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TERRA E CULTURA, ANO XIX, Nº 37

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Academic year: 2021

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

ENTIDADE MANTENEDORA:

INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA

Diretoria:

Agnello Correa de Castilho ... Presidente

Job Rodrigues de Moraes (in memorian) ... Diretor Vice-Presidente Wellington Werner ... Diretor Secretário Lélia Monteiro de Melo Bronzeti ... Diretora Vice-Secretária Alberto Luiz Cândido Wust ... Diretor Tesoureiro José Severino ... Diretor Vice-Tesoureiro Eleazar Ferreira ... Reitor

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TERRA E CULTURA

Ano XIX - nº 37 - julho a dezembro de 2003

CONSELHO EDITORIAL

PRESIDENTE

Tadeu Elisbão

CONSELHEIROS

Ademir Morgenstern Padilha Damares Tomasin Biazin

João Juliani Joaquim Pacheco de Lima José Martins Trigueiro Neto

Juliana Harumi Suzuki Maria Eduvirges Marandola

Marisa Batista Brighenti

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

REITOR:

Dr. Eleazar Ferreira

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO:

Profª. Vera Lúcia Lemos Basto Echenique

COORDENADORA DE CONTROLE ACADÊMICO:

Profª. Isabel Barbim

COORDENADORA DE AÇÃO ACADÊMICA:

Profª. Vera Aparecida de Oliveira Colaço

PRÓ-REITOR DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO:

Prof. Nardir Antonio Sperandio

COORDENADOR DE PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS:

Prof. Tadeu Elisbão

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO: Administração Prof. Luís Marcelo Martins Arquitetura e Urbanismo Prof. Gílson Jacob Bergoc Ciências Biológicas Profª.Célia Regina Góes Garavello Ciências Contábeis Prof. Eduardo Nascimento da Costa

Direito Prof. Osmar Vieira da Silva

Enfermagem Profª. Damares Tomasin Biazin

Farmácia Profª. Lenita Brunetto Bruniera

Fisioterapia Profª. Gladys Cely Faker Lavado

Nutrição Profª. Gersislei Antonia Salado

Pedagogia Profª. Mariana Josefa Carvalho de Almeida

Psicologia Prof. João Juliani

Secretariado Executivo Profª. Izabel Fernandes Garcia de Souza Tecnologia em Proc. de Dados Prof. Adail Roberto Nogueira

Teologia Prof. Rev. Silas Barbosa Dias

Turismo Profª. Thaís Berbert

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430 Fone: (0xx43) 3375-7400 - Londrina - Paraná

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SUMÁRIO

ENTIDADE MANTENEDORA: ... iii TERRA E CULTURA ... v CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA ... vii SUMÁRIO ... ix e x EDITORIAL ... 1 MODERNIDADE E RAZÃO: CONTINUIDADE E RUPTURA ... 3

Joaquim Pacheco de Lima

RUPTURAS E CONCILIAÇÕES NA HISTÓRIA DO BRASIL: UMA PEQUENA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO HISTORIADOR ... 16 Agnaldo Kupper

REFLEXÕES E POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA DE HISTÓ-RIA NO ENSINO FUNDAMENTAL ... 28 Leandro Henrique Magalhães

CONSIDERAÇÕES SOBRE DUAS DIFERENTES FORMAS DE SE FAZER ETNOLOGIA... 39 Marcelo Caetano de Cernev Rosa

LEITURA E COMUNICAÇÃO ... 56 Lealis Conceição Guimarães

PAIS DE FAMÍLIAS ORIGINAIS E DE FAMÍLIAS SEPARADAS: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS E DO RELACIONAMENTO COM OS FILHOS. ... 65 Carmen Garcia de Almeida

Sílvia Cristiane Murari

GLOBALIZAÇÃO, ASSÉDIO MORAL E PERVERSIDADE NO COTIDIANO ... 74 Ana Paula Bigheti dos Santos

Juliana de Rezende Penhaki Lydia Akemy Onesti

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RECORTES DO TRABALHO DOMÉSTICO DE COSTUREIRAS E SUAS INTERFACES COM A ESFERA FAMILIAR, SOCIAL E POLÍTICA ... 82 Analuisa Bernardi de Almeida

Semíramis Fabíola Hirata Lydia Akemy Onesti

PERFIL NUTRICIONAL E CONSUMO ALIMENTAR DE CRIAN-ÇAS ATENDIDAS EM CRECHE FILANTRÓPICA DA CIDADE DE LONDRINA – PR ... 94 Gersislei Antonia Salado

Marisa Batista Brighenti Flávia Hernandez Fernandez

ESTRESSE DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE DAS UNIDADES BÁSICAS DO MUNICÍPIO DE LONDRINA ... 103 Edvilson Cristiano Lentine

Tereza Kiomi Sonoda Damares Tomasin Biazin

O PLANEJAMENTO E A PRÁTICA DO ENSINO COMO UM ATO POLÍTICO ... 124 Alda Ap. Mastelaro Hayashi

Andréia Bendine Gastaldi

ARQUITETURA E SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DE RISCO ... 131 Antonio Manuel N. Castelnou

ESTRUTURA DE CAPITAL E O PROCESSO DE ALAVANCAGEM FINANCEIRA: UMA DISCUSSÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE NÍVEIS DE ENDIVIDAMENTO E LUCRATIVIDADE ... 147 Juliano Di Luca

Marcos Jerônimo Goroski Rambalducci

UMA PROJEÇÃO DAS FINANÇAS NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI ... 157 Adalberto Brandalize

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EDITORIAL

TERRA E CULTURA nesta ocasião dá a público este seu Nº 37 comple-tando a sua programação editorial para o ano de 2003, o 19º da sua existência profícua, sempre semeando idéias e fazendo pensar.

Neste período em que o Centro Universitário Filadélfia (UniFil) expan-diu-se sobremaneira e consolidou ainda mais a sua posição no cenário educaci-onal do país, a Revista também viu-se robustecida.

Cresceu a relação de instituições de ensino superior (IES) e de pesquisa que passaram a figurar na mala-direta para recebimento de exemplares a cada edição. O ingresso desses novos destinatários deu-se por iniciativa das próprias Instituições, que formalizaram o seu interesse através das respectivas bibliote-cas.

Neste contexto TERRA E CULTURA vê ampliar a sua área de abrangência a cada ano, fato que consubstancia um dos seus objetivos, clara-mente estabelecido pelo Conselho Editorial. Paralelaclara-mente têm sido firmados contratos de permuta com Instituições que também publicam periódicos de di-vulgação científico-cultural, o que é muito salutar para a UniFil e também para os novos parceiros.

O Nº 37 está rico e atraente através dos 14 artigos que foram selecionados para integrá-lo. Mesmo assim a Revista encontra-se permanentemente recepti-va a críticas e sugestões, bem como a contribuições na forma de novos artigos para compor os Nº 38, 39, 40...

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MODERNIDADE E RAZÃO:CONTINUIDADE E

RUPTURA

Joaquim Pacheco de Lima1

RESUMO

A modernidade não chegou ao fim; meramente passa por uma crise inter-na. Oriunda de seu desenvolvimento e por adotar um modelo de racionalidade instrumental, que se tornou dominante, acabou obstruindo outros modelos de racionalidade possível. Na busca da gênese da idéia de modernidade filosófica fundamentada na razão, o Iluminismo é uma das fontes. A compreensão dos fenômenos e vivências na busca de significados, o itinerário de surgimento e consolidação da modernidade, e os correspondentes modelos de racionalidade, têm como interlocutores Hume, Kant, Hegel. Embora divergentes e comple-mentares, contrapõem a tradição metafísica de conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Modernidade; Racionalidade; Conhecimento; Iluminismo.

ABSTRACT

Modernity did not come to an end; it is merely undergoing an internal crisis. Springing from its development and due to having adopted a model of instrumen-tal rationality, which became dominant, it ended up obstructing other models of possible rationality. In the search of the genesis of the idea of philosophical modernity based on reason, Illuminism is one of its sources. The understanding of the phenomena and experiences in search for meanings, the itinerary of modernity’s uprising and consolidation, and the corresponding models of rationality have Hume, Kant, Hegel as interlocutors. Although divergent and complementary, they oppose the metaphysical tradition of knowledge.

