FLG 0355 – Climatologia II
Disciplina Ministrada pelo Prof. Dr. Ricardo
– Os Ventos – 1 – Introdução
O presente resumo de aula visa explanar a formação e atuação dos ventos, bem como a Física do fenômeno e sua importância na visão geográfica.
Apresentam-se, para cumprir esta meta, as forças atuantes, as descrições dos ventos e alguns conceitos importantes que podem ser aplicados em diversas áreas de atuação do geógrafo.
2 – Os Ventos
Os ventos são o ar em movimento devido a ajustes atmosféricos causados pela variação da pressão. Como um fluido, o ar deve se comportar de maneira equilibrada, sem regiões de “vazios”. Desta forma, nas áreas onde temos baixa pressão, o ar tende a escoar para seu interior, objetivando compensar a menor quantidade de massa. As regiões de alta pressão é que cederão o excesso de massa para formar o equilíbrio (Fig.1).
Fig.1: No exemplo (a) as duas cidades possuem a mesma pressão atmosférica em superfície. (b) O
ar esfria na cidade 1 e esquenta na cidade 2, contudo a pressão em superfície continua a mesma, porém, a cada metro de elevação, acentua-se a diferença de pressão entre os níveis correspondentes. Desta maneira, os geopotenciais se destacam e haverá movimento compensatório, surgindo os ventos, sempre da Alta (H) pressão para a Baixa (L) (c).
3 – Descrição do Vento
Os ventos são considerados grandezas vetoriais, portanto, possuem um valor escalar (quantificação da intensidade) e um valor vetorial (direcional). Em Meteorologia, o vento é descrito com o valor em graus do sentido de onde vem, em relação ao Norte, conhecido como azimute. Em Climatologia, os setores cardeais, colaterais e as vezes os sub-colaterais são usualmente utilizados, já que não há necessidade tanta precisão, permitindo a divisão discreta em classes. A velocidade dos ventos pode ser expressa em quilômetros por hora [km/h], milhas por hora [mph], nós (milhas náuticas por hora [kt] ou metros por segundo [m/s] (S.I.). Dependendo da aplicação, utiliza-se uma destas unidades. Em aeronáutica, por exemplo, utiliza-se o nó como unidade principal de velocidade. Nas pesquisas científicas, o m/s.
Os instrumentos que medem sua velocidade são os anemômetros. Os que registram a velocidade, anemógrafos e os que fornecem sua direção, anemoscópios. Nas cartas, as linhas de mesma velocidade de vento são chamadas isotacas e as linhas de mesmo sentido, isógonas.
Existem diferenças também no modo de descrever e obter os ventos constantes, ou médios dos súbitos e velozes, como as rajadas. Para tanto, certas convenções foram criadas.
4 – Obtenção, Métodos de Medida e Convenções
O vento pode ser descrito segundo as velocidades e o tempo de avaliação: 4.1 Instantâneo: é aquele obtido em uma aquisição de curta duração, geralmente pouquíssimos segundos (com o advento da eletrônica, há medidas em frações de segundos). Como o intervalo de tempo é muito curto, a observação não é fidedigna de representar a realidade do panorama observado. Sua utilidade serve apenas para dar uma ordem de grandeza do comportamento;
4.2 Médio: pela OMM, é aquele obtido de diversas observações, realizadas em uma duração de dez minutos. Para o seu cômputo, soma-se todas as aquisições realizadas e se divide pelo número destas observações. Esta é a definição de média que devemos utilizar para a maioria das atividades humanas atribuídas ao estudo do clima. Contudo, pode-se refinar mais ainda este valor, uma vez que quanto maior for o número de medidas, mais próximo da realidade estaremos do comportamento do vento. Em uma condição especial, chamada pelos matemáticos de Limite, onde o número de observações tende ao infinito, teríamos a “realidade” do vento, expresso
pela média real. Deve-se lembrar que o vento médio é aquele que é representado nas cartas de vento;
4.3 Calmo: a definição de vento calmo deve levar em conta o aspecto da duração da observação. Períodos de calmaria podem variar de poucos instantes até dias. Para tanto, aparamentado de instrumentação, o observador poderá diagnosticar a calmaria utilizando um dos seguintes critérios convencionados:
• Se o vento instantâneo oscilar entre a parada total (0,0m/s) e ser menor ou igual a 0,3m/s, diz-se que a condição é calma;
• Se o vento médio (10 minutos) registrar valores entre 0,0m/s e ser menor ou igual a 1,5m/s, diz-se que a condição média é calma.
