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Desafios e perspectivas na velhice: a interpretação da Terceira Idade

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Academic year: 2021

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Desafios e perspectivas

na velhice:

a interpretação da

Terceira Idade

Acrescentar vida aos anos e não apenas anos à vida [...].

Paulo Freire

Meire Nunes

Resumo: O envelhecimento humano se constitui em uma das maiores conquistas do presente século, pois os indivíduos vivem mais e não morrem de doenças que no passado matavam em grande escala: há um contingente expressivo de longevos que cresce em decorrência dos avanços nos conhecimentos da engenharia genética, da biotecnologia, da descoberta de novos medicamentos para combater diversos tipos de patologia e, sobretudo, das políticas de vacinação em massa. Todo esse movimento científico também contribui para a queda da fecundidade, e o acesso a serviços de saúde e saneamento motiva uma queda da mortalidade, e consequentemente, há um aumento da expectativa de vida com uma mudança no perfil epidemiológico das doenças que afetavam a população brasileira. Alguns indivíduos longevos, que apresentam boa situação econômica, cujo acesso é livre às novas tecnologias - no campo da medicina ou da estética - veem conseguindo a permanência da juventude e da beleza, ao tentar parar seus relógios biológicos por muito mais tempo do que o metabolismo humano poderia normalmente permitir.

Palavras-Chave: envelhecimento, longevidade e sociedade.

Abstract: Human aging constitutes one of the greatest achievements of this century, as more individuals live longer and do not die from diseases that once killed in large numbers: there is a significant contingent of long-lived individuals growing due to advances in knowledge of genetic engineering, biotechnology, discovery of new drugs to combat various types of pathologies and especially the policy of mass vaccination. This scientific movement also contributes to the fertility decline and access to health services and sanitation creates a decrease in mortality, consequently there is an increase in life expectancy with a change in the epidemiology profile of diseases affecting the Brazilian population. Some long-lived individuals who have good economic situation, have free access to new technologies, whether in medicine or aesthetics, achieving the permanence of youth and beauty, slowing their biological clocks for much longer than the human metabolism would normally allow.

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nvelhecer é mais um degrau da vida, é verdade, salvo aqueles que abreviaram esta etapa com algum acidente de percurso na trajetória. Mas, aqueles que chegaram à velhice, com saúde e produção satisfatória, merecem, de alguma maneira, um prêmio não de consolação, mas de reconhecimento, pois souberam ressignificar essa etapa da vida marcada por preconceitos e estigmas.

Conceituar o indivíduo idoso como da melhor idade, indivíduo inteiro,

conservado e maduro, são construções utilizadas para situar esta população

dentro do contexto universal social em proveito da ordem e do poder, mascarando a velhice e o envelhecimento com eufemismos determinantes. Entretanto, a literatura científica, nacional e internacional, que produz tema dirigido sobre o assunto envelhecimento, utiliza em sua produção literária oficialmente os termos: velho, idoso, terceira idade, cujas expressões designam esse grupo social etário, com a nítida falta de preocupação de se ajustar a uma expressão uniforme e adequada (PEIXOTO, 2007:60).

Observa-se o aumento da longevidade brasileira e mundial e, neste panorama, as políticas públicas de saúde deverão inserir a pesquisa e o desenvolvimento na área do envelhecimento com inúmeras repercussões, tanto para o indivíduo que envelhece como para a própria organização do sistema de saúde, em especial a Gerontologia. Com isso, estabelecem-se novas prioridades dirigidas a esse grupo populacional que deverão nortear as ações governamentais para este novo milênio.

Diante deste cenário, surge o desafio de estudar o fenômeno do envelhecimento relativo ao papel do idoso na sociedade e sua atuação na sociedade nas esferas em que emergem seus direitos como ser social, cultural e biológico.

Do eixo estruturador deste questionamento surge a reflexão sobre nós, seres biológicos e culturais, homens que podem pensar a velhice como um poderoso e complexo fenômeno da existência humana. Assim, não se pode estudar um tema multifacetado isoladamente, considerando apenas alguns aspectos a ele atrelados como, por exemplo, a decadência física. De mãos dadas com outras Ciências, interdisciplinarmente, deve-se observar as particularidades da velhice e envelhecimento humano nas esferas biológica, psicológica e sociocultural, itens que sinalizam a pós-modernidade.1

1

A ideia de um movimento pós-moderno teria surgido pela primeira vez na década de 1930, no

mundo hispânico, uma geração antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Frederico de Onís teria empregado o termo postmodernismo para descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo. A ideia de um estilo pós-moderno entrou para o vocabulário da crítica hispanófona, mas não teve maior ressonância até vinte anos depois, após a Segunda Guerra Mundial.