KEY-WORDS: Modernity; Rationality; Knowledge; Illuminism.

1 Docente da Unifil dos Cursos de Pedagogia e Turismo.

Pós-graduado em Filosofia e Sociologia. E-mail: joaquimpio@yahoo.com

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INTRODUÇÃO

No caminhar da filosofia contemporânea não houve privilégio de um tema central em sua práxis filosófica, mas a atividade racional e suas modalidades se impuseram. As emergências histórico-sociais fizeram com que velhas tendênci-as filosófictendênci-as proporciontendênci-assem o surgimento de novtendênci-as teoritendênci-as, privilegiando pro-blemas emergentes no quadro atual. A idéia de modernidade filosófica pressu-põe captar a idéia de razão, uma razão alargada. Objetivamos indagar sobre as bases filosóficas que fundamentam a modernidade. Inicialmente, situamos a

modernidade como inacabada, conforme afirma HABERMAS (2000). Esm

sua obra clássica “O Discurso Filosófico da Modernidade”

Observamos que o intuicionismo, o neopositivismo e a fenomenologia ata-caram antigas verdades, como o culto à razão humana, como único critério de verdade, mostrando novos caminhos, tornando transparente a realidade. Noutro campo, o pragmatismo, o marxismo, o existencialismo e o estruturalismo repre-sentaram novas formas de compreensão do real. Ao considerar o útil e o neces-sário como verdadeiro (pragmatismo), pondo fim ao modo de pensar metafísico; ao investigar a sociedade capitalista e suas relações (marxismo); ao verificar a autenticidade e inautenticidade dos sujeitos e sua existência (existencialismo); e ao buscar conhecer a sociedade nas suas estruturas internas (estruturalismo), e são representadas novas formas de conhecer o mundo. Cada concepção reto-ma ou renova, inaugura forreto-ma nova de pensar. A modernidade é a entranha desse processo. O Iluminismo2 é o movimento cultural portador de uma visão

unitária do mundo e do Homem, que, apesar das diversidades de leituras, conser-vou a certeza quanto à racionalidade do mundo do Homem, a qual seria imanente em sua essência. Daí, vale destacar a antropologia das “Luzes”3, tendo como primado absoluto da razão e o caráter universal e eterno da natureza humana, na perspectiva da ciência do Homem.

As mudanças nas estruturas do pensamento se expressam no agir humano quando alguns firmam a razão instrumental (Adorno, Horkheimer, Habermas e outros), declinando a potencialidade, afirmando o dogmatismo; de outro lado, outros apontam a razão comunicativa como possibilidade. A razão perde o cará-ter abstrato em favor do dialogal (Jurgem Habermas). Nada pode ser definitivo,

2 Iluminismo – uma categoria com vários matizes. Buscando no Dicionário Aurélio, há uma

polissemia que vai desde a palavra até os sentidos, cuja metáfora usada seja “do Período das Luzes”.

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tudo pode ser contestado e analisado, e isso se dá no movimento. Neste cami-nhar, no qual se enquadra modernidade na múltipla e ambígua compreensão, situa-se a ética, pois o agir humano, as deliberações e os comportamentos que para alguns são anômicos, viciados ou antinaturais são parte do processo de evolução do pensamento, sendo, para outros, fruto da natureza nos seus limites e assentado em uma dada cultura.

Percorreremos as bases que fundamentam a modernidade, tendo como destaque os aportes teóricos do Iluminismo (antropologia, filosofia da natureza humana, humanitas, civilização e progresso). No segundo momento, almejamos caracterizar a modernidade enquanto projeto inacabado no contraponto com a pós-modernidade, expondo o pensamento de David Hume e Imanuel Kant. No contexto de crise dos valores morais, hoje, a filosofia contemporânea expressa a “crise ética”, conforme a reflexão de CHAUÍ (1996), algumas linhas de pen-samento sobre ética e sua relação com a modernidade e pós-modernidade.

Não é nosso projeto tratar a modernidade em sua dimensão axiológica e política, pois seria necessário apontar alguns pensadores pós-modernos (Lyotard, Jamenson, Rawls, Wittgenstein, Harvey, entre outros). Por outro lado, não dese-jamos indagar, na filosofia contemporânea, sobre a relação entre razão e socie-dade, conforme os filósofos da Teoria Crítica4 nas duas modalidades de razão: razão instrumental e razão crítica. Não esquecemos da importância salutar do modelo de racionalidade fenomenológico, cujo expoente é o filósofo Edmundo Husserl, que entendia que o mundo e a realidade são um conjunto de significados ou de sentidos que são produzidos pela consciência ou razão. A razão é razão subjetiva, que cria o mundo como racionalidade objetiva; o mundo tem sentido porque a razão lhe dá sentido.

A razão, eixo da modernidade, posta em crise ou em desencantamento no caminhar do pensamento, dobra-se em dois caminhos no campo da ética: o reino da utilidade (necessidade) e o reino da liberdade. A crise da modernidade deve ser encarada, não como o fim de espaço da razão na existência humana, mas como momento salutar para a revisão e a crítica à própria razão no sentido de revigorá-la. A modernidade é um projeto inacabado.

1. As bases do pensamento iluminista e a modernidade

O movimento intelectual, Iluminismo, que se desenvolveu (tempo-espaço) nos anos setecentos europeu, expressando as idéias de uma “burguesia em ascen-são”, e a crise do Antigo Regime, portador de uma visão unitária do mundo e do

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Homem, nas suas diversidades, tem como ponto central a racionalidade. Segun-do FALCON (1991:56), as grandes linhas Segun-do Iluminismo foram: o pensamento crítico, o primado da razão, a antropologia e a pedagogia. Vale destacar Adorno (1903-69), filósofo da Escola de Frankfurt5, que afirmou o Iluminismo como o

pensar que faz progresso, perseguiu o objetivo de livrar os homens do medo e de fazer deles senhores. Sua pretensão, a de dissolver os mitos e anular a imaginação, por meio do saber (ADORNO, 1999:17).

A modernidade foi levada, desde os fins do século XVIII, a tema filosófico. Cruza-se freqüentemente com o estético6. Se são significativas as respostas dadas à pergunta: “Was ist Aufklãrung? ( Que é o Iluminismo?) – Kant define como “o pensar por si mesmo e a ousadia de fazê-lo”. No artigo Resposta à

pergunta: que é o Esclarecimento?, Kant afirma:

A saída do Homem da sua menoridade, pela qual ele é res-ponsável. Menoridade, isto é, incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem a orientação de outrem, menori-dade pela qual ele é o responsável porque a causa dessa incapacidade não está numa deficiência do seu entendi-mento, e sim na falta de decisão e de coragem para dele servir-se sem a direção de outrem. Sapere Aude! Tem cora-gem de servir-te do teu próprio entendimento! Eis a divisa das “Luzes”.

As noções sobre as idéias das “Luzes”, para os iluministas, apesar das múltiplas significações e ambigüidades, não tratavam apenas de um movimento intelectual, modista, mas de um processo de esclarecimento do Homem. Havia um continuum, traduzido pela idéia de progresso – como capacidade cada vez maior dos homens pensarem por si mesmos.

5 A afirmação é de Bárbara Freitag, em A Teoria crítica ontem e hoje (1990), “...com o termo

´Escola de Frankfurt` procura-se designar a institucionalização dos trabalhos de um grupo de intelectuais marxistas, não-ortodoxos, que na década dos anos 20 permaneceram à margem da um marxismo-leninismo ´clássico`, seja em sua versão teórico-ideológica, seja em sua linha militante e partidária.”

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O cerne do Iluminismo assenta na secularização e na racionalização (FALCON:1991), surge e se desdobra. Caracterizamos o problema da seculari-zação como passagem da transcendência à imanência,7 da verticalidade à horizontalidade, que se expressou nas mudanças no campo político, econômico e no ideológico. Chauí caracteriza a modernidade no campo ético, “afasta a idéia (medieval renascentista) de um universo regido por forças espirituais secretas que precisam ser decifradas para que com elas entremos em comunhão.”8 O secular impõe-se ao sagrado. O mundo se desencanta, afirma Max Weber.

