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Maria da Glória Abdo: Daqui a 20 anos terei 93. Quem é que vai cuidar de mim?!

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Academic year: 2021

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Texto

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Entrevista

Maria da Glória Abdo:

“Daqui a 20 anos terei 93. Quem é que vai cuidar de mim?!”

Texto: Guilherme Salgado Rocha. Fotos: Alessandra Anselmi

efensora ardorosa da regulamentação da profissão de cuidador de idoso (“cuidador de idoso não é empregado doméstico, cuidador de idoso é cuidador de idoso e ponto final”), socialista, ex-comunista, petista, presidenta da Associação dos Bancários Aposentados do Estado de São Paulo, batalhadora, mãe e avó. Os melhores e mais sonoros adjetivos cabem nessa mulher que dispensa gravador e descarta uma hipotética lista de perguntas (ela mesma as faz, responde, corrige, acrescenta e suprime).

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Incrivelmente bem-humorada, manda ver: “Sou uma lutadora pela manutenção da sensualidade da mulher idosa. Eu, por exemplo, gosto de beijo na boca, dançar, transar, namorar, uma delícia...”. Uma hora e meia ao lado de Maria da Glória, no 20o andar de um prédio no centro da metrópole de São Paulo é, sem exagero, ficar perto dos anjos. Poucas coisas tiram o bom humor dessa grande mulher: uma delas é chamar sua idade de “melhor idade”. E dá seus motivos: “Melhor idade?! Melhor idade é quando você passa na frente de uma construção e eles assobiam. Isso sim é melhor idade. Atualmente não estão assobiando para mim, mas vão voltar a assobiar, ah, se vão...”.

Portal – Já sei que prefere passar ao largo das perguntas mais pessoais, como local de nascimento etc. É isso mesmo? (quando vai responder afirmativamente, entra em cena o seu fiel amigo e parceiro na Associação, Ricardo Weber, que a convence da importância de todos saberem, por exemplo, que nasceu na cidade de Ponta Porã).

Maria da Glória – Tudo bem. Até falo, mas bem depressa. Nasci em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, no dia 19 de dezembro de 1938. Tenho duas filhas, nunca me casei, elas se chamam Patrícia e Vanessa. Fui mãe solteira duas vezes, adoro minhas filhas, tenho três netos maravilhosos, a Vanessa está grávida, vai nascer o quarto. Vim para São Paulo com 15 anos, junto com minha irmã. Voltei para casa, depois vim embora de vez em 1960.

Portal – Veio trabalhar?

Maria da Glória – Isso. Não conhecia direito nem o telefone. Fui trabalhar em lojas – na Mesbla, por exemplo. Fiz um concurso para a Nossa Caixa, entrei, e na Nossa Caixa me aposentei. Nessa época, por intermédio de um professor, entrei para o Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Em 64 eu trabalhava na administração central do banco, na rua 15 de Novembro. Em 67 nasceu a minha primeira filha, fui de verdade a precursora da situação de uma mulher solteira assumir a gravidez. Decidi organizar as mulheres na luta por creches. Sempre militei nas atividades sociais e políticas.

Portal – E o PCB?

Maria da Glória – Fui do Partidão até 1980, quando da fundação do PT. Entrei para o PT, no qual estou até hoje. No PT faço parte do Setorial da Pessoa Idosa do Estado de São Paulo.

Portal – No mesmo ano, 1980, mudou de partido e nasceu a segunda filha?

Maria da Glória – Rapaz, não foi fácil. O pai da Vanessa, a segunda filha, era 20 anos mais novo do que eu. Ele tinha 23, eu 43. Mas decidi assumir a gravidez, felizmente. Meu único remorso é que, por conta da militância, das

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lutas em favor dos trabalhadores, dos bancários, não fui uma mãe muito presente no crescimento das filhas. Mas isso está superado, somos muito amigas.

Portal – E a militância sindical?

Maria da Glória – Estou desde 1990 no Sindicato dos Bancários. Minha luta inicial foi pela mobilização interna dos funcionários da Nossa Caixa. Não podíamos nos sindicalizar, pois a legislação não nos tratava como bancários, mas como economiários, pois era um banco estatal.