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O prolongamento do tempo de vida dos indivíduos tem suscitado inúmeros questionamentos sobre como está sendo compreendido esse processo de envelhecimento humano dentro das sociedades pós- modernas.

A pós-modernidade (ANDERSON, 1999:62) é definida como a época das incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores. No entanto, as diferentes faces que remetem ao tema envelhecimento possuem relação de difícil delimitação de suas fronteiras, pois cada indivíduo envelhece bem ou mal e de forma particular e diferente representativamente.

Preparar-se para um envelhecimento ativo e saudável significa conhecer o processo natural da velhice, seus limites reais, rompendo os preconceitos no sentido de reduzir o processo de perda da autoestima, que insiste em acometer todos aqueles que percebem o envelhecimento como um tempo compulsório de dores e improdutividade, e que entendem a velhice apenas como última fase da vida.

Os estudos desta área verificam que as teorias reproduzem a realidade do estruturalismo positivista focando as representações sociais que entornam os mitos da velhice e seus discursos, pois o envelhecimento tem uma dimensão existencial, e como em todas as situações humanas, modifica a relação do homem com o tempo, com o mundo, com sua psique e com sua própria identidade, revestindo-se não só de características biopsíquicas como também sociais e culturais.

O Brasil é um país que envelhece rapidamente, com alterações claras em suas dinâmicas populacionais. Este movimento da transição demográfica é o processo de mudança da população de um estágio inicial, caracterizado por alta fecundidade, alta mortalidade e preponderância de jovens, para um estágio diferente, caracterizado por baixa fecundidade, baixa mortalidade e prevalência de idosos.

Este fato baseia-se no declínio das taxas de fecundidade que, ativo, acelera a inversão da pirâmide populacional. Além do fenômeno de envelhecimento, a população está se tornando longeva e, segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida no País, que alcançava 41,5 anos sete décadas atrás, atualmente ultrapassa os 73 anos. O Brasil tem 7,4% de idosos com mais de 65 anos no total do seu contingente populacional (IBGE 2011).

No entanto, vê-se claramente que o fenômeno é global e se define pelo proporcional aumento de indivíduos com idade acima de 60 anos no âmbito geral da população. Nos últimos cem anos ocorreu, de forma rápida, o processo de envelhecimento nos países desenvolvidos, associado ao progresso socioeconômico, com melhorias nas condições gerais de vida da população. Mas, por outro lado, como este processo aconteceu de forma relativamente rápida, não houve tempo para uma reorganização nas dinâmicas sociais e políticas.

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Nas áreas da saúde e previdência, há uma forte demanda com vistas ao não atendimento das necessidades emergenciais que se apresentam, deixando claro um novo ordenamento do setor público para com esta população.

Este estudo teve enfoque nos questionamentos demográficos, justificando os números e analisando os discursos das representações sociais, distribuindo as questões teóricas que são caracterizadas em várias dimensões: o sentido mítico religioso, o campo das estatísticas, o cientificismo da medicina e os movimentos de inserção do idoso nos programas da terceira idade.

Pensando no impacto exercido nesta população com estes dados temos, historicamente, como corte temporal a década de 70, época em que a imagem do idoso e de seus direitos como cidadão, em relação aos códigos brasileiros, começaram a ser discutidos por ocasião do I Seminário Nacional de Estratégias de Políticas para o Idoso, por intermédio do Ministério da Saúde e Ação Social.

Tais questionamentos sobre o tema ao longo do tempo, juntamente com a mobilização dos próprios idosos, proporcionaram uma visibilidade admirável e significante, que em poucas décadas colocaram em foco algumas discussões no âmbito de toda a sociedade global atuante.

Como resultados finais destas ações foram tomadas algumas decisões durante a realização da reunião da ONU, na I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento em 1982, em Viena, que estabeleceram no Brasil a inserção de medidas na Constituição Federal de 1988, formalizando a proteção e o amparo à terceira idade.

Observa-se, assim, que nos ecos desses questionamentos, os legisladores brasileiros foram levados a inserir, na Constituição Federal de 1988, proteções legais à terceira idade no tocante ao respeito à dignidade humana e a direitos inquestionáveis, como proteção e qualidade de vida, assuntos importantes para qualidade da longevidade.

