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A construção teórica na Teoria Fundamentada em Dados

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A construção teórica na Teoria Fundamentada em Dados

Maria Ribeiro Lacerda1,Jaqueline Dias do Nascimento1, Ingrid Meireles Gomes1 e

Ana Paulo Hermannr1

1 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Universidade Federal do Paraná, Brasil. mrlacerda55@gmail.com; jaque_enf@ufpr.br; inguide@gmail.com; anaphermann@gmail.com.

Resumo. No transcorrer da realização de uma Teoria Fundamenta em dados o pesquisador se vê diante de

termos que muitas vezes podem gerar confusão, tais como códigos, conceitos, categorias, pressupostos, proposições e teoria propriamente dita. Propõe-se refletir sobre a construção da teoria e a elaboração de conceitos por meio da teoria fundamenta em dados. Assim, descreve-se o percurso teórico-empírico que o pesquisador vivenciará frente ao desenvolvimento de teoria fundamentada, bem como propõem-se um quadro explicativo para a diferenciação dos termos utilizados. Extrapolar a descrição dos fatos é um compromisso do pesquisador qualitativo que utiliza este método e para tal reflexões constantes sobre a construção teórica se fazem necessárias.

Palavras chave: Pesquisa Qualitativa; Teoria Fundamentada; Formação de Conceito.

Theoretical construction in the Grounded Theory

Abstract. In the course of the realization of a grounded theory, the researcher is faced with terms that can

often generate confusion, such as codes, concepts, categories, assumptions, propositions and theory. It is proposed to reflect on the construction of theory and elaboration of concepts through grounded theory. Thus, the theoretical-empirical route that the researcher will experience in relation to the grounded theory development is described, as well as an explanatory framework for the differentiation of the terms used. Extrapolating the description of the facts is a commitment of the qualitative researcher who uses this method, and for that, constant reflections on the theoretical construction are necessary.

Keywords: Qualitative Research; Grounded Theory; Concept Formation.

1 Introdução

O Pensamento Teórico-Empírico na Teoria Fundamenta em Dados

Para construir teorias por meio das pesquisas qualitativas extrai-se as conclusões mais suportáveis de possibilidades empíricas, analíticas e metodológicas concorrentes (Tucker, 2016).

Diferentes estudiosos qualitativos argumentam sobre a importância da geração de teoria (Eckstein, 1975; Ragin 2008; Collier, Brady & Seawright 2010), mas dão poucos conselhos sobre como fazê-lo. Em vez disso, esses estudiosos concentram a energia em descobrir se os estudos refutam ou apoiam os pressupostos teóricos e como categorizar com precisão os estudos usando conceitos teóricos pré-existentes. Outros aproximam-se da noção de geração de teoria quando observam que técnicas qualitativas como estudos de caso desviantes e comparação entre casos podem levar à elaboração de teorias (Tucker, 2016).

Para a descoberta de teorias há diversos campos do saber com utilização de diferentes metodologias científicas, e distintos tipos de pesquisa, entre elas as pesquisas qualitativas e seus mais diversificados métodos como a Teoria Fundamentada em Dados ou Grounded Theory (GT).

Historicamente, a GT surgiu há 50 anos para enfrentar um desafio na pesquisa sociológica. A preocupação com o teste das “grandes teorias”, neste período, estava atrasando a análise de certos fenômenos não teorizados e/ou sub-teorizados, como por exemplo: a forma como os pacientes

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vivenciavam determinados fenômenos. Em contrapartida a este desafio, os pesquisadores que queriam descobrir qualidades imanentes da vida social por meio da observação direta, enfrentavam a acusação de serem insuficientemente científicos (Glaser & Strauss, 1967).

Neste período, os sociólogos Glaser e Strauss (1967) tentaram enfrentar esta conjectura através do desenvolvimento do método da “teoria fundamentada”. Eles propuseram um procedimento que permite a geração de novas teorias fundamentadas no envolvimento próximo com dados qualitativos - sejam notas de campo, transcrições de entrevistas ou outras fontes de captação de dados (Glaser & Strauss, 1967).

Embora a GT seja frequentemente tratada como indutiva em orientação inferencial, tem tanto componentes indutivos como dedutivos que levam a abstração teórica. Os procedimentos detalhados que os autores delinearam foram ferramentas para proteger contra os “não sistemáticos” ou o pensamento "impressionista" da época (Glaser & Strauss, 1967).

