SÉRIE IV • VOLUME 21
SEPARATA
DE
o
AROUEÓLOGO
P
·
ORTUGUÊS
JOÃO CAROOSO. JOÃO CARLOS CANINAS, FRANOSCO HENRIQUES
Investigações recentes do megalitismo do snI da Beira Interior
Investigações recentes
do megalitismo funerário
na região do Tejo Internacional
(ldanha-a-N ova)
JO"O LUIS CARDOSO', JOÃO CARLOS CANINAS" , FRANCISCO HENRIQUES"
RESUMO
Neste escudo publ icam-se os resultados preliminares obtidos da escavação de oiro monumentOS megalíticos do sul da Beira Interior (região do Tejo
internacional), Rosmaninhal, concelho de Ielanha-a-Nova, seis dos quais se implamam cm unidade gcomorfológica bem individualizada - a plataforma do Amieiro - conferindo-lhe o estatuto de nllcleo megalítico sucessivamente acrescentado ao longo de centenas de anos. Da análise conjunta das tipologias arquitectónicas identificadas e dos espólios correspondentes, resultou proposta de evolução do mcgalirismo da região, a qual se pode, resumidamente, apresenrar do seguinte Illodo:
1 - Câmaras simples, fechadas, proco-megalíricas) desprovidas de espólio ou com espólio arcaico, do V milénio a.C.
2 - Câmaras simples, corn planta cm rerradura, aberras mas desprovidas de corredor, com espólio dos finais do IV aLi inícjos do 111 milénio a.C.
3 - Dólmcnes com câmara e correelor bem diferenciados, de dimensôes muico variáveis, contemporâneos dos anteriores.
4 - Dólmenes com cobertura em ralsa cúpula, de grandes dirnensões, do 111 milénio a.C.
5 - Pequenas cistas sub-rrapezoidais, da 23
• merade do IlJ milénio a.C. (Calcolítico Campaniforme).
Palavras-Chave: Fasearnenro do megalitisrno - Beira Interior - Portugal
. Universidade Aberta, Academia Portuguesa da História. Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras ((MO) e Associaçâo de Estudos do Alto Tejo .
.. Associação de Estudos do Alto Tejo
152 JOÃO lUIS CARDOSO, JOÃO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
ABSTRACT
Tbis Sll/(/)' preSeJlIS lhe pre/illliJlt'lry reslI/Is of lhe ext</valion of eight lIlegalitlJic lombs. iII Ibe iJJlerllatioJlal aJw/
01
lhe Taglls l?ir/er (Be;'ll lnlerior), IIMr Roslllílflinhal,millJicijJafily olldallha-a-Nova. Six llIOJll(lIleuls dre .rillldlcd ou lhe same geoll101J)hological
/luil, Ibe Amieiro jJ!allonlJ. rejJresenling a mega/itbic lI"dellS der/e/opeel rlJJd "Ii/ised d"ril/g
sever," /J/ll/dred years.
Throllgh d sl/u/y of Ibe ctnbileclllre and arcbae%gica/ relllaiJJS, we propose lhe
/ollowillg sc/Jeme for lhe evolllliou of meg,dithic mOl/llmenls in lhal regia,,:
1 - Sing/e dosed 10mbJ, prolo-megrdilhic, wilholll assoâ,lled remaim 01' wilh archai( relllctim; d"led lo the Ii/th mil/enni"JIl /3c.
2 - l,rollllmenls with " single chambe}~ sbaped /ike a horseshoe, witholll corridor fmm lhe lale fOllrlh lo lhe e"rly Ibird millen"illlll BC (Lale Neo/ilhidEarly ChrJkolilhir).
3
-
Do/metlS wilh a well-defiJled rhtIJJlber fl1ld co,.ridOJ~ vmyillg iJl,hei,.
di/lletlSiotlS; coulemjJOrcl/)' wilh Iype 2.4
-
DO/JIIens of large dimemioJ/S, wilb rOllJlr/ chambers bllill of eighl 01' more orlbos/ats. rooled by " fl"se ""eh and with a long corrido,.; daled lo lhe Ihird millelluillJll BC( ClJctlrolitbic).
5 - Smal/ gríllJe eisls; df/ter! lo lhe secolld b,df of the third mil/ennill'" /3C (Lale
Cba/co/itbic I Beaker Period).
KeY-lllords: evo/lllioJl of lIIega/ilhic 1Il0Jlllmenls - Beira ln/erior - Portllgrd.
INVESTIGAÇÚ~S RECENTES DO MEGAlITISMO FUNERÁRIO NA REGIÃO DO TEJO INTERNACIONAL (lOANHA~A~NOVA) 153
l. INTRODUÇÃO
O sul da Beira Interior na região do Tejo internacional permanecia, até época
recente, quase desconhecido no que concerne à riqueza do seu património arqueológico megalítico. De facto, as explorações pioneiras efeCtuadas por Francisco Tavares de Proença Júnior na anca da Urgueim, Vila Velha de Ródão (Proença,
1909), bem como em outros monumenros de que viria apenas a norióar a existência (Proença, 19l0), não tiveram o merecido seguimento. Fél.ix Alves Pereira só ponrualrnenre se interessou pela região. ao explorar a Anta Grande de lvledelim, por si publicllda (Pereira, 1934). Geúrg e Vera Leisner, no inventário a que procederam das antas pOrtuguesas do ocidente peninsular (Leisner e Lcisncf, ] 956) apenas assinalam imprecisamente três, a Oeste do Rosmaninhal e urna ourra, perco da exrinta povoação de Alares, conforme se reafirma em obra póstuma,
recentemente publ icada (Leisncr, 1998).
Na segunda meradc do século, a situação não se alterou significativamente:
referimo-nos às explorações de mais alguns monumenros, feiras circunstancialmente,
por O. da Veiga Ferreira e F. de Almc.ida, na região egitaniense, com destaque
para a escavação da anra da Granja de São Pedro (Almeida e Ferreira, 1958, 1959.
1971). Não obstante, a sjruação real deveria ser substancialmente diferente: Geor,g e Vera Leisner registaram cerca de 90 monumentos dolménicos na vizinha região de Procnça-a-Nova (Kalb, 1990) não havendo razões para que tal abundância
não se verificasse mais para oriente. Com efeito, os trabalhos de prospecção sistemática efectuados desde a década de 70 até à actual idade vieram confirmar
aquele pressuposto: numa área limitada a sul pelo Tejo internacional, a Este pelo
rio Erges, que faz também fronteira e a Oeste pelo rio Ponsul reconheceram-se
I"
JoAo LUIS CARDOSO, JOAO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUESaté à anualidade cerca de noventa mOllumen[Q$ megalíticos (Henriques, Caninas
c Chambino, 1993, 1995a), dos quais cerca de sessenta e cinco na região do
Rosmaninhal C vinte e cinco na região ele wfalpica do Tejol.Monfone da Beira, a
larga maioria cm razoável estado ele conservação (Fig. I ). 'lã I
fano
deveu-se, em pane, à baixa densidade populacional da região, bem como às práticas agrícolasutilizadas (Caninas e Henriques, 1995). Com efeito, dominan"l o montados, de
sobreiros ou azinheiras, Illuitas vezes centenárias; as explorações cerealíferas
extensivas foram importantes até à década de 1950, mas então ainda realizadas por mé[Qc!os tradicionais não mecanizados, que proporcionaram a boa conservação
dos monull1enros. Deste modo, impunha-se a realização de rrabalhos arqueológicos
programados e perspecrivados a médio/longo prazo que viabilizassem a escavação dos monumentos de maior relevância, e a sua ulterior publicação. Nestc comriburo, far-se-á apenas referência à componente funerária do património megalítico, excluindo, de momento, os monumentos de cunho simbólico não-funerário, como menires e cromeleques, dos quais alguns foram também identificados no
decurso cios trabalhos de campo que temos conduzido na região. Os aspectos
artísticos presentes em numerosas rochas, com as bem conhecidas covinhas (Henriques, Caninas e Chambino L99Sb) ou outras insculturas, ainda inéditas, serão uatados nOutra ocasião, bern como a conexão com os sítios habitados, ainda
mal conhecidos.
Estes trabalhos têm sido desenvolvidos sob a égide da Associação de Estudos cio AltO Tejo e têm conraclo com os apoios logístico e financeiro de diversas
entidades, nOIl'leadamente: o Instituto Português de Arqueologia; o Instituto Ponuguês do Património ArquiteCtónico, o Instituto de Promoção Ambienral, o InstitutO da Conservação da Natureza; o Instituto Português da Juventude e a Câmara Municipal de ldanha-a-Nova. Especial agradecimento é devido a uma vasta equipa de colaboradores, membros da Associação de Estudos do AltO Tejo e estudantes universitários, alunos do primeiro dos signatários, da Universidade de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Universidadc Aberra e Universidade
Autónoma de Lisboa que, desde 1993, têm activamente participado nas diversas
escavações, cm condições que nllnca foram fáceis nem cómodas, obtendo, deste modo, um complemento indispensável à Sua formação no don1ínio da arqueologia.