Em 13 de maio de 2002 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso- CNDI, revogado pelo Decreto nº 5.109, de 2004, e em 1º de outubro de 2003 entrava em vigor a Lei 10.741, denominada de Estatuto do Idoso, uma poderosa cartilha de códigos de proteção para a pessoa idosa, que tem como princípios doutrinários a equidade, a integralidade, a universalidade. A implantação do Estatuto do Idoso tem falhas em sua aplicação (CARVALHO. 1988:22) e, por isso, rearranjos necessitam ser feitos para que o idoso seja respeitado como membro legítimo pertencente de um sistema integral chamado sociedade: família, parentes, amigos e comunidade. São ações solidárias fazendo parte de um processo de

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mudança sobre as representações sociais da velhice, nas quais deficiências e fragilidades foram enfatizadas na cultura produzindo variações no tratamento destes idosos, mesmo nas ações mais simples de seu cotidiano.

Estes questionamentos levam os estudiosos a uma imersão neste novo fenômeno de caráter global, no qual o Brasil está inserido com números significativos, gerando importantes inquietações a respeito do cumprimento das leis regulamentadas para esta classe de indivíduos que, na representação do coletivo apresentam fragilidades e limitações, dores e doenças, com cobranças sociais fortemente carregadas de preconceitos.

Buscar o entendimento crítico às dinâmicas que envolvem os valores socioculturais, e que definem o olhar e o tipo de relação que a sociedade estabelece com este segmento populacional – de modo especial pelo impacto na esfera econômica que este fenômeno produz - a partir das inter-relações indiretas entre os setores públicos e privados é o ponto central desta discussão, com destaque aos posicionamentos dos idosos que se organizam colhendo resultados com as leis de proteção à velhice.

Entretanto, o fenômeno do envelhecimento brasileiro, objeto deste artigo, está associado a uma resposta à mudança de diversos indicadores de saúde populacional, de modo semelhante a outros países latino-americanos, onde o envelhecimento é um fenômeno predominantemente urbano: os indivíduos deixam o campo em busca de melhores condições de vida, de oportunidades de trabalho e uso de tecnologias.

Todo esse movimento contribui para a queda da fecundidade, e o acesso a serviços de saúde e saneamento motiva a queda da mortalidade e, consequentemente, um aumento da expectativa de vida com uma mudança no perfil epidemiológico que afetavam a população brasileira.

Alguns indivíduos, que apresentam boa situação econômica, têm acesso às novas tecnologias, seja no campo da medicina ou da estética, e conseguem a permanência da juventude e da beleza ao tentar retardar seus relógios biológicos, por muito mais tempo do que o metabolismo humano poderia normalmente permitir.

Ou seja, o envelhecimento humano se constitui em uma das maiores conquistas do presente século, pois os indivíduos vivem mais e não morrem de doenças que, no passado, matavam em grande escala. Verificamos o crescente e expressivo contingente de longevos, em decorrência dos avanços nos conhecimentos da engenharia genética, da biotecnologia, da descoberta de novos medicamentos para combater diversos tipos de patologia e, sobretudo, das políticas de vacinação em massa.

Paradoxalmente, há uma grande maioria de idosos que ainda sobrevivem de sua insuficiente aposentadoria tendo, ainda, que sustentar a família de filhos e netos, mal dando para suprir suas necessidades básicas de medicações de uso contínuo, vestimenta, alimentação e moradia.

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Por outro lado, as relações do trabalho na terceira idade passam a ganhar dinâmicas reais de importância e podem vir a ser parte da engrenagem do mercado produtivo deste milênio, estabelecendo novos modelos para inserção do trabalhador idoso nas áreas produtivas e sociais.

O Brasil, antes considerado um país de jovens, hoje redefine suas questões a respeito do envelhecimento, pois a população brasileira através deste novo fenômeno amadurece, e este considerável aumento do número de idosos causará forte impacto nas esferas governamentais da saúde e previdência, principalmente sobre os questionamentos sobre a aposentadoria compulsória aos 75 anos.2

Os sistemas de produção devem se reestruturar em função desta nova realidade no mundo do trabalho, uma vez que indivíduos com mais de 65 anos ainda possuem processos cognitivos eficientes, e devem ativamente contribuir de forma a redesenhar o tecido formal do trabalho, adiando a aposentadoria e resgatar, nesta era da pós-modernidade, sua bagagem estrutural de vida que levou anos para ser construída.

Este fenômeno requisita políticas e programas sociais voltados à qualidade de vida e inserção na sociedade, com valorização e respeito a diversas formas de aproveitar também horas livres com alguma atividade prazerosa de lazer.

