Programa
de
Pós-Graduação
Mestrado
em
Educação
MEIO
RURAL:
IQUANDO
A
SAIDA E
A
SAIDA
MÁRc|A
sANTos
DE
souzA
ulv/vERs/DADE
FEDERAL
DE SANTA
cA
TA
R/NA
cslvmo
DE
c/ÊNc1As
DA
EDucA
çÃo
PROGRAMA
DE
Pós-GRADUA
çÃo
cuRso DE MESTRADO
EM
EDucA
çÃo
“M1310
RURAL-
QUANDO
A
SAÍDA
É
A
SAÍDA”
Dissertação
submetida ao
Colegiado
do
Curso
de Mestrado
em
Educação
do
Centro
de
Ciênciasda
Educação
em
cumprimento
parcial para a
obtençao do
títulode Mestre
em
Educação.
APROVADO
PELA
COMISSÃO
EXAMINADORA
em
12/08/1999Dr. Ari
Paulo
Jantsch (Orientador)/ä
Dra.
Bernardete Wrublevski
Aued
g,.@,DzQz
, \
-
Dr. Lucídio Bianchetti
Dr.
Norberto
Jacob
Etges (Suplente)623%
C;/L...--¬
Dra. Edel
Ern
Coordenadora
PPGE/UFSC
Márcia
S
tosde Souza
necessariamente
neste
ponto
que
imaginamos
teralgo
a
dizer.
SÓ
escrevemos
na
extremidade de nosso
próprio
saber, nesta
ponta
extrema que
separa
o
nosso
saber
da
nossa
ignorância
eque
transforma
um
no
outro”.O
trabalho de elaboração deuma
dissertação, de maneira geral, é fruto dacontribuição de muitas pessoas.
Nem
sempre esta se restringe ao apoio intelectualou
àpesquisa, especificamente, são fonnas diferenciadas de contribuição
que permitem
eincentivam o “caminhar”.
Muitos
não serão aquinomeados
devido a impossibilidade de talgesto, porém, a lembrança destes colaboradores (anônimos),
como
nos dizRubem
Alves,independe de estar registrada
no
papel, “pois oque
amemória
ama
setoma
etemo”.Os meus
agradecimentos:-
Aos meus
colegasdo
mestrado, pelaamizade
e apoio.-
Aos
companheirosdo
Colégio Agrícola de Camboriú, queforam
favoráveis aomeu
ingresso
no Curso
de Mestrado.-
À
J osete, Silvana e Tayana, pela revisãodo
texto.-
Aos
alunos egressos entrevistados, que partilharam sua história de vida e trabalho,permitindo o desenvolvimento
do
presente trabalho.-
À
CAPES,
pelo apoio financeiro .-
À
UFSC,
instituição pública, laica e de qualidade.-
À
ProfessoraÉdna
Maciel G. Fiod, primeira pessoa a apoiar e discutir o projetodessa dissertação.
-
Aos
Professores Norberto J. Etges, Lucídio Bianchetti eBemardete
W.
Aued,
peloinestimável apoio
quando
da qualificação e por participarem na banca de defesa damuitos
momentos,
dacompanhia
damãe
a fim de colaborarcom
aformação
daprofissional.
-
Às
amigas “Sandras”,Rô
e Maria, que auxiliaram, inclusive, paraque
a alegria eo riso não faltassem durante esse, muitas vezes,
complexo caminho
em
busca daconstrução
do
conhecimento.-
De
maneira especial, gostaria de agradecer ao Professor Ari Paulo Jantsch, muito1
|NTRoDuçÃo
... ._2
AGRICULTURA
FAMILIAR
... _.2.1
Elementos
históricos ... _.2.2
Dados
sobre a
situaçãode
vida e trabalho
do
agricultor familiar ... _.2.3
Revendo
alguns conceitos
na
agricultura ... ._2.4
O
Técnico
em
Agropecuária
ea
agricultura familiar ... _.3
TRABALHO
E
EDUCAÇAO
... ._3.1
Elementos
contextuais
... _.3.2
A
maquinaria
no
processo de
trabalho
... ._3.3
A
(r)evolução
nos meios
de produção:
algumas
implicações
na
vida
do
trabalhador
... _.3.4
O
parcelamento das
tarefas ... _.3.5
O
controle
do
trabalho
edo
trabalhador
... ..3.6
Trabalho
e
educação:
asperspectivas
para
0 Técnico
em
Agropecuária
... ._4
EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
... ._4.1
Entre
o
saber e
o
fazer ... _.4.2
A
institucionalizaçãodo
Ensino Agrícola
... ._4.3
Novas
leis,velhos
problemas
... _.4.4
Algumas
implicações
do
DL
2208/97
... ._5
TÉCNICO
EM
AGROPECUÁRIA:
A
VIDA E
O
TRABALHO
... _.82
5.1
Emprego
-
desemprego:
entreo
(dificil)retomo
ea
inserção
urbana
... _.5.2
O
papel
do
CAC
e
a
definiçãodo
TA
no
mercado
de
trabalho
... ._92
5.3
Entre
o
sonho
(de
novos
projetos) e ascondições
objetivas ... ._5.4
O
curso
de
TA
sob
a perspectiva
do
egresso
... _.1.
Regulamentação
das Atribuições dos
Técnicos de Nível
Médio
da
Area
Industrial eAgricola
... ..2.
Sobre
o Receituário
Agronômico
... ..160
BID
- Banco
Interamericano
de
Desenvolvimento
BM
- Banco
Mundial
CAC
-
Colégio Agrícola de
Camboriú
CTA
-
Curso
Técnico
em
Agropecuária
DL
-
Decreto Lei
FMI
-
Fundo
Monetário
Intemacional
Ha
-
Hectare (l0.000 metros quadrados de
terra)IBGE
-Instituto
Brasileirode
Geografia
e EstatísticaLDB
-
Lei de
Diretrizes eBases
MEC
-
Ministério
da Educação
MTE
-
Ministério
do
Trabalho
eEmprego
PL
-
Projeto
de
Lei
SEFOR
-
Secretariade
Formação
eDesenvolvimento
Profissional
SEMTEC
-
Secretariade
Educação
Média
eTecnológica
SENAC
-
Serviço
Nacional de
Aprendizagem Comercial
QUADRO
O1
-Distribuição
dos Técnicos
em
Agropecuária
por
Gênero, Idade
eEstado
Civil ... ..04QUADRO
O2
-População
rural voltaa
crescer
nos anos
90,mas
cai
a
ocupação na
agricultura(do
êxodo
ruralao
êxodo
agrícola) ... ..26QUADRO
O3
-Famílias
ruraissegrmdo
a posição
social (caipúblico potencial
da
Reforma
Agrária)
... ..45QUADRO
O4
-Desemprego
eMobilidade
no
Emprego
dos
Técnicos
em
Agropecuária
... ..84QUADRO
05
-Situação
do
Técnico
em
Agropecuária
no
Mundo
do
Trabalho:
deslocamento
do
eixo
forrnativo,remuneração,
contrato
de
trabalho e locus
de
atuação
... ..l0lQUADRO
06
-Situação
Esquemática
do
Técnico
em
Agropecuária
no
Mundo
do
Trabalho
... ..lO2QUADRO
07
-Domicílios
particularese
indicadores
de
bem-estar,
segundo
a
situação
de
domicílio
-Santa Catarina
-1990-1995
... ..133QUADRO
08
-
Tipo de
tecnologia
utilizada,por
grupo
de
área
total -
Santa
Catarina
~
censo
de 1995-1996
.....