A GT emerge na contramão da linha positivista, que afasta a pesquisa teórica da pesquisa empírica. E ganha destaque no cenário das pesquisas sociais modernas, que traz um panorama em que, dificilmente, pesquisas empíricas alcançam o terreno da teoria compreensiva, limitando-se muitas vezes à verificação de hipóteses ou apresentação de descrições. Assim, a GT leva o autor a pesquisar e produzir conhecimento que une uma teoria e realidade empírica (Tarozzi, 2011).

No transcorrer da realização de uma GT o pesquisador se vê diante de termos que muitas vezes podem gerar confusão, tais como códigos, conceitos, categorias, pressupostos, proposições e teoria propriamente dita.

Há uma variabilidade na utilização destes termos, a depender da profundidade do estudo e dos objetivos propostos, mas como o objetivo primário da GT é a elaboração de uma teoria, faz-se necessário iniciar pela compreensão deste termo.

Uma teoria pode ser entendida como o conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético (Michaelis, 2009). Hipotético porque parte de uma proposição que se admite, independentemente do fato de ser verdadeira ou falsa, como um princípio a partir do qual se pode deduzir um determinado conjunto de consequências, suposição, conjectura. Sintético, pois se inicia de um método cognitivo que, partindo da evidência imediata dos fragmentos de um objeto, alcança uma formulação teórica de sua totalidade, indo da constatação de elementos simples à explicação de combinações complexas (Michaelis, 2009).

Na acepção clássica da filosofia grega, uma teoria é um conhecimento especulativo, abstrato que se afasta do mundo da experiência concreta, sensível. É o saber puro, sem preocupação prática (Japiassú & Marcondes, 2001).

É um modelo explicativo de um fenômeno ou conjunto de fenômenos que pretende estabelecer a verdade sobre os mesmos, ou seja, determinar sua natureza. Trata-se, portanto, de um contíguo de hipóteses sistematicamente organizadas que pretende, através de sua verificação, confirmação, ou correção, explicar uma realidade determinada (Japiassú & Marcondes, 2001).

Uma teoria é também um conceito científico, e o problema na teoria científica constitui um dos capítulos mais importantes da metodologia das ciências. Assim, a teoria científica é uma hipótese ou, pelo menos, contém uma ou mais hipóteses como suas partes integrantes (Abbagnano, 1982). Na teoria científica o experimentador formula sua ideia ou hipótese experimental como uma questão, uma interpretação antecipada da natureza, mais ou menos provável, da qual deduz logicamente consequências que a cada momento compara com a realidade, por meio da experiência (Abbagnano, 1982).

Uma hipótese na formulação de teoria não deve ser uma proposição contraditória e não deve apresentar contradição com as outras hipóteses da mesma ciência. Deve ser, portanto um conjunto de afirmações com as quais seja possível deduzir consequências que representem, com aproximação suficiente, o conjunto das leis experimentais (Abbagnano, 1982).

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Uma hipótese, tem por finalidade principal guiar ou motivar uma investigação, propor respostas possíveis para um problema, colocar o pesquisador em estado de perturbação criadora e em movimento, mobilizar procedimentos metodológicos e ajustá-los às assertivas teóricas, ao mesmo tempo em que pode construir para a própria reconstrução dessas mesmas assertivas (Barros, 2017). Assim, uma teoria científica não é um acréscimo interpretativo ao corpo da ciência, mas é o esqueleto desse corpo. Em outros termos, a teoria condiciona tanto a observação dos fenômenos quanto o uso dos instrumentos de observação (Abbagnano, 1982).

Além da parte hipotética, uma teoria científica contém um aparato que permite a sua verificação ou confirmação. Desta forma uma teoria científica consiste em asserções sobre algum conjunto de ideias características ou ainda, consiste nas relações entre essas ideias e outras ideias de natureza diferente (Abbagnano, 1982).

Uma teoria científica não é necessariamente uma explicação do domínio de fatos aos quais se refere, mas um instrumento de classificação e previsão. Uma teoria verdadeira não é aquela que dá uma explicação das aparências físicas conforme à realidade, mas sim a teoria que represente de modo satisfatório um conjunto de leis experimentais (Abbagnano, 1982).

