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Apresentação - Dossiê

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Academic year: 2021

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APRESENTAÇÃO

Luciane Munhoz de Omena*

Pedro Paulo de A. Funari**

* Professora Adjunta de História Antiga da Universidade Federal de Goiás\Brasil. Pós-doutoranda no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais\UNICAMP sob a supervisão do Prof. Dr. Pedro Paulo A. Funari. Bolsista CAPES. E-mail: lucianemunhoz34@gmail. com ** Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas\Brasil. E-mail: ppfunari@uol.com.br

“Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento. Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: “Quem foi?” Manuel Bandeira. A morte absoluta.

A atitude em relação à morte e a imagem da morte são temas recorrentes e perceptíveis nas sociedades. Ao longo do tempo e das gerações, o destino funesto da morte, em que o ser humano se sujeita à mortalidade, produziu diversas represen-tações sobre a compreensão da finitude humana. Morrer é um fato. Logo, a experiência social da morte torna-se um elemento a ser explorado. Não mais consideramos, no mundo de tra-dição ocidental, um entretenimento assistir a enforcamentos, esquartejamentos ou suplícios na roda (ELIAS, 2001, p. 08), entretanto, em nossa contemporaneidade, as imagens da mor-te pululam em mor-telejornais e em outros meios de comunicação. Mulheres espancadas até a morte por seus cônjuges, homosse-xuais torturados e assassinados em função de suas orientações sexuais, mendigos incendiados e mortos nas ruas das grandes cidades, tal como Goiânia e São Paulo. [

A morte torna-se uma protagonista, e no entanto, ten-demos ainda a considerá-la um tabu, transformando-a em as-sunto destinado aos médicos ou aos especialistas da morte (por exemplo, agentes funerários, hospitais e asilos (HOPE, 2011, p. XI)). Seguindo esta linha de raciocino, este desconforto pe-culiar produz outro elemento desolador, a morte social, que im-plica, nesta circunstância, esquivar-se da vida em coletividade

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ou, em outras palavras, deixar de compartilhar coisas comuns à comunidade (cf. FUNARI, 2008). Grupos sociais ou indiví-duos, a exemplo de idosos em asilos, muitas vezes, tornam-se mortos para a sociedade, antes mesmo de sua morte física. Na argumentação de Elias (2001, p. 80), a velhice vem incorporada à ausência de jovialidade, às dificuldades de deambulação, à fla-cidez do tecido muscular, ao enrijecimento das juntas, associa-dos à diminuição da renovação de células novas que produz, em termos simbólicos, resistência à velhice e à proximidade com a morte. Isso nos leva a crer que a morte de si e dos outros incor-pora, na atualidade, uma “ansiedade social” (HOPE, 2011, p. XI), à medida que “a morte do outro é uma lembrança de nossa própria morte” (ELIAS, 2001, p. 17). Deste modo, a morte torna-se mais silenciosa, menos pública, se compararmos à An-tiguidade Clássica, à medida que o contato com a velhice, assim como também com os moribundos, marcam, de fato, uma níti-da separação entre o mundo dos vivos e dos mortos.

Em função deste tabu, sociólogos, historiadores, filósofos e arqueólogos passaram a se interessar na forma como as pessoas morrem, no tratamento dos corpos e na maneira como os mor-tos são lembrados ou, dependendo das circunstâncias, condena-dos ao esquecimento.1 Sendo assim, a morte social vincula-se ao processo de esquecimento que pressupõe, ao parafrasear Ban-deira, “morrer mais completamente ainda, sem deixar sequer esse nome” (BANDEIRA, 1986, p. 254).

Tal como entendemos, a morte é um processo histórico e, em razão disso, os homens buscaram meios de lidar com ela, e assim as representações fúnebres, por exemplo, se desenvol-veram em diferentes espaços culturais. Diversos são os ritos, mas para os nossos propósitos, destacaremos, nesse dossiê, as sociedades grega e romana a partir de evidências arqueológicas e da cultura escrita, as quais incidem em práticas mortuárias, em ritos, em simbologias que se transformaram em espetáculos de poder.

