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6. Considerações finais

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Academic year: 2021

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6. Considerações finais

No capítulo anterior, foram discutidos os resultados da análise de dados de produção espontânea do corpus de Santos (2006) e os resultados do trabalho experimental realizado com turmas de quarto ano, sexto ano e nono ano. A argumentação apresentada fundamentou o reconhecimento de contributos para a caracterização do carácter tardio da aquisição de concessivas e para a determinação da natureza do conhecimento envolvido na aquisição de concessivas, tendo sido proposta uma explicação, enquadrada em questões de variação linguística, para o percurso de desenvolvimento linguístico de aquisição de conectores concessivos factuais. As conclusões a que chegou nesse capítulo, ainda que de forma indirecta, podem ser interessantes para o ensino, uma vez que apontam caminhos para a criação de contextos de escolarização estimulantes para o desenvolvimento linguístico de níveis superiores de mestria de língua.

Porém, além destas pistas relativas a desenvolvimento linguístico tardio durante o período de escolarização, outras conclusões sobre ensino da língua materna – as que respondem de forma mais directa às perguntas de investigação enunciadas nos capítulos 2 e 3 – devem ser tidas em consideração. Assim, na secção 6.1., a par de uma síntese da fase da intervenção didáctica, discutem-se os resultados mais relevantes para o ensino nos domínios da escrita e do ensino da gramática. Finalmente, na secção 6.2., são referidas hipóteses de trabalho futuro e salientam-se algumas implicações dos resultados obtidos, em diferentes níveis de decisão, para o ensino do português.

6.1. Contributos para as respostas às questões de investigação

Partindo da questão geral de investigação, contextualizada no Capítulo 2, a qual perspectiva as relações entre conhecimento da gramática e desenvolvimento da competência de escrita, no final do Capítulo 3, após a descrição e análise do repertório linguístico disponível na gramática do adulto para expressar contraste e após a consideração de dados relativos à aquisição de contrastivas, enunciaram-se tópicos específicos, respeitantes a duas áreas de investigação: uma associada ao estudo do desenvolvimento linguístico - a relação entre desenvolvimento linguístico tardio e desenvolvimento da competência de escrita – e outra dirigida a questões relativas às

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278 aprendizagens formais - o ensino explícito da gramática enquanto promotor de níveis superiores de «literacia linguística» (Berman: 2004) e de «literacia de escrita».

Os resultados que se salientam em primeiro lugar são os relativos a desenvolvimento linguístico tardio. Por «desenvolvimento linguístico tardio», de acordo com o que ficou dito no Capítulo 3, entende-se um conjunto de manifestações que evidencia a passagem de uma «competência linguística básica» a uma «competência linguística elaborada» (Menyuk e Brisk: 2005). O desenvolvimento linguístico tardio pode ser determinado, de uma forma mais simples, por factores como a idade, não apenas considerada isoladamente, mas na relação com outras aquisições, estabilizadas mais precocemente (por exemplo, as concessivas adquirem-se numa idade tardia, próxima do início da escolarização, ao passo que as adversativas emergem antes dos três anos). De um modo mais interessante, factores internos ao sistema linguístico podem explicar aquisição e desenvolvimento tardios (por exemplo, conectores contrastivos negativamente valorados para o traço factual e positivamente valorados para o traço condicional devem emergir mais tarde do que os concessivos estritamente factuais).

O desenvolvimento linguístico tardio é permeável à exposição a variação de registos e a contextos formais de aprendizagem, na medida em que o contacto com contextos linguisticamente mais estimulantes o potencia. Deste modo, defende-se que a escola desempenha um papel crucial enquanto input facilitador do desenvolvimento harmonioso de níveis mais elaborados de conhecimento linguístico. Sobre o papel da escolarização no desenvolvimento linguístico tardio, defende Nippold (2004, 5): «With

its emphasis on literacy, schooling plays a critical role in later language development. As discussed above, education provides the school-age child or adolescent with the necessary exposure to complex and low frequency words, multilexemic expressions, and syntactic structures. This occurs when students read or listen to complex discourse. Circumstances that motivate students to actively analyze what they hear and read – to engage in metalinguistic behavior – also play a key role in the developmental process, along with the opportunity to use the new words and structures for their own communicative purposes.»