Também é devido juSto reconhecimento a diversos proprietários e rendeiros
dos terrenos onde se situam os monumentos investigados pelo acolhimento, alltoriznçocs e facilidades concedidas à concretização destas pesquisas: esse agradecimento é
devido, em concreto, aos Senhores José Luís Fernandes (CoutO do Amieiro), Fernando
Duarte Galanre de Carvalho (Couto da Espanhola), Joaquim Flores (Fazendão/Poço do Chibo) e à
J
uma de Freguesia de Rosmaninhal (Cabeço da Forca).INVEsnGACOES RECENTES DO MEGAUTISMO FUNERÁRIO NA REGIÃO DO TEIO INTERNACIONAL (IOANHA·A~NOVA) 1 ')')
En) 1998, foi submetido para financialnenro aO lnstituro Português de Arqueologia um projecto de lnvcsrígação, sob a égide da Associação de Esruc!os do Alto Tejo, intitulado "Pré-História recente na margem esquerd3 do alto Tejo porwguês" (coordenação geral de João Carlos Caninas, coordenação das prospecções de campo de Francisco Henriques). A coordenação científica das escavações arqueológicas foi assegurada pelo primeiro signatário. Desta forma, foi possível
desenvolver um programa de n:abalhos de campo e de gabinete, no âmbito do
qual se integra o presente estudo, no qual se publicam pela primeira vez diversos
monumentos, e se referem mais detalhadamente outros, apenas objecto de cuna menção em trabalho anterior (Cardoso, 2001), depois de síntese dos trabalhos efectuados até 1999, envolvendo trinta anos de prospecções e escavações arqueológicas (Hcnrjqucs, Caninas e Cardoso, 1999).
Neste estudo, não se reanal isam as antaS 2 e 6 do Couto da Espanhola, siruadas em plataforma próxima daquela onde se situam os monumentOs do Amieiro, por rerem já sido objccro de escudos de pormenor (Cardoso, Caninas e
Henriques, 1995, 1997a, 1997b, 2000). A coordenação deste crabalho deve-se ao primeiro signatário; os desenhos, tanto de campo como de gabinete são da autoria de Bernardo Lam B. Ferreira, cxccpmando-se o decalque da Fig. 25, da autoria dos dois outros signatários (J.C.C. e EH.).
2. ASPEcrOS GEO-AMIllENTAIS
A área de disrribuição desta notável mancha megalítica corresponde a afloramentOs de xistos e de grauvaql1es do complexo xisto-grauváquico ant c-Qtdovícico, integrados na unidade cronocsrratjgráfica designada por Formação
do Rosmaninlwl (Oliveira, 1992), de Características turbidítico-conglomerátiGls.
Por seu rumo, estas l'ochas encontram-se sobrepostas por coberturas de[(íticas, essencialmente arena-conglomeráticas, arc6sicas, com elementos mal rolados de quartzo, embalados em matriz areno-argj losa, de coloração frequentemente avermelhada, consoante O maior Ou menor grau de oxidação dos depósiros. A sua
idade foi situada no Eocénico ou no Oligocénico. Finalmente, observam-se, muiro erodidos e remobilizados, mantOs detríticas grosseiros, constiruídos por seixos de quartzo e de quarrzito, em geral sl1b-rolados, cuja idade foi situada por Orlando
Ribeiro no fim do Pliocénico - são as chamadas ranas, de origem flúvio-rorrencial, características de clima sem i-árido que naquela época prevaleceu na região. Os monumentos dolménicos distribuem-se, preferencialmenre, pelo rapo aplanado das elevações, onde ainda se conservam, residualmente, testemunhos
das coberruras detríticas terciárias. É frequente observarem-se grupos constituídos
JoAo LUIS CARDOSO. JOAO CARLOS CANINAS. FRANCISCO HENRIQUES
por até oico sepulcros, os quais em geral distam entre si de 200 a 300 mecros, sendo Il'lucuamente visíveis. ConstlCUem, pois, verdadeiras necrópoles megalíticas, nas quais não é possível destacar nenhum por possuir paniculares dimensões ou modo de implantação no tcrreno. Esra realidade foi sendo, naturalmente, construída no decurso de cenrcnas de anos; tudo se passou, urilizando expressão de Vítor
Oliveira Jorge, como se a paisagem fosse escrita e rescrira, constiruindo um
verdadeiro palimpsesto Qorge, 1990).
3. ARQUITECTURAS MEGALÍTICAS E RESPECTIVOS ESPÓLIOS: UMA ANÁLlSI! INTI!GRADA
A larga diacronia das manifesrações megalíticas funerárias é parenre, tanto pelos espólios como pelas disrintas arquiteCturas, como
se
concluiu ao estudar--se os dois megáliros da plataforma do Couto da Espanhola. Há que atender, porém, à possibilidade de coexistência de arquitecturas distintas (poLimorfismo):sendo esta uma possibilidade real, é igualmenre cerro que a evolução geral da arquitecrura megalítica aponta, tanto no sul (Alto e Baixo Alentejo), como no
centrO c no norre do País, para uma maior antiguidade dos sepulcros de câmara simples (aberta ou fechada), a que se sucedem, no apogeu do megalitismo, verificado no decurso do IV milénio a. C., os monumenros de grandes dimensões, de cârnara poligonal e corredor longo (Cardoso, 2002). Na fase final do mcgalitismo português, já nos alvores do terceiro milénio a. C., ocorrem dólmenes com cobertura em falsa cúpula, ainda mui[Q mal conhecidos a norte do Tejo, dos quais o exemplo português mais célebre é
°
dólment
de Vale de Rodrigo, Évora (Leisner, 1940,1948). Contudo, do lado espanhol, na vizinha província de Exrremadura, conhecem -se diversos monumentos dolménicos com cobertura de falsa cúpula, como
°
da Granja dei Toriii.uelo, Badajoz (Bueno Ramírez, 2000; Carrasco Marrín, 2000); esta solução arquitectónica também estaria presente nalguns casos dos adianre estudados (anta do Cabeço da Forca e anca 3 de Amieiro). Enfim, na segunda metade do rerceiro milénio a. C. assistir-se-ia, de novo, à consrrução de sepulturas individuais, por vezes reaproveitando montículos rumulares pré-existentes: é o CaSO da cisca de Amieiro 5b, descentrada face à esrrllfura mais antiga, um pequeno dólmen de planta em ferradura, que ocupa a área cenrral do fNlJ/u/m. Assim, desde meados do V milénio até finais doru
milénio a. c., também na região do Tejo internacional se encontra registada a evolução geral do mcgalitismo, no casoilustrada pela escavação de dez megálitos, desde 1995 a 2000.
A cartografia arqueológica de rodos os monumentos até ao presente identificados, descritos e registados individualmente em planta, incluindo as suas
INVESllGAÇOES RECENTES DO MEGAUn5MO FUNERÁRIO NA REGIÃO DO TEJO INTERNACIONAL (IDANHA·A·NOVA) 1)7
coordenadas rigorosas, permitiu seleccionar aqueles que se afjguravarn mais interessantes, canW pelo estado de conservação como pelas características arquitectól1lcas: desta forma, a informação previamente recolhida foi preciosa
para, em curtO espaço de tempo, se conseguir a exploração do número de
monumentos susceptíveis de exprimirem adequadamente a diversidade megalítica
presente na região. Uma das caraccerístitas comuns a rodos os monumentos é a
presença de 'II1mlli, sublinhados por couraças de blocos de quartzo leitoso, o que
ainda torna mais evidente a sua presença no terreno, ao contrário de nele se
dissimularem. làis car<lnerísticas fomm também observadas no Noroeste Alentejano, por Jorge de Oliveira, prolongando-se pela região fronreüiça de Valência de Alcântara.
Na plataforma do CoutO da Espanhola, carn altitudes de cerca de 300 m,
de orientação NE-SW e a cerca de 7 km a NW do Rosmaninhal identiflcaram -se sete monumentos funerários megalíticos, além de menires, cromeleques, rochas
i nsculwmdas e testemunhos de povoamenro, ainda que pouco imensos, denunciados
por grandes dormentes de mó manuais de grauvaquc.
Das SCtC amas até aO presente ali identificadas, eram as antas 2 e
6
que detinham maior interesse, sublinhado pelo bom escada de conservação, as quais fOfam j<lobjecto de publicações extensas, já anteriormente citadas, pelo que de mamemo não se voltará à análise destes dois monumentos. Com efeito, serão apenas abordados,
ainda que de fi)rma preliminar e simética, os monumentos que ainda não foram objecto de estudos de pormenor ou que se rnanrinham até agora fOtalmente inéditos:
trata-se dos seis sepulcros escavados na plataforma do Amieiro e dois ourtos) já
fora dela: a anta 1 do Poço do Chibo c li anta do Cabeço da Forca.
