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Bandeira e a performance na fotografia

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Academic year: 2021

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Bandeira e a performance na fotografi a

Silas

de

Paula

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Tirar fotografi a e copiar as feições implica [...] em constru-ção de uma signifi caconstru-ção global e implícita que integra da melodia da língua até a dubiedade de atitudes e valores. A fotografi a, nessa perspectiva, também é capaz de gerar o sonho, o magnetismo, a ilusão. (FIGUEIREDO, 2006, p.6)

Antônio Bandeira deixou um acervo de fotografi as do qual é protagonista. Embora o seu trabalho artístico tenha uma importância inquestionável, o que nos interessa aqui é o personagem das fotos. A pergunta a ser feita não é apenas sobre o que essas imagens signifi cam ou fazem, mas o que querem – o que alegam e como respondemos.

Ao posarmos para uma foto, estamos respondendo à presença (implícita) do contemplador e assumindo a pos-tura de um ‘eu’ imaginário diante de qualquer contemplação. É uma imagem que ‘apresenta a apresentação’, que realiza a performance do desejo de abrir mão de uma conexão estável e defi nitiva entre ela e seu referente e que revela a produção infi ndável da subjetividade. Para Foucault (2005), a nossa sub-jetividade e identidade estão intimamente ligadas e nada existe fora da linguagem e da representação, tudo é posto em jogo por estratégias discursivas e práticas representacionais.1 A

ten-tativa do personagem é, quase sempre, de construir um pacto de leitura entre o “eu” imaginado e o contemplador.

Corroborando de certa forma com Foucault, Phili-ppe Lacoue-Labarthe (1986) argumenta que, ao se levantar no século XIX a questão sobre a fotografi a ser ou não arte, deixava-se de lado um ponto fundamental: o que a fotografi a pode nos dizer sobre arte ou representação? Para ele, Baude-laire, ao ver a fotografi a como a antítese da arte, mais do que questionar o aspecto duplicativo do medium que arruína o gesto artístico, apontava, sem querer, um aspecto importante e inovador: a sua teatralidade. E, se levarmos em conta que o retrato ou portrait de alguém é quase sempre um ato de cumplicidade entre o fotógrafo e o fotografado – é uma cena construída –, até que ponto o “artista Bandeira” interferiu na criação de seus personagens?

1 Segundo Foucault (2005), identidade é um conceito complicado e paradoxal e é construída pela forma como os prazeres, conhecimentos e poder são produzidos e disciplinados por diversos campos sociais.

Em 1961, já reconhecido, Bandeira posou para uma série de fotos no Museu de Arte da UFC (MAUC), que fi cou com sua família. Um ensaio fotográfi co, do qual es-colhemos uma imagem (fi g.1) que demonstra não só a teatralidade do processo, mas um olhar que caracteriza boa parte da fotografi a contemporânea – a complexidade “fi ccional” do cotidiano. Parece um momento de encon-tro “não ofi cial” num local sagrado, um templo de imagens, onde o humano está presente nas formas que procuram [des]sacralizar as tensões criadas por ritos do passado, mas ao mesmo tempo permite que percebamos um outro ritu-al que se inicia e fi nda com Bandeira na soleira da porta: o círculo do olhar entre os personagens da foto. Quem é o sujeito ou o objeto da imagem? O artista, pouco visível, mas que a circularidades dos olhares nos remete a ele? Ou o quadro, a obra de arte, em tons mais escuros em meio aos tons claros de cinza, que a imagem perspectivada aponta como centro?

O discurso é intrigante, pois existem dois sujeitos e dois centros. A composição da foto (seu discurso) nos obriga a oscilar entre eles sem conseguir decidir com qual devemos nos identifi car. Os signifi cados estão sempre num processo de emersão e, portanto, um signifi cado fi nal é sempre adiado. O artista ou a obra?

Todo ‘documentarismo é uma fi cção’, um fi ccio-nismo que não está no sentido do irreal, mas também não pode ser entendido como representação do real: é a criação de outra realidade tendo como base a própria. Uma confi guração que, neste caso, implica procedimentos imagético-narrativos e um distanciamento do referente que supostamente ela representa, na medida em que está sustentada por um conjunto de convenções comunicacio-nais que a distinguem claramente da mentira, como falsa proposição. Assim, essas narrativas vão utilizar como re-curso um sistema imaginário que “forma posições sociais específi cas e formas estratégicas de modo a continuar os processos de reprodução do real através da imaginação e invenção individuais.” (LOPES, 2009, p.2)

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re-forçam essa ideia. Na foto (fi g.2), o artista com o torso nu sob o sol do Ceará(?), emoldurado pela vela da jangada e tomado em contra-plongée2, transmite uma individualidade

que nos faz olhar para um tipo de coincidência que é o inconsciente visual exposto na imagem – o desejo de ver e ser visto.