A proposta de Hudson (2001), segundo a qual o conhecimento da gramática que tem uma correlação positiva com desempenhos na escrita tem de ser conhecimento relevante para a especificidade do modo escrito, conduziu à definição de uma área concreta de avaliação de conhecimento linguístico com impacto na produção de textos de carácter argumentativo: as diferentes estruturas sintácticas com valor contrastivo.

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279 Para se avaliar o efeito deste conhecimento na produção escrita e para se responder às questões de investigação, construiu-se um desenho experimental que incluiu cento e cinquenta e três sujeitos (cento e treze alunos e quarenta adultos escolarizados). O quadro 1 sintetiza a informação relativa à amostra, que pode ser consultada, com mais pormenor, na secção 4.1. e no Anexo 4.

Quadro 1 – Amostra Nível de ensino N.º de sujeitos Idades N.º de enunciados N.º de textos Média de MLUw DP de MLUw 4.º Ano 24 9;3.13 10;2.07 242 24 15,7 8,35 6.º Ano 17 11;6.09 12;10.25 155 17 15,2 8,62 9.º Ano 72 14;3.00 15;4.21 644 72 + 55 20,9 12,58 Adultos 40 17;8.15 28;2.05 462 40 22,3 11,25

O desenho experimental contou com dois momentos, que cumpriam objectivos diferentes, cada um relativo a uma das duas questões específicas de investigação.

No primeiro momento, procedeu-se a um diagnóstico do conhecimento linguístico (implícito) de estruturas contrastivas, através da aplicação de um teste de compreensão oral de texto, de um teste de produção induzida de frases e de um teste de produção de texto. Para a implementação destas actividades em sala de aula, seguiu-se uma abordagem não intrusiva com controlo da tarefa (secção 4.1.). A aplicação foi feita em três turmas de níveis de final de ciclo (quarto ano, sexto ano e nono ano), o que deixa em aberto a possibilidade de se fazerem leituras longitudinais dos resultados. O grupo de controlo desta fase de diagnóstico foi constituído com adultos escolarizados.

Retomando a análise quantitativa (explicitada com maior pormenor na secção 4.3.), os gráficos das figuras 1 a 4 dão conta dos resultados totais dos quatro grupos de sujeitos envolvidos na fase de diagnóstico.

No gráfico da figura 1, indicam-se as percentagens totais de acertos, em cada grupo de sujeitos, no Teste de Compreensão Oral. Este teste consistia num conjunto de

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280 itens de selecção da paráfrase adequada e a resposta envolvia a capacidade de ouvir um estímulo, que incluía uma frase ou período complexo com um nexo contrastivo, e fazer equivaler a conexão ouvida a uma das duas opções dadas no enunciado. As condições testadas incluíam diversos conectores adversativos, concessivos e contrastivos, diferentes formatos semânticos de concessivas (factuais, hipotéticos e contrafactuais) e subordinadas em diferentes posições (secção 4.1., secção 4.3. e Anexo 1).

Figura 1 – Percentagens de respostas certas no Teste de Compreensão Oral de Texto

A leitura do gráfico da figura 2 oferece as percentagens totais de respostas certas no teste de produção induzida de frases. Neste teste, foram analisados os resultados de três itens de construção: o primeiro, de construção quase livre de uma frase a partir de um conector concessivo dado, os segundo e terceiro, de transformação de duas frases simples numa frase complexa, ligada por um conector concessivo, com a subordinada anteposta e posposta, respectivamente. Tal como no teste de compreensão, as condições testadas incluíam diversos conectores, neste caso apenas concessivos, e diferentes formatos semânticos de concessivas (secção 4.1., secção 4.3. e Anexo 1).

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Figura 2 – Percentagens de respostas certas no Teste de Produção Induzida de Frases

A leitura de ambas as figuras (1 e 2) revela que há crescimento na compreensão de enunciados contrastivos, em particular de frases concessivas, e na produção induzida de concessivas ao longo da escolaridade, havendo uma clivagem entre os resultados do quarto e do sexto ano, que se situam abaixo dos 75%, e os resultados dos alunos mais velhos, que têm um perfil mais próximo do dos adultos escolarizados.

