgados: AgRg no Ag 468.472/ RJ, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, DJ 02.06.2003; REsp 1.391.789/PR, 2.ª T., rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.10.2014; AgRg no REsp 1.276.751/SP, 3.ª T., de minha relatoria, DJe 19.11.2014; AgRg no Ag 738.250/GO, 4.ª T., rel. Min. Aldir Passari-nho Junior, DJ 05.11.2007; e AgRg no REsp 1.229.473/PE, 5.ª T., rel. Min. Walter de Almeida Guilherme, desembargador convocado do TJSP, DJe 03.11.2014.

No presente caso, é possível extrair da petição inicial a pretensão de ressarci-mento dos lucros cessantes sofridos pela mãe da criança em razão da necessidade de reduzir sua carga horária no trabalho, a fim de acompanhar o tratamento da filha:

(22)

“Tal situação fez com que a mãe da menor professora da Rede Pública Munici-pal, requeresse diminuição de sua carga horária, diminuindo a jornada de trabalho para meio período, pois tem que acompanhar a dieta alimentar de recuperação de sua filha. Este fato, reduziu a (sic) ganho familiar, devendo ser suportado pelo causador” (e-STJ, f.).

O mesmo se diga em relação aos gastos futuros, necessários à reparação dos danos físicos sofridos pela menor. Consta da exordial:

“O fato da requerida ser condenada a indenizar os danos morais não a isenta da obrigação de reparar e ressarcir os danos materiais, nesses incluído o reembol-so das despesas com o tratamento médico, alimentação especial e medicamentos, enfim todos os gastos de sua recuperação no sentido mais amplo da expressão” (e-STJ, f.).

Na petição de emenda à exordial, foram discriminadas novas despesas já efetu-adas e que teriam de ser renovefetu-adas ao longo do tempo, em decorrência da perda auditiva que acometera a menor, tais como consultas com médicos e fonoaudió-logos, despesas de locomoção e estadia para se consultar no centro auditivo de Bauru (SP), moldes de silicone, aparelhos auditivos e pilhas.

É possível concluir, com base numa interpretação lógico-sistemática da inicial e da emenda à inicial, que os autores pretenderam ver-se ressarcidos não só das despesas até então efetuadas com o tratamento da menor, mas também daquelas necessárias à continuidade do tratamento e que se consumariam em momento posterior ao ajuizamento da demanda.

Assim, em relação aos gastos futuros com o tratamento da menor, deferidos ao pai, e aos lucros cessantes concernentes à redução salarial da mãe, não há falar em julgamento ultra petita, pois a condenação imposta à recorrente guarda consonân-cia com o inteiro teor da petição iniconsonân-cial, complementada pela emenda decorrente de fato superveniente.

O mesmo não se pode dizer da pensão mensal vitalícia.

O acórdão recorrido entendeu possível o deferimento de pensão, tendo em vis-ta a “incidência das despesas desvis-tacadas expressamente no pedido, além de com-pensar real e efetiva diminuição da capacidade laboral e inserção no competitivo mercado de trabalho”.

Ocorre que, quanto às despesas futuras necessárias ao tratamento, já foi asse-gurado o devido ressarcimento, postulado pelo pai.

Por sua vez, no tocante às eventuais dificuldades de inserção no mercado de trabalho, denota-se da petição de emenda à inicial que tal circunstância foi invocada pela parte apenas como fundamento para orientar a fixação do dano moral, in verbis: “A dor moral não pode ser medida, mas deve ser indenizada, para que o valor indenizatório sirva além de atenuar a dor dos requerentes, como penalidade para os causadores, para que com isso sejam mais prudentes.

(23)

Como se repara um apelido que foi atribuído à AAA, pelos próprios colegui-nhas de escola como ‘surdinha’ e ‘muda’? Como se repara a falta de comunicação? Como se repara a deficiência auditiva para o mercado de trabalho e a própria so-brevivência?”.

É preciso cautela ao se aplicar o entendimento adotado pelo STJ de compreen-são do pedido a partir de uma interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sob pena de se resvalar para a discricionariedade do julgador, que venha a compro-meter sua imparcialidade, atributo indispensável do órgão jurisdicional e pressu-posto de validade da relação processual, como bem alertou a eminente Min. Nancy Andrighi no voto proferido no julgamento do REsp 1.155.274/PE, DJe 15.05.2012, nestes termos:

“Por mais que se queira conferir uma exegese abrangente ao pedido, jamais se pode extrapolar a pretensão da parte, concedendo-lhe o que sequer cogitou ao ajuizar a ação. O pedido é condutor da atividade jurisdicional, especificamente em relação ao objeto da sentença, no que se convencionou denominar de princípio da congruência, derivado dos arts. 128 e 460 do CPC/1973.

Conclui-se, portanto, que a interpretação do pedido deve se guiar por duas balizas: de um lado, a contextualização do pedido, integrando-o ao inteiro teor da petição inicial, de modo a extrair a pretensão integral da parte; e, de outro lado, a adstrição do pedido, atendendo-se ao que foi efetivamente pleiteado, sem ilações ou conjecturas que ampliem o seu objeto”.

Valendo-me ainda do raciocínio da Min. Nancy no precedente acima, a mera circunstância de que os fatos narrados comportem, em tese, o pedido de pensão não autoriza o julgador, à míngua de qualquer pedido ou cogitação tendente a exigi-la, a, de ofício, considerá-la implícita no pedido de ressarcimento de danos materiais.

Portanto, merece acolhida o recurso especial para excluir da condenação a pen-são vitalícia, ficando prejudicado o exame da alegação de afronta ao art. 475-Q, § 2.º, do CPC/1973, atinente à questão da constituição de capital para pagamen-to da pensão.

IV – Ausência de nexo de causalidade entre o defeito do produto e a perda auditiva da menor – violação aos arts. 12, § 3.º, II e III, do CDC e 403 do CC/2002

A recorrente sustenta, a partir do delineamento fático constante do voto ven-cido, que inexiste nexo de causalidade entre a contaminação no creme de arroz que produz e a perda auditiva sofrida pela menor. Isso porque é incontroverso nos autos que a perda auditiva da criança resultou do uso do antibiótico Garamicina e, segundo o voto vencido, o remédio foi ministrado à menor para combater infecção outra que não aquela decorrente do vício em seu produto.

Não há como acolher a pretensão recursal que se ampara em tese tratada ex-clusivamente no voto vencido, conforme enunciado da Súmula 320 desta Corte

Referências

Documentos relacionados

O Documento Orientador da CGEB de 2014 ressalta a importância do Professor Coordenador e sua atuação como forma- dor dos professores e que, para isso, o tempo e

O estágio profissionalizante encontrou-se organizado em sete estágios parcelares: Medicina Geral e Familiar, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, com quatro semanas

F REQUÊNCIAS PRÓPRIAS E MODOS DE VIBRAÇÃO ( MÉTODO ANALÍTICO ) ... O RIENTAÇÃO PELAS EQUAÇÕES DE PROPAGAÇÃO DE VIBRAÇÕES ... P REVISÃO DOS VALORES MÁXIMOS DE PPV ...

However, we found two questionnaires that seemed interesting from the point of view of gathering information about students' perspective on the use of

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Assim sendo, o espaço da estrada é determinante como facilitador de um exercício de uma sexualidade mais plena, aberta e satisfatória, pelo menos para Thelma, e ao