Nessa perspectiva, o combate à morte social na epopeia de Homero pode ser vislumbrado a partir da rememoração e do louvor do poeta, o qual preservava a glória do herói, man-tendo, desta feita, os valores sociais representados pela beleza, juventude, virilidade e coragem (VERNANT, 2001, p. 83). Morrer em campo de batalha – eutanasia – implicava não pôr fim a uma existência dolorosa, mas ganhar, de fato, a glória de

1. Referências sobre pesquisas que privilegiam à compreensão das representações mortuárias: PLASS, 1991; REIS, 1995; VERNANT, 2001; BROWN, 2001; ARIÈS, 2001; STERN, 2008; WALLACE-HADRILL, 2008; METCALF & HUNTINGTON, 2010; DURKHEIN, 2011; entre outros mais

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todos os tempos. O kléos (reputação) do herói - garantida em função de sua devoção à guerra – representava, por excelên-cia, a sua perpetuação ao longo das gerações, à medida que se inseria na memória social a sua condição de indivíduo como combatente. Como propõe Iriarte (2007, p. 15), a oração fú-nebre de Péricles em Tucídides (460 – 400 a.C.), diferente do herói homérico, criou ideais de “cidadãos-soldados mortos pela pátria”, que incorporavam a virilidade e, dessa forma, a cidade de Atenas consagrava a sua própria imortalidade política por meio da imortalidade de seus cidadãos-soldados. Morrer em combate implicava, com efeito, incorporar-se aos valores cívi-cos (LORAUX, 1994, p. 45).

Nesse contexto de batalha, a morte heroica e a incorpo-ração de valores cívicos romanos, em algumas localidades, tal como a Bretanha, a exemplo dos monumentos funerários da

Legio II Augusta, apresentava uma linguagem e uma decoração

simples e, em alguns casos, como indicou o estudo de Hope (2003 a, p. 126), não se podia definir a forma do monumento em função de suas condições precárias. No entanto, em grande parte destes epitáfios encontram-se relevantes informações con-tendo o nome do falecido, sua posição, título da unidade no momento da morte, nome do comemorador ou o responsável pela construção da lápide. De acordo com a autora, os primei-ros anos de ocupação da legião contribuíram para a criação, em termos simbólicos, da ideia de “unidade militar, continuidade e

romanitas” (HOPE b, 2003, p. 134). Alguns lembrarão que os

antigos não usavam o termo romanitas, mas podemos usar esse neologismo para designar certo comprometimento dessas pes-soas com o mundo romano no qual se inseriam. As necrópoles transformavam-se em ambientes, que propiciavam um senso de comunidade vinculado ao exército, pois, a partir das lápides, os homens tornavam-se soldados e, ainda mais, romanos.

Partindo desse contexto, as imagens produzidas nas re-presentações mortuárias associadas às procissões funerárias romanas e gregas, às estelas, aos frisos, aos diversos formatos de túmulos (mausoléus, pirâmides, templos, entre outros), aos epitáfios e ao simbolismo da morte fomentavam a produção de uma memória seletiva, digna de lembrança, que, de fato, criava um passado comum a ser incorporado à memória so-cial. Como se percebe, o estudo dos cerimoniais funerários, em especial, as procissões e seus ornamentos, presentes no espaço

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público, permite observar como promoviam indivíduos e sua póstuma memória, que, comprometidos com a uirtus romana ou o pátrios nómos (a norma advinda da tradição), propiciavam a manutenção e o equilíbrio social, mas também para revelar conflitos e hierarquias sociais.

O relato do funeral em Políbio (Histórias VI, 53.54) vem corroborar também com a compreensão da morte, em termos sociais e não somente em seus aspectos políticos, pois, assim como entendemos, as imagens do morto e de seus ancestrais, a comoção pública e, por fim, o discurso masculino no Rostrum sobre a relevância do falecido na comunidade política e a co-memoração das honras dos ancestrais, com ênfase às virtudes cívicas e seus méritos, refletiria de maneira positiva, segundo a argumentação de Políbio, no comportamento de um jovem romano.