Seguidamente, encontra-se uma selecção dos resultados mais significativos do teste de produção de texto. Em conformidade com o que foi explicado nas secções 4.1. e 4.3., este teste, que pode ser consultado no Anexo 1, consistia na produção escrita individual de um texto de opinião sobre um tema de argumentação polémica: as experiências em animais para fins medicinais e para a produção de cosméticos. No gráfico da figura 3, apresentam-se os índices totais de frequência de ocorrência de conectores adversativos nos textos dos diferentes grupos.

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Figura 3 – Frequência de ocorrência de conectores adversativos

Como se pode constatar pelos resultados entre os diferentes grupos, a produção da conjunção adversativa mas é inversamente proporcional ao crescimento da produção de advérbios conectivos pertencentes ao mesmo paradigma semântico. Dito de outra forma, observa-se que, excepto no caso do sexto ano, que produz globalmente menos nexos contrastivos (menos adversativas e nenhum conector concessivo), o que aproxima mais o perfil do sexto ano do dos alunos mais novos, no nono ano e entre os adultos, à medida que se vão começando a usar alternativas expressivas ao valor adversativo, a produção de mas diminui. Os adultos escolarizados são o grupo que recorre a um menor número de mas e a um maior número e maior diversidade de advérbios conectivos.

O gráfico da figura 4 ilustra os índices totais de frequência de produção de alguns dos conectores concessivos quantificados.

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Figura 4 – Frequência de ocorrência de conectores concessivos

Ao contrário do que se verificou relativamente a adversativas, pode concluir-se que há crescimento da produção de concessivas, se se atender a produções totais entre os grupos de alunos. Contudo, neste caso, o perfil dos alunos do nono ano não é muito diferenciado do dos alunos mais novos (excepto no caso de mesmo). Continua e ser o grupo de adultos escolarizados que revela um perfil de recurso mais frequente e mais diversificado a conectores concessivos.

Com base nesta síntese de resultados da fase de diagnóstico, relativamente às questões específicas de investigação sobre desenvolvimento linguístico, podem extrair-se as seguintes conclusões:

• a aquisição e o desenvolvimento do conhecimento de concessivas e de advérbios conectivos são tardios e percorrem um largo período de escolarização, podendo ser entendidos como manifestações de uma competência linguística elaborada em desenvolvimento1;

• a escolarização tem um papel determinante no desenvolvimento da «literacia linguística», que corresponde a um nível superior de mestria de língua;

• o desenvolvimento linguístico tardio de estruturas contrastivas tem efeitos positivos na competência de escrita, ao nível do recurso mais frequente e mais

1 Esta conclusão está em consonância com outros estudos que confiram a continuidade do processo de

aquisição depois da entrada na escola, por exemplo, entre outros aspectos, relativamente à aquisição de relativas de PP (Duarte: 2009; Fontes: 2008; Valente: 2008), à aquisição de infinitivo flexionado no português do Brasil (Pires et al.: 2009), à complexificação de estruturas nominais (Hudson: 2004).

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284 diversificado a conectores contrastivos, com consequências na diversidade lexical, fluência sintáctica, especificidade semântica e estruturação da informação textual;

• o conhecimento explícito da língua, que, naturalmente, aumenta nos diferentes níveis de escolarização (quarto ano, sexto ano, nono ano e adultos escolarizados) acompanha o desenvolvimento linguístico tardio e o desenvolvimento da competência de escrita.

A constatação de que, ao contrário dos resultados para a compreensão oral e para a produção induzida de frases, na produção de texto os alunos do nono ano não recorrem a concessivas conduz a um outro lado do problema, que se prende com a segunda ordem de questões específicas de investigação. Afinal, apesar de terem manifestado, nos testes referidos antes, que o conhecimento sobre concessivas, no nono ano, já está estabilizado, num nível próximo do perfil do adulto, os adolescentes deste nível de ensino não mobilizam como os adultos os recursos linguísticos disponíveis na gramática da língua em situações de escrita.