Plataforma do Amieiro
Na plataforma do Amieiro situada a leste do Couto da Espanll01a) de idênticas características geológicas e geomorfológicas. com altitudes à roda dos 300-370
m, identificaram-se nove monumenros dolménicos, evidenciados por I/mm/ii sempre sublinhados à superfície pelas concentrações de blocos de quartzo lei rosa
que os revestiam. Seis dcles, pelo estaelo de conservação que evidenciavam e pelas suas características ar'luiteccónicas, mereceram escavação arqueológica, cujos
resultados preliminares agora pela primeira vez se apresentam (Fig. 2). Na
descrição e caracterização dos monumenros, se,guir-se-á a sequência cronológica
por que foram escavados.
Anta 2 do Amieiro
A anta 2 do Amieiro é um pequeno sepulcro explorado em Setembro de
1997. Os trabalhos foram dirigidos pelo primeiro signatário e contaram com
,>8
JOAO LUIS CARDOSO, JOAO CARLOS CANINAS. FRANCISCO HENRIQUESa colaboração de João Carlos Caninas e com a parciClpação dos estudantes
Hugo Alexandre Salinas Vargas (da Paculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa), Inês Mendes da Silva (da Faculdade de Lerras
da Universidade de lisboa) e Rui Pedro Pinho Pinto. A câmara deste monumentO é poligonal e encontrava-se bastante alterada na sua arquiteCtura original, cm pane devido à implantação de um marco geodésico da antiga triangulação geral do Reino. Ocupava a zona ccnrral do 11111/111/15, com cerca de 16 111 de diâmetro máximo, mas de pequena altura. O Illonumcnro possuía corredor longo, comparativamente com o tamanho da câmara, com cerca de
2,3 m de comprimento (Fig. 3). Trata-se, pois, de uma anta de arquitectura
evoluída, mas de pequeno tamanho, em pane condicionado pela natureza
dos monólitos disponíveis os quais, sendo de xisto e de grauvaquc, não permitiriam a construção de um grande monumenro, sobretudo em altllra;
nestes termos, o corredor poderá possuir apenas um carácter ritual, visto ser
dificilmenre admissível que por ele circulasse alguém, especialmente se fosse ainda obrigado a transportar o cadáver de cada um dos indivíduos depositados na câmara; eSta não teria capacidade para albergar mais de três a quatro
corpos.
Os níveis inferiores da câmara e do corredor encontravam-se pouco remexidos. Da periferia da câmara, e sobre o chão primitivo desra, correspondente a substratO de xistos paleozóicos regularizado, provém um esférico baixo, liso (fig. 6, n.O 2), um denticulado e fragmentos de dois Outros vasos, enquanto que do lado meridional do corredor, junro a um dos eSfejos se recolheram dois machados de anfibolito (figs. 4, 5); jazian1 um sobre o outro, oriemados para lados OpOStoS, sendo evidente o carácter ritual desta dupla deposição.
Por seu fumo, os níveis superiores da câmara testemunham a sua reutilização no decurso do final do Calcolítico e na Idade do Bronze, documentada por restos de uma grande taça de fundo onfalado, atribuível ao período campaniforme (Fig. 6, n.O 3) e por um punhal de base convexa com rebitagem simples para encabamento, reponávcl pela respecriva tipologia ao Bronze Pleno (fig. 6, n.O I).
No '"III"/m, recolheram-se fragmenros de disco de quartziro com recorre escamoso periférico, de técnica languedocense, que poderá não ser coevo da construção/utilização do monumento.
Anta 3 do Amieiro
A ama 3 do Amieiro foi escavada também em Setembro de
199
7
.
pela mesma equipa que explorou o monumenro anterior, do qual dista cerca de 150 m, sendo dele visível. Trata-se de Illonumento evoluído, coberro por mamoa com cerca delNVESTIGAÇOES RECENTES DO MEGAUTISMO fUNERÁRIO NA REGIAO 0.0 THO INTERNACIONAL ((DANHA.A~NOVA) 159
L4 m de diâmetro, a qual, como é usual, se encontra sublinhada por blocos de
quarrzo leitoso, consrimído por três partes pflnClpalS:
- uma câmara de concorno elipsoidal assimétrico, definida originalmente
por nove ortóstaros estreitos e alongados de xisto~ tal disposição evoca a
tipologia das câmaras dos sepulcros de falsa cúpula do Alentejo e Algarve t, como estes, ted sido coberta por uma falsa cllpula; nestes termos, seria
o primeiro monumentO deste tipo a ser explicitamente reconhecülo e
identificado a none do Tejo, fora da Estremadura portuguesa (Fig. 7); - um corredor curto, reforçado de ambos os lados por esteios que poderiam
constituir o apoio de uma estrutura de madeira;
- um átrio, a céu aberto, mais largo que o corredor, de paredes bombeadas. separado daquele por estrutura constituída por duas lajes colocadas de curelo, irnbricadas, que fechavam o acesso do lado externo. Este átrio é
formado por pequenos ortóstatos, de xisto, inclinados, progressJvamentc
mais baixos para a entrada do monumcnto (fig. 8).
Identificaram-se ainda duas sub-estruturas no interior deste mooumcmo:
trara-se de uma lareira constituída pOt empedrado de comorno elíptico, feito
junto à cabeceira da câmara (Fig. 7), sobre o solo primitivo desta, e de uma laje
de xisto assente horizontalmente no chão do corredor, cuja função seria idêntica
à da laje encontrada na câmara da anta 2 do Couto da Espanhola, servindo como "cama" à deposição de um corpo. Com efeito, no referido monumenro, sobre
uma laje de xisto disposta horizontalmente no chão da câmara, recolheram-se
diversos artefactos que acompanhariam o sepultado (Cardoso, Caninas e Henriques, 1997b). A lareira, por seu rumo, configura o uso do fogo no inrerior da câmara
mortuária, certamente em meio muito cirunscriro, pois o espaço, sem arejan1cnro,
não permiria combustões intensas. À semelhança do observado em outroS
monumentos megalíticos portugueses da região da Figueira da Foz, é provável
que o uso do fogo se relacionasse com a simples desinfecção do interior dos
megálitos, a par da dissipação do mau cheiro, pelo recurso a substâncias aromáticas (Rocha l895, 1900). Casos houve, (omo no dólmen de Cabecinha, assimIlado
por A. dos Santos Rocha, em que "Os lares estavam por cima dos esqueletos, separados (I'estes por uma camada de terra arenosa com a espessura de 0,15 a
0,25 ln e limitados a pequenos espaços, que não excediam 0,50 !TI de diametral'
(Rocha, 1900, p. 257). Esta hipótese não é incompatível com a prática de fogueiras
rituais, como as documentadas no depósitO funerário do Neolítico Final da Lapa do rumo, Sesimbra, as quais foram ateadas em tOrno do ossllilrio ali encontrado (Serrão e .Marques, 1971), cujo calor, nalguns casos, atingiu os próprios ossos
160 JOAO lUIS CARDOSO, JOAO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
humanos. l\'la$ as marcas de fogo não chegam para admitir a hipótese de cremação dos cadáveres. embora, nalguns CaSOS mais recentcn1cntC documentados. como
na lh%s de Olival da Pega 2 b, as temperaturas atingidas tenham sido muitO altas, correspondendo a fogos generalizados, dada a grande quantidade e as intensas marCaS conservadas tanto em ossos humanos, C0l110 nas oferendas funerárias a eles associadas (GonçaLves, 1999).
No caso em apreço, comO nos restantes, o fogo, além de elemento purificador
e regenerador das almas dos monos, teria, como se disse, lima função ll1uiro mais
prática, !"nas não incompatível com a referida: tratando-se de sepulcro colectivo, cm caSo de reutilização, pouco espaçada no tempo, tornar-se-ia necessário eliminar
maus odores resulcantes da decomposição dos cachÍ-veres deposicados na câmara e no corredor, mediante a queima de planras aromáticas, à semelhança das práticas seguidas muiro depois nas sepulturas colecrivas micénicas (:Mylonas, 1948).
Rituais de fogo, conduzindo à cremação parcial dos corpos, foram identificados em área cultural megalítica muito próxima, na anca da Doia de Cera (serra de São Mamede) e efeCtuados na sua estrutura imerior (Oliveira, 1998). Também no território adjacente da Extremadura espanhola se identificaram testemunhos idênticos: é o caso da lareira encontrada na zona central do nível mais profundo da câmara do monumento de Trincones l, e Alcântara, Cáceres, de planca idêntica
à da anta 3 do An1ieiro e, como esta, com cobertura em f:'llsa cllpula (DlIeno Ramírez el td., 2000, Fig. 29).
Digno de realce é ainda a existência de forte selagem do corredor exterior, constituída por duas lajes colocadas transversalmeme de cutelo, parcialmemc
imbricadas, as quais teriam de ser removidas cada vez que se pretendesse aceder
ao interior cio espaço funerário (Fig. 8). Com efeira, ao comrário do corredor do
dólmen anterior, o deste detinha evidenre caráCter funcional, sublinhado até pelo
átrio exterior, que o antecede.
