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O CONTO AS FORMIGAS SOB O ENFOQUE DA SEMIÓTICA GREIMASIANA

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Academic year: 2021

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O CONTO AS FORMIGAS SOB O ENFOQUE DA SEMIÓTICA

GREIMASIANA

Jacy Marcondes Duarte

Resumo: A semiótica francesa de A. J. Greimas oferece para o professor de literatura um modelo eficaz para a análise de narrativas, que pode tanto beneficiar o aluno como leitor de textos literários como futuro professor. Com o objetivo de exemplificar a aplicação do modelo a um objeto literário, apresentamos a análise do conto de Lygia Fagundes Telles, As formigas.

Palavras-chave: Semiótica francesa. Análise da narrativa. Contos.

Abstract; A. J. Greimas French semiotics presents to the literature professor an efficient model for the narrative analysis, which can beneficiate the student not only as a literary texts reader, but as a future teacher. Looking forward to exemplify the application of the model to a literary object, we present the analysis of the story written by Lygia Fagundes Telles, As Formigas.

Keywords: French Semiotics. Narrative Analysis. Tales.

INTRODUÇÃO

Não é nosso objetivo nem a descrição exaustiva da teoria semiótica greimasiana nem a discussão crítica de sua eficácia. O que pretendemos aqui defender é que os elementos teóricos dessa linha de investigação podem ser de valia para o estudo literário, constituindo para o aluno de Letras uma maneira de desvendar as estratégias discursivas que compõem a prosa. Acreditamos que a “fruição” estética está ligada à capacidade analítica, e que cabe a nós professores fornecer ao aluno instrumentos de análise para o desvendamento dos objetos literários.

Podemos entender a narrativa como um palco em que se apresentam vários actantes, que se opõem ou se aliam de acordo com seus projetos ou desejos (objetos de valor e respectivos programas narrativos). Há um percurso gerativo de sentido, composto por três instâncias: o nível profundo ou fundamental, o nível narrativo e o nível discursivo. Fora do percurso, há o nível textual ou de superfície, no qual analisam-se os recursos literários utilizados, como linguagem figurada, recursos fônicos, vocabulário etc, nível este que tem merecido menos atenção dos semióticos, já que a proposta da Semiótica é analisar e explicar os sentidos do texto, ou seja, os mecanismos e procedimentos do Plano do Conteúdo, colocado sob a forma de um percurso

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gerativo. Nossa análise do conto de Lygia Fagundes Telles é focada no percurso gerativo de sentido.

A escolha do conto As Formigas deve-se ao fato de termos realizado em sala de aula um trabalho de análise a partir de contos, com resultados bastante positivos: os alunos passaram a enxergar o conto com outro olhar, percebendo suas estratégias discursivas e efeitos de sentido. O conto em questão é um dos que foram trabalhados e não é longo.

A narrativa conta a história de duas estudantes que, por necessidade, alugam um quarto no sótão de uma pensão decadente, onde passam três noites e do qual acabam fugindo às pressas, em função de acontecimentos insólitos (há no quarto um caixote com ossinhos de anão, deixado pelo morador anterior, e que vai sendo manipulado por formigas, as quais vão montando o esqueleto com ordenação perfeita, durante as noites).

OS ACTANTES EM CENA (nível narrativo)

Como actantes principais temos as duas moças (Sujeito 1), cujo objeto de valor é o quarto de pensão, ou seja, premidas pela necessidade econômica (Destinador delas) querem e devem morar naquele lugar, que é o único que podem pagar. Como objeto de valor secundário – muito secundário, mas pertinente – temos que a estudante de medicina declara que pretende montar o esqueleto do anão.

Como anti-sujeito se configura na narrativa o Sujeito 2 – as formigas – que se contrapõe ao objeto de valor das moças (as moças acabam indo embora às pressas). O objeto de valor desse Sujeito 2 pode ser dividido em dois: primeiro, as formigas querem e devem montar o esqueleto do

anão, tarefa à qual se dedicam cada noite. Em segundo lugar, um objeto de valor implícito, que é

o de expulsar as moças do quarto. O Destinador das formigas – a razão que as move – não é também explicitado. A montagem do esqueleto está ligada à expulsão das moças, pois elas se sentem ameaçadas por essa atividade misteriosa das formigas e fogem da pensão.

Como actantes secundários, elementos que ajudam ou atrapalham os sujeitos, temos o cheiro das formigas, a noite, o aspecto da pensão e da dona dela, que são adjuvantes das formigas e contribuem para assustar as moças; e o dia, o álcool, o sapato usado para matar as formigas, que são adjuvantes das moças.