A passagem à imanência está associada às idéias de ‘progresso’, ‘civiliza-ção’ e ‘cultura’, ao tratar as relações entre o Homem e a natureza. As reações contra o novo espírito científico foram acentuadas. O paradigma naturalista co-locou-se em evidência e o racionalismo naturalista proporcionou, com o secularismo, independência nos diversos campos do conhecimento. Buscou-se a superação da tutela teológica e metafísica. No campo da ética, conserva-se a idéia de que a virtude9 é dever e obrigação em face das normas e valores universais (obriga-ção da razão contra o império caótico das paixões).

Em nome da razão e da liberdade de pensamento, durante o período iluminista, desenvolveram-se ferrenhas críticas às crenças e práticas religiosas, afirmando que a razão deve ser o único critério válido, de acordo com a própria vontade divina10. O racionalismo do século XVII, de Descartes, Spinoza, Leibniz, e outros, não acredita numa razão definida como somatório ou síntese de idéias inatas reveladoras da essência absoluta do existente, mas sim numa aquisição possível. A razão “é uma força intelectual original cuja função maior é a de guiar o intelecto no caminho que o leva à verdade” (FALCON:1991). Também não é um conhecimento a priori sobre verdades preexistentes, mas energia, força intelectual compreensível e perceptível através da prática e não é escrava dos dados empíricos. É instrumento de mudança de pensamento. Pensar racional-mente é ter capacidade de criticar, de duvidar e, se necessário, de demolir. É crítica de um modo tradicional de pensar nas suas formas e conteúdos. O tribu-nal da crítica chegou a criticar a concepção do raciotribu-nalismo iluminista, e a gran-de expressão é I. Kant. Os iluministas compreendiam a filosofia enquanto forma de pensar que, ao dar ênfase ao sentido da indagação descoberta, razão crítica e criadora, e progresso da razão, levará o Homem à verdadeira liberdade.

7 Sérgio ROUANET em As razões do Iluminismo (1987) aponta no Iluminismo a questão da

transcendência e imanência.

8 CHAUI, Marilena. Público, privado e despotismo. In: Ética. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1996.

p.350.

9 Chauí, op. cit. p.350.

10 Na França cresceu um anticlericalismo – Voltaire é uma das expressões – incutiu-se uma visão

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Adorno em “Conceito do Iluminismo” (em parceria com Horkheimer), ex-pressa o risco da racionalidade:

Mesmo que não se possa deter na fuga diante da necessi-dade, no progresso e na civilização, sem renunciar ao pró-prio conhecimento, a humanidade não mais incorre no erro de tomar por garantia de uma liberdade vindoura os diques que constrói contra a necessidade, as instituições, as práti-cas de dominação, que desde sempre refletiram sobre a so-ciedade, a partir da subjugação da natureza.11

O pensador frankfurtiano adensa a razão enquanto predica que o Iluminismo deixou de lado a exigência clássica de pensar o pensamento, porque ela se des-viava do imperativo de comandar a práxis.

A modernidade, segundo HANSEN(1999:15), é entendida como um novo modo de compreender a existência humana e, a partir dela, a natureza, além das relações sociais, políticas e econômicas, jurídicas, morais e culturais; em suma, é um período marcado por um novo modelo de racionalidade de inspiração técni-co-instrumental, contrapondo a racionalidade religiosa, metafísica, proporcionando confiança no poder e na autonomia da razão. Frente às afirmações supra cita-das, duas questões levantam guarda: se os gregos, romanos, chineses e outros desenvolveram modelos de racionalidades para explicar e compreender a si pró-prios e ao entorno; e se a filosofia tem como tema fundamental a razão.

2. Modernidade, projeto inacabado

A modernidade é um tema complexo numa abordagem filosófica. Desde a origem, há posições divergentes e dissonantes entre os opositores da metafísica – corrente de pensamento dominante (poderes institucionalizados: Igreja e Esta-do) até o século XVI. Surge a modernidade com modelos diversos no ato de conhecer, bem como nas concepções de sociedade, Homem e mundo.

No contexto social, econômico e político, marcado pelas Revoluções In-dustrial e Francesa, pelo surgimento dos Estados Nacionais e o movimento de Reforma e Contra-Reforma, foi constituída a burguesia.

A modernidade, no campo da filosofia, expõe três pensadores: Kant, Hegel e Marx, sendo eles os expoentes fundamentais que no seu eixo promoveram discordância e complementariedade no processo de reflexão e auto-avaliação

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(HANSEN, 1999). Estes pensadores impulsionaram outros a darem continuida-de, tais como Nietzsche, Heidegger, Foucault, a Escola de Frankfurt e Max Weber. Estes repensaram a modernidade enquanto processos históricos, reinterpretando e apontando um novo movimento estético-filosófico denominado Pós-Moder-no.12 Segundo os pensadores pós-modernos, a modernidade chegou ao fim ao não mais alimentar as utopias, gerando a pós-modernidade.

Surgem daí três modos de compreender a modernidade: 1. Modernidade

racionalista – tecnicista, que entende que a modernidade impulsionou

negati-vamente a destruição, dominação e a miséria a partir do domínio da técnica; 2.

Modernidade niilista, uma abordagem niilista, cuja razão assume caráter

ins-trumental; instrumento de domínio e de emancipação do ser humano (Nietzsche - Foucault). Também é momento de maturação da razão, onde a própria razão destrói a razão utópica da razão. Cresce, amadure e desaparece; 3. Modernidade

racionalista-universal, na qual os pensadores vêem a modernidade como

mo-mento de desenvolvimo-mento da razão humana e acreditam na emancipação da razão. Entendem que os problemas (crises) são frutos da absolutização da razão e de seu aporte técnico-instrumental. Os limites de um modelo de racionalidade não invalidam todo e qualquer modelo de racionalidade. Cabe aos filósofos refle-tir sobre o fazer – os modelos de racionalidade que melhor se adaptem às neces-sidades da população. Por isso, o modelo não chegou ao fim, mas ao ocaso. Continua sendo um projeto inacabado.

3. Linhas de pensamentos fundantes sobre a Modernidade

Segundo HANSEN (1999:37), os elementos filosóficos que caracterizam a “mentalidade” moderna na sua gênese são: a Razão, na política - governos legítimos e racionais com parlamentos funcionais; na economia - ações individu-ais e de grupos planejadas com parâmetros racionindividu-ais; na esfera social – funcio-namento e participação dos vários segmentos em bases racionais na defesa dos direitos; e, finalmente, no âmbito religioso, a Reforma inseriu as instituições reli-giosas nos moldes da nova racionalidade, e o Protestantismo é a expressão mais genuína da compreensão de racionalidade.13 Por fim, o conhecimento sistemá-tico tornou-se o elemento mordaz na Modernidade, com a secularização do co-nhecimento, isto é, saindo dos mosteiros e universidades, proporcionando o de-senvolvimento e o entendimento crítico da população.

12 Alguns cientistas sociais denominaram de pós-industrial ou de pós-racional.

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O conhecimento assume validade se submetido a critérios racionais e a métodos de averiguações confiáveis. Terminando, desenvolve também, no berço da busca do conhecimento, o resgate da subjetividade. As reflexões acerca do conhecimento, conforme Descartes, Bacon e outros, abordam a subjetividade sob o prisma da razão moderna.

Na tentativa de romper com a tradição e as concepções metafísicas sur-gem algumas reflexões: a) Francis Bacon prega uma nova corrente do conheci-mento, o Empirismo, cuja base está colocada na experiência desenvolvida por um sujeito dotado de razão, buscando o que envolve a existência do Homem (natureza, cultura e sociedade); lançou as bases da ciência moderna; b) O cogi-to cartesiano – René Descartes, com o Racionalismo, cujo poncogi-to de partida é o cogito ergo sum: a partir de um ato de consciência (dúvida), instaura-se um processo que vai culminar com a certeza, não apenas do eu, como também da possibilidade de, a partir dele deduzir o mundo.