Para ilustrar esta ideia, a figura 5 mostra a percentagem de concessivas, em comparação com a percentagem de adversativas, usadas nos textos da fase de diagnóstico dos alunos do nono ano.

Figura 5 – Produção média de conectores adversativos e concessivos no 9.º Ano

Efectivamente, em contraste com 83% de percentagem de acertos no teste de COT e de 88% de acertos no teste de PIF, a produção escrita dos alunos revela um escasso recurso a concessivas, uma total ausência de produção de outras subordinadas

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285 contrastivas de enquanto e, igualmente, um diminuto recurso a advérbios conectivos, com consequências ao nível de uma frágil construção de unidades superiores ao período.

Partindo da questão específica relativa à correlação entre conhecimento explícito e desenvolvimento da competência de escrita, a hipótese que se colocou foi a da possibilidade de o conhecimento explícito de estruturas contrastivas poder espoletar transposição destes recursos para a resolução de problemas de escrita. O objectivo da segunda fase do desenho experimental foi, então, avaliar o efeito de uma intervenção didáctica, com ensino explícito da gramática, na produção escrita.

Num primeiro momento, a aplicação contou com os materiais usados para diagnóstico, replicando as estratégias e actividades. A intervenção didáctica, implementada em duas turmas do nono ano, incluiu o desenvolvimento de actividades de construção de conhecimento sobre adversativas e concessivas numa perspectiva de «aprendizagem pela descoberta» (Hudson: 1992; Duarte: 1998; 2008), operacionalizando-se com uma «oficina gramatical» (Duarte: 1992) (Anexo 2). Após a intervenção para construção de conhecimento, foi feita mais uma produção escrita, também de texto de opinião, com argumentação polémica, com o tema «graffitti». Tal como os materiais de diagnóstico, o material que foi suporte de estímulo à última produção escrita eram igual para as turmas de intervenção e para a turma de controlo (Anexo 2). No final da sequência de aprendizagem, integraram-se itens de avaliação do conhecimento explícito numa das fichas de avaliação das turmas. As actividades de escrita adoptaram algumas das propostas feitas em Jolibert (coord.) (1988), com os «chantiers» de escrita (secção 4.1. e Anexo 2). O grupo de controlo foi constituído por um grupo de alunos do nono ano de uma turma na qual o ensino dos mesmos conteúdos não foi feito com a mesma abordagem didáctica.

No gráfico da figura 6, podem comparar-se os índices de produção de conectores adversativos antes e após a intervenção didáctica. A leitura deste gráfico deve ser feita em contraste com o gráfico da figura 7, que apresenta os mesmos resultados para a turma de controlo.

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Figura 6 – Produção de conectores adversativos nos textos do 9.º Ano, antes e após a intervenção

Figura 7 – Produção de conectores adversativos nos textos do 9.º Ano, na turma de controlo

Embora haja evolução no recurso a advérbios conectivos nas produções da turma de controlo (os alunos usaram, em valores absolutos, mais um no entanto e dois porém), nas turmas A e B, em que se implementaram as actividades de construção de conhecimento sobre estruturas contrastivas, o crescimento foi superior, quer em frequência, quer em diversidade. A evolução positiva observada na turma de controlo era, de certo modo, esperada, dado que, independentemente do método usado para o

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287 ensino dos conteúdos em avaliação, houve um espaço de um ano lectivo entre a produção escrita de diagnóstico e a produção escrita final.

Os gráficos das figuras 8 e 9 apresentam os valores correspondentes para as concessivas, cujo conhecimento explícito e metalinguístico foi o conteúdo central da intervenção didáctica, nas turmas A e B.

Figura 8 – Produção de conectores concessivos nos textos do 9.º Ano, antes e após a intervenção

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288 É através da comparação dos dois gráficos anteriores que se verifica que não houve um crescimento significativo da produção de nexos concessivos na turma em que não houve intervenção, sendo a única diferença a produção de mesmo que, a qual, em valores absolutos, corresponde a duas ocorrências. Relativamente à produção de nexos concessivos nas duas turmas de intervenção, houve aumento de produção e recurso a novos conectores (ainda que e ainda assim) (secção 4.4.).