137
QUADRO
09
-Evolução
de renda
per
capitadas
famíliasexclusivamente
agrícolas ... ..l41QUADRO
10
-Pessoas
ocupadas,
por
situaçãode
domicílio,
1
|NTRoDuÇÃo
Pelo trabalho o
homem
se relacionacom
o
mundo,
transformando não sóo
mundo,
tornando-ohumano,
mas
transformando o própriohomem,
tomando-o
mais real, efetivo,mundano
(Norbert J. Etges).As
questões ligadas ao trabalho sãouma
constante nas discussões quetêm
como
tema
central os
homens
e as mulheres.Quando
nosdispomos
a investigar a categoria trabalho,um
outro
tema
se agrega às discussões deuma
maneira indispensável: educação.Embora
os estudossobre a dinâmica trabalho e educação
acompanhem
historicamente ohomem,
percebe-seque
este acaba
tomando-se
um
tema
recorrente devido anão
conseguirmos esgota-lo.Na
pesquisadesenvolvida,
onde
se pretendeu investigar a realidade (vida, trabalho e educação) dos egressosdo Curso de
Técnicoem
Agropecuária (CTA), não se fugiu a esta regra.Considerou-se
que
o estudoda
inserçãodo Técnico
em
Agropecuária,
filhode
pequeno
agricultor,
no
mundo
do
trabalho traria informaçõesno
sentido de auxiliarna
busca deconhecimento sobre as intervenientes que se apresentam na vida destes egressos que, ao
ingressarem
no
curso, são provenientesdo meio
rurall.As
expectativasque
os estudantesapresentam ao forrnarem-se e
o
caminho percorridono mercado
de trabalhopodem
contribuir1
Na
presente pesquisa, utilizou-se a definiçao de meio rural e urbano segundo as normas doIBGE
apudWanderley (1997, p. 40) onde: “Na situação urbana consideram-se as pessoas e os domicílios recenseados nas áreas
urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas
isoladas.
A
situação rural abrange a população e os domicílios recenseadosem
todas as áreas situadas fora desseslimites. Essas situações são definidas,
em
cada caso, por lei municipal”. Não é objetivo discorrer acerca dasdivergências que se mesclam a tal definição de “nnal e urbano'.
No
entanto, considera-se importante estar atentoaos movimentos sociais, entre outros, que tentam não somente discutir esta definição
em
nosso país (que vai alémdo aspecto semântico), mas reconceituar todo o complexo e contraditório contexto que esta discussão encerra,
bem
para a reflexão acerca de outros aspectos que estão intimamente ligados ao ponto central desta
pesquisa (trabalho e educação),
como
por exemplo, a agricultura familiar e a educaçãoprofissional.
V
Além
do
acima considerado, encontramos nas palavras deKuenzer
(1992),um
incentivo aoalargamento das discussões sobre o assunto, que
“têm
oscilado entre o academicismo superficial ea profissionalização estreita”,
ou
seja:A
falta de compreensão teóricada
relação entre educação e trabalho,bem
como
a dificuldade de apreendercomo
elatem
histórica ecotidianamente ocorrido
no
interior das fonnas concretasque
acontradição entre capital e trabalho vai assumindo,
tem
concorrido para aformulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas discutíveis
(...). Tentar avançar
na compreensão
das questões postas pelas relaçõessociais concretas é
um
trabalhoque
seimpõe
principalmenteno
casobrasileiro (p. 12).
Nesse
sentido, acompreensão
teóricado
tema
em
questão fez-se tão pertinente quanto oconhecimento empírico
do mesmo.
Diante dessa concepção, optou-se,também,
poruma
pesquisa de
campo
onde, para a constituição dos dados, elegeram-se os egressosdo Curso
deTécnico
em
Agropecuáriado
Colégio Agrícola deCamboriú
(CAC
- localizadoem
Camboriú
~
SC), pertencente à Universidade Federal de Santa Catarina
(UF
SC).O
referido Colégio foiescolhido devido à pesquisadora fazer parte
do
seu quadro fimcional e pela caracteristica urbanaque
esse apresenta. Essedado
(sua urbanidade) tornou-seum
ponto importante, tendo-seem
vistano
mundo
do
trabalho, especificamentedo
aluno advindodo meio
ruralz, Êlho depequenos
agricultores.
Sua
importância se dava, entre outros motivos, pela possibilidade de se avaliar ainterferência que o fato de ter vivido no
meio
urbano poderia trazer para estes egressos.Ao
optar-se pelos formandosdo
ano de 1995, levou-seem
consideraçãoque
eles já teriam,na época
da
coletade
dados3,um
espaço detempo
suficiente para possibilitar a sua inserçãono
mercado
de trabalho.A
amostra constituiu-se de 12 (doze) egressos, sendo 11 (onze)homens
eapenas O1 (uma) mulher, o
que
refletiu o padrão de gênero encontrado entre osformandos
de1995,
que
apresentava apenas09
(nove)(76%)
mulheres entre os 117 alunos.A
média
de idadeera de 21 (vinte e
um)
anos, sendo que somente 03 (três) egressos estavam casados, dentre osquais
um
morando
com
os pais (ver quadro 01 na p. 04).Apesar
de todos os alunos serem procedentesdo meio
ruralquando
ingressaramno
colégio,50%
deles estavam, à época da pesquisa (dois anos emeio
após a formatura),morando no
meio
urbano.
Se
considerarmos os egressos quemoravam
no meio
rural,mas
trabalhavamno meio
urbano, este
número
sobe para66,6%
(dois terços). Dentre os egressos, apenas33,4% (um
terço)moravam
e trabalhavam exclusivamenteno meio
mral.O
fato de a pesquisadora ter atuadono
CAC
duranteo
ano de 1995,como
OrientadoraEducacional e Psicóloga,
0 que
lhe permitiu ter tido contatocom
todos os formandos,também
foilevado
em
consideração para a escolha da referida amostra. Esse aspecto foi metodologicamenterelevante
quando
da coleta de dados, tendo-seem
vistaque
os egressos selecionados sentiam-se à2
Salienta-se que, para selecionar a amostra, optou-se por alunos que eram advindos do meio rural, filhos de
pequenos agricultores, quando ingressaram no CAC.