Esse processo de dar um novo significado à vida faz com que o indivíduo, a partir do próprio ato de envelhecer, se volte a valores do coletivo, com dimensões socialmente produtivas, capazes de reagrupar suas diversas funções sociais que foram se perdendo ao longo de sua vida.

Assim, coletivamente, o indivíduo idoso busca seu bem-estar com a vida e com sua idade, visando à harmonia e fortalecendo importantes vínculos através das relações interpessoais, a construção de novas amizades e a formação de redes de apoio.

O conceito de velhice (DEBERT 1998:53) é relativamente novo - surgiu na passagem do século XVIII para o século XIX, quando a velhice passou a ter significados de degeneração e decadência. Até o século XVIII a velhice não era discriminada: a longevidade não representava o afastamento das relações afetivas, familiares e sociais. Na esteira da Revolução Industrial, meados do século XVIII, de suas consequências é que a velhice começou a ser marginalizada.

2 Entende-se por aposentadoria compulsória a passagem obrigatória do servidor da atividade

para a inatividade, por ter completado 70 (setenta) anos de idade, independentemente do sexo. Ressalte-se que a aposentadoria compulsória será automática, com vigência a partir do dia imediato àquele em que se atingir a idade-limite de permanência no serviço ativo, mesmo que já haja implemento das condições para aposentadoria por idade ou tempo de contribuição.

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Para a antropóloga Guita Debert, a sociedade define as faixas de idade separando as crianças dos jovens, os adultos dos velhos, e estes, por sua vez, dos muito velhos (old, old man), sendo as categorias etárias criações culturais que se justificam pelas construções sociais mutáveis de acordo com o momento histórico vivido.

Há uma perversidade que permeia os segmentos estratificados nas sociedades modernas. Desde cedo se associa as marcas do tempo com deterioração. Dá-se espaço de valor para o que é novo e despreza-Dá-se o que é velho, igualando bens, objetos e pessoas em um mesmo patamar de importância. Não há como negar que o imaginário é povoado por concepções de significados individualistas e concebido por valores culturais de estigma e negação.

E este imaginário concebe as idades, que são produtos e produtoras de espaços para práticas sociais e relações de poder. A aceitação da etapa da velhice, se concretizando, é uma iminente necessidade de indivíduos engajados e revolucionários que, a partir do penúltimo quartel do século XX, envolveram-se em uma verdadeira cruzada política, na qual estaria em jogo a redefinição dos poderes e do imaginário social, ligados aos diversos grupos referentes aos ciclos da vida.

Portanto, a cada época histórica (MOTTA, 2000:224) correspondente há uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a juventude está periodizada no século XVII, a infância no século XIX, a adolescência no século XX, e a terceira idade no final do século XX e início do século XXI.

A periodização e a consequente nomenclatura dos termos (PEIXOTO, 2007:61) afirmam que a expressão terceira idade surgiu na França a partir de 1962, em decorrência da introdução de uma política de integração social da velhice, tendo como objetivo a transformação da imagem das pessoas envelhecidas. A definição conceitual de terceira idade segue a terminologia francesa, para definir uma categoria etária cujo princípio cronológico pode variar de 60 a 65 anos, ficando ausente uma unanimidade sobre o que é ser idoso. Em razão de diferentes critérios, as posições para pronunciar-se ficam nebulosas, pois envelhecer é diferente para cada indivíduo, visto que o envelhecimento não se dá somente na esfera física, é um processo individual com amplas variações biológicas, psíquicas, sociais e culturais.

A respeito do imaginário social e da construção das identidades, os estudos de Baczo ressaltam que:

O imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo em que constitui um apelo à ação, positiva ou não, a um apelo de comportar-se de determinada maneira. São esquemas de

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interpretações, mas também de valorizações, dispositivos imaginários que suscitam as adesões a um sistema de valores e intervêm eficazmente nos processos de sua interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos, capturando as energias e, em caso de necessidade, arrastando os indivíduos para uma construção cultural nas ações comuns. (BACZKO, 1985:311)

A exclusão social, fruto deste imaginário construído, era o tratamento pautado para a velhice, tendo o asilo como seu principal ícone de identificação. É para lá que iam os indivíduos quando alcançavam uma determinada idade. Os termos velho, velhote e gagá eram empregados para reforçar uma situação de exclusão daqueles que, despossuídos, indigentes, inativos e doentes, não detinham status social nem poder de controle e, razoavelmente, só alguma liberdade e independência em suas vidas.