A fotografi a aponta uma forma abreviada de discurso não prolixo – e é, aparentemente, aquele que a maioria das pessoas procura –, isto é, os modos prévios de visualidade:

O inimigo é, sempre, o modo de ver que pensa conhe-cer a priori o que vale a pena, ou não, olhar. No entanto, justamente no momento em que o olhar acredita que conhece a forma e pode descartá-la, a imagem prova que, na realidade, o olho entendeu muito pouco sobre o que está prestes a descartar. (BRYSON, 1990, p.56)

Quando alguém olha esta fotografi a pela primeira vez, percebe que é uma imagem monocromática e que pertence a outra época. O cinza-amarronzado remete a um tempo anterior, antes da fotografi a colorida. Simples, mas esse olhar é uma postura de escaneamento e distante, ainda, da signifi cação. Se enfrentarmos o inimigo como pro-põe Bryson, é possível começar a perceber a luz especular produzindo sombras profundas, que é característica do sol do Ceará. Com isso, o nosso museu imaginário – o mapa conceitual que cada um carrega na mente – faz com que outras imagens do passado afl orem; por exemplo, o chia-roscuro (apesar de guardar certa distância do processo). Os intensos contrastes de luz e sombra, como na pintura renascentista, emprestam um aspecto monumental ao per-sonagem, tornando mais evidentes as expressões faciais e a musculatura, fazendo com que a imagem adquira valores escultóricos.

A vela da jangada, dividida (quase) ao meio por tons opostos, cruza diagonalmente o quadro, quebrando a

2 A câmera capta o sujeito/objeto de baixo para cima, com a objetiva abaixo do nível normal do olhar. Geralmente dá uma impressão de supe-rioridade, exaltação, triunfo, pois faz o personagem “crescer”.

monotonia da verticalidade do corpo esculturado. O rosto está localizado no centro geométrico do quadro, fugindo do que seria “natural” numa composição clássica, que é o centro perceptivo3. No entanto, a vela como extensão do

corpo minimiza o peso visual da base que é a fi gura do ar-tista. O fotógrafo (ou Bandeira) escolheu como fundo um dos maiores símbolos do Ceará – a jangada – que remete nossa imaginação ao extra-quadro, que é o litoral cearense daquela época, e a toda subjetividade inerente à imagem mental criada a partir da foto. O sentido na imagem é pro-duzido através de um jogo complexo entre presença (o que é visto, o visível) e ausência (o que não é visto).

A jangada, por si só, poderia contar inúmeras his-tórias, principalmente para aqueles não acostumados a vê--la e, portanto, sem a predisposição de naturalizávê--la – isto é, sem a disposição de vê-la como algo ahistórico, que é o que acontece quase sempre no senso comum. Uma ima-gem sempre conta várias histórias, por exemplo:

A jangada de pescaria é em geral construída de seis páos roliços chamados propriamente páos de jangada - Apeiba tibourbou. [...] A Peyba é uma arvore comprida muito direita, tem a casca muito verde, e lisa, a qual arvore se corta de dous golpes de machado por ser muito mole, cuja madeira é muito branca, e a que se esfolha a casca muito bem, e é tão leve esta madeira, que traz um indio do mato ás costas três páos destes de vinte e cinco palmos de comprido, e da grossura da sua coxa, para fazer delles uma jangada para pescar no mar a linha, as quaes arvores não dão senão em terras muito boas. (DURÃO, 1836, p.93)

A jangada descrita acima não existe mais, mas a imagem permanece na foto e nos lembra de um tempo em que a fi gura idealizada do pescador era muito celebrada. Existem outras jangadas e outras histórias. O que interessa aqui é argumentar que aquele corpo faz parte de uma for-mação discursiva; um personagem criado por Bandeira que

3 “[...] existem sempre dois centros, dois núcleos: um que é o centro geométrico, produzido pelo cruzamento dos eixos centrais, e o outro que é o centro visual perceptivo da área. O centro perceptivo estará sempre colocado um pouco acima do centro geométrico, a fi m de compensar o peso visual da base através de um intervalo espacial maior.” (OSTROWER, 2004, p.33)

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procurou dignifi car, por meio de uma tecnologia externa à arte, a sua fi gura de artista nascido no Ceará. Uma imagem que se aproxima dos portraits que honorifi cavam o corpo burguês na pintura clássica e que a fotografi a conseguiu popularizar entre os outros segmentos da sociedade.