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O NÍVEL FUNDAMENTAL

Todo o conto gira em torno do eixo semântico natural x sobrenatural, que é a oposição que fundamenta a história: de um lado, as moças, estudando e vivendo o cotidiano normal; de outro lado, as formigas montando os ossos de anão, que é o elemento insólito, sobrenatural.

Esse eixo semântico que instaura no conto o insólito, o incompreensível, o desconhecido, é colocado não só pela ação inusitada das formigas, como pelo aspecto da pensão, de sua dona, dos móveis velhos, da sujeira. Tempo (noite) e espaço (fechado, o quarto) também são os elementos que contribuem para criar o clima de suspense.

O NÍVEL DISCURSIVO

Tempo, espaço e pessoa são os elementos componentes desse nível. As formigas é narrado em primeira pessoa (debreagem enunciativa), o que causa um efeito de sentido bastante importante para o suspense do conto: como só sabemos o que sabe o narrador-protagonista, não temos como decifrar as razões ou explicações possíveis para os acontecimentos que se dão no quarto. Junto com o Sujeito 1, as moças, abandonamos a pensão (e a narrativa) ao final, sem saber realmente o que poderia acontecer se elas tivessem ficado lá.

Outro elemento discursivo formador do suspense do conto são as figuras (palavras referentes a elementos concretos) que permeiam o texto desde o início. O imóvel é-nos assim apresentado:

“Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada.(p.35)”

Temos neste excerto as figuras que favorecem o segundo polo do eixo semântico, o sobrenatural, que, digamos assim, configura-se em narrativas tradicionais aliado a elementos que lembram decadência, morte, escuro, noite, tristeza etc (não é à toa que o Drácula só vive e age à noite).

Agrupando as figuras em alguns campos semânticos, podemos ter:

a) as que descrevem a pensão e sua dona – velho sobrado, olhos tristes, vazado, sinistro,

escada velhíssima, velha balofa, peruca mais negra do que a asa da graúna, desbotado pijama, unhas aduncas, crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas

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encardidas, charutinho, tosse encatarrada, bruxa, saleta escura, atulhada de móveis velhos, palhinha furada, estreita escada - que favorecem a leitura na isotopia do insólito,

do sobrenatural.

b) as que descrevem a vida das moças – as malas, japona, gravura, lata de sardinha, pão,

bolacha, chá, omelete, chocolate, urso de pelúcia, lâmpada de duzentas velas, álcool - que

levam à isotopia da condição socioeconômica desfavorável (mostram os poucos haveres delas).

c) as que descrevem o sujeito 2, as formigas – ruivas, pequenas, compactas, rápidas,

inúmeras, disciplinadas, levava as mãos à cabeça, sacudia a cabeça (uma formiga), cheiro ardido, trilha só de ida, trilha espessa - que também favorecem a isotopia do insólito.

d) as que descrevem os ossos do anão no caixotinho - brancos, perfeitos, limpíssimos,

miudinhos, brancura de cal, todos os dentinhos – levando-nos para o insólito, pois não há

explicação razoável para tais características naquele ambiente, nem para o próprio anão (“raro à beça”, na fala da estudante de medicina).

O anão é o grande mistério, seus ossos limpos e brancos se contrapondo à obscuridade e sujeira próprias da pensão (“agora a gente podia ver que a roupa de cama não era tão alva assim,

alva era a pequena tíbia que ela tirou de dentro do caixotinho (p.37)”). Em torno desse mistério

gravitam os outros elementos insólitos (as formigas), tristes (os móveis e o prédio velhos) e esquisitos (como a dona da pensão, chamada de bruxa pela estudante de medicina no final). O anão é o elemento insólito, que aparece também no sonho da estudante (“No sonho, um anão louro

de colete xadrez e cabelo repartido no meio entrou no quarto fumando charuto (p.37)”).

As figuras, portanto, em sua maioria recobrem temas (elementos abstratos, explícitos ou subjacentes) que têm a ver com o eixo semântico natural x sobrenatural: velhice, tristeza, pobreza, decadência, mistério, obscuridade, inexplicável, encaminhando o leitor inevitavelmente à percepção de que algo sobrenatural está ocorrendo no quarto de pensão e possivelmente pondo em perigo as moças.

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O espaço no conto é sempre fechado, o quarto de pensão. As moças saem, estudam, vão a uma festa, mas isso nos é apenas informado; é só no quarto que há ação, tudo acontece lá. Dito de outro modo, o espaço aberto é apenas mencionado, e o quarto encerra as protagonistas, prende-as, constituindo parte da ameaça misteriosa que vai se construindo durante o conto.

O tempo na narrativa é cronológico (três noites). Tudo acontece à noite, inclusive a chegada das moças à pensão e a fuga delas.