3
Os dados foram colhidos no mês de junho de 1998, sendo que a formatura dos egressos deu-se
em
dezembro devontade para falar sobre suas experiências, tanto as dos anos passados
no
colégiocomo
as dosposteriores.
QuAD|go
01
-
D|s'rR|Bu|çÃo
Dos
TÉcN|cos
EM AGRoPEcuÁR|A
POR
GENERQ,
|DADE
E
EsTADo
c
v||.T.
A.
SEXO
IDADE
ESTADO
CIVIL
ššššššššššrflš
O1
19
Casado
02
23
Solteiro03
20
Solteiro04
22
Solteiro05
28
Solteiro06
20
Casado
07
21
Solteiro08
21
Solteiro09
22
Solteiro10
19
Solteiro 1 121
Solteiro12
25
Casado
Constatou-se que os
mesmos
consideraram-se “privilegiados”por
terem sido“escolhidos” para participar da presente pesquisa.
Os
familiares dos egressos,com
os quais seteve contato durante a coleta dos dados, feita através
de
entrevista estruturadacom
baseem
questionário (ver anexo O3),
também
se mostraram muito interessados e orgulhosos de os filhosterem sido “selecionados” para participarem da pesquisa.
Como
as entrevistasforam
realizadas,em
sua maioria,no
própriomeio
(rural)onde
o egresso se encontrava(em
alguns casosporque
viera “passarlo
fim
desemana
em
casa”), a situação oportunizouum
certo “reforço”na
impressão~ ~ L
relaçao ao seu filho. Expressoes
como
“até queenfim
lembraramdo
agricultor”, “não éque
acharam
a gente aqui perdido”, “amoça
vim
de tão longe só prá falarcom
ele”, ouvidas dosfamiliares,
fizeram
pensar na auto-imagem eno
papel socialque
a categoriapequenos
agricultoresatribui a si,
bem como
a percepção quetem
sobre seu lugar na sociedade.A
admiraçãoem
relação à pesquisadora ter “ido tão longe” para fazer as entrevistas, se devea que
75%
dos entrevistados residiam na região de Araranguá (SC),que
distaaproximadamente
300
quilômetros de Camboriú, cidade onde se localiza oCAC.
A
opção
porAraranguá
é,em
realidade, apenas resultante de se ter buscado
uma
região que, estando o maispróximo
possível deCamboriú, apresentasse o maior
número
de egressoscom
o perfil almejadol.Devido
a pesquisa estar limitada aos filhos depequenos
agricultoresdeu
margem
a que,tanto os egressos quanto os seus familiares, tivessem a impressão de que, de certa fonna, o
meio
rural teria sido "privilegiado" frente ao meio urbano o qual, segundo estes, “está
sempre
nafrente...” Este comentário não é fruto de
uma
mera
impressão, é a constatação deum
fato.De
maneira geral,o meio
urbanotem
o privilégio diante dos investimentos nas áreas de saúde,lazer, transporte, saneamento básico, educação.
A
concentraçãoda
população nos centroscitadinos e a baixa densidade
demográfica do meio
niral servem,como
justificativa para estatomada de
dianteira (domeio
urbano).A
diferença' entre os beneficiosque
um
e outromeio
recebem
é,no
entanto, tão gritante que a população rural jácomeça
a despertar para as outrasintervenientes
que
possam
estar incluídas.O
pouco
poder de barganha pela baixa4
A
região do próprio
CAC
apresentava, no ano de 1995, apenas 2 (dois) formandoscom
tal perfil, ou seja, advindodo meio rural e sendo filho de pequenos proprietários rurais. Assim, a amostra comportou, também, egressos que
atendiam ao perfil almejado e estavam morando na região à época das entrevistas.
O
fato de não se ter conseguidoum
número suficiente de alunoscom
o perfil almejado faz lembrar que, na épocaem
que oCAC
foi criado, há 46anos, a região de Camboriú possuía
uma
economia eminentemente agrícola, fato este que incentivou a criação dorepresentatividade junto aos poderes públicos, aliado a
um
certoconformismo
pela situação deexclusão
que
acompanha
omeio
rural desde ostempos
de colônia,fazem
com
que
a condição deprecariedade dos meios de vida se
modifique
a passos muito mais lentosdo que
asmudanças
poderiam ser feitas.
A
oportunidade de “estudar fora”,no meio
urbano, para muitos jovens,pode
significar o primeiro passoem
direção à busca de melhores condiçõesde
vida;nem
sempre estão dispostos a esperar por
mudanças
através dos poderes públicos.Isto posto,
fiisamos
que a presente pesquisatem
como
tema
central a inserçãodo
Técnicoem
Agropecuária,filho de
pequeno
agricultor,no
mundo
do
trabalho (isto é, estuda-seum
espaço de inserção
que
se estende necessariamente para alémdo
rural,embora
estandoem
questão pessoas originariamente deste meio).
As
referências básicas para problematizar oobjeto são, portanto, a agricultura familiar, trabalho e educação, e a
educação
profissional.
Sobre a estrutura adotada para a organização desta dissertação, optou-se por
uma
divisãoem
capítulos, a qual é constituída por dois blocoscom
caráter diferenciado.O
primeiro bloco écomposto
pelos capítulos basicamente teóricos (capítulos segundo, terceiro e quarto), sendoque
o
bloco seguinte (capítulo quinto) explicita basicamente a pesquisa de
campo
feita junto aosegressos
do
CAC.
Tomou-se
a decisão de expor os capítulos basicamente teóricos inicialmente edepois a parte
da
pesquisa de campo, por considerar-seque
as informações teóricasdão
uma
maior capacidade de apreensão/compreensão das questões vivenciais exploradas
no
segundobloco.
Na
estruturação dos capítulos que se seguem, procurou-se dar, inclusive,uma
ordem
queentre trabalho e educação subsidiaram a pesquisa de
campo
e esta serviu de referencial empíricopara a retomada
da
construção teórica então desenvolvida. Destaca-seque
a articulação intemados subcapítulos
não
é estanque e, ademais, o leitor poderá ler os capítulos abdicando dessadivisão.
O
objetivo da presente exposição (mais extensaque o
convencional) éo
de permitirum
conhecimento prévio da forma
como
se desenvolveu e organizou a dissertação, o que,presumimos, oferece ao leitor a opção de percorrer os capítulos de acordo
com
o
seu interesse.Alguns dados sobre
o
conteúdo específico de cada capítulovêm,
nos parágrafos segiintes,complementar
as informações acima.No
segundo
capítulo,com
o título de “Agricultura Familiar”, optou-se por fazerum
breveapanhado
da históriada
agricultura,em
especial da agricultura familiar, desde o Brasil Colôniaaté os dias atuais.