Apesar de os resultados apresentados confirmarem a tendência para haver uma produção mais robusta de advérbios conectivos e conjunções e locuções conjuncionais concessivas nas turmas em que houve intervenção, para se correlacionar este facto com o conhecimento explícito construído, procedeu-se a uma avaliação de conhecimentos declarativos sobre estes conteúdos, tanto nas turmas A e B, como na turma de controlo. Os resultados pormenorizados, por item, foram apresentados na secção 4.4.

O quadro 2 apresenta as percentagens de acertos relativamente a um item de classificação de oração adversativa e a um item igual, relativo a uma concessiva, seleccionados para exemplificarem os desempenhos quanto a conhecimento metalinguístico de adversativas e de concessivas.

Respostas certas Turmas A e B Turma de controlo

Classificação de oração

coordenada adversativa 96% 43%

Classificação de oração

subordinada concessiva 78% 0%

Quadro 2 – Avaliação de conhecimento metalinguístico

Com base na leitura comparada dos resultados dos gráficos das figuras 6 a 9, relativos à frequência e à diversidade de produção de conectores adversativos e concessivos, e dos resultados do quadro 2, respeitantes a conhecimento metaliguístico sobre as mesmas estruturas, confirma-se a hipótese de que há uma correlação entre conhecimento explícito e capacidade de mobilizar esse conhecimento em situações de produção escrita, atendendo particularmente aos resultados relativos a conhecimento

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289 explícito e produção de concessivas, nas turmas A e B. Ainda assim, note-se também que a maior segurança no reconhecimento de uma frase adversativa com mas, por parte dos alunos da turma de controlo, pode, ainda que de forma indirecta, justificar os melhores resultados destes na produção de nexos adversativos.

Recuperando a segunda ordem de questões de investigação, os resultados obtidos com o trabalho experimental contribuem para suportar hipóteses antes defendidas:

• a hipótese de que existe uma relação triangular entre (i) desenvolvimento linguístico, especificamente desenvolvimento da fluência sintáctica, (ii) conhecimento explícito da língua e (iii) desenvolvimento da competência de escrita, em concreto no que diz respeito à estruturação de nexos contrastivos, sai consolidada;

• o conhecimento explícito da língua é facilitador da mobilização de recursos linguísticos, pelo menos, da mobilização de conectores e de estruturas contrastivas, em situações de escrita;

• a explicitação de conhecimento sobre a língua, feita mediante abordagens de «aprendizagem pela descoberta» favorece objectivos instrumentais e metacognitivos de ensino da gramática, havendo efeitos positivos na produção escrita e ao nível do conhecimento metalinguístico.

Finalmente, pode concluir-se que os resultados apresentados constituem um contributo para a defesa de que o desenvolvimento do conhecimento explícito da língua (pelo menos, de estruturas contrastivas) tem efeitos positivos no desenvolvimento da competência de escrita (pelo menos, ao nível da produção de estruturas contrastivas) e na construção de conhecimento metalinguístico.

6.2. Percursos para o futuro e implicações para o ensino

O rumo seguido no desenvolvimento do trabalho de investigação que agora se conclui deixou por explorar percursos de trabalho possíveis, alguns dos quais correspondem a perguntas que ficam por responder.

No domínio da aquisição mais precoce, uma vez que os dados encontrados para o português atestam a emergência de mas contrastivo anterior a porque causal, pondo em causa a hipótese teórica de Evers-Vermeul (2005), fica por explicar a ordem relativa

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290 de emergência do conector adversativo e do conector causal. Face ao estado da arte (Capítulo 5), importará analisar, numa perspectiva interlinguística, conjuntos de dados de fala espontânea com base em critérios equivalentes e tendo em conta abordagens não só quantitativas, mas também descritivas.