A designação de idoso era circunscrita aos indivíduos que tinham status social advindo de sua experiência em cargos políticos ou decorrente de situação financeira privilegiada, ou de alguma atividade valorizada socialmente, como médico, advogado ou professor.

A partir dos anos sessenta, a nova política social francesa para a velhice aumentou as pensões e consequentemente o prestígio dos aposentados. O termo idoso passou a ser utilizado para os textos oficiais em substituição ao termo velho e velhote, e as pessoas envelhecidas passaram a ser olhadas com maior deferência.

Em decorrência das discussões a respeito da dinâmica do envelhecimento mundial, com seus debates pelo mundo nos países mais desenvolvidos, o Brasil apresentou preocupações a respeito em fóruns nacionais, encontros acadêmicos, políticos e comunitários, sobre a problemática do idoso na sociedade, na ocupação de papéis assumidos em uma perspectiva cidadã. Essas discussões levaram a pensar sobre a questão da saúde do idoso no Brasil, em termos de políticas públicas para este setor, devendo-se ressaltar que este corte social é tratado no conjunto das medidas relacionadas aos programas de desenvolvimento social.

Souza (1998:43) reconhece que as políticas sociais devem estar voltadas a resgatar a dívida com os excluídos no processo de desenvolvimento do envelhecimento. Ou seja, é uma repetição de um princípio constitucional, onde é garantida ao idoso a cidadania com plena integração social, defendida sua dignidade, seu bem-estar e direito à vida, priorizando seu atendimento em órgãos públicos como prestadores de serviços.

Estudos apresentados pela Universidade de Montreal apontam para os chamados mitos da velhice, que reforçam o mecanismo de exclusão destes indivíduos e apresentam as limitações resultantes da senilidade como fatores

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impeditivos de os idosos participarem efetivamente do mercado de trabalho e da engrenagem produtiva da sociedade.

Segundo o estudo canadense, os estereótipos mais frequentes, e que discriminam a velhice como algo degenerativo e incapacitante, são frequentes em meio aos mais jovens: os idosos não são sociáveis e não gostam de se reunir, temem o futuro, gostam de jogar cartas e outros jogos, gostam de reviver e contar as suas recordações, esquecem fatos, perdem coisas, são pessoas doentes que tomam muita medicação, fazem raciocínios senis, não se preocupam com a sua aparência e descuidam de sua higiene pessoal, são muito religiosos e praticantes, são muito sensíveis e inseguros, não se interessam pela sexualidade, são frágeis para fazer exercícios físicos, e na grande maioria, são pobres.

Vale ressaltar que estereótipo é uma imagem mental simplificada para identificar um grupo de indivíduos, ideias ou acontecimentos partilhadas, de comum acordo, por um grande número de pessoas (CASTRO, 1999: 63-66). Mas no universo social, onde o estereótipo é apresentado sem fundamentações, o conhecimento humano cai na inflexibilidade e na percepção simplificada das coisas, ou seja, no teor profundo do preconceito e da facilidade de criar modelos pragmáticos e estigmatizantes.

O valor dos estereótipos destinados aos idosos que os jovens projetam sobre a velhice é uma representação social gerontofóbica, a saber, um medo irracional de envelhecer e de tudo que se relacione com as representações que levam os indivíduos a serem senis, fracos, doentes e, em decorrência, velhos.

A gerontologia tenta explicar este fenômeno e o denomina de ancianismo (STAAB, A. S. & HODGES, 1998:31-38), ou seja, processo de estereotipia de discriminação contra os indivíduos que já ultrapassaram a barreira da meia idade. Este conceito surge quando a imagem que se tem do idoso é a do ser incapacitante que envelhece e apresenta decrepitudes graduais.

Esta visão fragilizada do conceito fenomenológico da velhice complementa os estudos da Gerontologia, como resultados dos processos de envelhecimento com base nos conhecimentos oriundos das ciências biológicas, e refletem os comportamentos psicológicos e sociais. No breve período da sua existência, vem se fortalecendo dois ramos igualmente importantes: a geriatria, que trata das doenças do envelhecimento; e a gerontologia social, voltada aos processos psicossociais, manifestos na velhice.

Nos processos psicossociais do envelhecimento social, ao longo da história e em diferentes culturas, os grupos sociais adotaram e adotam posturas diferenciadas de valorização do idoso, como também existem grupos sociais que consideram que no estágio da velhice as pessoas, em tais circunstâncias, deviam desaparecer (GOFFMAN, 1963:34-47).

