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A MULHER NA PERSPECTIVA SOCIAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX. Introdução

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A MULHER NA PERSPECTIVA SOCIAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Beatriz Colabone Siqueira* (PIBIC/CNPq, Grupo de Estudos e Pesquisa em Higienismo e Eugenismo, Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Maria Lucia Boarini (Grupo de Estudos e Pesquisa em Higienismo e Eugenismo, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil).

contato: bcsiqueira@outlook.com Palavras-chave: Mulher. Imprensa científica. Imprensa operária.

Introdução

No Brasil dados apontam que, no campo do trabalho, em 2007 as mulheres representavam 40,8% do mercado formal de trabalho e em 2016 a participação feminina nesse contexto subiu para 44%. Além disso, a renda das mulheres tem se tornado cada vez mais necessária para o sustento da família, sendo que no ano de 1995, 23% dos domicílios tinham mulheres como referência e vinte anos depois esse número subiu para 40%. No entanto, “as mulheres ainda ganham em média menos que os homens, mesmo tendo mais tempo de estudo e qualificação” (Mulheres..., 2017).

Esse cenário é semelhante ao restante da América Latina. Segundo Marques, Barbosa e Hutz (2010) dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) demonstram que a participação da mulher latino-americana e caribenha na população economicamente ativa (PEA) cresceu de 34,1% para 42%, entre os anos de 1990 a 2010, sendo a Argentina o país em que essa porcentagem é mais alta (50%) e a Nicarágua o país com a menor porcentagem (30,3%). Contudo, os autores afirmam que o desemprego afeta mais as mulheres que os homens na América Latina, acompanhando a tendência de países de outras regiões do mundo (Marques, Barbosa & Hutz, 2010).

De modo geral, estes dados demonstram crescimento da presença da mulher no mercado de trabalho, porém, isso não significa que no passado as mulheres trabalhavam menos. É importante ressaltar que apesar de o trabalho feminino não ser “bem visto” ou até mesmo vetado no início do século XX no Brasil, uma vez que era considerado um empecilho para o cumprimento das tarefas domésticas, não se levando em conta que as mulheres das classes

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economicamente desfavorecidas necessariamente trabalhavam para suprir o orçamento doméstico.

Rago (2012) afirma que no inicio do século XX no Brasil a presença feminina nas fábricas estava concentrada nas indústrias de fiação e tecelagem. Na divisão do trabalho as mulheres ficavam com as funções menos especializadas e mal remuneradas e eram submetidas a extensas jornadas de trabalho.

De acordo com Saffioti (1979) historicamente a mulher, por meio de mitos e crenças, é colocada como inferior e menos capaz que o homem. Para esta autora essa condição de inferioridade social, na sociedade capitalista, desvaloriza a mão-de-obra feminina, consequentemente seus salários são mais baixos em relação à mão-de-obra masculina.

Apesar dos avanços demonstrados pelo aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho no Brasil (Mulheres..., 2017), a desigualdade ainda persiste. As queixas de acumulo de jornada no trabalho e no ambiente familiar ainda são comuns (Rago, 1995/1996), uma vez que as mulheres continuam sendo consideradas as responsáveis pelo cuidado com o lar e com os filhos, e ainda, seus salários são, em média, menores que o dos homens. Diante desse cenário nos questionamos sobre a generalidade desta situação: de que forma os vários setores da sociedade (trabalhadores da indústria, cientistas, literatos) se referiam as demandas das mulheres?

Este questionamento nos impõe a necessidade do retorno à história para compreensão deste fenômeno. No âmbito da Psicologia, especificamente, o retorno à história é necessário na medida em que para compreender o ser humano enquanto indivíduo, enquanto subjetividade é preciso compreender dialeticamente, a objetividade que o constitui, isto é, o contexto histórico-social que contribui na produção de comportamentos e subjetividades. De acordo com Bock (2001), a Psicologia precisa abandonar a compreensão abstrata do fenômeno psicológico, como se este se constituísse descolado da realidade que o sujeito se insere, criando assim, uma noção de “Natureza Humana” enquanto algo de que o sujeito é dotado naturalmente.