O
recorte temporal adotado foi conseqüênciade
entender-se que, ainda hoje,observa-se,
no meio
aglicola, situações muito próximas das vividas na trajetória da sociedadebrasileira, a saber: precariedade nas áreas de educação, saúde, saneamento básico, condições de
trabalho.
Outros temas tratados ainda
no
segundo capítulo são: a divisão e importância da terra, oenvelhecimentoda população
do meio
rural, o processode
modernizaçãoque
envolve questõesde longo alcance dentro da ciência e tecnologia,
o êxodo
rural, o usode
agrotóxicos e asagroindústrias entre tantos outros. Todavia,
como
um
ponto básico da pesquisa, evidencia-se adiscussão sobre
o
lugardo
Técnicoem
Agropecuária, filho depequeno
agricultor,que
tem
suaNo
terceiro caP
ítulo, entituladocomo
“Trabalho e educa ão”, rocurou-se a resentaralguns aspectos
do
caminho percorrido peloshomens
e pelas mulheres,não somente
enquantotrabalhadores inseridos (ou não)
no mercado
de trabalho,mas também
outros pontos da suahistória.
Algumas
considerações são feitas no sentido de tentar apreendero
papel da educação navida dos trabalhadores.
A
perspectiva sob a qual se articula o capítulo é a de que ogrupo
citadotem, na educação,
uma
das principais formas de auxíliono
seu processo de construção enquantohomens
e cidadãos.Nesse
sentido, esse (breve) resgate tenta acompanhar, minimamente, nãosomente as relações
de
trabalho,mas do
processo educativo que,como
uma
constanteem
nossopaís, tenta atender às
demandas do mercado
de trabalhoem
detrimento, muitas vezes,do
próprioeducando
e da qualidadedo
ensino.Busca-se, tambérn, fazer
uma
associação (dentro dos limitesque
esta pesquisa encerra),entre as condições
de
trabalho próprias da produção artesanal,quando o
homem
dominava
oproduto
do
seu trabalho, até os dias de hoje,em
que
os avanços da ciência e tecnologia trazemmudanças no
ceme
da
relação trabalho.A
situaçãodo
trabalhadordo meio
rural, agricultorfamiliar,
bem como
do
Técnicoem
Agropecuária, não poderia deixar de centrar essa discussão.Assim, procura-se repensar a sua prática e a sua situação de vida
na
.medidaem
que
sedesenvolve o assunto.
Como
um
espaço para discussãoda
atual política educacionaldo
país (maisespecificamente da atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educação
Nacional,LDB
9394/96 edo
Decreto Lei 2208/97), o
quarto
capítulo(com
o
título de“Educação
Profissional”) objetivouconhecer
um
pouco
mais acerca dessetema
que interessa (ou deveria interessar),em
especial, aosnível de ensino.
O
capítulo desenvolve-se de maneira a explicitar a educação técnico-profissionalno
Brasil desde o Império,quando surgem
as primeiras escolas nessa área, e situar a referidaeducação na atualidade, ocupando-se
com
asmudanças
decorrentes dos acima citadosLDB
eDL.
As
análises feitasdedicam
maior ênfase à atualidade, mais precisamente àsmudanças que
vêm
ocorrendo nas Escolas Técnicas Agropecuárias Federaisem
funçãodo
DL.
Ao
analisar ohistórico e as contingências das leis que nortearam o sistema educacional
no
Brasil, percebe-se queo
DL
2208/97 segueum
padrão muito próximo aoda
legislação anterior,ou
seja: ao tentaratender prioritariamente à
demanda do mercado
de trabalho, secundarizao
acesso (deuma
parcela) da população a
uma
educação pública e de qualidade; reproduz,também,
uma
dualidade rural-urbano e técnico-intelectual que dificulta a constituição
do
trabalhador cidadão.O
capítulo quinto, sobo
título de “Técnicoem
agropecuária: a vida eo
trabalho”, tratouespecificamente
da
pesquisa decampo
realizada junto aos egressosdo
CAC.
Ressalta-se,que
asentrevistas foram
uma
fonte ampla de dados acerca da vida edo
trabalho dosmesmos,
vindo arepresentar
uma
tarefa das mais gratificantes para a pesquisadora. Este fatonão
se referesomente aos dados coletados,
mas
à possibilidade de entrarem
contatocom
as condições geraisde existência dos egressos: meios de trabalho, de transporte, de saúde, de lazer, sua familia,
seus hábitos.
Considera-se que diversos são os fatores
que
vêm
interferindona
situação de vida dasfamílias rurais.
A
área agricola, outrora a base daeconomia
do
país,vem
sofrendo os impactosdo
uso das novas tecnologias,
do
processo (hoje acentuado) de globalização,bem
como
da
falta dequestões ligadas ao uso da terra, antes considerada
como
um
componente
indispensável para ocultivo de plantas e criação de animais, pode-se constatar
que
a vida profissionaldo
Técnicoem
Agropecuária está desafiada a
uma
redefinição substancial.Esses dados adquirem expressão
quando
se observa que66,7%
dos egressosmencionaram
que, à
época
da formatura, não mais desejavam voltar para a propriedade rural.A
pesquisaprocura, mediante o exposto nas entrevistas, apreender quais intervenientes contribuíram para
este, entre outros, posicionamentos dos egressos.