Portal – E a organização dos idosos, quando começou?

Maria da Glória – Em 1992. Sempre tentando convencer os bancários idosos a participar do Sindicato. Gilmar Carneiro, então presidente, me convidou a integrar a chapa, como representante dos idosos. Nessa época eu não conhecia a previdência pública, só conhecia a previdência privada. Estudei a previdência pública, me apaixonei por ela, e decidi entrar firme nessa briga. Fui convidada a integrar o Conselho Nacional da Previdência Social, representando a Central Única dos Trabalhadores, a CUT.

Portal – Falemos agora dos trabalhos atuais, pode ser?

Maria da Glória – Vamos lá. Faço parte hoje do Movimento Idoso Solidário, que é uma organização municipal, ligada à Cáritas, reunindo associações de idosos. Há grupos na Zona Leste e na Zona Oeste. Os idosos despossuídos têm que se organizar, isso é imprescindível! Com a mulher é ainda mais

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terrível, pois muitas vezes torna-se submissa e alienada. Acaba se envolvendo em grupos de idosos alienados, que não discutem sua situação, não politizam o debate. Gostam apenas de passear e cuidar dos netos. Eu também adoro passear, dançar, mas não podemos perder o centro da discussão, os objetivos que devem nos mover. Aqui na Abaesp estamos negociando com a CDHU, ao lado do Movimento Idoso Solidário, um plano macro de construção de moradias para idosos. Nossa proposta é que sejam construídas 5 mil casas em um prazo de 4 anos, sendo mil unidades em cada região. Essas casas serão construídas na região metropolitana de São Paulo. O plano macro segue os projetos do Programa Vila Dignidade, já em andamento. E com muita alegria participamos da assinatura do contrato entre a Caixa Econômica Federal e o Fórum de Cortiços, a partir do qual 250 famílias serão beneficiadas com casa própria. A Abaesp atua com o Fórum de Cortiços há mais de 12 anos.

Portal – Como se politiza o debate?

Maria da Glória – Como?! Lutando, tendo iniciativas, nos mobilizando, orientando os demais idosos. Ficam lá, jogando dominó e tranca o dia inteiro. Nada contra o dominó e a tranca, aqui na Associação dos Bancários Aposentados temos mesa de dominó e de tranca. Mas eles vêm aqui jogar e não saem sem uma conversa sobre a realidade na qual estamos inseridos, sem um diálogo sobre as justiças e injustiças que nos cercam, sem um exemplar do nosso jornal, o “Correio ABAESP”.

Portal – Por falar em jornal, este exemplar que o Ricardo me deu, de junho do ano passado, fala da luta pela criação da Secretaria Municipal da Pessoa Idosa. Ainda está entre os objetivos mais urgentes?

Maria da Glória – Sem dúvida. E não apenas no âmbito municipal. Nossa luta é federal. Reivindicamos da presidenta Dilma a criação da Secretaria Nacional do Idoso, com status de ministério. Em 2009, após mobilização de entidades afins e membros conselheiros do Grande Conselho Municipal do Idoso e Conselho da Saúde, auxiliados pelos vereadores,

foi possível estabelecer uma comissão exclusiva para debater assuntos pertinentes ao segmento da pessoa idosa. A Comissão do Idoso anterior funcionava com outras Comissões, como a da Saúde e da Mulher, o que impossibilitava aprofundar os temas de grande relevância para nós. Participamos na Câmara Municipal, todas as terças-feiras, das 11h às 13h, da Comissão Permanente do Idoso, para discutir políticas públicas e necessidades da pessoa idosa. Já conseguimos que sejam avaliadas e atualizadas algumas leis municipais que protegem os direitos da pessoa idosa. Está em processo de votação a lei que rege o Grande Conselho Municipal do Idoso, que deve

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ser deliberativo, para implantar projetos e programas que realmente beneficiem os idosos do município de São Paulo. E estamos batalhando pela criação de uma Secretaria Municipal do Idoso, que dimensione as necessidades das pessoas idosas do município, e principalmente direcione a verba destinada do Fundo Nacional do Idoso – Lei 12.213, de 20 de janeiro de 2010, sancionada pelo então presidente Lula.