OS EPISÓDIOS DA NARRATIVA

É possível dividirmos as narrativas em episódios; toda vez que há uma transformação de estado, temos um episódio. No conto de Lygia, é possível utilizarmos a divisão em episódios como marca das fases do embate entre o Sujeito 1 (as moças) e o Sujeito 2 (as formigas). Para isso, dividimos a narrativa com base em disjunções temporais.

Antes da divisão, é importante lembrar que a narrativa como um todo está marcada pela oposição espaço aberto/fechado:

Situação inicial

Chegada das moças à pensão (do espaço aberto p/o

fechado)

transformação

Montagem do esqueleto (no espaço fechado)

Situação final

Saída das moças (do fechado p/o aberto)

Passemos aos episódios:

1º - ocupação do quarto S’... T ...S”

Disjunção c/o quarto conversa c/a dona Conjunção c/o quarto

(S’ = situação inicial; T = transformação; S” = situação final)

Nesse primeiro episódio, há a conquista pelo S1 (as moças) do seu objeto de valor: elas conseguem um quarto barato para morarem. As moças vencem (sujeito glorificado). Quanto à marcação temporal, é noite quando se apossam do quarto. Há um deslocamento espacial das moças (de fora para dentro).

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Formigas trabalhando álcool e pisoteamento formigas mortas

Esse episódio marca o primeiro embate entre o S1 (as moças) e o S2 (as formigas), e o S1 vence, matando a trilha espessa de formigas com álcool e pisadas. A marcação temporal é uma noite (a primeira); não há deslocamento espacial das moças (permanecem no quarto).

3º - reaparecimento das formigas S’... T ...S” Formigas trabalhando amanhece formigas desaparecem

Nesse terceiro episódio, não há luta (as moças assustadas não atacam as formigas), e quem vence é o S2, pois trabalha sem ser incomodado. A marcação temporal é uma noite, a segunda; há um deslocamento espacial das moças dentro do quarto (dormem juntas na mesma cama).

4º - abandono do quarto S’... T ...S”

Conjunção c/o quarto montagem do esqueleto disjunção c/o quarto

Nesse último episódio, temos o final do embate entre S1 e S2, vencendo as formigas, S2, pois não só concluem a montagem do esqueleto do anão (seu objeto de valor principal) como expulsam as moças do quarto pelo medo (objeto de valor implícito). Não há resistência por parte das moças, elas não atacam as formigas. A marcação temporal é uma noite (a última lá) e há deslocamento espacial das moças, que abandonam o quarto. O S1 é vencido, sujeito punido, pois perde seu objeto de valor, o quarto de moradia, voltando à situação inicial da narrativa (no espaço aberto, sem moradia). Temos aí uma circularidade: no final, retoma-se a situação inicial (de disjunção).

O desenlace marca uma falha de competência do S1, que prejudica sua performance. O S1 tem competência (modais poder/saber) para alugar o quarto, pode pagar por ele, soube escolher algo dentro de suas possibilidades financeiras, mas não tem competência para lidar com o insólito, o sobrenatural, o inexplicável: as moças sentem-se ameaçadas, têm medo, desistem de lutar contra as formigas e vão embora.

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OBSERVAÇÕES FINAIS

Através da desmontagem analítica feita através dos elementos semióticos, o conto As

formigas nos mostra como estão bem imbricados o tempo, o espaço e a ação, nessa pequena

narrativa. É a velha história do desconhecido, sobrenatural, surreal influenciando a vida das pessoas: um dos grandes medos arquetípicos do ser humano é justamente o “além” e os elementos a ele relacionados. O conto ilustra muito bem esse medo: quando o comportamento das formigas sai do “natural” e passa para o outro polo, o “sobrenatural”, as moças desistem de lutar contra os bichos e também desistem de entender a situação.

Desmontando o conto, percebemos sua arquitetura, que nos parece muito bem planejada: o paralelismo entre a marcação temporal (as noites), a recorrência espacial (espaço fechado) e as ações de ambos os sujeitos. Somem-se a isso os elementos descritivos, como as figuras, que compõem um cenário adequado a acontecimentos insólitos, como formigas inteligentes capazes de montar um raro esqueleto de anão. Será que eram formigas mesmo? E o anão, representa o quê, na verdade? Acaba a história, não acaba o mistério.

REFERÊNCIAS

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto, São Paulo:Ática, 2003. EVERAERT-DESMEDT, Nicole. Semiótica da narrativa. Coimbra:Almedina, 1984 FIORIN, José Luís. Elementos de análise do discurso. São Paulo:Contexto, 2000

TELLES, Lygia Fagundes. As formigas. In: Venha ver o pôr-do-sol e outros contos. São Paulo:Ática, 1988, p.35-42.

Recebido em: 03/10/2016 Aprovado em: 15/01/2017

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