A verdade de uma teoria científica está em sua validade, e esta depende de sua capacidade de cumprir as funções às quais se destina. Desta forma, as funções de uma teoria científica podem ser especificadas da seguinte maneira (Abbagnano, 1982):

a)uma teoria deve constituir um esquema de unificação sistemática de conteúdos diversos; o grau de abrangência de uma teoria é um dos elementos fundamentais na avaliação de sua validade;

b)uma teoria deve oferecer um conjunto de meios de representação conceitual e simbólica dos dados de observação;

c)uma teoria deve constituir um conjunto de regras de inferências que permitam a previsão dos dados de fato. Este é considerado hoje uma das tarefas fundamentais das teorias científicas, e a capacidade de previsão de uma teoria é critério fundamental para avaliá-la. Assim, uma teoria é baseada na relação entre conceitos que objetiva elucidar um fenômeno (acontecimento ou ocorrência que pode ser observada), é considerada uma construção que expressa ideias capturadas de experiências que se baseiam em determinado campo do conhecimento e procura explanar de forma mais geral aspectos de uma realidade vivida.

As teorias podem ser classificadas de diferentes maneiras: a partir de seu alcance ou abstração, do maior nível de abstração ao menor, divididas em metateorias, grandes teorias, teorias de médio alcance e teorias práticas; ou a partir do seu tipo ou finalidade em descritivas, explicativas, preditivas ou prescritivas (Mcewen & Wills, 2016).

A GT, quando adequadamente realizada, com utilização do raciocínio indutivo, dedutivo e abdutivo, pode levar a construção de uma teoria de médio alcance. Teorias de médico alcance abordam questões relativamente concretas, com número de conceitos restrito e abstrações ainda associadas à uma realidade específica. Este conceito surgiu na década de 1960 na sociologia e é bastante empregada por ter uma operacionalização e abordagem mais acessíveis que as grandes teorias, e se destaca por aproximar a abstração das grandes teorias à aplicação prática (Mcewen & Wills, 2016). Pode-se diferenciar a GT também como uma teoria substantiva, por se tratar de uma proposta que estuda um fenômeno ou área particular, propondo o conhecimento sobre um problema delimitado à um contexto específico; o que as teorias formais não conseguem justamente por sua característica de apresentar conceitos aplicáveis a diferentes e abrangentes realidades (Glaser & Strauss, 1967).

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2 A elaboração de conceitos na Teoria Fundamenta em Dados

Compreendido o que é teoria e qual teoria se propõe com a utilização da GT, pode ainda restar a dúvida: como conseguir o nível de abstração adequado para se chegar a uma teoria de médio alcance e não permanecer apenas na descrição?

A resposta a esta inquietação não é simples e depende de aspectos relacionados ao objeto de pesquisa. Desta forma, o pesquisador deve questionar-se quanto ao tema, investigar se há uma teoria prévia; se existe uma lacuna no conhecimento em relação ao objeto que se pretende estudar, se a construção da teoria neste fenômeno pode promover conhecimento e proposições para a realidade e se os participantes escolhidos são representativos para o fenômeno; bem como ponderar os aspectos relacionados ao pesquisador e recursos disponíveis referentes ao tempo adequado, conhecimento do método, dedicação e sensibilidade teórica.

Para que se consiga propor uma teoria com alcance de abstração dos dados para além de uma descrição, o pesquisador precisa seguir um percurso teórico-empírico mediante os dados que irá encontrando na coleta, simultaneamente refletir como eles se integram na codificação. Desta forma, os dados, na GT, devem ser entendidos quanto a seus conteúdos informacionais, ou seja, é preciso entender e reconhecer quais informações os dados revelam.

Entender a relevância dos dados para a GT é o primeiro passo para alinhar o pensamento do pesquisador ao caminho que este dado irá fazer até que se estabeleça como sustento para uma teoria. Ao contrário do procedimento de análise de conteúdo, um esquema de codificação não é elaborado antes e os textos não são agrupados em unidades mutuamente exclusivas de comprimentos equivalentes.

Na GT os dados podem ser palavras, linhas ou parágrafos da transcrição de dados e podem se sobrepor. Faz-se então necessário uma divisão ou classificação do conteúdo presente nesses dados para surgirem então os primeiros conceitos.