Apesar do bom escada de conservação e da grandeza deste monumento -um cios maiores registados na região - o espól io que forneceu é exíguo. Tal f.'lcto não se deve imputar a qualquer violação do mesmo; dela não se encontraram quaisquer provas, designadamente a existência de depósitOs com indícios de remeximenro, ou com materiais modernos, como é usual cm tais casos; acresce
que a presença da lareira riwal, inracra, conservada no chão da câmara, é também
contrária a tal hipótese.
A terem-se verificado violações do monumento, necessariamente que passariam despercebidos aos seus aurores, pequenos objectos como micróliros, pontas de seta e lamelas, os quais, no entanto, não faziam parte do espólio, apesar de
ocorrerem, nalg u ns casos freq uen temen te, nou trOS 11100 ul11cn tos da região,
INVESTIGACOES RECENTES 00 MEGAUTISMO FUNERÁRIO NA REGIÃO 00 TEJO INTERNACIONAL (lOANHA-A-NDVA) 161
igualmente de caraCterísticas evoluídas, como é o caso da anca 2 do Couto da Espanhola. IstO significa que a utilização elo sepulcro não foi acompanhada da deposição de espólio não perecível. Apenas se recolheu, no exterior do monumento, fragmento de artefacto de pedra polida e, em nível alto do interior da câmara, pequeno fragmentO de raça cm calote, próximo ele ponta de seta de cobre de tipo Palmela evoluído; tais peças atestam a sua reutilização em época tardia, no final do Calcolítico ou já no início da Idade cio Bronze, à semelhança do verificado na anta 2 do Couto da Espanhola c na anta 2 do Amieiro (fig.
9
.
n.O1 a 3). A
ponta, de contorno esguio c lanceolado, tem equivalente próximo no dólmen de lácara, Badajoz (Bueno Ramítez, 2000, Fig. 13). Crê-se que a aparente ausência de espólio na fase correspondente à primitiva utilização do monumenro, que é, repita-se, um dos mais importantes da região, só salienta o pouco que conhecemos dos ricuais funenlrios desras comunidades: o Inonumento poderia ter sido construído mas jamais utilizado; ou poderiam ter sido ptivilegiadas as oferendas de carácter perecível, de madeira, couro, ou entrançados vegetais de espartO, por exemplo, cuja importância à época era óbvia mas que s6 excepcionalmente se conservaram (caso dos materiais exumados na Cueva de Los .Murciélagos de Albuiíol, na Andaluzia, conservados no Museu Arqueológico Nacional, en) l\1adrid (Góngora y Martínez, 1868).
AlUa 5 do Amiciro
A anta 5 do Amieiro foi o terceiro monumentO a merecer exploração, em Setembro de
1
998,
sob direcção do primeiro signat,Írio, com a participação c1eJoão Carlos Clninas, Inês b1fendes da Silva, licenciada cm Hisrória (Variantede Arqueologia) pela Faculdade de Lerras da Universidnde de Lisboa, Rui Jorgc Oliveira Pedroso. aluno de Biologia da Faculdade de Ciências da mesma Universidade e André Ramos da Silva, aluno do Instituro Superior Técnico.
O monumento implanta-se no topo de pequena elevação da bordadura
serentrional da plataforma do Amieiro, a partir da qual se divisa uma vaSta paisagem, de várias dezenas de km em redor, especialmente para Nordeste, Esrc c Sul.
Sob um fllllllllm pior conservado que os anteriores, pois actualmente a sua
altura não ultrapassa 0,50 111, com o diâmetro máximo de cerca de LS m e evidenciado, como de costume, por blocos de quartzo, emergiam, antes da escavação, os topos dos esteios de duas estruturas distintas, taero inéditO no âmbito do megalitismo regional. Foi, portantO, a existência de lima provável CS[furUfa tumular secundária que detCflllinou a escavação deste monumento (Fig. 10).
162 mÃo LUIS CARDOSO, mÃo CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
A eSUlltllfa principal, coeva da construção do 1IIIJIlllm correspondia a anta
de câmara não diferencjada, do tipo "ferradura", a primeira que deste tipo se
escavou na região, com um esteio servindo de cabeceira e, respectivamente, cinco c seis esteios do lado setentrional e meridional, por vezes imbricados. Pela
dimensão, o recinto assim definido poderia albergar no máximo dois corpos deitados, em decúbiro lateral flectido. O interior evidenciava profundos
revolvimentos. Nfesmo assim, do espólio faziam parte uma grande placa de xisto
gravada de evidente origem alentejana (Fig. L 1), duas pontas de seta, uma grande
lâmina de sílex acasranhado, com origem provável no maciço calcário mesozóico
ocidental, un1a lamela incompleEa, um fragmento de taça em calare e um fragmento de placa de grauvaqllc roralmente polida, com decoração de sulcos incisos em ambas as faces (Fig. 12, n.o 1 a 6).
O sepulcro de menores dimensões cOlTesponde a urna cisca de planta sub -trapezoidal; ocupa posição periférica na mamoa e encontra-se afasrado da eSUlJ(ura principal cerca de 2,20 m para Norte. O seu interior tinha sido totalmente
remexido; apenas se recolheu, sobre o fundo da esuutura, um fragmento de placa
de xisto, do qual apenas o reverso se conservava (liso), e porção de um vaso campaniforme, com decoração pseudo-excisa, de grande inreresse para o
estabelecimento da cronologia do mornenro de construção desta estrutura secundária
(Fig. 12, n.o 7 e 8). QuantO ao fragmenro da placa de xisto, é provável que se trate
de objecto reaproveitado, talvez recolhido pelas popula(;,-ões campaniformes em sepulcro mais antigo das vizinhanças, sem excluir a hipótese, pouco provável, de
em época tão avançada ainda se confeccionarem tais arref.'lcros ideotécnicos. Contudo, eleve salientar-se a sua abundância, ainda no Calcolírico, como se conclui pelos
enconrrados na tb%s de Santiago do Escoural (Santos e Ferreira, 1969); foi também assinalada a sua associação às duas sepulturas individuais campaniformes do dólmen ele :Nlontum, Melides (Ferreira el cd., 1975) mas, nesre caso, poderia tratar-se de
simples reaproveitamento a partir das rumulações feitas anreriormenre no megáliro.
Anta 8 do Amieiro
A anta 8 do Amieiro foi objecco de escavação em Serembro de 1999, também sob direcção do primeiro signatário. Nela participaram os seus então alunos, da Licenciatura em Hisrória, Variante de Arqueologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa: Andreia Martins, Elisabete
Garradas, José Gonçalo Valente e Teresa Costa e, ainda, André Ramos da Silva,
aluno do Instituto Superior Técnico. O monumentO situa-se na bordadura su
l-oriental da vasta plataforma do Amieiro. A posição marginal do local explica a
erosão dos depósitos de cobertura terciários que constituem a referida plataforma:
INVEsnGAÇÓES RECENTES DO MEGAUTISMO FUNERÁRIO NA REGtAO DO TEJO INTERNACIONAL (IDANHA-A-NOVA) 16.\
na J)rópria <.hca adjacenre ao monumento, são frequcmes os afloramentos XI
Sro-grauv,lquicos, de idade ante-ordovícica, atravessados por numerOSOs filões de
quartzo, dos quais um se cnCOIHfí\ evidenciado por grandes blocos, dispostoS em
alinhamcmo a pOllCOS rnerros do meg.lIiro. A paisagem que se domina do sírio
é vasta, para os quadrantes de sudeste c sudoeste. Outrora campos de semeadura,
ponruados de azinheiras centenárias, o abandono das práticas agrícolas extcnsjvas,
ocorrido na década de 1950, conduziu ao desenvolvimentO de vegctação arbustiva,
dominada pelas giestas que, entreranro, atingi[am grande porre.
Do ponro de vista arquitectónico, trata-se de uma c~lllara aberta, volrada
para Esre, de planta geral em "ferraclura", semelhantc à do sepulcro mais antigo
de Amieim 5, com o comprimenro máximo de 1,4 m, cujos dez esteios, por
vezes
ligeiramellte imbricados. se enCOlltram reforçados na zona da cabeceira portrês OrtóStatOS extcriores (Figs. 13 C 15). Traca-se, pois, de um pequeno monumento,
muito bem conservado, quase toralmente enterrado no respeCtivo fm,,"/"s, que
ali atinge a alrura Illáxi ma, de cerca de I rn, certamente próxima da primitivl:1
(Fig. l4). A entrada, com a largura de 0,40 111, encontra-se definida por dois
esteios de maiores dimensões. A (obertura do recinto assim definido pode rer
sido assegurada por madeiramento, apoiado lateralmente nos esreios, coberto pelo
cairll. Esra hipótese é reforçada por não se ret encontrado qwtlqucr restemunho de uma eventual laje de cobertura, c ai nela por existirem, no interior da câmara,
desde a Sua parte mais funda, inúmeros blocos de quartZO perrencentcs ~tO [C/irl/,
quc para ali caír:lm quando o interior ainda se ellCOI1[[ilVa livre de enrulhos.