A
localizaçãodo
Colégio Agrícola deCamboriú, enquanto instituição de ensino
com
característica urbana e litorânea,que
recebealunos
do meio
rural parauma
profissionalização,em
princípio, basicamente ligada a este meio,permeia as discussões
do
capítulo.O
papel dos professores (e de outros profissionais)do
CAC,
enquanto mediadores
no
processo de formação profissional dos alunos, foium
aspecto abordadono
sentido de veiificar a possibilidade de interferência destesna
decisãodo
egressode
sairou
ficar
no meio
rural.Os
fatores,segundo
a perspectiva dos egressos,que
interferemno
desejo dos jovens de ficarno
campo
ou
tentaruma
investidano
mercado
de trabalhodo meio
urbano, são muitos e van`ados.Ao
falarem de outros jovens, os egressosacabam expondo
sua própria história de vida e osmotivos que,
um
dia, os levaram a fazer determinada “escolha”.A
tentativa de buscaruma
vidamenos
dificil, ao contrário da dos pais,em
que a precariedade parece ser a tônica, écomum
namaioria das falas. Tal precaiiedade está dispersa
em
múltiplos fatores,não
se dirige apenas àscondições mais gerais
(como
a falta de acesso aos financiamentos e à tecnologia, oque
dificultaapermanência
do
agricultorno
mercado),mas
aos limites da própria condição de existência(como
No
transcorrer de todo o capítulo, fez-se uso de trechos das entrevistas para ilustrar e/ouelucidar os temas
em
discussão.A
fala dos entrevistados,em
muitos casos, dispensariacomplementação
por parte da autora, tal a abrangência/contundênciado
depoimento.É
a falados
que
viveram e aindavivem
omeio
rural, a agricultura familiar,em
toda a sua complexidade.Espera-se
que
o desenvolvimento do presente trabalho de pesquisa possa, de fato, contribuirpara
um
repensar sobre o atual contexto da agricultura familiar,da
educação profissional e,como
categorias indissociáveis, sobre educação e trabalho, pois, lembrandoMan:
(apud Gadotti, l986, p. 54), “a integração entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando ohomem
com
a sociedade”.2
AGRICULTURA
FAMILIAR
De
ponta a ponta é toda praia (...).Muito
chão e muito fremosa (...). Nelaaté agora não
podemos
saber que haja ouronem
prata (...)porém
a terraem
si é de muito bons ares (...).E
em
tal maneira é graciosaque
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por
bem
das águasque
tem
(...). Carta dePero
Vaz
deCaminha
ao rei de Portugal D. Manoel.2.1
Elementos
históricos
O
estudo sobre a inserçãodo
Técnicoem
Agropecuária, filho depequeno
agricultor,no
mundo
do
trabalho, fezcom
que o interesse pela história da agricultura familiar,no
Brasil, setomasse
um
ponto-chave para o entendimento das intervenientes quepermeiam
a vida desteprofissional.
O
interesse pelotema
é reforçado pelo fato de ter-se escolhidocomo
amostra dareferida pesquisa, alunos egressos
do
Colégio Agricola deCamboriú
que tinhamcomo
locus devida, a agricultura familiar.
O
resgate históricoque
se pretende fazer sobre a agricultura familiarteve sua origem
no
Brasil Colônia, por entender-seque
a atual conjuntura apresenta certascaracterísticas que
têm
suas raízes nessa época.Ao
buscar os subsídios históricos sobre a agricultura familiarno
Brasil nos reportamos,inicialmente, ao século
XVI, onde
as duas potências mundiais, Portugal e Espanha, tinham porcaracterística a
pouca
extensão tenitorial. Esse fato mobilizou-as a saíremem
busca de novasterras; entre as conquistas de Portugal estavam as terras brasileiras.
Como
Portugalnão
queriaEm
princípio, haviapoucos
interessadosem
vir para o Brasil. Portugal passou, então, aconceder aos que se dispuseram a vir, grandes porções de terra, as
chamadas
"sesmarias", além deimbui-los de poderes politicos, administrativos, militares e juridicos.
As
sesmarias,que
podem
servir
como
explicação para a existência dos latifúndiosno
Brasil, tinhamcomo
característica amonocultura e o trabalho escravo (negro e índio).
Com
a Independênciado
Brasil (1822), osistema de sesmarias foi formalmente extinto pelo principe regente; o sistema fundiário, porém,
não
sofreu grandes mudanças.Segundo
uma
análise feita porGuimarães
(1977, p. 89), “aestrutura agrária
não
se alterariaem
suas linhas fundamentais: mantinham-se intactas as características coloniais e feudaisdo
sistema de produção na agricultura”.-
Havia
nessa época
(começo do
século XIX), muitos problemas envolvendo agricultorespobres
sem
terrasou
ocupantes ilegais de terras devolutas, além de outras pessoas envolvidasno
já decadente sistema de sesmarias. Isto abalou sobremaneira o grande latifiindio, típico
da
agricultura colonial.
Essa situação não era aceita pelos que desejavam ver o Brasil desenvolver-se ge sair
da
situação
de pouca
produtividade que muitas terras apresentavam.Ao
mesmo
tempo
em
que
haviainteressados
que
desejavam trabalhar na agricultura, estes seviam
impossibilitados devido aosistema fundiário vigente. José Bonifácios, às vésperas da Proclamação da Independência, fez
criticas ao sistema sesmarial que lhe parecia ser
um
comprometedor
parao
desenvolvimento daagricultura:
5
José Bonifácio (1763-1838) foi
um
estadista brasileiro cognominado o Patriarca da Independência. EraConsiderando
quando
convém
ao Brasilem
geral e a esta provínciaem
particular, que haja
uma
nova
legislação sobre aschamadas
sesmarias, que,sem
aumentar a agriculturacomo
se pretendia, antestêm
estreitado edificultado a
povoação
progressiva e unida, porquanto há sesmarias de 6,8 e mais léguas quadradas possuídas por
homens sem
cabedais esem
escravos,que
não só não as cultivammas
nem
sequer asvendem
erepartem por
quem
melhor as saiba aproveitar (citado por Gancho, 1991,p. 29).
Com
a decretaçãodo
fim
das sesmarias,começava
a se definiro
que era público(pertencente ao Estado), e o
que
era particular (dos proprietários de terra).De
1822 a 1854,quando
passou a vigorar a “Lei das Terras”, ficou evidente aconida
às terras disponíveis e asdisputas legais que daí se originaram.
Nesse
período, muitos latifúndios se constituíramem
decorrência de artimanhas legais.
Com
a Lei das Terras, tentou-se corrigiralgumas
irregularidades
bem como
impedir
a proliferaçãode
minifúndios e o avanço de posseiros àsterras devolutas (Gancho, 1991). (Grifos nossos)
A
existência de minifúndiosno
Brasilpode
ser entendida pelo fato deque
nem
todos osinteressados preenchiam os requisitos para ser sesmeiros.
Além
disso, havia pessoas pobres e/ouempobrecidas, os filhos naturais e,
no
fim
do
século XVIII, alguns escravos libertos,que acabaram
tomando-se
posseirosou comprando alguma
terra.Gancho
argumenta queo
mínífúndio não representou parao
latifúndio monocultor deexportação
uma
contradição, sendo, inclusive, visto"como
um
complemento
indispensávelao
sistema
de
exploraçãoda
terra, querfomecendo
gêneros de subsistência, quercomo
produtorde mão~de-obra de reserva para a grande propriedade" (1991, p. 31). (Grifos nossos)
Dessa
forma, pode-se entendero
porquêdo
interesse dos latifundiáriosem
permitir aquem
servisse de mão-de-obra,quando
necessário, e que cobrisse as suas necessidades de outrosprodutos enquanto esses se dedicavam às monoculturas que tinham
mercado
exportadorgarantido,
como
o café e a cana-de-açúcar.Mesmo
não
previstos pela Lei das Terras, osminifiindios vigoraram face à funcionalidade e complementaridade à grande propriedade rural.