Um conceito representa o entendimento sobre algo, um símbolo mental ou linguístico para uma unidade semântica, versa sobre o que esse “algo” é ou como funciona, através da similaridade de característica para tudo que se enquadra nesta mesma unidade (Mendonça, 1985).

Um conceito pode ser apresentado por uma palavra, duas ou mesmo por uma expressão; a operacionalização deste possibilita o uso de variáveis em hipóteses a serem testadas e a elaboração conceitual para a construção de uma teoria (Mcewen & Wills, 2016). Assim, fica claro que conceito e definição não são a mesma coisa, para se tratar de conceito a descrição deve considerar o contexto em que ocorre, considerando seu meio teórico, físico, social e/ou temporal.

Um conceito, embora possa ser empregado de forma geral para qualquer objeto, seja ele real ou abstrato, pontual ou abrangente, nos mais diversos contextos e especificidades, é um elemento complexo, justamente pela ampla diversidade de níveis de abstração em que pode ocorrer. Não é algo simples, nem tão pouco indivisível, pode variar de um objeto físico específico (uma cadeira), a algo impalpável (saudade), como a uma doutrina (Liberalismo).

Diferentes formas de se classificar os conceitos são conhecidas, estes podem ser, enumerativos, associativo, relacional, estatístico, somativo (Dubin, 1978), e podem ser do tipo abstratos ou concretos, variáveis ou não variáveis e definidos teoricamente ou operacionalmente.

Entre abstrato e concreto existe um continuum em que o conceito pode se encontrar. Num extremo estão os concretos que são aqueles empíricos, fisicamente observáveis com pelo menos um dos cinco sentidos, são limitados em tempo e espaço; no outro extremo encontram-se os abstratos que não são diretamente ou indiretamente observáveis, mas precisam de definições de conceitos observáveis para serem descritos, eles transcendem em tempo e espaço.

Em relação aos conceitos variáveis ou não variáveis, esclarece-se que os do tipo variáveis são aqueles que possibilitam uma classificação das dimensões do fenômeno, portanto definido esse tipo de

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conceito ele poderá ser mensurado em categorias distintas (Mcewen & Wills, 2016). Já o fato de serem teoricamente ou operacionalmente definidos, versa sobre a diferença do conceito ser destinado a dar significado a uma teoria, possibilitando a investigação da validade da definição que propõem ou de ser destinado a ser operacional, ligado a questões concretas, utilizado para medir a si próprio ou testar hipóteses. O mesmo conceito pode ser definido teórica e operacionalmente, por exemplo: comportamentos de risco à saúde, teoricamente pode ser definido como “opções não saudáveis de estilo de vida, como tabagismo, abuso de drogas e álcool, exposição à violência e comportamentos alimentares não saudáveis”, já operacionalmente pode ser definido por “escore no questionário de vigilância de comportamento de risco da juventude” (Mcewen & Wills, 2016, p.55). As funções dos conceitos podem ser percebidas, a priori, de duas maneiras diferentes, como final e como instrumental. Final por ser em essência interpretação, ou seja, fundamentalmente tem a função de “exprimir ou revelar a substância das coisas”; e instrumental quando se admite simbolismo e significado ao conceito. Entendidas, portanto, a primeira como a natureza do conceito e a segunda como um leque de opções de diferentes funções, a saber: descrição; classificação; organização e previsão do conhecimento (Abbagnano, 2007).

Diante do exposto e pensando na produção de conhecimento a partir de uma GT, tem-se que as primeiras descrições que de alguma forma permitem uma classificação das informações obtidas nos dados numa GT são conceitos. Mas se são conceitos, porque tantos outros termos são utilizados no desenrolar da GT? Códigos? Categorias? Constructo? Proposições? Modelo teórico/conceitual? É certo que as primeiras ideias levantadas já conduzem a conceitos no processo metodológico da pesquisa pela GT, mas esses diferentes termos se fazem necessários tanto para que se possa dar entendimento aos sucessíveis níveis de abstração pelos quais os dados precisam passar para chegar a uma teoria, como para ampliar as classificações e previsões possíveis, a delimitação de propriedades e dimensões e ainda por uma questão de adequação ao real significado de cada termo.