O Empirismo (inglês) e o Racionalismo (francês) trouxeram contribuições valiosas, proporcionando o novo projeto de consolidação da modernidade no seio do Idealismo Alemão, cujas maiores contribuições foram de Kant e Hegel, e, por extensão, de David Hume. Vejamos:

a) HUME – O EMPIRISMO E A CONSOLIDAÇÃO DA MODERNIDADE

A autocertificação da Modernidade, capaz de marcar as diferenças da racionalidade moderna na sua relação com os outros modelos que precederam o século XVIII, tem em Hume um crítico mordaz das interpretações do Racionalismo e do Empirismo. A obra de Hume Investigação sobre o entendimento huma-no (1748) apresenta a crítica ao Racionalismo que negligenciou a importância da experiência, não lhe atribuindo o devido valor enquanto fonte do conheci-mento. Há uma primazia no método dedutivo e os racionalistas se perdem em elucubrações (HANSEN,1999:56). Os empiristas defendem o princípio de que o conhecimento advém da experiência, donde vêm as impressões que vão originar as idéias ou pensamentos.

A conexão das idéias, segundo HANSEN, se dá de três maneiras: por semelhança, por contigüidade e por causalidade. A conexão ocorre sempre e ali uma das duas classes de objetos investigados pelo entendimento, ou seja, refere-se a relações de idéias ou a questões ou coisas de fato (matters of fact). A causalidade é um princípio relacional oriundo da experiência, e não como elemento à priori, seja do entendimento ou da natureza. Causa e efeito não são noções pré-dadas, mas sim conjunções habituais. Os hábitos e costumes com o tempo vão adquirindo solidez, chegando à aparência de leis da própria nature-za. O futuro será semelhante ao passado a partir das experiências:

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O costume, pois, é o grande guia da vida humana. Unicamente este princípio nos torna úteis à experiência e nos faz esperar para o futuro, uma série de eventos semelhantes àqueles que apareceram no passado. Sem a influência do costume, seríamos plenamente ignorantes em toda questão de fato para além do que está imediatamente presente à memória e aos sentidos.14 Assim sendo, Hume destrói os princípios da causalidade e as noções de substância15 e identidade da tradição filosófica metafísica. Em suma, Hume vem consolidar a concepção da razão formal e autônoma, não submetendo a tradição metafísica, embora tenha negligenciado a questão dos a priori que, na continui-dade, Kant abordou.

b) KANT – E A RAZÃO CRÍTICA

Contrapondo-se aos empiristas e inatistas, Kant diz que “todos os filóso-fos parecem ser como astrônomo geocêntrico, buscando um centro que não é verdadeiro”.16 Parecem alguém que quer assar um frango girando o forno em torno dele e não o frango em torno do fogo. É preciso colocar a razão no centro e indagar: o que é a razão? O que ele (quem é ele? Se for a razão, é ela) pode conhecer? Quais são as condições para que haja conhecimento verdadeiro? Quais os limites da razão humana? Como a razão e a experiência se relacionam?

Para Kant, a razão é constituída de três estruturas a priori: a) forma de percepção sensível e sensorial; b) estrutura ou forma de entendimento; c) razão propriamente dita – que se relaciona consigo mesma. A razão é uma estrutura vazia, sem conteúdo, e universal; a mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. A estrutura é inata, isto é, a priori. O conteúdo que a razão conhece, este sim advém da experiência. A matéria do conhecimento, fornecida pela experiência, vem depois, a posteriori. A experiência não é cau-sa das idéias, mas é a ocasião para que a razão formule a idéia.

O conhecimento racional é a síntese que a razão realiza entre a forma universal inata e o conteúdo particular oferecido pela experiência. A razão, propriamente dita, tem a função de regular e controlar a sensibilidade e o enten-dimento na atividade do sujeito do conhecimento.17

14 Cf. D. HUME, Investigação sobre o entendimento humano, p.49. 15 Princípios do “corpus aristotelicum”.

16 Kant em resposta filosófica aos problemas do inatismo e empirismo diz que é preciso realizar

uma ‘revolução copernicana’, considerando o que fizera Copérnico, dois séculos antes, no campo da Astronomia.

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Assim sendo, segundo Kant, a razão com suas estruturas não pode conhe-cer a realidade em si mesma, mas sim os objetos do conhecimento, cujo conteú-do empírico recebeu as formas e categorias conteú-do sujeito conteú-do conhecimento. Não é possível conhecer a realidade em si, espacial, temporal, causal, qualitativa, quan-titativa. A razão é subjetiva ao possuir uma estrutura universal, necessária e a priori, que organiza a realidade em termos da forma da sensibilidade e dos conceitos e categorias do entendimento e pode garantir a verdade da Filosofia e da ciência, afirma Kant na Crítica da razão pura. Ao expor os limites da razão no conhecimento, assume o caráter de filosofia transcendental.

Denomino transcendental todo conhecimento que, em ge-ral, ocupa não tanto objetos, mas nosso modo de conheci-mento de objetos, na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filoso-fia transcendental.18

Como vimos, Kant tem importância fundamental na análise da Modernidade, ao defender a necessidade de orientações a ações cuja origem não advém da experiência, mas que estejam fundamentadas na razão autônoma. A contribuição de Kant para compreender a Modernidade está nas pos-sibilidades da razão, ao estabelecer parâmetros e limites para a mesma. Propor-cionou o cuidado crítico de absolutização da razão e da validade do conhecimen-to e de sua objetividade. A razão se conhecimen-torna crítica de si mesma. A filosofia assu-me a diassu-mensão arguassu-mentativa, expressando o caráter transcendental. A razão busca a emancipação das ilusões e a saída da menoridade; é o momento do Esclarecimento19 (Aufklãrung), de realizar as potencialidades.

c) HEGEL – A RAZÃO É HISTÓRIA

A modernidade torna-se problema filosófico com Hegel. Ao criticar o empirismo, o inatismo e o kantismo, aponta que o fundamental no modelo de racionalidade é: a razão é histórica. Contrapõe as afirmações de Kant, Hume, Descartes, que consideravam que as idéias só seriam racionais e verdadeiras se fossem intemporais, perenes, eternas. A razão também teria que ser intemporal.

18 I. KANT, Crítica da razão pura, p.35.

19 No artigo Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento? Kant aponta o Esclarecimento

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Hegel afirmava que a mudança da razão e de seus conteúdos é obra da própria razão. A razão não está na História, ela é a História. Não está no tempo, ela é o tempo; isto é, dá sentido ao tempo.

Quanto ao conhecimento racional, Hegel contrapunha-se aos empiristas, que afirmavam que a realidade ‘entra’ em nós pela experiência; ou aos inatistas, que afirmavam que a verdade advém de uma força espiritual, energia, fora de nós. O conhecimento parece depender de algo que vem de fora para dentro de nós. Os dois modelos acreditam que o conhecimento racional dependeria dos objetos do conhecimento (objetividade). Também Kant se enganou por acredi-tar que dependeria exclusivamente do sujeito do conhecimento (subjetividade), isto é, das estruturas da sensibilidade e do entendimento.

O modelo de racionalidade de Hegel é que a razão é a unidade necessária do objetivo com o subjetivo. É a harmonia entre as coisas e as idéias, entre o mundo exterior e a consciência, entre o objeto e o sujeito, verdade objetiva e subjetiva.

Para Hegel, razão é o conjunto das leis do pensamento, isto é, princípios, procedimentos, formas e estruturas necessárias para pensar, as categorias, as idéias. É também a ordem, a organização e o encadeamento e relações das próprias coisas; por outro lado, como síntese, é a unidade oriunda da relação entre as leis do pensamento e do real. A unidade é uma conquista e tem como ponto de chegada o resultado do percurso histórico que a própria razão percorre. Os conflitos filosóficos são expressões históricas da razão que busca conhecer-se a si mesma e, graças a estes conflitos e contradições, pode-conhecer-se chegar à descoberta da razão como síntese, unidade das teses contraditórias.20

Hegel concebe o sujeito como um ser ativo e dinâmico, construindo-se passo-a-passo na história, enfrentando suas contradições e, ao superá-las, torna-do-se mais consciente de si mesmo e dos outros. O sujeito é a expressão da autonomia da razão que se construiu livre e cujo conteúdo não é da razão formal. A modernidade, que Hegel designava como ‘tempos modernos’, se torna problema filosófico, compreende que a filosofia não deve ensinar/preocupar-se com o futuro, mas tem um compromisso com o seu tempo, com o presente.21 Consiste na explicitação e dissolução das falsas identidades e nas contradições desabrochando um novo mundo. Neste sentido, a dialética imanente à existên-cia impele o sujeito à auto-construção e à evolução da consciênexistên-cia pela supera-ção das contradições vividas.