Como particularidade digna ele destaque, assinala-se a existência de uma
pequena estela de formara rabular. de alrura inferior à dos esteios, implantada no interiot da câmara e oricnrada no semiclo do eixo maior do monumento (Fig.
15. em cima). Esta situação tem pflralclo próximo n .. 1 esnÍtlIa-menir fálica e insculmrada enconcrada ainda iII sil/( no interior da câmara do dólmen de Nav~dcán, Toledo (Buello Ramírez el a!., 1999), cuja cronologia pode siruar-se no Neolírico Final ou já no Calcolítico. Tambén1 no pequeno megáliro de planta elipsoid:ll fechada de .Madronal, Cátercs, se encontrou, ocupando zona ctlHf<ll da câmara,
um pequeno monóliro, de alrura inferior à dos esreios da estrurura, como no
presente caso (Butno Ramírez, 2000). A implalHação deste monóliro dividiu a câmam em dois espaços aproximadamente iguais, cada um deles podendo receber, no m~íximo. lima deposição monuária.
O tllmlll1l1) com O diâmetro máximo de 15,5 m, é quase inregralmenre
constituído por blocos de quartzo lei rosa filoneano de médias c grandes dimensões,
engrenados uns nos outros, constituindo assim um rrlirn esuuturaJmenre
homogéneo. As grandes d.imensões de alguns dos blocos aproximam-se das
164 JOAo LUIS CARDOSO. JOAO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
verificadas na anta 1 do Poço do Chibo e reflectem, obviamente, a proximidade
e abundância da matéria-prima utilizada. A escavação parcial do I'IIIIII/m forneceu,
entre oU[ros materiais menos significativos, um fragmenro de grande taça carenada; um borelo em aba de recipicnce provavelmente fechado (Fig. 15, !l.0 5); um fragmento de rnachado de secção sub-recrangular (Fig. 15, 11,° 8), com o gurne massacrado por ter sido reutilizado como percutor (idêntico a exemplares esrremenhos); um geométrico (crescente) de sílex acastanhado (fig. 15, 11.° 4) e uma conta de cornalina rosada, uanslúcida eDIl1 perfuração central cilíndrica (Fig. 15, 11,° 7). Afastada a hipótese de o interior do sepulcro ter sofrido assinaláveis violações - aliás contrariada pela posição original ocupada pela estela-menir acima referida, a existência destes materiais do seu lado externo só pode explicar-se aceicando-se a sua deposição rirual no próprio tHJllIIl/IS.
A escavação cio interior do megáliro revelou escassos materiais. Destaca-se um pequeno "púcaro" munido de asa simples c fundo plano (fig. 15, n.O 9), O
qual se encontrava tombado de lado, corn a aberrura encostada à face imerna de um dos eSfcios do lado norte e à profundidade de 0,50 ln a contar do topo do referido esteio. A sua tipologia, aparentemente ev01uída, afasta, no entanto cronologia mais recente que a do monumento; com efeiro, a profundidade de recolha e a posição rimai do recipiente, contrariam tal hipótese. Por Olltro lado, na anta 6
do Couto da espanhola encontrou-se recipiente análogo (Cardoso, Caninas c Henriques, 1997b, Fig. 5 fi), tal como este de fabrico manual e pasta grosseira.
O interior do monurnenro forneceu dois micrólitos: um trapézio de calcedónia translúcida csbranquiçada (fig. 15, n.O 3) e urna lamela de quartzo, que poderá corresponder apenas a esquírola acidental (Fig. 15, 11.° 2). Recolhcu-se ainda um fragmento de ponta de seta de sílex rosado, translúcido, de base côncava, com extensas fracturas provocadas pelo calor (Fig. 15, n.o I). Esta realidade encontr a--se sublinhada pela presença de carvões dispersos no enchimento, talvez resultames de fogueiras ateadas na câmara, à semelhança da identificada na ama 3 do Amieiro. Admitindo-se a ausência de remeximenros e apenas uma fase utilização do mOllumento, a cronologia deste remonta, pela tipologia da ponta de seta, ao Neolítico final ou já ao Calcolírico.
Anta I do Amiciro
Trata-se de sepulcro escavado em Setembro de 2000. Os trabalhos foram dirigidos pelo primeiro signatário e contaram com a colaboração de Carla Martinho e Vanessa Loureiro, então suas alunas da variante de Arqueologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de António Belo, João Casa e Lurdes Ferreira, da Universidade Aberra, também seus alunos)
INVESTIGAÇOES RECENTES DO MEGAUTlSMO fUNERÁRIO NA REGIÃO DO TEJO INTERNACIONAL (IDANHA-A·NOVA) 165
de Filipe Samos .Marrins, Sofia Albuquerque e Marra Aralljo. alunos da Universidade
Autónoma de Lisboa e André Ramos da Sjlva, a,luno do lnscinno Superior Técnico.
À semelhança dos restantes dólmenes da região, o tUlllulus cra constüuído por
lima aculllulação hOIl'lOgénea de blocos rochosos (cair,,), maioritariamente de
quartzo leitOso filoncano. embora também ocorressem à superfície numerosos fragmentOs de xisro, resultantes essencialmente da destruição dos esteios da
câmara (Fig. l6). Com efeitO, o estado de conservação do monumenro era medíocre, o que foi confi rmado pela escavação_ Esta demonstrou a ausência de corredor,
correspondendo a eStrutura dollllénica a uma câmara de contorno poligonal
provavelmente fechada, constituída originalmente por sere esteios, cujo COntorno,
nos sectores elll que estes não se conservararn, era evidenciada pelo respectivo
embasamenco, com abundantes estilhaços de xisto resultantes do seu arranque (Fig. l7)_ Apesar de todas as terras terem sido cuidadosamente crivadas oão se
recolheu espólio, com excepção de três fragmentos de cerâmica lisa, incaracterísticos,
oriundos da zona da câmara, indício das forres perturbações ali verificadas.
l\lamoa 9 do Arnicil-o
O último monumento a ser escavado na plataforma do Amieiro situa-se 110
rapo de lima elevação isolada, em cujo topo se conservou, por efeito da erosão
regressiva, um retalho cios depósitOs de cobertura terciários que caracterizam o
relevo regulnr da plataforma do Amieiro. Foi localizado na sequência de informaçõcs
prestadas pelo rendeiro do Couro do Amieiro, o Sr. José Luís Fernandes ao primeiro
signacário do presente trabalho. no decurso da escavação da anca 1 do Amieiro.
A escavação efectuou-se também sob sua responsabilidade, em Setembro de 2000,
pela equipa já anteriormente mencionada.
Trata-se de sepulcro de pequenas dimensões, constiruído por um 111111111115 muito bem conservado, protegido por densa vegetação que o cobria e dissimulava
quase completamente (Fig. 18). com cerca de 5 m de diâmetro e de pequena altura, constiwído, como de costume, por blocos de quanzo, mas de maio[es
dimensões que os habituais, (caim). Esra situação decorre da existência de filão
de quartzo nas imediações, situação que tem paralelo na anta 8 do Amieiro e na anta I do Poço cio Chibo, adiante caracterizada. Accssoriamente, ocorrem elementos
de xisto, como também é vulgar, e que poderiam resultar da destruição parcial
da estrutura sob o 11111111"(1, a qual tinha sido anteriormente violada. Esta situação era indicada pela existência de uma depressão (fntwl no terreno, desprovida de
blocos. Escavada tal zona em profundidade, deparou-se com um recintO de
contOrno elipsoidal e fechado, incomplero de um dos lados, com cerca de 2 m
por L 01, definido por pequenas lajes de xisto, que não teriam outras funções
166 JoAO lUIS CARDOSO, JOÃO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
que a de delimitar imcriormenrc o al11ol1(oado de blocos que consriruem o IlllllIIIIIS
do monumenco (Fig. 19). As diminutas dimensões destes elementos impede de
considerar o monumento como "megalítico", sendo por isso adoptada a expressão,
mais adequada, de mamQa. Tal como se verificou na escavação cio sepulcro anterior,
apesar de as terras terem sido totalmcmc crivadas, não se encontrou nelas qualquer espólio. Nestas condições, a atribuição cronológico-cultural do nlonurnen[Q poderá
apenas ser feita com base nas respecrivas características arquitectónicas.
A existência de pequenos sepulcros baixos e fechados, de planra elipsoidal, sob IlIIlI/tli, é reportada em geral ao Neolítico Antigo, onde representam a fase
inicial do fenómeno megalítico; esta realidade encontra-se particularmente bem
documentada no Alentejo litoral, mas também no Alro Alentejo .. Mais recentemente,
foi igualmente referida no centro interior e no norte do País (Cardoso, 2002).