Para uma visão mais rápida sobre esses termos apresenta-se a seguir (Quadro. 1) uma explicação breve destes termos baseado em diferentes bibliografias (Mcewen & Wills, 2016; Strauss, Corbin, 2008; Abbagnano, 2007).

Quadro. 1. Termos da construção teórica na GT Termo Explicação

Códigos Informações contidas em quantidade determinada de dados, podem especificar diferentes tipos de informação: espaciais, temporais, informativas ou de valores. Permitem que pela fragmentação dos dados se possa ter uma compreensão mais abrangente das minucias contidas em cada dado, bem como no fenômeno.

Subcategorias Formam partes de uma categoria, dando esclarecimentos e informações adicionais a ela. Podem oferecer informações do tipo como, onde, quando ou porque o fenômeno tende a acontecer. Categorias Representam o aspecto do fenômeno, agrupam conceitos mais concretos em termos de

propriedades e dimensões, para elaboração de um conceito mais abstrato, com capacidade de explicar o que acontece.

Pressuposto Expressam premissas sobre os fenômenos que precisam ser aceitas como verdade para que a teoria de um fenômeno tenha validade, sejam baseados em conhecimento formal ou em crenças e valores pessoais, embora não possam ser testados, podem ser questionados filosoficamente. Proposição Declarativo de uma operação mental, um pensamento, composto de forma a propor uma

afirmação ou negação como premissas do raciocínio explicitado nesta declaração. A lógica filosófica mostra-se centrada na operação intelectual expressa numa proposição.

Constructo Em sua forma mais complexa, normalmente envolve mais de um conceito menor, sendo elaborados de forma teórica ou filosófica para se ajustar à uma finalidade. Apresenta o nível de abstração mais alto no continuum entre conceitos concretos e abstratos, assim, todos os constructos são conceitos, mas nem todos os conceitos são constructos.

Modelo conceitual

É um conjunto de conceitos com relações estabelecidas em si, de forma a representar uma imagem mental de um fenômeno. É o começo de um desenvolvimento teórico-filosófico que em um nível mais aprofundado pode se tornar uma teoria, caso alcance níveis mais complexos de abstração e inter-relações.

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Se conceitos podem ser elaborados em tantos tipos diferentes, como colocar em prática seus desenvolvimentos de forma a se ultrapassar um modelo teórico e realmente alcançar status de teoria com o resultado de uma GT? Seguir o desenho metodológico proposto pela GT é o passo primordial, mas para isso o pesquisador há que compreender como conseguir elevar seu pensamento alinhando sensibilidade teórica, questionamentos que auxiliem a construção, perspectivas indutivas e dedutivas, domínio de grande número de dados, capacidade de síntese, e agrupamento com adensamento do nível dos dados, podendo perceber as propriedades e dimensões do fenômeno estudado.

O caminho que precisa ser seguido para tal é a abstração dos dados, o pesquisador necessita ter paciência para reconhecer a importância de cada passo da pesquisa e a amplitude que o dado alcança em cada momento. Muitas vezes, somente será possível vislumbrar o fenômeno na reta final da elaboração da teoria, mesmo para pesquisadores experientes, mas em especial para os principiantes.

Inicialmente, a codificação produz conceitos “in vivo”, ou seja, que correspondem de perto às palavras usadas pelos sujeitos, pode-se dizer que são códigos originais relacionados diretamente com os dados (Tucker, 2016). Nesse momento o pesquisador não precisa ter a preocupação de compreender relações entre esses códigos, mas apenas buscar conhecer o que está explícito ou implícito nos dados, fazendo, portanto, essa fragmentação do conhecimento de forma a classificá-lo sob algum critério.

O processo de fratura e emenda de transcrições e outros dados em unidades codificadas menores - legíveis de fora de sua transcrição original - também permite ao pesquisador operar em uma remoção mais analítica e teórica da descrição pura e das visões de mundo de seus assuntos (Glaser, 2012). Os memorandos e diagramas auxiliam enormemente estes passos.

À medida que o pesquisador desenvolve o que normalmente é um grande número de códigos sobre uma amostra inicial de textos, ela compara constantemente cada um com os outros para procurar semelhanças e diferenças. Isso convida a recodificação, colapso, fusão e renomeação dos conceitos em nós pais, filhos e outros nós relacionais (Strauss & Corbin, 1998).

