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A INFLUÊNCIA DE PROPAGANDAS DE COMPUTADORES PESSOAIS NA SAÍDA DE MULHERES DA COMPUTAÇÃO A PARTIR DOS ANOS Érica Camillo Azzellini2

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Academic year: 2021

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A INFLUÊNCIA DE PROPAGANDAS DE COMPUTADORES PESSOAIS NA SAÍDA DE MULHERES DA COMPUTAÇÃO A PARTIR DOS ANOS 19801

Érica Camillo Azzellini2

A proposta do artigo é analisar peças publicitárias de computadores pessoais veiculadas nos anos 1980 a fim de observar que, aos serem vendidos como brinquedos para meninos, a propaganda pode ter sido fator de influência na saída de mulheres da computação, repercutindo no mercado de trabalho e na relação de mulheres com a tecnologia até os dias de hoje.

Para realização da proposta, cabe utilizar recursos de análise de discurso baseada nos trabalhos de Goffman sobre gênero e publicidade, de Tavares sobre a perspectiva discursiva na publicidade e consumo e de Guymer, Kergoat e Plant sobre questões específicas de gênero, tecnologia e trabalho.

Segundo estudo realizado pela American Association of University Women de 2015, apenas 26% da força de trabalho na computação é constituída por mulheres. Mesmo com a ascensão das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) e, consequentemente, novas oportunidades no setor, cada vez menos mulheres se matriculam em cursos relacionados à Ciências da Computação.

Dados do Inep/MEC apontam que em 2013 apenas 15,53% das vagas desses cursos foram preenchidas por mulheres, sendo que o número de matriculadas passou a decair a partir de meados dos anos 1980. Até a década anterior, as mulheres representavam a maioria: a turma de 1974 de bacharelado em Ciências da Computação do IME, por exemplo, era composta em 70% por mulheres. Isso porque a computação surgiu como um desdobramento do secretariado, área tipicamente ocupada por mais mulheres. Levando em consideração a divisão sexual do trabalho (KERGOAT, 1996), é possível observar que às mulheres cabia o trabalho manual e subordinado mesmo no que se tratava de desenvolvimento tecnológico. Segundo Sadie Plant (2000, p.50), “desde a revolução industrial - e em cada uma das subsequentes fases de mudanças tecnológicas - que se tem verificado que, quanto mais 1. Artigo apresentado ao Eixo Temático 05 – Gênero / Comunidades LGBT’s / Feminismo do IX Simpósio Nacional da ABCiber.

2. Pesquisadora é estudante de graduação 3º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. E-mail: erica.azln@gmail.com

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sofisticadas são as máquinas, mais a força de trabalho se torna feminina”, o que explica a aproximação inicial de mulheres do desenvolvimento de computadores no século XX.

Nesse sentido, é importante ressaltar o papel decisivo das mulheres no desenvolvimento da computação: Ada Lovelace foi responsável por criar o primeiro algoritmo processado por uma máquina; o primeiro computador do mundo, o ENIAC, foi programado por uma equipe de mais de 75 mulheres; Hedy Lamarr inventou durante o período da Segunda Guerra Mundial um sistema utilizado posteriormente na criação da telefonia celular e wifi; a almirante Grace Hopper auxiliou no desenvolvimento do primeiro compilador e na linguagem COBOL, além de inventar o termo “bug” para designar erros no código-fonte.

Entretanto, a partir de meados dos anos 1980, as mulheres deixaram de ser maioria nos cursos de computação e no mercado de trabalho. Dados coletados pela National Science Foundation em parceria com American Bar Association e American Association of Medical College apontam que a participação de mulheres em outras áreas da ciência como Medicina e Ciências Físicas ao longo das últimas décadas tem recebido maior participação de mulheres, chegando a equivaler à participação masculina, enquanto que as Ciências da Computação em específico recebem cada vez menos mulheres (ver gráfico abaixo), evidenciamento um aumento progressivo na disparidade de gênero no setor.