20 Cf. CHAUÍ, M., Op cit. p.81-82.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratar a Modernidade numa abordagem filosófica pressupõe apontar as matizes da racionalidade, tendo como correlato a metafísica. Com o advento da ciência no seu caráter prático, novos valores e instituições surgiram, promoven-do mudanças na vida social. Ao indagar sobre os fundamentos da modernidade, percebemos que houve continuidade e ruptura no quadro epistemológico, axiológico e antropológico. Entender a gênese da Modernidade exige (re)descobrir o Iluminismo.

A Modernidade se expressa de forma diferente, divergente, antagônica, paradoxal, como pós-modernidade, dizem alguns.22

As principais características da Modernidade são: racionalidade, universa-lidade, tecnologia, progresso linear, planejamento racional, padronização do co-nhecimento e da produção econômica, ênfase no grupo social, visão de história contínua e de verdades absolutas, e a objetividade nas análises. O racional é o verdadeiro. Ciência é a expressão da totalidade.

A pós-modernidade se expressa na irracionalidade, na heterogeneidade, no pluralismo, na fragmentação, no fetichismo da totalidade, na indeterminação, na virtualidade, na descontinuidade e na alteridade. Percebemos uma contradi-ção entre as características da modernidade e da pós-modernidade, mas é neste nexo que ocorre a continuidade e a descontinuidade, e a ruptura com a tradição metafísica.

Todavia, seguindo Baudelaire, há uma tensão entre o “efêmero e o eter-no”. A pós-modernidade é uma continuidade da Modernidade, cuja potência havia se originado do Iluminismo. Por isso, entendemos a Modernidade como um fenômeno inacabado, cujos princípios da razão lhe são inerentes.

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1

RUPTURAS E CONCILIAÇÕES NA HISTÓRIA DO

BRASIL: UMA PEQUENA REFLEXÃO SOBRE O

PAPEL DO HISTORIADOR

*Agnaldo Kupper

RESUMO

O papel do historiador é o de sempre rever-se, como à própria História. Cabe ao historiador levantar problemas e desvendar os processos reais, questionando suas subjetividades e suas mutilações no processo de pesquisa, na busca de con-clusões críticas e suficientes, bem como identificar rupturas e continuidades.

PALAVRAS-CHAVE: História; Historiador; Desconstrução; Rupturas; Continuidades.

ABSTRACT

The role of a historian is not only always to evaluate himself, but also re-evaluate history. It is his job to raise problems and disclose actual processes, questioning their subjectivity and mutilations in the process of research, in search for critical and sufficient conclusions. He is also to identify disruptions and continuities.

KEY-WORDS: History; Historian; De-Construction; Disruption; Continuities.

INTRODUÇÃO

“Eu costumava pensar que a profissão do historiador, ao contrário, digamos, da do físico nuclear, não pudesse, pelo menos, produzir danos. Agora sei que pode”. Eric Hobsbawn, Sobre História.

* Docente da UniFil.

Historiador, escritor e professor de ensino médio e superior em Londrina. Mestre em História. Doutorando em História. Autor de ‘Colônia Cecília, uma experiência anarquista’ (FTD); co-autor de ‘História crítica do Brasil’ (FTD); ‘O navegante negro e a chibata’ (FTD), e ‘Malês: sangue em Salvador’ (Papel Virtual).

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Certa vez, um poeta espanhol disse que todo dia pela manhã olhava o jar-dim da casa em que morava através de um vitral colorido. A cada dia as flores assumiam tonalidades diferentes, dependendo do vitral que focava. Assim, creio, é a ciência histórica. Focá-la de diversos ângulos é engrandecê-la.

Como seria, por exemplo, a história brasileira se narrada pelas crianças, ou pelas mulheres, ou pelos negros, ou pelos trabalhadores rurais?

Immanuel Kant (1724-1804) confidenciou que “não se aprende filosofia, mas a filosofar”.1 O estado de ignorância talvez nos seja favorável para que nos sintamos mais seguros. É mais simples, mas não é correto. Talvez seja melhor a incerteza quando não sabemos como agir ou o que pensar, mas sentimos que nos falta algo, que nosso conhecimento é incompleto.

A verdade (caso exista) deve vir de uma atitude filosófica (aqui, a grande contribuição da ciência histórica). Caso não tenhamos tal atitude, a verdade virá através das decepções. Como grande exemplo temos o 11 de setembro de 2001, quando Nova Iorque foi violentada por supostos ataques terroristas. Acredito que o governo e a sociedade norte-americanos, ao se colocarem acima das ex-pectativas e valores diversos (sejam eles ambientais, culturais, políticos, econô-micos, militares ou religiosos), esqueceram-se da postura filosófica tão necessá-ria. Foram cruelmente abalados (como o mundo ocidental em geral), tendo que aprender com a decepção.

História e filosofia não se desassociam.

A História contemporânea caracterizou-se pela ausência de concordância de idéias, de opiniões. A multiplicação das pesquisas faz com que seja perdida a dimensão do conjunto, gerando fragmentação excessiva. Os historiadores per-dem-se em seus próprios critérios, afirmando suas dúvidas e relativizando suas conclusões e críticas.

Hoje temos a certeza de que História não significa progresso. Sabemos que História se faz desvendando processos reais, levantando problemas. Sabe-mos que fazer História é desconstruir, é “comer pelas bordas” ou, como defende Foucault, “fazer História com postura filosófico-jornalística”.2

Fazer História concentra um duplo sentido: ação do sujeito que opera o conhecimento, e ação individual ou coletiva considerada relevante em determi-nada fase da vida humana. Mas, o que é relevante? Para quem?

A subjetividade do historiador deve ser questionada.

1 Immanuel KANT. Critique of judgement. Col. The Great Ideas, Enciclopaedia Britannica,

v.42.

2 M. FOUCAULT. Nietzsche, a genealogia e a História. In: Microfísica do poder. Rio de janeiro,

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Buscar e definir o sentido político de nossa ação como historiadores: eis nossa principal função. Nos dias globalizados de hoje, corremos o risco de per-der as fronteiras entre a economia, a política, a cultura e a sociedade. Tendemos a particularizar a História.

E não podemos errar nesta ciência. Podemos, sim, defender teses e revê-las quando oportuno.

Como brasileiros, por exemplo, somos únicos e inconfundíveis. Apagar o povo de nossa História é um erro; afinal, este que entendemos atualmente por povo sem-pre lutou, mesmo que semsem-pre tenha sido derrotado. E semsem-pre luta, mesmo com suas contradições.

Como fazermos uma História baseada na ciência e em seus valores? Como narrá-la se ainda não temos a certeza de como fazê-la?

Antônio Paulo Benatti, em artigo intitulado “História, Ciência, Escritura

e Política”, nos lembra que a recusa de Gilberto Freyre em entrar para a

univer-sidade se deu pelo fato de o autor de ‘Casa Grande e Senzala’ temer se “im-pregnar pelo ethos acadêmico burocrático que crespa os talentos artísticos”.3 Benatti nos lembra, no mesmo artigo, que “a gravura universitária é incapaz de diferenciar quem é e quem não é picareta; néscio e perito se eqüivalem”. Creio que o autor tenha razão. Ao escrevermos História, não sabemos se devemos atuar como escritores ou escreventes. O próprio fato do historiador escolher os documentos que analisará é subjetivo e seletivo. Ao errarmos em nossos proce-dimentos e relatos, induzimos o leitor curioso (ou até o estudioso) ao nosso erro, o que comprova que a vontade de verdade é insuficiente.

Os livros didáticos de História são, sim, perigosos, mas não podem ser critica-dos pelos acadêmicos simplesmente por serem didáticos. É difícil fazê-los, como é difícil publicá-los. Não podem ser desprezados por serem informadores para iniciantes. Este tipo de material possui seu valor, porém peca. Nestes, na História do Brasil colonial, por exemplo, o negro aparece, com raríssimas exceções, como escravo, ignorando estudos que mostram a ascensão social dos filhos da escravidão, que chegaram a constituir famílias estáveis, mesmo no período pré-abolição. Estes mes-mos livros didáticos, em geral, tratam os negros introduzidos no Brasil por meio do tráfico como “africanos”, não os diferenciando culturalmente. Um pecado! Obvia-mente não existem verdades absolutas. Considerando o livro didático como uma “transcrição pedagógica e simplificada da verdade científica”, como nos pede Gil-berto Cotrim,4 ao limitarmos informações ou induzirmos o leitor a uma verdade abso-luta, podemos passar uma visão deturpada e incorreta, propagando-a entre iniciado-res dessa ciência.