Considerando a história como “o movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da base material, deve ser compreendida toda a produção de ideias incluindo a ciência e a psicologia.” (Bock, 2001, p.19), o retorno à história para compreensão de diversas questões da Psicologia, e no caso aqui relatado, para a compreensão da questão da mulher, se justifica pela tentativa de ampliar e desmistificar uma visão produzida sobre as mulheres em um

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determinado período histórico, mas que tem ressonâncias na atualidade, provocando desigualdades. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é compreender a visão de mulher veiculada pela literatura, imprensa operária e pela imprensa científica no Brasil no início do século XX.

Método

O presente estudo é uma pesquisa documental que de acordo com Santos (2000) caracteriza-se por fazer uso de fontes primárias. Tomamos como fontes de dados o jornal operário intitulado “A Plebe” para representar a imprensa operária, os Archivos da Liga Brasileira de Hygiene Mental, para representar a imprensa científica e a literatura nacional representada pelas obras “O Quinze”1 de Rachel de Queiroz e “Parque Industrial”2 de Patrícia Galvão (Pagu)

Caracterização das fontes

Dentre os diversos periódicos produzidos no contexto da imprensa operária no Brasil, “A Plebe” foi um jornal de orientação anarquista e anticlerical lançado na cidade de São Paulo, em 1917 e extinto definitivamente em 1951. A Plebe se declarava uma continuação de outro jornal anticlerical intitulado “A Lanterna” e se constituía como um veículo dedicado à luta dos trabalhadores no Brasil. Os conteúdos veiculados pelo jornal eram notícias sobre países da

1 A história de “O Quinze” se desenvolve retratando dois núcleos de personagens, o primeiro é da família de Chico

Bento, sua esposa Cordulina e seus filhos que devido à seca decidem abandonar o sertão e seguir para Fortaleza. O outro núcleo é composto por Conceição, uma jovem da família rica, que vive com sua avó Inácia, e aparentemente tem um amor mal resolvido pelo seu primo Vicente. Na história Conceição é retratada como uma mulher “fora dos padrões” que gosta muito de ler e estudar, inclusive sobre a questão feminina e não tem interesse em casamento, mesmo sob os protestos de sua avó.

2 A história de “Parque Industrial” retrata o cotidiano de trabalhadoras das fábricas de São Paulo e apresenta várias

personagens femininas de diversas personalidades. Rosinha e Otávia são duas jovens operárias, envolvidas com a luta do proletariado contra a exploração. Corina é uma jovem negra, aprendiz de costureira considera alienada, por não se envolver com o movimento operário. Eleonora é a normalista que se casa com Alfredo, um homem burguês, e se torna adepta a todos os luxos que a riqueza oferece. Alfredo, por sua vez, estuda as obras de Marx e Engels e torna-se comprometido com o ideal revolucionário, criando aversão a sua própria riqueza.

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América Latina, organização dos sindicatos em São Paulo, no interior e na capital, além de artigos explicativos sobre anarquismo e comunismo (Dantas, 2015).

Os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental foram produzidos pela Liga Brasileira de Hygiene Mental, criada em 1923 na cidade do Rio de Janeiro. Esse periódico se constituiu como um importante meio de divulgação teórica de médicos, juristas, pedagogos, da elite intelectual da época de modo geral, e os trabalhos abordavam diversas temáticas emergentes da época, como saúde, higiene, educação, entre outros.

A escolha dos romances “O Quinze” de Rachel de Queiroz e “Parque Industrial” de Patrícia Galvão se justifica pelo histórico dessas duas autoras, uma vez que ambas retrataram a condição feminina do período, cada uma a sua maneira. Rachel de Queiroz (1910-2003) lançou “O Quinze” em 1930 que teve inesperada repercussão em São Paulo e no Rio de Janeiro, e com apenas 20 anos de idade já se projetava no cenário da literatura brasileira “agitando a bandeira do romance de fundo social” (Nota da editora, 1971, p.10). Além disso, Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras em 1977.