Guimarães, ao analisar a “tolerância” dos senhores de
engenho
aos minifúndios,não
deixade alertar para o
jogo
de interesses que perpassa esta sua conduta, aparentemente, “solidária'.Quando
os minifiindiáriosassumem
certas obrigaçõesque
tinham,como
a de plantar mandioca,por exemplo, os latifiindiários
podem
dedicar-se ao quemelhor
lhes aprouver:Livrá-los dessa e de outras futuras obrigações
incômodas
assimcomo
tirar
da
esfera dos latifúndios açucareiros as responsabilidades pelainquietante e permanente penúria
de
gêneros de subsistênciapoderiam
sermotivos bastantes para explicar sua tolerância, e
mesmo
certa indiferençapela
fixação
de imigrantes estrangeirosem
lotes ruraisno
extremo suldo
país, voltados para as culturas mais procuradas
no
mercado
intemo(Idem, l977, p. 126).
Em
contrapartida, apequena
propriedade ruralsomente
foi aceita pelo Estadoquando
dapolítica de imigração ao Brasil, sendo que as colônias de imigrantes interferiram,
sobremaneira, na
mudança
do
quadro deocupação
de terrasno
Brasil durante o séculoXIX.
"O
colonoó, via de regra, recebia
uma
terra para cultivar,de
modo
que
se constituíam núcleosesparsos de médias propriedades
num
país latífundiário" (Gancho, 1991. p. 32).6 Colonos: indivíduos de
uma mesma
nacionalidade que se estabelecemem
um
país estrangeiro.O
colonato, estadode colono, foi a denominação dada à relação de trabalho semi-assalariado, nascida nas fazendas de café do Estado
de São Paulo
com
ofim
da escravidão.O
colonato foi a forma de relação de trabalho mais generalizada naFurtado
complementa
essedado
ao descrever a situação dos minifúndios frente aoslatifilindios,
em
relação à disparidade territorial:Por
toda parteum
reduzidonúmero
de latifúndios controla cercada
metade
das terras incorporadas à agricultura, aomesmo
tempo
queuma
massa
considerável de rnirrifúndios se contentacom
uma
fraçãoinsignificante das terras e se
mantém
disponível paraemprego
ocasional nos latifúndios (1970, p. 89).Segundo
Santos (1993), a evolução dos projetos de colonizaçãopode
ser percebida atravésda
persistência políticaem
relação à ocupação de novas terrasdenominadas
de fronteirasagrícolas7.
O
autor salientao
caráter seletivo desta política agrária a qual apresentavauma
forma
particular de movimento,
onde
o processo de colonização agricola teve sua basena produção
familiar, aqui entendida
como
"uma
unidade deprodução
agrícolaonde
propriedade e trabalhoestão intimamente ligados à família" (Lamarche, 1993, p. 15).
Isto posto,
podemos
considerar que a agricultura familiar não teve,no
Brasil,um
irríciomuito fácil. Suas condições
eram
precárias tanto juridica quantoeconômica
e socialrnente.Os
meios de trabalho e de produção
eram
dificeis e isto se tornava evidente face à mobilidade espaciale dependência ante as grandes propriedades.
Por
outro lado, a agricultura familiar representouuma
certa ruptura à funcionalidade inicial,característica dos minifúndios.
Na
região sul, por exemplo, estabeleceu-seuma
certa divisãoespacial entre os pampas,
onde
a grande propriedade se instalou depoisdo
século XVIII, e astrabalho assalariado no meio rural a panir dos anos 70, os colonos foram substituídos pelos trabalhadores
assalariados (os volantes ou bóia-frias).
7
Entre 1930 e 1988, foram instaladas 177.391 famílias de agricultores
em
projetos de colonização, dos quaisregiões montanhosas,
onde
as comunidadescamponesas
de imigrantes europeus se implantaram,no
séculoXIX.
É
importante observar que a imigração européia deu-se após a decisão,apressada
em
função da invasão napoleônica,da
corte portuguesa de se transferir para o Brasil, oque
tevecomo
conseqüência a "abertura dos portos" a partir de 1808. Essamudança
(da corteportuguesa) para
o
Brasil teve o apoio/suporteda
Inglaterra, que tinha por interesse a conquistade
mercado
consumidor.Um
fator negativo para este acordo, sob a ótica européia, era aexistência da escravidão
no
país, o que fezcom
que Portugal secomprometesse
em
abolir osistema de produção baseado na mão-de-obra escrava.
Em
1850 findou-se formalmenteo
tráficonegreiro para o Brasil. Este fato teve
como
resultado o encarecimentoda
mão-de-obra,implicando o uso
comum
de
trabalhadores livres, principalmente imigrantes.Assim, a imigração
no
Brasil teve pelomenos
dois propósitos: 1 - conseguirum
contingenteque
viesse a suprir a mão-de-obra escrava. Isso era necessário para a continuidade dasgrandes plantações de café e para 0 desenvolvimento
econômico
geral. 2 ~ colonizardeterminadas áreas. Para isso,
eram
oferecidas vantagens aos imigrantescomo, por
exemplo, apossibilidade de se
tomarem
proprietários. Desta forma, ogovemo
esperavaque
se criassemverdadeiros
povoados
enão
apenas aglomerados flutuantes de pessoas.2.2
Dados
sobre
a
situação
de
vida
e trabalho
do
agricultor
As
questões relativas à educaçãog,embora
nem
sempre
ocupassem o
lugar merecido,estiveram constantemente presentes no cenário político brasileiro.
O
sistema educacionalque
freqüentemente esteve à
mercê
das necessidades de preparação de mão-de-obra para omercado
de trabalho, não oportunizava, aos trabalhadores
em
geral, o acesso e a pennanênciana
escola.Considerava~se que, para
desempenhar
um
trabalho manualcomo
o executado pelos agricultores,não
era preciso "ter estudo".O
que se tinha nesta época erauma
educação elitizada aque poucos
tinham acesso. Sobre esta questão, Ribeiro
comenta
que:Com
relação à educação, a década de1850
é apontadacomo
uma
épocade férteis realizações,
no
entanto, restritasem
sua maioria ao municípioda
corte (...). Pressupõe-se que cerca de
um
décimo
da população a- seratendida o era realmente (1978, p. 56).