Fonte: National Science Foundation, American Bar Association, American Association of Medical Colleges. Crédito: Quoctrung Bui/NPR

A redução de mulheres nesse setor representa uma perda de mão de obra qualificada que será sentida fortemente em todo o mundo em um futuro próximo. De acordo com dados

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do Code.org, as vagas no setor irão mais do que dobrar até 2020, gerando mais de 1,4 milhão de vagas, mas a estimativa é de que apenas 400 mil delas sejam preenchidas por conta da falta de profissionais. Isso é um reflexo da baixa aderência de mulheres na área, inclusive porque das que chegam a trabalhar com tecnologia, 41% acaba deixando o setor, enquanto que o mesmo ocorre com apenas 17% dos homens, segundo estudo do Harvard Business Review.

De acordo com esses dados e com o devido contexto histórico, cabe questionar quais motivos tiraram as mulheres da Computação. Para isso, é preciso observar o que mudou neste setor que fez com que a partir de meados dos anos 1980 houvesse um declínio acentuado da participação de mulheres no setor.

Na mesma época, os computadores pessoais começaram a ser comercializados e distribuídos por diversos fabricantes, destacando-se os modelos da IBM, Apple, Commodore e Atari. Tais aparelhos passaram a estar ao alcance do cidadão comum invadiram os lares (HENN, 2014), executando funções básicas se comparados aos computadores atuais. Nesse sentido, é possível inferir que os computadores pessoais dos anos 1980 não passavam de brinquedos (MARGOLIS, 2002) e, com a recente segmentação de mercado, passaram a ser vendidos como um item para toda a família, mas de importância especial para meninos.

O anúncio do Apple II (Figura I) veiculado em 1977 apresenta a imagem de um homem utilizando o computador e uma mulher o observa com admiração enquanto prepara uma refeição na cozinha, colocando o homem como protagonista da utilização do aparelho. Os dizeres da peça publicitária indicam que o computador pessoal se torna item parceiro do usuário, auxiliando no crescimento do usuário em diversas esferas - desde trabalho até entretenimento.

Já a propaganda do computador pessoal Atari veiculada em 1981 (Figura II) coloca uma família tradicional em cena: pai, mãe, filho e filha cercam o aparelho com admiração, sendo que novamente os homens são os protagonistas da ação. Desta vez, as figuras femininas observam com orgulho o rapaz que opera a máquina, enquanto o pai olha a tela do computador incentivando o filho. Percebe-se que quando famílias nucleares são retratadas, há maior proximidade entre o pai e o filho e entre a mãe e a filha, sendo que as mulheres tendem a se parecer com o seu eu mais jovem enquanto que o filho é colocado em posição mais adulta e vinculada já à atributos de masculinidade (GOFFMAN, 1979 p. 38)

Em uma campanha do ano seguinte (Figura III), a Atari coloca uma cena só com meninos operando a máquina como uma brincadeira divertida e espantosamente positiva, excluindo qualquer resquício de figura feminina.

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A marca Texas Instruments Home Computer também veiculou na época campanhas semelhantes, centralizando na figura de pai e filho, apontando que o produto era essencial para o sucesso futuro da criança - ilustrada pelo sexo masculino. Em uma campanha de 1983 (Figura IV), a marca coloca a imagem de um pai segurando o filho pequeno no colo, enquanto o auxilia a mexer no computador. Outro anúncio (Figura V) mostra a figura de um menino em idade escolar de braços cruzados contra uma lousa com uma mensagem de alerta para os pais: sem Texas Home Instruments Computer, seu filho pode nunca mais acompanhar as aulas de Matemática e comprometer o seu futuro.

Enquanto isso, parece haver um padrão de que quando mulheres têm um papel com mais destaque em anúncios de computadores é pela perspectiva da sexualização. A marca Soroc coloca em 1979 (Figura VI) a imagem de uma mulher atraente e de aspecto etéreo apoiando-se em um dos modelos de computador com o que Goffman (1979, p 29.) chama de “feminine touch”: uma mão leve que não tem propósito utilitarista e transmite a noção de delicadeza da personagem, que neste caso acentua sua sensualidade. Com os dizeres “A beautiful way to interface”, a imagem distancia a mulher do uso do aparelho, relacionando seus atributos estéticos à função do computador. Outra campanha do ano anterior da marca Technico (Figura VII) coloca a imagem de um homem em posição central e prestes a ser mordido no pescoço por duas mulheres, uma de cada lado, com os dizeres “Two bytes are better than one”, fazendo um jogo com a palavra “byte” no sentido de unidade de armazenamento de memória, cuja sonoridade se assemelha com “mordida” em inglês.