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Além das transformações psicológicas sofridas por cada indivíduo, sua relação com o meio social também sofre mudanças, em um momento em que o meio deveria proporcionar-lhe a segurança e a qualidade de vida com a dignidade necessária para quem muito contribuiu com a sociedade no passado:

“[...] o desajuste do idoso no meio social como protagonista, reflete uma inadequação aos padrões sociais ideais estabelecidos pela sociedade e exigidos pelos grupos sociais e pelos indivíduos como condições capazes de conferir, a cada um, a personalidade social, isto é, a posição de cidadão e o respeito. O desajuste mais evidente, sobretudo nos centros industriais urbanos é, sem dúvida alguma, provocada pela perda de seu papel profissional”. (SALGADO. 1980:23)

Para a grande maioria dos indivíduos mergulhados em uma cultura narcísica, envelhecer torna-se um prenúncio de morte anunciada, peso sobre-humano, e tal qual Sísifo3, personagem grego mitológico que leva o peso do mundo em suas costas, o idoso carrega o peso da velhice como um fardo insuportável.

3

Os deuses haviam condenado Sísifo (CAMUS, 2004) a empurrar uma pedra incessantemente

até o topo de uma montanha, de onde a pedra cairia de volta por conta de seu próprio peso. Os deuses tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

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Mas a velhice saiu de uma situação de sombra em direção à luz; de não aparente para visível, a qual contribuiu com a criação do termo terceira idade, pois ao envelhecer, os indivíduos encontram novos desafios e novas exigências comuns a este movimento contemporâneo de cobranças e limitações.

A construção de ideais faz com o idoso tenha objetivos e planos para concretizar em um futuro muito próximo, valendo-se das oportunidades criadas quando ele interage e estabelece ligações com outros indivíduos, na importância de adotar hábitos saudáveis de alimentação, de praticar exercícios físicos regulares, de estar inserido em programas de valorização e convívio social, de dança e teatro, buscando por atividades mais significativas como forma de preservar e melhorar sua vida, sua saúde e seu bem-estar, deixando para trás a antiga representação de um idoso doente, sedentário, inativo e deprimido, pois a atividade física é um recurso importante para minimizar a degeneração provocada pelo envelhecimento, possibilitando ao idoso manter uma qualidade de vida ativa.

A experiência da velhice supõe uma dinâmica adversa que não se pode ignorar ou negar, pois as pessoas envelhecerão, é fato, mas podem ter duas escolhas: amadurecer de forma plena e saudável ou envelhecer carregando a idade como se fosse um peso indigno.

Referências

ANDERSON, P. As Origens da Pós Modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. BACZKO, Bronislaw. “Imaginação Social”. In: Enciclopédia Einaudi (Anthropos-Homem). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985, p.311.

BRASIL. Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Estabelece a criação do Conselho Nacional do Idoso. Diário Oficial da União, Brasília.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. O ensaio sobre o absurdo. Tradução: Ari Roitman. São Paulo: Record, 2004.

CARVALHO, Maria do Carmo Brandt de. Programas e serviços de proteção e

inclusão social dos idosos. Coord. Maria C.B. de Carvalho et al. São Paulo:IEE/

PUC-SP; Brasília: SAS/MPAS,1988.

CASTRO, Florêncio Vicente; DIAZ, A. V. D.; VEJA, J. L. V. Construcción

psicológica da la identidad regional: tópicos y estereótipos en el processo de

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GOFFMAN, Irving. Stigma: Notes on the Management of a spoiled identity. Englewoods Cliffs, Nj: Prentice-Hall,1963.

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MOTTA, Alda Britto de. “Velhice ou Terceira Idade?” In Barros, M. M. Lins (Org). Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000, p. 224-225.

PEIXOTO, Clarice. “Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade”. In Barros M.M. Lins (org). Velhice ou

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SALGADO, Marcelo Antonio. Velhice, uma nova questão social. São Paulo: SESC. 1980.p.23.

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Fontes

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Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/ _2010__.pdf Acesso em: 12.04.2012.

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Disponível em: http://www.un.org/Welcome.1982.Resolution. Acesso em: 10 DE ABRIL DE 2012.

Data de recebimento: 17/05/2012; Data de aceite: 26/05/2012. ______________________________

Meire Nunes - Jornalista, Historiadora, Mestre em Comunicação e Educação, Doutoranda em História Social pela Universidade de São Paulo – USP. E-mail: nunesmeire@yahoo.com.br

Referências

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