Essa situação, de dificuldade e/ou falta de acesso à educação,
acompanha
a população rural,de
certas regiões, até os nossos dias. Atualmente, este quadro já apresenta relativas melhorasda
parte
do
poder público e,o
que é bastante significativo, o agricultor familiar está mais conscienteda
importânciado
"estudo" para seus filhos,como
se poderá constatarem
capitulos posteriores.Tal atitude se deve,
em
grande parte, àsmudanças
na atual conjunturaeconômica
e social.Deve-
se salientar,
no
entanto,que
embora
as condições de acessotenham
se modificado,nem
sempre
aviabilidade para dar continuidade aos estudos se efetiva. Paulilo, fazendo uso
da
sua experiênciajunto aos fumicultores de Santa Catarina,
confirma
esta situação ao comentar que:Quanto
à educação dos filhos, os pais, geralmente,fazem
grandeempenho
para que as crianças cursem até
o
segundo ciclo ou, pelo menos, terminem8
Esse assunto é contemplado,
com
maior profundidade, nos capítulos: “Trabalho e educação” e “Educaçãoo primeiro.
Até
chegarem nestes níveis, os alunosestudam
partedo tempo
e, noutra parte, ajudam na propriedade. (...)
Nem
todoschegam
a terminaro segundo ciclo.
Às
vezes,nem
o primeiro. Excesso de trabalho napropriedade, falta de recursos dos pais, distância
da
escolaou pouco
interesse pelo estudo são algumas das causas das desistências (1990, p.
96).
Outro fator
que
interfere na situação dos agricultores é o da distribuição das terras.A
propriedade fundiária
permanece
(ainda)como
elemento organizador indispensável à atividadeagrícola. Ressalva-se, porém,
que
muitas terras que estão nasmãos
de grandes latifundiáriospermanecem
improdutivas, servindocomo
reserva de valorem
caráter especulativoou
estãocom
níveis de produtividade muito baixos. Esse fato nos remete aos assentamentos feitos nos últimos
anos pelo
Governo
Federal e que, devido à formacomo
estão sendo efetivados,têm
exposto asfamílias assentadas a muitas dificuldades. Estas dificuldades não estão ligadas somente ao
domínio e acesso à tecnologia, mais
do
que isso, são dificuldades sociais.Jantsch (1997, p. 65) esclarece que as condições
em
que ocorrem
os assentamentos, e assuas repercussoes, precisam ser melhor avaliadas:
Toma-se
imperioso dizerque
os assentamentosde
colonos sem-terraem
lugares muito distantes de centros consumidores significa a sua
condenação
Aauma
subsistência precária,sem
possibilidadealguma
dealcançar a auto-reprodução ampliada da
pequena
propriedade assentada.Também
a ausênciado
Estado na educação ampliadado pequeno
agricultor,
que
lhe garantisse o acesso ao conhecimento científico-tecnológico próprio da atual revolução científico-tecnológica, significa
essa subsistência precária,
mesmo em
terras mais próximas aos centrosDe
alguma
forma,podemos
afirmar que a educaçao, a distribuiçao de terras emesmo
amodernização agrícola, não se apresentam nos moldes considerados
como
sendo os mais justos eadequados. Para
Lamarche
(1993), o processo de modernização que o setor agrícolavem
passando, a partir
da
décadade
60, impôs, efetivamente,modificações
indiscutíveisno
perfiltécnico e
econômico da
agricultura brasileira.Apesar
do
discursoda
modernização ser alardeadocomo
a "saída" para as dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar,o que
vemos
éuma
concentração elitizada
da
utilização desses meios.Enquanto
o estado brasileiro não investir defonna
sistemáticano
setor público de pesquisae extensão rural, aliado aos elementos
de
difiisão das novas tecnologias,não
se alcançaráo
nivelalmejado de desenvolvimento da agricultura. Esse investimento,
no
entanto,não deve
estarlimitado a empréstimos e facilidades financeiras; é preciso ir além disto.
O
agricultor precisa ter,também,
acesso às informações a respeito desta veiculada modernização tecnológica.Sem
conhecimento,
sem
a parte educativa, teremosum
processo de utilizaçãoda
tecnologia deforma
alienada e que, certamente,
não
alcançará os seus objetivosnem
em
nível de produtividade,nem
de
instalação efetivada
mudança
decomportamento
e de paradigmas.Muitas vezes, as
mudanças
tecnológicas são veiculadas através doschamados
'pacotestecnológicos'
que
visam incentivarmudanças
na agriculturaou na
pecuária.No
entanto, essesnão
consideram todas as intervenientes que se
mesclam
à sua efetivação.Sem
saber oporquê
de seutilizar determinadas técnicas,
mas
muitas vezes tendoque
delas fazer uso por imposição decontratos de integração (caso
do
fumo), o agricultorpode
sercomparado
aum
autômato
que,simplesmente, segue
uma
rotinaprogramada
forado
seu alcance.Se
o agricultornão
chega aprovavelmente não adequará este conhecimento a outras situações.
Não
haverámudança
decomportamento
porque nãohouve
aprendizagem. Findo o trabalho, sobrarásomente
a tarefaconcluída, não se alcançou
um
nivel maior de conhecimento.O
usode
uma
argumentação adequada ao grau de entendimento e de realidade vivida peloagricultor e seus familiares deve ser considerado
como
fundamental para a disseminaçao deuma
nova
tecnologia.Segundo
Jantsch,um
pacote tecnológico é produtivoquando
"articula diversasdisciplinas, pondo-se a partir de
uma
racionalidade interdisciplinar.Sua
linguagem não édisciplinar.
Sua
verdade supõeuma
totalidade.Nesse
sentido, o seu alcance é ampliado" (1997, p.64).
~
Dentre essas formas históricas
que
vao se construindo,vemos
surgir diferenciadosprocedimentos para lidar
com
a agricultura e a pecuária, aliando-as às novas tecnologias.Da
articulação-integração entre a agricultura e a indústria,
temos
as agroindústrias.Nesta
"parceria"a
pequena
propriedade agrícola se transformanuma
atividade complementar” e/ou dependente,não
somente dos grandes proprietários ruraiscomo
também
das agroindústrias.Segundo
Guimarães (1989),
o pequeno
cultivador proletariza-se àmedida que
perde sua característica deprodutor independente, pois já não produz o
que
quer,mas
oque
lhe ditam as indústriassupridoras de insumos.
Fica a família rural apertada entre dois sistemas compulsivos
que
lheimpõem,
deum
lado, opreço dos instrumentos e insumos (tecnologia)
que
precisa adquirir e,do
outro,o
preço dosprodutos
que
pretende vender. Apesardo
agricultor manter, a duras penas, sua condição de9
Repete-se, assim, embora com as devidas diferenças face ao novo contexto, a complementaridade/funcionalidade
vivida pelos pequenos proprietários, posseiros e arrendatários
em
relação aos sesmeiros (grandes latifundiános),proprietário das terras e dos meios de produção, é transformado
num
trabalhador deuma
nova
espécie,
um
"quase assalariado".Outro aspecto dessa situação está relacionado aos produtos
que
o agricultorfomece
àsagroindústrias. Ele só terá seu produto adquirido por estas se estiverem dentro das
normas
dequalidade, quantidade e prazos preestabelecidos.