Ainda na área do desenvolvimento linguístico, visto que os dados que puderam ser analisados – o corpus de Santos (2006), até aos 3;11.12, e os corpora de produções escritas, a partir dos 9;3.13 – têm um enorme hiato temporal, durante o qual, previsivelmente, terão tido lugar as emergências de diferentes formatos de concessivas, era importante constituir um corpus de produção e elaborar testes de compreensão e de produção induzida que abrissem janelas sobre o que se passa, quanto à aquisição de concessivas, noutras idades, em particular, na fase pré-escolar e, posteriormente, durante os primeiros meses da produção de escrita compositiva, momento em que as situações de escrita constituem novos desafios ao desenvolvimento da «literacia linguística».

Entendendo que o desenvolvimento linguístico de estruturas como as concessivas, as relativas de PP, as nominalizações, entre outras, pode ser entendido como um passo do percurso de evolução de uma «competência linguística básica» para uma «competência elaborada», será interessante obter descrições da gramática que caracteriza esta última competência. Para tal, uma hipótese de trabalho a explorar, também através de desenhos experimentais adequados, será a avaliação da compreensão e da produção induzida de diferentes formatos de concessivas, em particular das hipotéticas e contrafactuais, com adultos com mais e menos exposição a contextos de escolarização.

O estabelecimento de relações entre o quadro teórico da Theory of Mind (TOM) e os estudos em aquisição (Villiers: 2006) tem revelado um debate profícuo em torno das (in)dependências entre cognição e linguagem. Na literatura em TOM, são características únicas da linguagem humana, e cruciais para a teoria, a recursividade sintáctica e a capacidade de desenvolver false belief reasoning. Nos testes para aferir a maturidade de TOM, recorre-se, frequentemente, a estruturas sintácticas de complementação que envolvem representações de pontos de vista. Ora, dado que o conhecimento que envolve a interpretação de concessivas implica a capacidade de compreender pressuposições e que, no caso das contrafactuais, envolve um raciocínio de interpretação da negação de um facto pressuposto, poderá ser interessante verificar a

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291 relevância do conhecimento de concessivas, especificamente das contrafactuais, no desenvolvimento de TOM.

Para finalizar, salientam-se, de forma abreviada, os resultados que se revelaram mais produtivos no aprofundamento de diferentes tópicos da dissertação e apresentam-se algumas implicações das conclusões a que se chegou, relevantes para tomadas de decisão educativas fundamentadas.

Relativamente aos aspectos que podem ser considerados contributos da investigação desenvolvida para o conhecimento de estruturas concessivas, destacam-se os seguintes:

• A aplicação de uma análise dos tipos de predicados das concessivas, com recurso a categorias aspectuais (Moens: 1987; Moens e Steedman:. 1988; Oliveira: 2003) foi essencial para se compreender as condições que determinam a fixação da interpretação dos enunciados concessivos potencialmente ambíguos. Este facto reforça a importância dos contributos dos estudos em Aspecto Lexical para a análise da subordinação adverbial. Complementarmente, a análise dos erros produzidos pelos alunos mais novos no teste de produção induzida de frases revelou igualmente que a estabilização de conhecimento linguístico relativo a Aspecto parece ser um factor determinante do carácter tardio da aquisição de concessivas.

• Os resultados dos testes de compreensão oral e de produção induzida de frases, bem como a análise quantitativa da secção 4.3. e a discussão apresentada no Capítulo 5 constituem argumentos que confirmam a ideia de que a estabilização do conhecimento linguístico de concessivas é tardio.

• O perfil de escrita dos adultos escolarizados, relativamente à produção de concessivas e de advérbios conectivos adversativos e concessivos, quer quanto a frequência de uso, quer quanto a diversificação lexical, em contraste com os desempenhos dos escritores menos experientes, permite consagrar o domínio de estruturas contrastivas como um traço caracterizador de um perfil de níveis superiores de «literacia linguística» e de literacia de escrita.