3 Antônio Paulo BENATTI em artigo “História, Ciência, Escritura e Política” – RAGO,

Margareth e GIMENES, Renato A. de O. (Organizadores). Campinas: Ed. Unicamp, 2002.

4 Gilberto Cotrim, autor de livros didáticos de História, em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo

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Os acadêmicos que criticam essas publicações, discriminando-as em muitos aspectos, deveriam perceber nelas grande valor, ao menos na forma como são narradas, geralmente de forma atraente, até porque a comercialização o exige.

Todo tipo de narração histórica é importante e, ao mesmo tempo, perigo-sa, pois mutila análises, encobrindo o global, globalizando ou “quebrando” em demasia.

Breve Análise da Historiografia Brasileira

Nas diversas fases da historiografia brasileira, a História mostrou-se, em geral, insuficiente.

Assim, de meados do século XVIII até a segunda década do XX, promo-ve-se, em geral, uma história factual, descritiva, sem análise crítica, contribuidora da exaltação do chamado espírito nacional brasileiro. Vale observar que o que chamamos nesta fase de Brasil (ao menos até 1821) nada mais era do que uma mistura de pátrias: a paulista, a mineira, a pernambucana, a baiana, entre as diversas outras. Ilsvaú Jancsó e João Paulo G. Pimenta, em artigo intitulado “Peças de um Mosaico”,5 apontam a surpresa dos deputados paulistas e baianos, que perceberam, por ocasião da elaboração de nova constituição portuguesa, que o Brasil era maior que as províncias que representavam e pelas quais luta-vam. Cipriano Barata chega a afirmar, antes de fugir de Lisboa para Falmouth, utilizando-se de um barco inglês, que “desde que os deputados tomaram assento no Congresso de Portugal, fizeram-no para lutar pelos interesses de sua pátria, do Brasil, e da nação em geral”.6

Nesta declaração de Barata, o Brasil seria o seu país. A Nação, Portugal. Sua pátria, a Bahia. Ser paulista, pernambucano ou baiense, portanto, significava ser português.

Como se percebe, não havia, até então, noção de nação no Brasil. Muito menos espírito edificado nacional. Como exaltar o espírito nacional nesta fase da historiografia se não o possuíamos?

Em uma segunda fase (da 2ª década do XX ao final dos anos 40 do mesmo século), a historiografia brasileira passou a ser enriquecida com obras interpretativas de Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros. Há um avanço, ainda que insuficiente, pois a descrição do fato ainda mostrou-se mais relevante.

5 In Viagem incompleta, v.1, (Organizado por Carlos Guilherme Mota). São Paulo: Ed. Senac,

1999.

6 Declaração de alguns deputados do Brasil nas Cortes de Portugal, que de Lisboa se passaram à

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A partir dos anos 60 do século passado, nossa historiografia procurou inter-ligar História com literatura, sociologia, antropologia, em interdisciplinaridade com as ciências humanas. Um avanço, sem dúvidas, ampliando a visão histórica.

Ao final dos mesmos anos de 1960, houve um certo vazio na produção, devido, claramente, à censura imposta pela ditadura militar. Quem procurava fazer História, o fazia sob forte tendência marxista.

Ao chegarmos aos anos 80, talvez 90, nossa historiografia inaugurou a chamada “História do cotidiano”, procurando ir a fundo nas questões triviais do dia-a-dia, nos hábitos, nas rotinas que formam a trama histórica: o trabalho, o pensamento, as crendices populares, a sensualidade. A partir dessa fase, histori-adores procuraram estabelecer ligações com as articulações sociais e econômi-cas. As diversas fontes (musicais, escritas, rituais, orais, urbanísticas) passaram a ser respeitadas, se significativas. As instituições sociais, como o Estado, a Igreja e a Família, passaram a ser levadas em consideração e o regional passou a prevalecer. O micro identificando-se com o macro. A visão de cidadania, nesta era de busca de direitos, aparece claramente.

Nesta última fase apontada, a História enquadra-se, definitivamente, na questão da metodologia, permitindo que se chegue a uma conclusão própria.

Nos dias atuais, a aparente falência definitiva do marxismo teria estabele-cido também a falência das preocupações políticas, fixando-se na ciência histó-rica “a fragmentação excessiva da operação historiográfica”,7 com os historia-dores lançando mão de uma série de pesquisas sem a preocupação do conjunto, da totalidade. Ao mesmo tempo, a análise reflexiva do historiador, ao que pare-ce, procura acompanhar o mundo globalizado, seguindo as tendências de nossa complexidade contemporânea, trazendo-nos uma História sem conclusões críti-cas, com obras abertas, quebradas, insuficientes.

Com nossa produção historiográfica atual tendendo à fragmentação, pre-valece a insistência em tratar, narrar ou interpretar nossa História como se a mesma não possuísse rupturas claras. Ao mesmo tempo, com a totalidade e a fragmentação revezando-se, perde-se a visão global e também a particular.

Rupturas e/ou Continuidades?

Precipitada é a impressão dada aos iniciantes na ciência histórica de que só mesmo a partir de um Duque de Caxias estabeleceu-se a ordem no Brasil; ante-rior à sua figura, fica a impressão de caos. Precipitada é a impressão passada de que a abolição da escravidão marca a introdução de nosso país na modernidade.

7 François DOSSE. A História em migalhas: das annales à “Nova História”. São Paulo:

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Precipitada é a idéia de que a história do negro ficou em 1888, de que o movimento operário estagnou-se nas primeiras décadas do século XX, que, com a proclamação da República, o Brasil finalmente saiu da sua condição de país aristocrata (aliás, importante salientar que a república é pensada nas Conjuras Mineira, Baiana, Farroupilha, entre outros movimentos, não sendo uma proposta apenas de alguns anos anteriores à sua implantação). Se assim for, corre-se o risco de gerar a impressão da superioridade de uma fase em relação à outra.

Uma “atitude anti-histórica” de ruptura abrupta com o passado, ignorando-se as conquistas sociais, políticas e culturais, leva, pois, à renúncia da liberdade e à valorização do Estado. Ao fazer tal consideração, Margareth Rago pede que se “desconstrua” a História, valorizando-se as lutas sociais e a participação dos populares em sua própria edificação histórica. A idéia de desconstrução não é da autora, mas de Foucault, que distingue a “História dos historiadores”, estabelecida e focada sob a égide da continuidade e na lógica da identidade, nos pedindo o “despedaçamento daquilo que constitui o jogo das imagens refletidas no espelho”.8

Na História brasileira, temos como apontar continuidades. Por ocasião de nossa suposta independência, fica claro que o Brasil não teve modificada sua estrutura agrária e de dependência européia. Com o Golpe da Maioridade, de 1840, buscou-se um federalismo que se impregnava pelo território brasileiro, garantindo a manutenção da estrutura. A ascensão do regime republicano man-teve afastadas as camadas mais populares de participação social e política. A Revolução de 1930 apregoou novos caminhos para a economia brasileira, mas sem ferir as elites. A ascensão da Nova República, com Tancredo-Sarney, ocor-reu em tom de conciliação.

Decifrar o que está pouco transparente em cada ato que apresenta ser de continuísmo, assim como identificar as verdadeiras “rachaduras” em nosso pro-cesso histórico: eis a grande missão ao historiador que deseja ser especialista nesta linha de pesquisa.

Ao ser feita uma análise historiográfica sem critérios, pode-se contribuir para a propagação das ideologias dominantes. É garantir continuidades, sedimentando-as como verdadeiras.

Quando Bloch pede a reconstrução da História, creio que clame para que pensemos o fato histórico em suas várias dimensões.9

8 Margareth RAGO em “Anarquismo e a História”. In FOUCAULT. Rio de Janeiro: Ed. Nau, 2000. 9 Marc BLOCH. Introdução à História. Lisboa: Publicações Europa-América, 1965.