É o que acontece com as fotos feitas no sertão que demonstram, também, uma tentativa de inserir na ima-gem a especifi cidade do tempo, do lugar e um sentido de comunidade próprio ao interior do Ceará. O mandacaru em primeiro plano e duplicado ao fundo como extensão do personagem (fi g. 3) reproduz uma imagem de parte do ser-tão, mas causa um estranhamento pela paisagem que parece surreal a quem não está habituado a ela. No entanto, nós continuamos a acreditar que a fotografi a abriga a memó-ria, grava eventos e traz o mundo para mais perto. Aqui, o mundo de Bandeira pode parecer estranho, mas ele procura torná-lo emblemático na construção de sua fi gura, que é também um homem do sertão. A fotografi a com os ‘bodes’ e a luz natural, ao invés do estúdio, reforçam o naturalismo procurado nessas imagens. (fi g. 4)

Bandeira foi um homem do mundo, um artista que extrapolou as fronteiras do seu Estado, do seu país. O homem voltado para o cotidiano de sua terra é só uma de suas facetas. Como outros artistas modernos, ele procurou a singularidade, e isso se refl ete nas fotos. O homem simples, ligado à família – com o “umbigo enterrado em seu local de origem” –, assume outros personagens, mesmo antes de sua viagem a França em 1956 (fi g. 5 e 6). O uso do cachimbo não caracteriza, necessa-riamente, um estereótipo europeu, mas incorpora certa fi nes-se ao personagem. E isso é permitido pela imagem fotográfi ca. As relações espaciais e temporais entre a câmera e a cena são indissolúveis. Devido a essa indissolúvel homogeneidade espa-cial, a fotografi a não é idêntica ao “olhar” da pintura: enquanto o “olhar” do pintor se apropria do objeto, o “olhar” da câmera parece inocente. Por essa razão, há muitas vezes uma espécie de fraqueza, mesmo nas imagens muito bem feitas. Como se tratasse de algo que apenas sucumbisse brevemente, quase de forma relutante, ao olhar formativo do dispositivo, mas mantendo na imagem as sugestões dos demais [in]visíveis na dissolução iminente da forma. (DAVEY, 2000)

Apesar de existirem vários ‘instantâneos’ do artista, boa parte das fotos aponta para o que denominamos, no tí-tulo do trabalho, de ‘performance’ na construção de sua ima-gem. Ele posa e sabe o que quer; o visual é parte intrínseca do seu trabalho e ele o conhece muito bem. Na fotografi a tirada em Paris (fi g. 10), ele manda um recado para qualquer contemplador: “Desculpem a péssima fotografi a, mas não é culpa minha”.

O seu arquivo fotográfi co pessoal transparece o tipo de narrativa imagética que é tanto uma ferramenta de docu-mentação quanto um instrumento de criação. Podemos dizer que ele utiliza o documentarismo como expressão subjetiva, onde o valor informacional do documento é mediado por sua própria perspectiva e é apresentado como uma mistura de informação e emoção, como nas fi guras 7 e 9.

A foto enviada para os pais e tirada no Passeio Público do Rio de Janeiro – ainda hoje, um dos marcos referenciais da cidade e, portanto, local de fotos turísticas – marca, imageticamente, o início de sua odisseia fora do Ceará. Ele escreve na imagem: “Para meus queridos pais, com os abraços do fi lho sempre grato. Antônio. 8–VI–45.” E, no verso, ele acrescenta de forma ainda mais carinhosa: “A tarde estava friinha demais. Arranjamos (eu e Dedé) um fotógrafo italiano que reproduziu nossa ‘fachada’ por alguns cruzeiros. Quero que guardem com bastante amor minha primeira ‘careta’ fotografada no Rio, e no Passeio Público. Sempre de vocês. Antônio.”