Patrícia Galvão (1910-1962), mais conhecida como Pagu, foi uma jornalista, escritora e militante da esquerda. Participou do movimento modernista no Brasil, colaborando com a

Revista de Antropofagia, passou a viver com Oswald de Andrade (1890-1954) em 1928 e

filiou-se ao Partido Comunista em 1931. Pagu teve uma reputação marcada pelo estigma de “escandalosa” em um sentido pejorativo. Em 1933 lançou o primeiro romance proletário do Brasil, “Parque Industrial”, sob o pseudônimo de Mara Lobo, que também foi considerado “escandaloso” e transgressor por demonstrar as desigualdades, a exploração dos trabalhadores, em especial a exploração sofrida pelas mulheres e também por utilizar a linguajar popular de São Paulo (Ferraz, 2006).

A análise dos resultados foi feita a luz dos fenômenos históricos da época, e sem a pretensão de exaurir as fontes consultadas e o assunto em pauta, destacamos três itens que se mostraram relevantes no presente estudo, a saber: a maternidade, a mulher trabalhadora,

emancipação feminina e sexualidade.

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A maternidade

Os primeiros anos da República no Brasil remontam ao anseio das elites pela industrialização e modernização do país, à moda dos países já desenvolvidos, e uma redefinição da sociedade brasileira de modo geral. Entretanto, a cidade do Rio de Janeiro naquele período capital do país, era foco de várias endemias, dentre elas, varíola e febre amarela, que assolavam a população brasileira (Sevcenko, 2006). Nesse período, a mortalidade infantil também era uma preocupação dada seus altos índices.

Nesse contexto, a mulher é conclamada a assumir sua função de mãe, considerada primordial. Fontenelle (1925) chama atenção para a necessidade de “ensinar as mães como formar os primeiros hábitos de seus filhinhos, adaptando-os da melhor maneira aos problemas iniciais da vida, como alimentação, sono, o asseio, a disciplina, etc.” (p.8).

A maternidade considerada o destino fundamental e a vocação da mulher torna-se um ato patriótico, a contribuição da mulher para o futuro do país. Porto-Carrero (1930) afirma que

É preciso, principalmente, não perder de vista que a função sexual da mulher não está completa sem a maternidade. Os consultórios de neurologos estão cheios de casadas que sofrem o mal de não ter filhos, de solteiras cujo maior desejo fora serem mães, embora sentindo restrições na atração pelo homem. Só o filho realiza o pênis ideal sonhado na infância; e até as habituadas a contracepção revelam na análise aquele desejo inconsciente de serem mães. (p.164)

A maternidade é colocada como função primordial da mulher e a não realização dessa função a tornaria incompleta podendo causar até adoecimento psíquico, reforçando um estereótipo da maternidade intrínseca a uma “natureza feminina”.

A exaltação da maternidade se faz presente no romance de Rachel de Queiroz, nos momentos em que a personagem principal Conceição demonstra sua suposta “incompletude” em renunciar ao casamento e a maternidade, afirmando em um diálogo com sua avó que: “quando a gente renuncia a certas obrigações, casa, filhos, família, tem que se arranjar outras coisas com que se preocupe... Se não a vida fica vazia demais...” (Queiroz, 1971, p.118, grifo nosso). Essas “outras coisas” a que Conceição se refere são os estudos e os trabalhos de caridade. Outro momento em que a personagem se mostra incompleta por não ter se tornado mãe, revela-se

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quando, ao ver sua prima casada e com um filho, é tomada pela tristeza e o narrador faz a seguinte reflexão:

Afinal, o verdadeiro destino de toda mulher é acalentar uma criança no peito...E sentia no seu coração o vácuo da maternidade impreenchida... “Vae solis!” Bolas! Seria sempre estéril, inútil, só... Seu coração não alimentaria outra vida, sua alma não se prolongaria noutra pequenina alma... Mulher sem filhos, elo partido na cadeia da imortalidade... (p.137)