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A História brasileira possui, claro, continuidades. Basta observarmos nossa formação de Estado, vinculada à nossa colonização e patrimônio. Basta observar-mos que, como brasileiros, não teobservar-mos clareza do que é democracia. Nas periferias de nossas cidades, nos dias atuais, ainda são feitas “batidas” policiais e o Estado atua violenta e impunemente. Nas concentrações de lazer mais elitizadas, pode-se ter conhecimento sobre a lei, mas mexer com o mais provido parece ser perigoso. “Sabe com quem está falando?”, acaba soando como uma frase comum, quando deveria ser trocada por “Quem você pensa que é?”. Nosso espírito também está vinculado à restrita participação política (outra continuidade): ao trabalhador cabe a luta pela sobrevivência, nunca a discussão política ampla.

Talvez a ascensão da República em 1889 tenha colaborado ainda mais para este preconceito, já que a mesma restringiu ainda mais a participação popu-lar e foi menos benevolente com os “cabras” do que o próprio Império; daí, a razão de nos referirmos com carinho a pessoas, usando expressões como “rei”, “princesa”, entre outros, e não “presidente”, “primeira-dama” ou algo que o valha.

A falta de apego à nação e a “falta de nacionalismo” criticada pelos que fazem uma avaliação simplória do perfil do brasileiro (a não ser em fases de grandes torneios de futebol – “a pátria de chuteiras”, como salientou Nelson Rodrigues) é contínua ainda nestes dias contemporâneos. Já salientei que o povo luta a seu modo. Em momentos como o da nossa suposta independência em relação a Portugal, os populares foram afastados do processo em nossa historiografia tradicional, despontando apenas as divergências entre comercian-tes e latifundiários. Idem em nosso processo de rompimento com o Império. Idem na instalação da Nova República, apenas com o aparecimento de algumas faixas sociais em ascensão.

Ao ser o indivíduo descolado de sua própria história, faz sentido vermos atualmente um funeral de um popular ilustre com a bandeira de um clube de futebol ou da escola de samba a que se dedicou, talvez porque haja mais vínculo do mesmo com o regional do que com o nacional.

Outra razão vem do fato do brasileiro admirar quem ganha e não quem luta. Assim, quando Emerson Fittipaldi, após vencer por duas vezes o campeo-nato mundial de Fórmula 1, resolveu investir em projeto brasileiro de carro de velocidade, passou da fama ao desprezo. João Carlos de Oliveira, ao não ter dado continuidade às vitórias após seu recorde mundial no salto triplo, deixou de ser “João do Pulo” para ser o “João de um pulo”. O mesmo ocorreu com Ricardo Prado na natação, com o vice-campeonato de futebol de 1998, e poderíamos seguir em exemplos. Talvez isto aconteça pelo fato de o povo perder, cansar de perder e passar a valorizar e respeitar apenas os considerados vitoriosos.

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O espírito brasileiro pode ser também observado em nossa culinária: agregador, acolhedor. Assim, a feijoada, nascida em nossas senzalas, não se acomodou ao negro-feijão, envolvendo o branco-arroz, a amarela-laranja, o mu-lato-torresmo, tudo bem enfeitado pelo verde-couve de nossas matas. Talvez uma demonstração de nossa virtude de inferioridade a que faz referência Sérgio Buarque.10

A cultura brasileira de atribuir valor ao patrimônio é demonstrada em nossa maior festa popular: o Carnaval. Celebridades disputam os camarotes, os popu-lares pulam na avenida. Os camarotes nada mais são do que as varandas das casas dos senhores e a avenida nada mais do que o terreiro que se estende à senzala.

Continuidades que não podemos negar.

As Nossas Reais Rupturas

Como reconhecermos nossas reais rupturas históricas? Quais seriam? Ao indagar-me sobre os considerados momentos de quebra de conjuntura histórica, desejando apontar aqueles que nos trouxeram novos ares, novos cami-nhos, posturas e perspectivas, observo (como normalmente se faz) que o sete de setembro de 1822 foi, como salientado, apenas a continuidade da estrutura vi-gente. Como se sabe, o Brasil não mudou seu perfil, os comerciantes e latifundi-ários mantiveram seus domínios, a economia brasileira continuou agrário-expor-tadora e a estrutura social não mudou. Mas é em 1831, com a renúncia de D. Pedro I, que vejo uma grande ruptura em nossa História, quando uma multidão concentrou-se no Campo de Santana, exigindo o fim do absolutismo absoluto do imperador. No auge dos protestos, as tropas imperiais aderiram aos manifestan-tes; caso não embarcasse no inglês Warspite, renunciando, o imperador poderia ser morto. Aqui, talvez, nossa real independência.

Mesmo estando em um grande impasse político com a renúncia de Pedro I, podemos dizer que tínhamos, finalmente, um impasse próprio: devido ao impedi-mento do herdeiro, ao ser constituída uma regência, vêem-se forças políticas autóctones brotarem no Brasil. E mais: passou-se a discutir a autonomia das províncias, expulsam-se estrangeiros do “exército” imperial, diverge-se sobre a ampliação do voto, discute-se nosso atrelamento à Inglaterra; os populares apa-recem na Cabanagem, Sabinada, Balaiada, na Revolta dos Malês de 1835. Uma explosão ou, como preferiu Diogo Feijó, um “vulcão da anarquia”.11

10 Sérgio Buarque de HOLANDA. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1971. 11 In História crítica do Brasil, de A. KUPPER e P. A. CHENSO. São Paulo: FTD, 1998.

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É a Regência (1831-1840) um grande ensaio para a República. O então Partido Brasileiro estava dividido entre restauradores, liberais moderados e libe-rais exaltados, sendo que estes últimos ousavam reivindicar, além de uma descentralização política, uma maior independência do Brasil com relação à In-glaterra. As forças que representavam os comerciantes e militares portugueses (caramurus e corcundas) e as que representavam os proprietários rurais (chimangos) preocupavam-se com as reformas sociais e econômicas, que pode-riam lhes ser prejudiciais.

Neste período de tumultos, o Brasil finalmente passava a ser discutido pelo Brasil, não mais sendo pensado e planejado de fora para dentro. Se, aparente-mente, foi um período que não trouxe grandes resultados, trouxe, sim, discussões e debates de autonomia.

Já o Segundo Império (1841-1889), como continuidade de discussão do Brasil por ele mesmo, nos trouxe, também, rupturas espetaculares.

É nesta fase da história nacional que perdemos, de forma significativa, nosso aspecto eminentemente rural.

É neste período que discutimos de forma aberta a vergonha nacional de forma ampla e definitiva, não só pelas modificações econômicas, mas também devido às transformações morais: a escravidão, a mesma que foi introduzida na América a partir do século XVI, com características próprias, nunca antes ima-ginadas no mundo ocidental. Ainda no Segundo Império, passamos a admitir a indústria local como algo possível, mesmo com os obstáculos externos impostos pela Inglaterra.

Este período manteve, claro, continuidades, mas não podemos avaliá-lo como conservador, estático.

Nesta fase houve grande avanço social dos menos favorecidos, muito mais permissivo aos mesmos do que à República, implantada com trajes de modernizadora.

Vale destacar no período a clareza nas relações Igreja e Estado ao final do Império, definidas com as questões religiosas e a quebra do Padroado. O mesmo ocorre com relação ao Estado e o Exército.

A ascensão da República em 1889 pode nos parecer um grande divisor de águas. Afirmo que não, ao menos em seus primeiros momentos ou em sua pri-meira fase (Pripri-meira República, 1889-1930). Estruturas como o coronelismo fo-ram mantidas e são provenientes do Império (aliás, nos dias de hoje, em períodos eleitorais, são mantidos o “curral” do churrasquinho e aperitivos, com motivos de compensação de voto).

A inauguração da chamada Era Vargas, em 1930 (e, conseqüentemente, do populismo), irá mudar o perfil brasileiro. O nacionalismo, a industrialização

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plena de substituições de importações, o atrelamento ao urbano e a manifesta-ção das classes trabalhadoras, rompem com tradições, passando Getúlio a ab-sorver o papel então fragmentado dos coronéis.

Não podemos duvidar que Getúlio Vargas regulamentou, impositivamente, as relações capital e trabalho, reorientando os rumos da economia brasileira sob a égide do Estado, criando infra-estrutura para o desenvolvimento da indústria nacional, sabendo tirar proveito da situação internacional.