Dessa forma, o papel social dos mortos torna-se, em nosso discurso, relacionável à produção de memória e esquecimento, pois, como compreende Gowing (2005, p. 13), os romanos, embora criassem instâncias reguladoras para o mundo dos vivos e dos mortos, não os submetiam ao isolamento social. Com isso, os monumentos mortuários dedicados aos familiares e in-divíduos expressavam, com muita nitidez, construções identitá-rias em consonância com a promoção pública de suas imagens; nomes, rostos, sucessos ou, em outro sentido, solicitavam aos visitantes ou, qualquer transeunte informal, lembrar de seus mortos, não esquecer a finitude da vida e, ao mesmo tempo, fomentar seus sentimentos de dor e perda.

Nesse sentido, os estudos sobre as representações da morte no Mediterrâneo Ocidental e Oriental vêm incorporados aos vestígios escritos, incluindo narrativas textuais e vestígios for-necidos pela cultura material nos sítios arqueológicos, que, em abundância, nos brindam não somente com as formas dos tú-mulos, mas também nos colocam em contato com as diversas possibilidades de interpretação histórica da morte. Deste modo, a ideia e iniciativa de elaborar o dossiê, para contemplar um tema rico e instigante como a morte, pretende suscitar, portan-to, a partir de pesquisas e inquietações de estudiosos em Anti-guidade Clássica, reflexões críticas sobre as várias concepções e simbologias da morte. Isto, em um momento em que, dadas as nossas circunstâncias sociais seria, talvez, salutar compreender as diversas facetas da morte.

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RefeRênciasbibliogRáficas

ARIÉS, Philippe. História da morte no Ocidente. Trad. Priscila Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.

BROWN, Ron M.. The art of suicide. London: Reaktion Books LTD, 2001.

DURKHEIN, Émile. O suicídio. Estudo de sociologia. Trad. De Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos. Seguido de enve-lhecer e morrer. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

FUNARI, P. P. A.. A diversidade de concepções sobre a morte e a magia: uma abordagem antropológica. In: BUSTAMAN-TE, R. C. (org.). Vida, morte e magia no mundo antigo. Rio de Janeiro: NEA\UERJ, 2008, 68-74.

HOPE, Valerie M.. Introduction. In: HOPE, Valerie M.; HUSKINSON, Janet (orgs.). Memory and Mourning:

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XI--XXIV..

_____________. Remembering Rome. Memory, funerary monuments and the Roman soldier. In: WILLIAMS, H.

Ar-chaeologies of remembrance. Death and memory in past societies.

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GOWING, Alain M. Empire and memory: the representa-tion of the Roman Republic in imperial culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

IRIARTE, Ana. Morir de parto en la Grecia Arcaica y Clásica. In: SIMÓN, F. M.; POLO, F. P.; RODRÍGUEZ, J. Remesal..

Formae mortis: el tránsito de la vida a la muerte en las sociedades

antiguas. Barcelona: Publicacions i Edicions, 2007, pp. 13-24. LORAUX, Nicole. Invenção de Atenas. Rio de Janeiro: Trinta e Quatro, 1994.

METCALF, Peter; HUNTINGTON, Richard. Celebrations

death. The anthropology of mortuary ritual. Cambridge:

Cambridge University Press, 2010.

PLASS, Paul. The game of death in Ancient Rome. Arena, sport and political suicide. London: The University of Wisconsin Press, 1995.

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POLIBIO. História. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1996.

REIS, João José. A morte é uma festa. Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

STERN, K. B. Inscribing Devotion and Death. Archaeologi-cal Evidence for Jewish Populations of North Africa. Boston: Brill, 2008.

VERNANT, Jean-Pierre. El individuo, la muerte y el amor en

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2001.

WALLACE-HADRILL. Housing the Dead: The Tomb as House in Roman Italy. In: BRINK, Laurie; GREEN, De-borah (eds.). Commemorating the Dead: Texts and Artifacts in

Referências

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