A preocupação da época estava muito voltada a formação moral e mental dos indivíduos na tentativa de torna-los saudáveis, nesse sentido, colocava-se a solução dos problemas sociais da época na formação do indivíduo e a infância era considerada o momento ideal da vida para intervenções que tinham esse objetivo (Garcia, 2012). A exaltação da maternidade enquanto ato patriótico, como vocação da mulher e as preocupações com as gestantes por parte de alguns setores da imprensa científica, vinham no bojo dessas preocupações com a infância. Entretanto, essas recomendações esbarravam nas condições reais de vida das mulheres pobres e trabalhadoras, em que faltavam subsídios para cuidarem de seus filhos ou repousarem durante a gravidez (Garcia, 2012).

Uma pauta recorrente no contexto do jornal “A Plebe” em relação às mulheres refere-se ao trabalho durante a gestação e no período pós-parto. Considerado inadmissível pelos operários, era uma reivindicação do movimento que as mulheres recebessem seus salários nos últimos períodos da gravidez e também no pós-parto mesmo que precisassem parar de trabalhar (Violências..., 1917).

Galvão (2006) denuncia em seu romance, “Parque Industrial”, o descaso com as mulheres proletárias por parte da burguesia de modo geral, principalmente por parte das feministas burguesas. O romance revela o descaso com as trabalhadoras gestantes e a necessidade das mulheres pobres deixarem seus filhos sozinhos para trabalhar, demonstrando assim a impossibilidade dessas mulheres seguirem o que era considerado ideal na época.

A mulher trabalhadora

O trabalho feminino também foi alvo de discussões pela imprensa científica, sendo entendido como não natural e responsável pelo abandono dos filhos e do lar. Porto-Carrero

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(1930) afirma que as mulheres que desejavam trabalhar fora de casa eram movidas por um impulso de revolta contra o homem, e as profissões que exigem mando não são adequadas às mulheres, uma vez que o autor considera o homem como naturalmente agressivo e a mulher, naturalmente passiva. Ainda de acordo com o autor “a mulher puramente companheira de trabalho é um ser que mente á sua finalidade” (p.164), finalidade esta que é a maternidade.

É importante ressaltar que, apesar dos discursos da Liga Brasileira de Hygiene Mental levarem ao entendimento de que o trabalho da mulher fora de casa é contra a sua “natureza”, as mulheres pobres já trabalhavam nas fábricas, ou em ofícios como lavadeiras e costureiras para garantir sua sobrevivência e de suas famílias, como demonstra Rago (2012).

O jornal “A Plebe” demonstrava o contexto real do trabalho feminino, reivindicando melhores condições de trabalho, melhores salários, igualdade salarial entre homens e mulheres, divulgando as mobilizações das trabalhadoras e denunciando situações de assédio. Na edição de 18 de agosto de 1917 do jornal encontra-se uma denúncia da conduta do mestre de uma fábrica de tecidos em relação às operárias:

Afirma-se que este indivíduo persegue com propostas indecorosas muitas dessas operárias, injuriando e martirizando de mil maneiras aquelas que têm a dignidade e a coragem de repelir tão infame sujeito. (Violências..., 1917, p.2).

Consta também no jornal a representação da mulher trabalhadora enquanto uma figura frágil que tinha suas energias extirpadas pelo trabalho. Conforme Rago (2012) havia na época, inclusive na própria imprensa operária, um discurso de vitimização da trabalhadora que a colocava como um ser frágil. No entanto, o que mais se destaca é o discurso moralizante em relação ao trabalho feminino, no sentido de colocar o trabalho como uma afronta a honra da mulher. No caso do jornal “A Plebe” principalmente o trabalho noturno foi considerado inadequado tanto física quanto moralmente para as mulheres (A ação..., 1917).