Esse tipo de fotografi a permite ao contempla-dor vivenciar um sentido de “distância que é familiar”, um espaço subjetivo criado por uma intimidade pessoal das imagens e a familiaridade que temos com o instantâneo comum. Uma formação discursiva que produz um “sujeito” que responde as nossas expectativas e, também, um “local” onde o sentido específi co do discurso mais faz sentido.

Bandeira continua a se engajar no mesmo pro-cesso de representação ao se colocar nos marcos referencias de países que visitou. Na realidade, essa é uma das práticas fotográfi cas mais espontaneamente utilizadas e que consiste em alguém ser fotografado tendo como fundo uma cena típica ou um monumento emblemático do local visitado.

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Figura 1

Figura 2 Figura 3

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O estereótipo é mantido em suas fotos (fi gs. 9, 10, 11), e elas apontam para uma só coisa: aquele local entre o “eu e o outro”, tão bem demarcado que não existe espaço para outras jornadas que não sejam aquelas que nos levam de volta ao lar e à família. No verso da foto tirada em Cannes (fi g. 9), Bandeira escreve: “Para os meus ‘velhos’ queridos, com imenso carinho do fi lho Antônio. Cannes, agosto de 1957”. Na foto em Paris (fi g. 10), ele diz: “Bebendo água nas margens do Sena. Desculpem a péssima fotografi a, mas não é culpa minha.” E, de Capri (fi g. 11), ele manda o seguinte recado na foto: “Para Antônio Sabino Leite e meninos com um abraço do Antônio. Capri, 17-8-54.”

Bandeira, nessas fotos, está sempre retornando à família. Porém, é ele o mesmo “sujeito” depois desse en-contro com o “outro” estrangeiro? É o mesmo cotidiano que ele percebe na urbe cearense ao voltar? Depois da sua odisseia, ele vê da mesma maneira o sertão da sua juven-tude? O que acontece quando a contemplação do eu e do outro faz um desvio através desse novo olhar?

A fotografi a pode apontar caminhos escolhidos: Daí em diante, o “eu” não é mais o que pensava ser. É este alter ego que, queiramos ou não, produz uma realidade objetiva para o “outro”, através da qual é identifi cado e circula de mão em mão permanecen-do vivo – o eu sem o eu, como se fosse sempre jovem mesmo velho, vivendo apesar de ter morrido. [...] mesmo num auto-retrato fotográfi co é sempre alguém e não o “eu” que é fotografado ou que tira a foto. (VAUDAY, 2002, p.49)

Ninguém deveria se surpreender ao descobrir que a percepção na fotografi a é sempre a mesma – um ce-nário a desviar uma tradição que não é compreendida para adequá-la à imagem fantasmática em que o “outro” se faz.

“O teatro das realidades”

Antônio Bandeira foi um grande artista e era performático. As fotos sobre ele revelam papéis desem-penhados e, como no teatro, cada tipo expressa o excesso característico do personagem que lhe é destinado. (fi gs. 12, 13, 14)

Há uma quantidade razoável de fotos que po-deriam ser analisadas. Existe, por exemplo, o acervo do MAUC, onde Bandeira aparece com atrizes, artistas plás-ticos, autoridades e convidados de suas exposições. São imagens “ofi ciais”, quase burocráticas. As fotos utilizadas aqui são mais íntimas, pessoais, que fi caram com sua famí-lia. Como qualquer construto narrativo, este texto é fruto de escolhas que priorizaram algumas imagens e deixaram outras de fora, e sem seguir uma ordem cronológica. Ape-sar disso, é possível perceber a maneira como Bandeira construiu seus “eus” imaginários. Lembra o processo da fotografi a humanista4, principalmente a francesa, em alguns

elementos paradigmáticos de sua performance. Como eles, o artista utiliza a “historicidade” como especifi cidade do tempo-lugar inserido na imagem; a “cotidianidade” como o foco na rotina diária; o “sentido de comunidade”, onde o ponto de vista do fotógrafo refl ete o das pessoas comuns; e o “monocromatismo”.