Sendo esta uma dissertação no âmbito dos estudos em Linguística Educacional, em particular, no domínio do ensino da gramática em língua materna (Spolsky: 1999), espera-se que os resultados teóricos e metodológicos a que se chegou mobilizem

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292 reflexão e tomadas de decisão fundamentadas, em diferentes níveis do sistema de ensino:

• As orientações prescritas nos programas de ensino e as opções relativas a avaliação externa de aprendizagens e competências em língua materna devem ter em consideração os resultados de investigação em desenvolvimento linguístico, de forma a identificar áreas efectivamente prioritárias do ensino da língua. Por um lado, a consciência de que há conhecimento linguístico ainda em desenvolvimento, como o associado a concessivas, permitirá a promoção de situações educativas que garantam a exposição a géneros textuais e a ambientes linguísticos ricos e estimulantes. Por outro lado, para a construção de instrumentos de avaliação e para a selecção de conteúdos de ensino, é relevante saber identificar, para cada nível e ciclo de ensino, áreas em que o conhecimento linguístico implícito não está ainda estabilizado e, portanto, não se pode depreender que haja compreensão, produção e conhecimento metalinguístico consolidados.

• A escola tem um papel determinante no desenvolvimento de níveis superiores de mestria linguística, na medida em que é o principal veículo do input linguístico necessário ao desenvolvimento linguístico tardio (Nippold: 2004). As decisões de planificação, ao nível do grupo disciplinar e ao nível do conselho de turma, devem igualmente beneficiar da consciência de que, apesar de os alunos chegarem à escola a falar a sua língua materna, o conhecimento linguístico tem ainda um caminho a percorrer. As opções que os professores tomam, como a selecção de obras a trabalhar, o tipo de discursos orais a apresentar, os trabalhos de pesquisa a promover, entre outros, devem fundamentar-se na qualidade das situações de uso de língua a que os alunos devem ser expostos.

• Na aula de língua materna, em concreto, a selecção de textos, orais e escritos, não pode ser feita apenas em função de gostos e motivações dos alunos; deve beneficiar de critérios linguísticos, como o tipo de estruturas linguísticas e textuais a que os alunos devem ser expostos, visando o desenvolvimento proficiente das competências de leitura, escrita, expressão oral, compreensão oral e conhecimento explícito da língua.

• Para o desenvolvimento da competência de escrita, são cruciais (i) a promoção de experiências de escrita significativas, que envolvam desafios de escrita,

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293 como a escrita para transformação de conhecimento, de modo a que os alunos tenham de encontrar soluções linguísticas adequadas à exigência da situação, (ii) o conhecimento explícito de propriedades de géneros textuais e (iii) o conhecimento explícito da gramática da língua, em particular, de aspectos relevantes para o domínio do modo escrito.

• Relativamente ao ensino da gramática, o caso do desenvolvimento do conhecimento de estruturas contrastivas constitui evidência de que este cumpre objectivos instrumentais, tendo efeitos positivos na produção escrita, de acordo com o que se defende, há décadas, em Hudson (1992; 2001; 2004) e Duarte (1998; 2008), entre outros.

Os resultados apresentados confirmam igualmente a hipótese de Hudson (2001), segundo a qual a gramática com efeitos positivos para o desenvolvimento da escrita está associada a conhecimento explícito relevante para a especificidade dos textos e do modo escrito. Crucialmente, para que o conhecimento explícito da gramática possa ser mobilizador de conhecimentos de língua em situações de textualização, é necessário que os conteúdos ensinados correspondam uma descrição linguística correcta (ao contrário do que acontecia, por exemplo, com a suposta classe tradicional das conjunções adversativas) e é fundamental que a reflexão sobre a língua funcione como estímulo de capacidades metacognitivas.

Finalmente, o caso das concessivas apresenta evidências de que o ensino da gramática tem de assumir diferentes níveis de análise. Para uma análise mais completa do funcionamento de conjunções e advérbios conectivos concessivos é preciso verificar o seu funcionamento com textos, a ler e a escrever. Contudo, dada a pouca frequência destas estruturas, mesmo em registos mais formais e literários, seria excessiva a quantidade de textos necessários para se dar conta dos diferentes formatos de concessivas, sendo, por isso, útil o trabalho de construção de paradigmas com frases, enquadrado pela reflexão em laboratório de língua, para agilizar e tornar mais eficiente a construção de conhecimento metalinguístico.

Referências

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