De acordo com esta breve análise de imagens, é possível inferir que as propagandas veiculadas durante a invasão dos computadores pessoais nos lares destinava o produto anunciado a homens e meninos, colocando mulheres em papéis secundários e sub-representados. Considerando o poder do discurso publicitário e suas implicações para o imaginário coletivo e individual (TAVARES, 2006), essas campanhas podem ter contribuído para a saída de mulheres da Computação, uma vez que não se viam mais representadas e passava a surgir uma força masculina dominante que restringia seu acesso. Como aponta Guymer (2000, p. 67), além da dificuldade de acesso material, as mulheres ainda precisavam enfrentar no final do século XX o estigma de que computadores e tecnologia pertenciam exclusivamente ao universo masculino. Essa socialização ainda pode ser sentida nos dias de hoje, uma vez que verificamos uma grande disparidade de gênero na tecnologia em geral. Por isso a importância de questionar quais motivos retiraram as mulheres do setor em meados dos anos 1985, podendo observar o discurso publicitário tanto como um reflexo dos valores da sociedade quanto seu fomentador (TAVARES, 2006).

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O artigo final pretende, portanto, discutir com maior profundidade o papel da publicidade na construção de valores sociais, analisar o discurso utilizado pelas campanhas de computadores pessoais e seu impacto em questões do subjetivo feminino e, consequentemente, mercado de trabalho.

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Figura II: Anúncio da Atari de 1981 (Fonte: Tom Simpson, disponível em https://goo.gl/Uu6ff1)

Figura III: Anúncio da Atari de 1982 (Fonte: Vintage Tech, disponível em https://goo.gl/exBRmz)

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Figura IV: Anúncio da Texas Instruments Home Computer de 1983 (Fonte: VintageBrowser, disponível em https://goo.gl/oCPhgl)

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Figura V: Anúncio da Texas Instruments Home Computer de 1983 (Fonte: Lovely0Smile, disponível em https://goo.gl/yU6OIZ)

Figura VI: Anúncio da Soroc de 1979

(Fonte: Vintage Computing and Gaming, disponível em https://goo.gl/suRYfN)

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Figura VII: Anúncio da Technico de 1978 (Fonte: Neatorama, disponível em https://goo.gl/mXvAsl)

Palavras-chave: gênero; tecnologia; propaganda; anos 1980; disparidade; história da computação

Referências bibliográficas:

GOFFMAN, Erving. Gender Advertisements. New York: Harper Torchbooks, 1979.

GUYMER, Laurel. Online Teaching: No fear of flying in Cyberspace. In. HAWTHORNE, Susan; KLEIN, Renate (Ed.). CyberFeminism: Connectivity, Critique and Creativity. North Melbourne: Spinifex, 1999. 434 p.

HENN, Steve. When Women Stopped Coding. 2014. Disponível em:

<https://goo.gl/pcV9hN>. Acesso em: 03 out. 2016.

KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. Trabalho e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as Políticas Públicas (2003): 55-63. Disponível em: <http://goo.gl/H7sXOD> Acesso em: 10 ago. 2016

MARGOLIS, Jane; FISHER, Allan. Unlocking the clubhouse: Women in computing. Londres: The Mit Press, 2002. 172 p. Disponível em: <https://goo.gl/Z90Zsj>. Acesso em: 03 out. 2016.

PLANT, Sadie. Zeros e Uns: As Mulheres e as Novas Tecnologias. Lisboa: Bizâncio, 2000. 282 p.

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TAVARES, Fred. Publicidade e consumo: a perspectiva discursiva. Comum, Rio de Janeiro, v. 11, n. 26, p.117-144, jun. 2006. Disponível em:<https://goo.gl/9fOdf6> . Acesso em: 03 out.. 2016.

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