Esrar-se-ia, pois, perante um fenómeno que despontou na primeira metade do V
milénio a.C. em diversas regiões c de forma quase sincrónica, o que confirmaria
o pressuposto de a génese do fenómeno megalítico no ocidente peninsular, ser a
expressão funerária de populações que se encontrariam, globalmente, em um
detcnninado estádio de evolução tecnológica, económica e social.
Na região em apreço, foi escavado monumento scmelhanre aos referidos
-a -ant-a 6 do Couro da Espanhola - situada na plataforma vizinha do mesmo nome,
a qual, na sua fase mais antiga, das duas identificadas, correspondia a um monumento fechado, com espólio simples, integrando micrólitos (crescentes)
outras indúsrrias mictolíticas (mas sem pontas de seta) e artefactOs de pedra só
parcialmente polidos; face a tal realidade, foi o monumento situado em fase
inicial das manifestações funerárias do mcgalitismo regional (Cardoso, Caninas
e Henriques, 1995). Contudo, a mamoa 9 de Amieiro afasta-se daquelas características, não só por não existirem esteios (presentes mesmo nos pequenos
monumentos prato-megalíticos) mas ainda pelo facto do monumentO exibir um
bom acabamento: o ("(li!"1l encontra-se, de facto, cllidadosarnenre delimitado do
lado interno por lajes de pequenas dimensões, as quais mais do que garantirem
o apoio de uma cobertura, se destinariam, como se disse, a definir um recinto
sob tUll1ulus onde se poderá ter praticado a deposição de apenas um corpo.
Neste aspecto, aproxima-se singularmente dos recintos cistóides, da Idade do
Bronze da Beira Alta, os quais podem configurar apenas fossas rituais, cobertas por !1/!ll/di baixos, também constituídos por blocos pétreos: é o caso, elltre OlltfQS,
dos ITlOnurncntos sepulcrais ou rituais de Casinha Derribada (Cruz e! ai., 1998),
que se somam à necrópole de Paranho, conhecida de há muito (Coelho, 1925),
e à de Fonte da Malga (Kalb e Hock, 1980), rodas pertencentes ao concelho de Viseu.
INVESTlGAÇOES RECENTES 00 MEGAUnSMO FUNERÁRIO NA REGIÃO DO TEJO INTERNACIONAL {lOANHA-A-NOVA} 167
Em conclusão, não é com os pequenos fecimos riwais proto-megalíticos do
Neolítico Antigo, que este mOllumenco se deverá preferencialmente comparar
mas sim cam os pequenos tl/HI/tli do ciclo post-megalítico, da ldade do Bronze
do centro interior do País.
Outros monumencos ITIC!galíticos
Anta I do Poço do Chibo
A al1ta I do Poço do Chibo foi construída no tOpO de pequena elevação
situada 700 !TI a leste da aldeia abandonada de Alares, no sudoeste da freguesia
do Rosmaninhal. O rio Tejo corre ri cerCa de 2,5 km do local, que se implanta
no extremo ocidenral da refetida elevação. Explorada em Ouwbro de 1.998,
siwa-se cerca de lO Km a Sul do núcleo megalítico do Couro da Espanhola. Os
trabalhos foram dirigidos por João Carlos CaninaS c Francisco Henriques e comaram com a panicipação de Vítor Camisão, Ruben Henriques, Paulo Belo,
Maria dos Anjos Henriques, Carlos },'fagro, Cacilda Magro e Jorge Gouveia, membros da Associl:lção de Esrudos do Alro Tejo. A 6S 111 para nasccnre na mesma
cumeada e à !l"leS01íl altjrude de 292 m, identificou-se umH rocha gravada com
símbolos geométricos, a qual, por se poder relacionar com O mcgálito em apreço,
também se reproduz neste esrudo (Fig. 20).
Trata-se de pequeno monumento inserido em 11I1I1II/IIS consricuído por blocos de quartZO lei rosa, bem conservado e destacado no rerreno, cujo diâmetro máximo original não deveria ulrrapassar os LO m (Figs. 21,22). Na periferia do IIIIIIII/IIS,
são evidenres grandes blocos de quanzo lei rosa, que fecham a entrada do corredor
do monumentO e se prolongam lareralmente, cOllsticuinc!o anel de cOlltenção exterior do monrículo artificial. J\ estrunua do monumenro integra uma pequena
câmara, de planra circular, com cerca de I m de diâmetro e um corredor
comparativamenre longo, com 2,3 m de c0l11primenro, definido por esreios de quarrzo, de xisro e de grauvaque, inclinados para o interior do monumento devido
à pressão das tertaS do I""m/m (Fig. 21 e 23, em cüna).
'Iàl como já se tinha constatado na anta 2 do Arnieiro, o corrcdor deste
monumento, peja largura exígua, de cerca de
40 c
m e assinalável comprimenro,face às dirncnsões gerais do monumenro, não teria carácter funcional. A sua
enrrach\ parece ser marcada por dois monólitos, um de cada lado, que poderiam
definir um pequeno átrio ao ar livre, comparável ao identificado na anta 3 do
Amieiro. A câmara, de planta sub-circular, constituída por nove esteios, aproxim
a--se da que caracreriza os dólmenes de falsa cúpula, embora não fosse necessário
reCOrrer a esra solução, dada a pequenez do vão a cobrir, cujo comprimento
168 JOÃO LUIS CARDOSO, JOÃO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
m,íximo não ultrapassava 2 m. Trara-se, deste modo, de UIll sepulcro miniatural,
em pane determinado pela natureza das rochas utilizadas - incluindo blocos ele
quartzo que constituem alguns dos orrós[aws, tanto da câmara corno do corcedor - que imcgra a tipologia arquitectónica dos monumentos mais evoluídos do ciclo
megalítico.
O espólio revelou-se muito escasso: apenas se recolheu, na câmara, um micróliro de sílex (trapézio alongado) sobre lâmina de sílex castanho-amarelado rranslúcido (Fig. 23, n.o 2), fragmentos de raça (Fig. 23, n." 3) e de globulares
(Fig. 23, n.O 5), c lima amoladeira de grauvaquc, cujos fragmentos jaziam [anco na cârnara como no exterior do monumento, a ') !TI de distância do limüe sul da mamoa, prova concludente de ter havido uma violação anterior do megálito. Do
exterior da câmara, provém igualmente Ufn fragmento de recipiente fechado com bordo em aba (Fig. 23, n." 4) e um escopro de anfiboliro (Fig. 23, n° I), para
além de moventes e de dormentes de mós manuais e de materiais lascados de quartzo e quartzito, cuja relação com o monumento não é segura.
A rocha gravada corresponde a elcmento móvel alongado, em forma de sela, de grauvaquc, com uma das faces de topo insclllturada, com uma inclinação de
45 graus e 0,66 m de altura (Fig. 24). As inscllltllras foram obtidas pela técnica
do picotado e da abrasão, constituindo globalmente um motivo complexo, de
carácter geométrico, que se insere no quadro geral da arte esquemática megalítica
(Fig. 25); é, pois, compatível com a cronologia atribuída à anta, cuja arquiteccura indica, como se disse, lima fase evoluída do megalítismo, talvez já dos inícios do III milénio a.C., não obstante as pequenas dimensões do monumento.
Anta do Cabeço da Forca
A anta do Cabeço da Forca sitlla-se na pcrjferia do Rosmaninhal, a apenas
250 m do limite da povoação, sendo facilmente identificável pela existência de montículo tumulat pronunciado. Apesar de se situar na zona limítrofe do terreiro onde se realiza a feira da povoação, encontrando-se deste modo sujeira a elevada pressão antrópica desde há muito, considerou-se que a respectiva escavação se
encontraria justificada, na eventual falta de espólio arqueológico, pelo exemplo dúláccico e formativo que poderia constituir para a própria população local, a
corneçar pelos alunos da escola do primeiro ciclo ali existente. Os trabalhos foram
realizados em duas campanhas
0999
e 2000) e efectuaram-se sob a direcção de João Carlos Caninas e de Francisco Henriques; contaram com a participação dos seguintes elementos: Francisco Regala e Esmeralda Gomes (alunos deJ.
L C. da Universidade Aberta), João Caldeira Barata, Ricardo Chambino, Vítor Camisão,.Marcos Tavares, Ruben Henriques, Paulo Dela, Maria dos Anjos Henriques,
IfoNEST1GAÇOES RECENTES DO MfGAlIT1SMO FUNERÁRIO NA REGIÃO DO mo INTERNACIONAL (IDANHA-A-NOVAJ 169
Vanessa Gaspar, Carlos .Magro, Cacilcla Sallms, Sérgio Alves, Tiago .Miguel
e ~fário Chambino, membros ali colaboradores da Associação de Estudos do
Alto Tejo.