Dessa forma, o pesquisador inicia um processo de apreensão das propriedades e dimensões dos conceitos, de forma que eles crescem em nível de abstração, podem ser reagrupados, renomeados ou começar a apresentar relações entre si, deixam de ser códigos originais das falas dos sujeitos e tornam-se códigos derivados, escritos a partir do crivo e da sensibilidade teórica do pesquisador. Nesse momento podem se perceber categorias, sejam elas ainda subcategorias e que posteriormente serão reunidas para fundamentar uma categoria com especificidades e âmbitos mais abstratos, ou ainda direcionar o que se entende por categoria central, aquela que agrupa todo o conhecimento proveniente do fenômeno estudado numa teia de inter-relações estabelecidas (Corbin & Strauss, 2008).

Percebe-se que a abstração dos dados continua progredindo, pois, além de conhecer o que os dados mostram em um processo em que a conceituação é pontual, passa-se a compreender as relações que se estabelecem entre esses dados e a complexidade que isso atribui ao fenômeno, tornando-o menos concreto, embora ainda real, num processo compreendido então como relacional.

Por fim, para que estes conceitos desenvolvidos na GT formem uma teoria, eles precisam alcançar o patamar de conceitos teóricos, ou seja, eles precisam evoluir ainda mais em nível de abstração, precisam ser definidos de forma a se afastar dos dados empíricos e tornarem-se enunciados abrangentes e não pontuais, que representem o fenômeno de maneira global, ampla. Embora permaneça a associação dos resultados com os participantes da pesquisa, com o local de coleta de

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dados e que o momento histórico em que foi realizado seja considerado; a teoria elaborada deve ser abstrata o suficiente para conseguir apresentar-se a qualquer contexto onde o mesmo fenômeno aconteça, poder ser testada e validada em realidades distintas.

De forma resumida, pode-se visualizar na figura 1 a evolução do nível de abstração que o pesquisador precisa percorrer para que ele consiga produzir uma teoria utilizando-se para tal do método da GT. Esse método de pesquisa associa pesquisa empírica e teórica, e talvez por este motivo, algumas vezes torna-se difícil alcançar os níveis mais elevados de abstração que se fazem necessários. É um exercício contínuo, um debruçar-se sobre os dados, aproximar-se, compreender e então afastar-se e relativizar.

Fig. 1. Evolução da abstração necessária para se produzir uma teoria utilizando a GT.

O produto final na GT é uma "teoria fundamentada", em que cada insight está estreitamente vinculado aos dados por meio de um fluxo de trabalho documentado. Esta é uma teoria, e não uma mera descrição, porque visa a geração de hipóteses. Em cada estágio de observação e codificação, o pesquisador está sempre tentando passar do nível de dados para um nível mais abstrato e analítico (Glaser, 2012).

Como as teorias fundamentadas provêm de dados diretamente observados e amostrados, elas permanecem provisórias. Através de replicação ou extensão para outros sites de campo ou textos, futuros estudiosos constroem sobre o estudo original, modificando o antigo e criando novos conceitos e interligações (Tucker, 2016).

3 Considerações finais

Objetivou-se refletir sobre a construção da teoria e elaboração de conceitos na GT. Trata-se de um trabalho que não está completo e finalizado, mas em construção. Originou-se da experiência das autoras a partir de discussões, reflexões e busca contínua pelo aprofundamento do conhecimento nessa temática por meio de reuniões específicas em grupos de pesquisa, estudos realizados com esta metodologia e pela construção de uma teoria formal. Tais situações possibilitaram a ampliação da compreensão sobre a necessidade de estudos utilizando GT com conceitualização em maior nível de abstração.

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Assim como construir uma teoria para um campo do saber é um trabalho processual, aprender fazê-lo também o é. Assim, parte-se da premissa de que se teoria é relação entre conceitos, a elaboração do resultado da GT deve ir além da construção de categorias. Os resultados da GT devem ser entendidos como uma produção intelectual, como uma geração conceitual, isto é, além de considerar uma categorização, é transformar dados brutos em conceitos que possam ser coerentes com o campo de pesquisa, que sejam críveis e demonstrem credibilidade, sendo validados pelos participantes e também por experts no método.

Referencias

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