Vargas, em seu retorno ao poder, no início da década de 1950, manteve a política nacional-desenvolvimentista. Juscelino a herdou impondo uma cara mais risonha e vinculando, definitivamente, o investimento ao capital internacional. Uma continuidade do que passou a ser estabelecido em 1930, com adição de novos ingredientes.

Com João Goulart (1961-1964), a sociedade mostrou-se dividida, com os setores populares levantando a bandeira da salvaguarda dos interesses nacio-nais, da reforma agrária, da melhoria de vida aos trabalhadores. As elites apega-ram-se de modo intransigente a seus privilégios de classe secularmente estabe-lecidos. Estávamos diante de uma provável grande ruptura, condição gerada não pela capacidade revolucionária de Jango, mas por sua provável irresponsabilidade populista. Mas esta ruptura não foi possível. O advento do regime militar não pode nos parecer apenas uma ruptura, mas um bloqueio de uma possível quebra de tradições, afinal, durante décadas, a partir de 1964, o país esteve submetido ao arbítrio do Estado policial-militar, que abdicou da soberania nacional, suprimiu os direitos fundamentais do homem, concentrou renda e dilapidou nossos recur-sos, tudo em nome da segurança interna. Uma ruptura aparente sobrepôs-se a uma provável.

A oposição dos pensamentos, o esgotamento de nossa capacidade de endividamento, a impossibilidade de conter as oposições, as contradições milita-res, não permitiram a continuidade do regime militar.

Não vejo a abertura política como um grande rompimento. Entristece-me ainda mais meu ceticismo quando, com a formação da aliança Tancredo-Sarney (que viria a suceder os militares), enxergo apenas uma transição para uma con-tinuidade, com novos trajes. Com esse novo momento, a organização da nova Constituição, a de 1988, vem com avanços significativos.

Malgrado as manobras continuístas, o aprofundamento da crise econômica e o descontrole inflacionário, as eleições diretas foram restabelecidas. Eleito para a presidência do Brasil, com grande apoio conservador, Fernando Collor submergiu o país na corrupção e no desconcerto administrativo, talvez apoiado pelas práticas históricas de impunidade. Um impeachment! Grande ruptura? Talvez não tão grande assim.

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O governo Itamar Franco, que seguiu ao de Collor, mudou de estilo, não se corroeu pela corrupção, mas, na essência, continuou com o credo neoliberal de desmonte do Estado brasileiro. Com Fernando Henrique Cardoso, que elegeu o mercado como o espaço soberano que norteia e controla todos os labirintos da atividade econômica, adveio uma ruptura imaginada, planejada pela necessidade imposta pelas tendências mundiais globalizadas. Com a eleição, em 2002, de Lula da Silva, o povo mostrou-se avesso às continuidades, demonstrando querer mudanças e, talvez, rupturas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estas breves considerações foram aqui jogadas, como que pedindo uma análise mais profunda. Estabelecê-las como verdades absolutas é contradizer o que se pede ao historiador: a profunda quebra, o esmiuçamento do fato e do ato. Apenas os joguei como forma de demonstrar a desconstrução, afinal não cabe ao historiador apenas denunciar os problemas sem vasculhá-los. Deve, creio, o historiador, buscar a compreensão das lutas políticas entre os grupos dominados e os dominantes em todos os níveis, “garimpando” em suas fontes (criteriosamente selecionadas) as verdadeiras causas dos marasmos ou das tensões e conflitos e suas repercussões.

Deve, creio, a ciência histórica, apresentar-se como franca e aberta, per-mitindo interpretações contínuas no que constituir verdadeiro trabalho de um historiador: a reconstrução.

História não se faz apenas com o exótico, mas se faz procurando as inter-relações nos vários níveis de existência, em busca da cidadania.

A verdade nunca será definitiva, mas deve ser perseguida para que possa-mos desmistificar os mitos.

Lembremo-nos, sempre, do nosso poeta espanhol.12

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1

REFLEXÕES E POSSIBILIDADES PARA A

PRÁTICA DE HISTÓRIA NO ENSINO

FUNDAMENTAL

Leandro Henrique Magalhães1

RESUMO

O presente artigo é resultado de atividades das aulas realizadas junto ao terceiro ano de Pedagogia do Centro Universitário Filadélfia, na disciplina de Metodologia do Ensino de História e Geografia. Pretende-se aqui relatar, de forma sucinta, os debates realizados em sala de aula em torno de temáticas específicas da disciplina de História. Em um segundo momento, foi realizado um debate sobre a importância e a necessidade de utilização de novos recursos em sala de aula. Em meio às discussões teóricas, os alunos fizeram propostas sobre como aplicar tal teoria em sala de aula, as quais estarão presentes na parte final deste artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologia; História; Teoria e Prática.

ABSTRACT

The present article is the result of classes taught to the third year of the undergraduate program on Pedagogy at Centro Universitário Filadélfia, in the subject Methodology of the Teaching of History and Geography. We intend to report briefly the debates carried out during the classes about specific themes of History. Then, a debate on the importance and need for the use of new resources in the classroom was carried out. During the theoretical discussions, the students made suggestions on how to apply theories in everyday classes, and they are included in the final part of this article.

1 Docente da UniFil.

Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Aluno do Curso de Doutorado em História pela mesma instituição. Professor de História Econômica Geral e de Formação Econô-mica Brasileira, e Coordenador de Pesquisas AcadêEconô-micas, da Faculdade do Norte Pioneiro, de Santo Antônio da Platina - PR. Autor do livro “Olhares sobre a Colônia: Vieira e os indios”, publicado pela editora da Universidade Estadual de Londrina - UEL.

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KEY-WORDS: Methodology; History; Theory and Practice.

O início do século XX foi palco de uma importante mudança de paradigmas nas ciências humanas, afetando diretamente o estudo de História no mundo oci-dental. Passou-se a questionar o controle da História sobre os homens e a pers-pectiva teleológica decorrente, de que havia um único sentido possível a ser traçado pelos homens (REIS, 1994). Tal perspectiva partia do princípio de que a humanidade não era livre para produzir eventos, pois estes seriam pré-determi-nados, e uma das funções do cientista social, assim como do historiador, era identificar o modo como a sociedade estava organizada e qual seria a melhor forma de utilizá-la (BASSO, 1989).

A partir da década de 30 do século XX, que marcou o início da produção historiográfica da Escola dos Annales, uma nova perspectiva foi incorporada: o homem e as sociedades humanas no tempo são identificados como sendo o ob-jeto do historiador, possibilitando a multiplicação dos atores históricos e, ao mes-mo tempo, as variantes temáticas e o uso de fontes, o que exige ampliação das reflexões teóricas e metodológicas (REIS, 1994). A própria noção de verdade histórica é questionada, pois, ao considerar-se a História como um produto social marcado pelo lugar de sua produção, modificado à medida em que a sociedade se transforma, torna-se necessário rescrevê-la constantemente, à luz das pers-pectivas e necessidades de cada época (GUARINELLO, 1994).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais atuais, cuja premissa é servir de elemento norteador para o ensino fundamental, baseiam-se nessa perspectiva histórica, à medida em que entendem o aluno como produtor do conhecimento, sendo necessário levar em consideração suas habilidades e a realidade em que está inserido. O aluno é considerado agente da História, que participa da realida-de e contribui para a produção do conhecimento (MICELI, 1989).

Com a ampliação dos sujeitos, torna-se necessário ampliar as fontes históricas a serem trabalhadas, assim como a diversidade de temporalidade, tendo em vista a existência de possibilidades históricas. Considerar-se-á também os aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos, de modo que se possibilite a identificação da diver-sidade social, cultural, espacial e histórica, ampliando a noção de alteridade.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino de História deve partir de três conceitos básicos: fato histórico, sujeito histórico e tempo histórico (PCN, 1997). A partir de tais perspectivas, os alunos do terceiro ano de Pedago-gia do Centro Universitário Filadélfia, orientados pelo professor da disciplina de Metodologia do Ensino de História e Geografia, realizaram, durante o primeiro semestre do ano letivo de 2001, uma série de debates acerca das principais temáticas abordadas, oferecendo possibilidades de aplicação dos conceitos

Referências

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