Apesar de em muitos momentos colocar a mulher trabalhadora como vítima e frágil, a “A Plebe” também divulgava e enaltecia a participação das mulheres no movimento operário, como por exemplo, na edição de 11 de agosto de 1917, o ano em que diversas greves eclodiram pelo país, “A Plebe” publicou que a participação das mulheres nas reuniões das organizações operárias da cidade de São Paulo cresceu. Além disso, algumas iniciativas sindicais das próprias

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trabalhadoras também foram divulgadas pelo jornal, em especial a União das Costureiras, organização pela qual as costureiras da cidade de São Paulo pretendiam dar voz as suas reivindicações (União...,1919). Essa iniciativa foi saudada pelo jornal como excepcional para as mulheres e usada como exemplo e um motivo para que os homens não associados se “envergonhassem”. Outra organização feminina divulgada pelo jornal é o Centro Feminino Jovens Idealistas, que pretendia atuar junto as operárias e despertá-las para a luta e promover sua emancipação (Núcleos...1920).

No romance Parque Industrial, Galvão (2006) retrata as manifestações das trabalhadoras contra a exploração a que são submetidas. As personagens Rosinha e Otávia são as mais conscientes dessa exploração que sofrem e no decorrer da história se mostram dispostas a lutar contra a opressão de sua classe até as últimas consequências fugindo totalmente do estereótipo da trabalhadora frágil e alienada.

Emancipação feminina e sexualidade

A imprensa científica em diversos momentos aborda a questão da educação sexual, e nesse contexto dirigiu suas atenções para a sexualidade da mulher. Coutinho (1939) afirma que a sexualidade feminina é “menos imperiosa” (p.44) que a do homem, e, portanto encontra formas mais fáceis de sublimação, isto é, a mulher desvia sua energia sexual mais facilmente para outras finalidades, como um filho adotivo e trabalhos de caridade. A personagem Conceição, do romance “O Quinze” serve como uma comprovação dessa ideia, uma vez que faz trabalhos de caridade e a adoção de seu afilhado Duquinha, filho de Chico Bento, serve como uma consolação para a personagem, ao fato de não ter tido filhos (Queiroz, 1971).

Em diversos momentos eram publicadas na imprensa operária artigos chamando a mulher à luta pela sua emancipação, pela igualdade e contra a exploração. Noedul (1935, p.4) afirma que a mulher precisa demonstrar que é “dotada de critério e dispensar a tutela masculina”, deixando sua submissão de lado e por meio do seu esforço próprio “elevar-se até ao homem emancipando-se”. Izabel Cerruti (1934), uma colaboradora do jornal, em um texto sobre a possibilidade do serviço militar obrigatório as mulheres, se posiciona contra o militarismo tanto para homens quanto para mulheres. Porém, defende que a mulher não é incompatível com o serviço militar

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por ser mais fraca que o homem, e afirma que “Só nos sentimos diferentes dos homens na conformação dos nossos órgãos reprodutores. No mais, em tudo somos iguais a eles” (p.3). Por fim a autora ressalta a bravura da mulher operária afirmando que, se necessário, esta irá para os campos de batalha lutar pelos seus direitos “[...]de acalentar o amor de suas criaturas – esposo, filhos, irmãos e noivos, tanto na paz como na guerra, no conforto do lar como na aspereza das trincheiras, oferecendo-se á morte para salvar a vida.” (p.3).

A necessidade da mulher não se orientar pelos preceitos da Igreja Católica, religião hegemônica na época, também era demonstrada nas páginas d’A Plebe. Na verdade, devido a sua orientação anticlerical o jornal tecia diversas críticas a igreja defendendo que todas as pessoas se emancipassem dela. Um dos temas defendidos pelo jornal, que iam contra os princípios da Igreja Católica, era o do amor livre, isto é, a união amorosa entre pessoas sem interferência da igreja. Rutti (1934) defende que o amor livre é a melhor maneira de relacionamento, mas que para isso é preciso uma sociedade livre de exploração. Em relação à sexualidade, a autora afirma que os homens conseguem mais facilmente a satisfação sexual, mesmo nas condições sociais de exploração, já as mulheres não podem reivindicar esse direito, sem sofrerem represálias. Portanto, Rutti (1934) afirma que para que a mulher possa amar livremente, primeiramente é necessário que haja a igualdade social. Amilcar (1934) defende que as mulheres se emancipem da tutela masculina, tornem-se independentes para que assim possam ser livres no amor e deixem de ser vender pelo casamento.