A
agroindústria não corre riscos,ficando
oagricultor à mercê dos seus interesses. Nessas condições o preço
pago
acaba, muitas vezes, atítulo de ser competitivo, remunerando apenas e precariamente a força de trabalho
do
agricultoreseus familiares.
Marx
é bastante contundente ao descrever situação análoga,embora
referindo-se ao séculoXIX:
Uma
partedo
sobressalto efetuado peloscamponeses que
trabalham nascondições
menos
favorecidas édada
gratuitamente à sociedade enão
entrana
fixação
dos preços de produçãoou
na criaçãodo
valorem
geral. Essepreço
menos
elevado resulta por conseguinte da pobreza e denenhum
modo,
da produtividade de seu trabalho (1988, p. 185).Numa
relação contraditória, muitas vezeso
agricultor desenvolve, por exemplo, “trabalho integrado*,onde
segue asnormas
e padrões estabelecidos pelaempresa
paraque
possa ter seuproduto comprado, perdendo
com
isso toda a sua autonomia e,mesmo
assim, sente-se,ilusoriamente,
um
privilegiado. Paulilo menciona esta situaçãochamando
a atenção para o fator“segurança” que o agricultor espera alcançar: segurança de vender todo Ó produto, segurança de
receber
no
prazo estipulado e segurança de assistência técnica e veterinária.Segundo
a autora,decorre de
um
“conservadorismo camponês” ,mas
da constante situação de riscoque
ele produz”(1990, p. 174).
2.3
Revendo
alguns
conceitos
na
agricultura
Consideramos
os fatos até aqui tratados sob a ótica deuma
produção
que precisa da "terra"para ser possível.
No
entanto, através da reengenharia, engenharia genética, laboratórios debiotecnologia,
somos
levados a olhar a terra sobnovo
aspecto. Atualmente é possível produzirem
laboratórios,
em
condições especiais,uma
variedade de alimentos que até recentementeconsideraiiamos improvável, senão impossível.
Aued
, por exemplo, argumenta que:Há
bem
pouco
tempo,pensávamos que
amutaçao
genética era obra deficção.
Hoje
jásem
espanto,convivemos
com
produtosque
possivehnentesó
chegam
à nossamesa
diária mediante a recombinaçãode componentes
genéticos. Hoje,
também podemos
ir mais adianteem
nossasafirmações
que outrora poderiam ser consideradas heresia: a terra
não
émais
necessária: o que está
em
curso pelaclonagem
de vegetais (...) e dasculturas hidropônicas (...) não é propriamente a descoberta de
uma
terrasintética.
Na
cultura hidropônica, a importânciada
terra é totalmentesecundarizada.
A
terra não é mais necessária,ou
só éminimamente
necessária porque o
novo
padrão deprodução
redefine radicalmente a suautilidade enquanto
um
doscomponentes
fundamentaisdo
processoprodutivo (1992, p. 08).
Por
essa linha de pensamento, nosvemos
impelidos a reconsiderar todas as questõesque
envolvem
terra, sua posse, o trabalho e a produtividade; é hora de rever conceitos até entãoconsiderados
“etemos”
na área agrícola .Não
podemos
mais tercomo
baseda produção
dealimentos, por exemplo, a "quantidade" de terras exploradas e/ou distribuídas.
A
questão básica,precisa ter, necessariamente, a terra para se efetivar.
As
próprias condições naturais que sempreforam a maior aliada e a pior inimiga da agricultura, atualmente, sob a ótica da tecnologia, já não
são primariamente determinantes.
Assim, tao central quanto a terra para o produtor de alimentos,
tomam
secentrais a ciência-tecnologia e o trabalho intelectual (voltado
ao
pensarou
criar processos produtivos). Daí politicamente se tornar central a
democratização da ciência-tecnologia e
perderem
sentido as tradicionaislutas de reforma agrária (Jantsch, 1997, p.67).
As
questões sucessórias, objeto de muita discussaona
agricultura familiar,também
têm
tomado
rumos
diferentes dos seguidos anteriormente. Tanto os rapazes,que
seguiamo caminho
percorrido por seus pais e
permaneciam
como
agricultores nas próprias terrasou
em
fronteirasagrícolas,
como
as moças,que viam no
papel demães
e esposas de agricultoresum
futuro certo,têm
modificado
estes padrões. Atémesmo
o minorato,onde
o filho maisnovo
era tidocomo
herdeiro final,
ficando
com
a incumbência de cuidar dos paisna
velhice, não mais parece ser atônica
do
processo sucessório na agricultura familiar.Todo
esse contexto demudanças
vem
ocorrendo de
uma
forma
muito rápida e, segundoAbramovay,
a família ruralnão
aparenta estarem
condições de lidaradequadamente
com
onovo
perfil que se torna necessário:Os
agricultores familiares e suas organizações representativasnão
parecem
preparadas para enfrentar os
novos
desafios dos processos sucessórios: asmudanças
nas condições objetivas eno
ambiente social de reprodução daagricultura familiar não foram
acompanhadas
por transformaçõesDiante desses dados, evidencia-se a urgência de se pensar a situação
da
agricultura familiarsob
nova
ótica. Questõescomo
a quantidade de terra e sua distribuição entre herdeiros,passam
ater outro sentido, implicam outros valores. Certamente,
não
podemos
limitar as discussões daagricultura (familiar
ou
não) à questão da terra e da tecnologia.O
fator social enreda todo esseassunto.
Aued
(apud Jantsch, 1997, p. 68) argumenta que, "o problema agrário, isto é, oproblema
dos
homens
quevivem
na agricultura, não seresume
unicamenteno
encaminhamento
deresoluções tecnológicas.
Há
que se dirimir a questão social".Sendo
assim, a questão dasocialização
da
tecnologianão
deve ser vistacomo
o único problemaque
os agricultoresenfrentam.
A
problemática social, aqui reforçada por Aued,não
éuma
prerrogativada
população rural,dos agricultores familiares; envolve todos os segmentos
da
nossa sociedade.As
favelas queformam
os cinturões das grandes cidades emesmo
das demédio
portecomprovam
isto.No
meio
rural,
uma
das conseqüências das dificuldades pelas quaispassam
as famílias éo êxodo
rural(ver quadro
O2
da p. 26).Dentre os fatores
que
contribuem para essa situaçao, cita-se,como
exemplo, o caso dostrabalhadores
que
residiam nas grandes propriedadesou
que, apesar denão
serem proprietários,sobreviviam
como
trabalhadores rurais e que acabaram sendo substituídos por máquinas.Não
continuaram sendo úteis apesar dos baixos salários
que
recebiam e terminaram, assim,engrossando as filas dos