O ato de fazer/criar a imagem é sempre descrito como um sintoma do desejo. Parece que essa questão é in-separável do problema da imagem, como se os dois concei-tos fossem capturados por um circuito regenerativo mútuo – o desejo gerando imagens e as imagens gerando desejos. Para Mitchell (2005), “desenhar desejo” signifi ca não só a descrição de uma cena ou fi gura que se apresenta para

4 Tendência da fotografi a documental que era hegemônica na época. Os franceses, seguindo o caminho aberto por fotógrafos humanistas ante-riores, vão construir uma imagem da França do pós-guerra onde tentam expurgar as dores, os horrores e a imagem de um país que teve um governo que colaborou com o invasor nazista. Como resultado, surgiu o que foi denominado de Fotografi a Humanista Francesa, criada por fotó-grafos como Robert Doisneau, Willy Ronis,Israel Bidermanas, Édith Gérin, Sabine Weiss,Georges Dudognon,Louis Stettner, Cartier-Bresson e alguns outros. Eles fi zeram uma escolha e um anúncio direto: não se satisfaziam com a ruminação sobre a miséria, a dor e o mórbido, eles queriam chamar a atenção sobre a liberdade do olhar.

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117 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 4 20831_UFC_PAULO_MAMEDE_LIVROS_BANDEIRA.indd 117 20831_UFC_PAULO_MAMEDE_LIVROS_BANDEIRA.indd 117 20/01/2012 10:41:1320/01/2012 10:41:13

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o desejo, mas também indica a maneira como o próprio desenho é a performance dele.

Assim, é possível olhar essas imagens de duas maneiras: o desejo e a ausência dele. Ou melhor, algo que está na imagem e o que lhe falta. O que foi e o que fi cou. Talvez seja esse um dos aspectos dos desejos constitutivos da imagem: elas estão predispostas a serem tomadas, incorporadas. Embora fotos e quadros possam ser destruídos, as imagens podem viver, nos assombrar, provocar, tentar ou nos inspirar. Bandeira sempre pro-curou isso, tanto na criação de seus quadros quanto na construção de sua própria imagem. Como ele próprio afi rmou: “Nunca pinto quadros. Tento fazer pintura. [...] é uma transposição de seres, coisas, momentos, gostos, ol-fatos que vou vivendo no presente, passado, no futuro”. No entanto, a fotografi a é algo peculiar e pa-radoxal, concreto e abstrato, produto e signo e é, ao mesmo tempo, individualmente específi ca e uma forma simbólica que abarca a totalidade. O seu conteúdo é sempre histórico, pois mostra um momento que perten-ce ao passado5; e, como vimos nas fotos de Bandeira, a

natureza do retrato é estabelecida pela pose – ela evoca o tempo, o momento da foto e o regime de visualidade de cada época. O sentido de parcialidade do instantâneo congelado na fotografi a é livre da obsessão do ilusio-nismo mimético. Para Barthes (1984), o sentimento de certeza que a fotografi a produz não está na sua relação com a perfeita semelhança, mas na afi rmação de que aquilo existiu – em geral, a fotografi a analógica não pode mentir sobre a existência de seu referente.

É justamente esse o ponto em que o caráter paradoxal do signo fotográfi co se manifesta de forma mais perfeita: refl ete uma dada realidade, mas ao mesmo tempo recusa a submeter-se a ela. O resultado é algo produzido de forma dinâmica no ato da representação, da recepção e sujeito à rede de sentidos imposta pela cultura, linguagem, história etc. e é impressa a partir de

5 Mesmo com a instantaneidade do digital, a cena ou evento capturado pode se modifi car antes mesmo de se fi xar no monitor da câmera.

uma visão particular de mundo, a visão dominante que um determinado grupo, ou pessoa, pretende eternizar de si mesmo. Porém, “eternidade” é um conceito que não se encaixa facilmente em nosso tempo de vida e, assim, a imagem fotográfi ca afi rma a fi nitude com a qual estamos familiarizados: “isto foi!”

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Figura 10: Bebendo água do Sena, Paris Figura 9: Cannes Figura 8 Figura 11: Capri 20831_UFC_PAULO_MAMEDE_LIVROS_BANDEIRA.indd 119 20831_UFC_PAULO_MAMEDE_LIVROS_BANDEIRA.indd 119 20/01/2012 10:41:1520/01/2012 10:41:15

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Referências

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BRYSON, Norman. Looking at the overlooked: four essays on still life painting. London: Reaktion Books,1990.

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FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

LACOUE-LABARTHE, P.; ROGIERS, P.; MEATYARD, C.

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