Os solos esqueléticos de narureza xisto-grauváquica eXistentes na área imediatamente adjacente ao monumenro forarn, no auge da produção cerealífera, utilizados direnamente como eiras, depois de aplanados. Apesat da sua boa
visibilidade c proximidade da povoação, não corresponde a nenhum dos três
monumenros dolménicos assinalados por Vera Leisner (Lcisner, 1998) a ocidentc do Rosmaninhal, já mencionados por Tavares de Proença. A área envolvcnte é caracterizada por amplos espaços, dcspidos de vcgccação, ele relevo muito suave,
possuindo o 1110nuI11cnw a altitude de 304 111. Apesar da pequena altura do
'''''II''m
,
que não ultrapassa 1 m, aquele possui 14 m de diâmetro, c1estacando--se muim bem no terceno, dadas as características deste, já mencionadas. Tal
como o verificado na generalidade dos outros monumentos, a superfície conserVi1va divcrsos blocos de quartzo leitOso e, em algumas zonas, observavam-sc inúmeras plaquetas resultantes da fragmentação dos esceios de xistO, dos quais apenas
aflorava um, na zona da câmara. Ao contrário dos monumentos anteriores, de
menores dimensões e cujo desenvolvimento arquitectónico era reconhecível logo no início dos trabalhos, nesce caso a dificuldade que existia na identificação dos
contornos da câmara e, por acréscimo, do corredor da sepulrura, obrigaram a
adoptar merodologia diferente, com a abcrtura de sanjas segundo uma vaSta quadrícula imposta previamente no terreno (Fig. 26). A execução de corres estratigníficos verticais ao longo dos linlites definidos por Glela uma daquelas
sanjas, c o seu posterior alargamenro, permitiram conhecer o modo como se
efC([1I011 O enchimcnm do interior do monumento.
A escavação do /lfllJlflllJ mostrou que este era constiruído essencialmente por
blocos de quartzo, e, em menor n(101ero, de grauvaquc, de quartzico C até de
granitóicles, além de dormentes de moinhos manuais, facto já anteriormenrc
assinalado noufros monumencos megalíticos do País, ao estudar-se o peculiar menir de Cegonhas, Rosmaninhal, correspondendo ao reaproveitamenro de Ulll
grande dormente de grauvaque (Cardoso el I'tI., 1995). Pode admicir-se a existência
de um Illonrículo zonado, já que, nos ponros em que a sondagem prosseguiu em
profundidade, os blocos líticos eram compleramente substituídos por um núcleo
argiloso, muico compano.
A escavação revelou uma câmara e um corredor bem diferenciados,
correspondentes a mOllumenco de grandes dimensões; a câmara, de planra
subcircular, possui 2 m por 3 m; o corredor, alongado (com cerCa de 6 111
de comprimentO) e csnciro (não ultrapassa 1 m de largura), possui orienração
170 JOAo LUIS CARDOSO, JOAO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
Estc-Oeste (figs. 27, 28). Apenas um eSfeio da câmara se enContrava complcw, revelando um mOllumento baixo, cuja cobertura poderia ser CIl'l falsa cúpula,
dado o assinalável vão que (cria de ser vencido, visco não existirem possibilidades de a conseguir de outrO modo, com os pequenos monóliros de xisco ou de grauvagllc disponíveis; cal siruação tcm o seu melhor paralelo no já menciondo
dólmen de Trincones I, Valencia de Alcântara. Cáceres. O corredor é também
muiro baixo, e encontra-se nalguns crechos evidenciado por alinhamentos de
pequenas lascas e lajes de xisw, correspondentes a encostos Oll à alteração de esteios entcctanw arrancados, dos quais, nalguns casos, foi possível definir os
alvéolos. São raros os esreios conservados, e estes sempre de pequenas dimensões. No espólio recolhido no decurso da prirneira campanha de escavações, avulta a utensilagem de pedra polida (Figs. 29, 30 e 31). Uma pane significativa dos materiais encomrava-se dispersa nas camadas superficiais da mamoa, em resultado de sucessivas violações da câmara; no chão primitivo desta, apenas se conservava,
em posição ritual, um grande machado, encostado a um esteio com o gume
voltado para o interior do recinco. O conjunto mais numeroso correspondia a depósito intacm, consti(Uido por dez instrumentos de pedra polida, elltre machados,
enxós, e um artefacto indeterminado, situado na pane final do corredor, do lado setentrional, junto da passagem para a câmara~ o qual, apesar do arranque dos esteios, não foi atingido pelos violadores. Na rnaioria dos casos, as peças dispunham -se perpendicularmente ao eixo do corredor e, provavelmente, foram depositadas
sem cabo; é O que sugere a sobreposição de duas enxós pela superfície que estaria
em contacto com aquele. No megalitismo português, conhecem-se algumas
referências a depósitos rituais de rnachados e de enxós: além do exemlJlo supra referido, dos dois rnachados orientados para lados opostos, encostados a um dos esteios da ama 2 do Amieiro, avulta o depósito de oito anefactos polidos de
<lnfibolito identificado na face interna da coroa de contenção periférica do IlIlJm/lIs
do dólmen I de j'vloinhos de Vento, Arganil (Nunes, 1981, Esc. 18 b), alguns dcles ainda sob a forma de simples lingotes.
Em contrapartida, O monumento não forneceu pontas de seta - abundantes noutros da região, como a anta 2 do Couto da Espanhola (Cardoso, Caninas e
Henriques, 1997a, 1997b), o que aponta para fórmulas rituais diferentes -revelando-se a cerâmica, a par de outras indústrias de pedra lascada, jncluindo
lascas, lârninas, lameJas e núcleos de lamelas, trapézios, c uma conta de rocha
policia, também muito escassa (Fig. 32). Um elemclHo denriculado de foice, com o característico lustre de cereal, recolhido perto da superfície, aquando da decapagem superficial da rnamoa, é inserível na Idade do Bronze e poderá
corresponder, simplesmente a um achado isolado, relacionado com o cultivo
INVESTlGAÇOES RECENTES DO MEGAlITISMO FUNERÁRIO NA REGIAO DO TEJO INTERNACIONAL (IDANHA-A-NOVA) 171
cerealífero daquelas tcrras, mais do que a uma reutilização funerária do mOllumento naquela época (Fig. 32, n.O 5).
~ - D1SCUSSii.o
Na vaSta região da Beira Interior confinante com O Tejo, o espaço scria pontuado de fO[llla Illuiro evidente por sepulturas megalíticas. Com efeitO, a
i mplanração discreta dos povoados, apenas evidenciados por achndos isolados de
grandes dormentes de mós manuais, contrasta com a visibilidade dos sepulcros,
reforçada pelo intencional revcstimento de blocos de quartzo leitoso dos respectivos
II/III/(Ii. Tal realidade exprime preceitos do foro simbólico-religioso cujo significado,
a par das rochas insculturadas, tambérn conhecidas nas imediações de alguns dos
rnonumcncos estudados, actualmente nos escapa.
As duas plataformas investigadas ~ os Couros da Espanhola e do Amiciro ~
parecem corresponder a verdadeiros nllCleos rncgalíticos, cuja identidade própria
é conferida pelas características geolllorfológicas específicas correspondentes.
Trata-se de supcrfícjcs planálticas regulares, bem delimitadas mpograficamente,
constituídas por depósitos de cobertura terciários (arenitOs grosseiros fortemente
fcrruginizados). A.s anras, quase sempre inrervisíveis, distribuem-se, assim, por
lima paisagem de jncgável individualidade e uniformidade.
No caso da plataforma do Amieiro, os monllmemos fOtam construídos aO longo
de uma longa diacronia1 talvez desde meados do IV milénio aos meados do
III
milénioa.C. (o derradeiro monumentO corresponderá à anta 3 do Amieiro), o que sugere a
frequência dos mesmos espaços sepulcrais ao longo de séculos; não será, pois, de
estranhar que. ainda na Idade do Bronze. alguns deste monumentos tenham continuado
a ser Utilizados como espaços funerários, como é O caso (1<1 anta 2 do Amieiro, depois
de, no finai do Calcolítico, se terem construído as derradeiras sepultllras, a que j~i não se poderá dar o nOll1e de megalíticas (caso da cista de Amiciro 2 b).
Independentemente da tipologia, trata-se de monumentOs que Inregram invariavelmente elementos conscrurivos de origem local ou, no máximo, disponíveis
a escassas centenas de metrOs: os esteios de xisto ou de grauvaquc disponíveis seriam, no entclnto, sempre de pequenas dimensões, raramenre ultrapassando t,O m
de comprimentO. Com tclis elementos, não era possível construir mOllumenros
de grande al(lJra coma os existentes nas regiões limítrofes. O AltO Alentejo e o
Norte da Beira IlHerior, onde ocorrém granitos. Tal facto explica a finalidade,
exclusivamente rimai, dos corredores de alguns do monumentos eSGlvados, cal
é a sua pequena altura e largura: a circulação ao longo deles seria ill1praticável,
para mais COm a dificuldade acrescida de transportar os corpos daqueles cuja
172 JOAO LUIS CARDOSO. JOÃO CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
deposição se efcccuaria preferencialmente nas câmaras de cais monumentos. É o
caso das anras 2 do Amieiro e 1 do Poço do Chibo.