No romance “Parque Industrial” é retratado a emancipação das mulheres por meio da luta. No âmbito da sexualidade, Galvão (2006) apresenta mulheres adeptas ao amor livre, mas também demonstra a desigualdade das mulheres em relação aos homens nesse âmbito, como no caso da personagem Corina que engravida de um rapaz burguês, é demitida do emprego e expulsa de casa por esse motivo, não recebe qualquer apoio do pai da criança e acaba se encaminhando para a miséria e a prostituição.

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Conforme o já exposto por Rago (2012), em geral, existia uma visão do trabalho enquanto degradante para a moral feminina, visão esta que está ligada ao anseio de manter a mulher na esfera da vida privada.

O ideal apregoado pela imprensa científica era o da mulher “rainha do lar”, que vinha pautado em um modelo de família burguesa, na qual o homem traria o sustento da casa e a mulher se dedicaria totalmente ao lar. Esse ideal se baseia fortemente na existência de uma “Natureza Feminina”, isto é, uma substância que as mulheres naturalmente possuem e que as tornam frágeis, maternais e “programadas” para cuidarem dos filhos e do lar.

Como nos demonstra Garcia (2012) e as diversas matérias publicadas pela “A Plebe” sobre a miséria em que vivia a classe trabalhadora, esse modelo não correspondia com o real das famílias pobres, nas quais quase todos os membros precisavam trabalhar para garantir sua sobrevivência. Nesse contexto, o jornal “A Plebe”, enquanto porta voz do movimento operário avançou no sentido de demonstrar justamente isto: a impossibilidade das mulheres reais e pobres seguirem o que seria considerado ideal pela ciência da época.

Em alguns momentos os escritores do jornal “A Plebe” trazem a visão da trabalhadora enquanto vítima e também uma ideia “maternal” da mulher, recorrendo de certa forma, à “natureza feminina”, para justificar certas características consideradas “tipicamente” femininas. Contudo, ao divulgarem as mobilizações das operárias e ao darem voz em suas páginas a mulheres como Maria Lacerda de Moura (1887-1945), que se posicionavam contra a exploração e a favor da plena emancipação feminina, a imprensa operária nos permite enxergar as mulheres não enquanto um “grupo” homogêneo de vítimas dotadas de uma “natureza feminina”, que as torna naturalmente delicadas e afins, mas enquanto pessoas que podem lutar contra a opressão que sofrem, e constituírem suas personalidades de maneiras diferentes.

Em relação às obras literárias consultadas, é possível afirmar que em ambos os casos nota-se divergências em relação ao discurso hegemônico da época. Conceição, personagem principal do romance “O Quinze” de Rachel de Queiroz, sendo uma mulher estudiosa e inicialmente, despreocupada com o casamento demonstra um anseio das mulheres de modo geral, de terem acesso à educação como afirma Rago (1995/1996). São estas característica que a fazem divergir da “natureza feminina”, tão apregoada pela imprensa científica da época. Já as personagens presentes no romance de Pagu revelam mulheres que até então eram consideradas

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apenas como vítimas. Personagens como Rosinha e Otávia, representam justamente tudo o que vai contra a ideia de “natureza feminina” no sentido em que, ao contrário do estereótipo de vítima e frágil, saem à frente na luta contra a opressão que sofrem.

Por fim, é evidente que a situação do período analisado não é exatamente a mesma dos dias atuais, não obstante, é possível identificar algumas semelhanças desse passado com a atualidade quando vemos que a desigualdade social das mulheres em relação aos homens ainda se faz presente, como nos momentos em que é delegado somente a mulher o cuidado com os filhos, as queixas de dupla jornada, a desigualdade de salários, o assédio no contexto do trabalho, dentre tantas outras situações. É o mito da “natureza essencialmente feminina” que ainda persiste em nossos dias.

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