Portal – Outro tema. Antes do início da entrevista o assunto girava em torno da sensualidade da mulher idosa.

Maria da Glória – Pois é. Vou repetir: adoro transar. E sou firme: só com camisinha. Muitas mulheres consideram que exigir o uso da camisinha fica “chato”, ainda mais quando o parceiro está há muito tempo sem sexo. Ele toma o Viagra e tem que ser depressa. Uma ova! Às vezes o pensamento geral é que as doenças sexualmente transmissíveis passam longe dos idosos. Vai nessa... É muito séria a realidade da aids entre os idosos, especialmente por conta desse descuido, dessa negligência em relação ao uso do preservativo. Aí, na hora da transa, em consequência da timidez em exigir a camisinha, o vírus se espalha. Por isso, em todas as oportunidades deixo registrada a minha opinião sobre o assunto, alertando as mulheres (e os homens também, evidentemente) a respeito da aids e das demais doenças sexualmente transmissíveis.

Portal – Outro tema, vamos? O cuidador de idosos.

Maria da Glória – Esse está na lista dos imprescindíveis e urgentes. Foi grande a nossa alegria ao ser estabelecida uma parceria com o OLHE, para os cursos de cuidadores serem dados aqui na sede da Abaesp.1 Parceria importante para os três braços do trabalho: a Abaesp, o OLHE e os interessados no curso. Mas mais do que isso, importante para os idosos que receberão os cuidados dessas pessoas que estudam e se formam. Estamos reivindicando uma política pública para a profissão. Às vezes acho que as pessoas consideram os cuidadores profissionais que nadam em um mar de rosas, um trabalho tranquilo, sem grandes esforços. É exatamente o contrário, por isso precisam de uma legislação específica que regulamente a profissão.

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A parceria foi dada inicialmente entre o Sindicato dos Bancários de SP, o Centro de Pesquisa 28 de Agosto, a ABAESP (Associação dos Bancários Aposentados do Estado de São Paulo) e o Olhe – Observatório da Longevidade, a partir de um convênio para a realização de curso de Cuidadores de Idosos. Até hoje a ABAESP desempenha um papel de extrema importância nesta parceria disponibilizando salas com a mais perfeita infraestrutura para a realização dos cursos de Cuidadores de Idosos dado pelo OLHE.

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Portal – Estamos terminando: você comentava da disposição em organizar a Abaesp regionalmente.

Maria da Glória – É nosso objetivo inadiável. Em Piracicaba já existe, queremos estender para Limeira, Jundiaí. Um dos motivos é a nossa intenção de que os bancários aposentados participem dos conselhos municipais de habitação. O bancário é um trabalhador culto, tem uma boa lábia, a lábia positiva. Afinal, convence o cliente a abrir uma conta, a aceitar outros serviços do banco. Pode e deve muito bem utilizar essa lábia em benefício do segmento idoso. Na luta pela moradia, por exemplo. Mas não só. Saúde, educação, lazer. Ou seja: essa imensa e desafiadora luta pela dignidade do idoso, que está à nossa frente, e para a qual temos que somar esforços e competências.

Data de recebimento: 13/04/2013; Data de aceite: 13/04/2013.

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Guilherme Salgado Rocha - Jornalista e revisor. Formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) em 1979, tem 53 anos. Desde dezembro 2011 passou a integrar a equipe do Portal do Envelhecimento. Email:

rochaguilherme@hotmail.com

Alessandra Anselmi - Formada em Relações Públicas pela Metodista em 1996 e em Marketing e Vendas pela Anhembi Morumbi em 2012. Atualmente é Coordenadora de Marketing e Comunicação e responsável pelo gerenciamento de Redes Sociais do Portal do Envelhecimento / OLHE - Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento. Atua também com Locução e

Referências

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