Seria muitO mais fácil aceder dircccamcnce às câmaras rurnulares acravés da
cobertura, que era rcrnovida na altura de cada nOva tlIlllulação. Esta operação. no caso prescmc, enCOntra-se creditada pela ausência de grandes lajes de cobertura - das quais não se encontraram cm nenhulll caso vestígios. A cobertura, na maioria dos casos, seria assegurada com madeiramencos, cobertos por ramagens c pedras, fáceis de remover embora, pelo menos em um caso, renha sido rnuiro provavelmente a falsa cúpula a solução adoptada (anta 3 do Amiciro), a que se poderá acrescentar a anta cio Cabeço da Forca, à semelhança de alguns dólmenes da Exrremadura espanhola, já atrás mencionados. A ser assim, é a primeira vez
que na região a norte do Tejo, excepcuando a respectiva faixa litoral, se encontra
registada tal técnica construtiva: a sepultura de falsa cúpula mais setentrional até ao presente seguramente encontrada é a de Pai :Mogo, a Narre de Lourinhã, exceptuando ocorrência discutível na Serra da Boa Viagem (Figueira da Foz).
Do pontO de vista tipológico, os monumentOs megalíticos ora estudados
distribuem-se pelos seguintes grupos, correspondentes, sem excepção a estruturas
sob tumuli baixos, de enrocamentO homogéneo ou zon3do de blocos (c(/irm):
- recintos proto-megalíticos fechados, de pequenas dimensões, de planta
elipsoidal: apenas representados na vizinha plataforma do Couto da Espanhola, pela anta 6 ali identificada;
- antas sem corredor, aberras, em forma de "ferradura": ancas 5 a c 8 do Amiciro;
- antas de cân"lara poligonal, sem corredor, abertas ou mais provavelmente
fechadas: anta 1 do Amieiro;
- grandes antas de câmara com oiro ou maIS orróstatOs, de contorno sub--circular, com provável cobertura em falsa cúpula e corredores longos e
bem diferenciados: anta
3
do Amieiro e anta do Cabeço da Forca;- antas de câmara sub-circular a poligonal c corredores longos e bem
diferenciados, de pequeno tamanho: anta I do Poço do Chibo e anta 2 do Amieiro;
- cistas secundárias, de contorno sub-trapezoidal e individuais: cista Sb do Amieiro.
Já numa época muito posterior, da Idade do Bronze Pleno/Final, se situará
a mamoa 9 do Amiciro; a ser assim, trara-se de uma extensão meridional da ([adição funerária e ritual bem repteselHada pelas numerosas mamoas da Beira
Alta, por vezes organizadas em nllCleos.
INVEST1GAÇOES RECENTES DO MEGAUTISMO FUNERÁRIO NA REG!ÃO DO TEJO INTERNACIONAL (IDANHA-A-NOVA) 173
SubJinha-se, de novo, a existência de corredores longos e bem diferenciados em antas de pequenas dimensões; esta realidade é indicio ele lima rradição arquitectónica sem quc, no encanto, tivesse carácter funciona.!, pois o pequeno tamanho dos coneelores inviabilizaria a sua utilização como tal.
A orientação dos sepulcros eswdados, é variável:
Para Este: Anta do Cabeço da Porca~ Amieiro 8
Para És-sudeste: Amieüo 3, Afnieiro 5 e Poço do Chibo.
o
padrão dominante afasta-se do anteriormente observado n:1 anta 2 doCOlltó da EspanboJa, orientada para SE, mas aproxima-se do referido por Georg
e Vera Leisner (1951) para as antaS do concelho de Reguengos de Monsar:lz
(resultados inventariados por Gonçalves,
1
992
,
p. 40). Com efeitO, das 69 antas cuja orÍenração foi registada, 35 tinham o corredor com azimutes entre 100ue
llO°. logo seguidos do grupo com corredores orienrados para SE (lO casos) ou seja, voltados para O nascer do Sol, de onde vem a luz, e a vida, assim diariamente
reafirmada.
Citando V Gonçalves (Gonçalves, 1992, p. 5l) que abordoll o tema a
propósüo das antas de Reguengos de Monsaraz: "A morre e o nascimento, as
Trevas e a Luz. Setá coru estes oposros que a orientação das antas do concelho
de Reguengos de Monsaraz, como a de muitas centenas de outras antas, tem a ver ? Uma esperança de rerorno ou o simples virar castas à Vida/Luz, na inevitáveJ
viagem para a Morre e para as Trevas ?"
Outros aspecros arqui.tccrónicos são também dignos de destaque: na anca 3
do Amieiro. identificou-se átrio aberro, anrecedendo o corredor, e, no fundo da câmara, sobre o chão primitivo do monumento, um empedrado sub~circular que corresponde a estrutura de combustão. Aliás, a prática de fogos, riwais ou de higienização (situações que não são imcompatíveis), encontra-se documcncada
também no pequeno sepulcro ele Amieiro 8, não remexido, onde se recolheram
carvões c uma ponta de seta de base côncava com fracturas térmicas.
Às práticas rituais pode ainda associar-se a ocorrência de elementos de
moagem, fora de uso, como elcmencos constituintes dos tlflllldi de diversos
monumentos, como a 3nm do Cabeço da Forca, bem como a dispersão de espólio
nos montículos funerários, que dificilmente se podem relacionar, em cerras Casos
(anta 8 do Amieiro), com violações anreriores_
Enfim, sublinha-se a existência de esteja-menir encontrada i" sitll no imerior
da pequena câmara da anta 8 do Amieiro, a qua,1 possuj paralelos em monumenros
da vizinha província da Extremadura espanhola, de ripologja muito diversa:
câmaras fechadas de planta elipsoidal e monumentos tardios, de corredores bem
JoAo LUIS CARDOSO, JOAo CARLOS CANINAS, FRANCISCO HENRIQUES
diferenciados. Com efeiro, no caso presentc, apesar de se tratar de um pequcno sepulcro, sem corredor, de planta em "ferradura" e, deste modo, ser (onotável com f.1se precoce do megalitismo - rccorde-se que, na região de Pavia, as ancas com tal
arquirccrura foram recentemente consideradas mais antigas que as maiores e munidas de corredor (Rocha, 1999) - o faCto de nela ocorrer uma ponta de seta de base
côncava, somada à sua utilização limitada no tempo, resumindo-se a uma ou duas [umulações, coloca a respeCtiva cronologia, pelo menos, no Neolítico Final. Esta
situação conduz a um dos aspectos mais discutidos do megalitismo que é o da
respectiva coexistência, no espaço e no ccrnpo, de diversas soluções arquitectónicas.
; - PARA UMA PERIODIZAÇÃO DO MEGALITISMO REGIONAL
Anteriormente, os signatários tinham admitido, com base na escavação de dois monumentoS criteriosamente seleccionados pelas suas evidentes diferenças, apesar da proximidade - as antas 2 e 6 da plataforma do Couto da Espanhola -a existência de duas erapas bem diferenciadas nas manifestações megalíticas funerárias do sul da Beim Interior (Cardoso, Caninas e Henriques, 2000): a mais anriga, remomaria aOs primórdios do megalirismo regional, situável no Neolírico Anrigo e ainda na primeira metade do V milénio a.C., sendo a mais moderna
rcponável ao apogeu do megalitismo, verificável nos finais do milénio seguinre. Com efeiro, o único monumento megalírico de planra fechada de conrorno
elipsoidal (anta 6 do Couto da ESpanhola) aré agora escavado na região, possui tambén1 o único espólio reconhecidamenre primirivo, de enrre os recuperados:
rrata-se de conjunto sem placas de xisro nem pontas de sera, resumindo-se a micrólitos, lâminas e lamelas não rerocadas, e machados de pedra polida; a cerâmica, ralvez por quesrões rituais, não fazia pane do conjunto funcrário mais anrigo, situação que rcrn paralelos efn monumentos cio Narre e do Sul do País.
Quanto à indústria lírica, a associação de pequenos micrólitos, especialmente o crescelHe com retoque abrupto, a lâminas e lamelas não retocadas foi assinalada por Manuel Heleno em pequcnas anras fechadas~ pouco alras, consrruídas de lajes e de blocos tOscos, do limire ocidencal da peneplanície alentejana (região de J\rfonremor-o-Novo). Aquele arqueólogo, que ai i escavou mais de 300 sepulcros
megalíricos, considewlI como mais antigos os monumentos sem corredor com
espólio arcaico, incluindo machados polidos só no gume, micrólicos e cerâmica
grosseira (Moira, 1966).
Um dos sepulcros do Alentejo ocidental arribuíveis a esta fase primitiva é o de Azinhal 3, Coruche. Trara-se de pequeno monumento Fechado. que continha apenas alguns micróliros rrapezoidais, dois raspadores sem i-circulares, duas