Para um observador desprovido de instrumentos, a observação do panorama poderá ser realizada. Neste caso, segundo a escala Beaufort (descrita mais abaixo) a condição calma, de Força Zero é dada pela descrição de que “a fumaça sobe verticalmente”, por exemplo (Fig.2).
Fig.2: o vento calmo permite que a fumaça suba verticalmente pela própria
energia convectiva do fogo. Estas avaliações em campo são muito úteis para o geógrafo quando avalia o panorama da paisagem e necessita de informações, sem utilizar instrumentos.
4.4 Máximo: segundo a OMM, o vento máximo é a maior velocidade do vento registrada dentro de um período pré-definido de observação, anteriormente estipulado. Uso prático em estatísticas, determinando quais foram as velocidades instantâneas maiores da hora, do dia, do mês etc.
OBS.: O vento máximo PODE ser uma rajada, mas não necessariamente uma rajada é o vento máximo. Os dois eventos podem ocorrer, dentro de um período estipulado, sem nenhuma correlação.
4.5 Rajada: constitui-se como um vento que é dado em forma de pulsos. Apresenta-se como um sopro súbito que excede a velocidade média do momento (obtida em dez minutos, item 4.2) em mais de 5,14m/s (usualmente, 10 nós ou seja 10kt) por um curto período de tempo que não se estenda por mais de 20 segundos. Se a velocidade permanecer alta, entrará no cômputo da velocidade média do vento. A rajada é considerada um dos mais perigosos meteoros da categoria ventos (Fig.3).
Fig.3: Aquisições instantâneas de ventos (verde) geram, após 10 minutos, o vento médio (azul).
Para ser considerada rajada, a aquisição instantânea deverá ultrapassar as barras laranjas (incrementos de 5,14m/s ou 10kt). Note que no minuto 42 houve uma aquisição bem superior à rajada do minuto 18. Como a média no minuto 42 estava muito alta, o valor instantâneo foi apenas o vento máximo do período.
5 – Forças Atuantes para o Surgimento dos Ventos
Força do Gradiente de Pressão: é aquela formada pela diferença de pressão entre dois pontos. Aponta sempre do ponto de maior pressão para o de menor pressão, perpendicularmente às isóbaras. Quanto maior for o gradiente, maior será a força e consequentemente o vento (Fig.4).
Exemplos: Ventos fracos
Ponto A com 1010hPa; Ponto B com 1014hPa; Distância de 100km:
Diferença de 4hPa / 100km (3 isóbaras, contando as de A e B). Ventos
fortes
Ponto A com 1000hPa; Ponto B com 1020hPa; Distância de 100km:
Fig.4: No exemplo, no caso superior, o gradiente de pressão entre os dois pontos (1012 a 1000hPa
ou mb) é maior que o caso inferior (1012 a 1006hPa). Como a distância entre os dois pontos é a mesma (ΔS) o valor da força do gradiente de pressão irá ser proporcional e invertida para cada gradiente de pressão. No caso superior, a força apresentou-se maior, respeitando o elevado gradiente.
Em qualquer carta sinóptica, a proximidade das isóbaras representa gradientes fortes de pressão, portanto, ventos fortes.
Quando o vento for regido somente pela força do gradiente de pressão ele será chamado de Vento Barostrófico. Normalmente ocorre em movimentos de pequenas distâncias até 600m de altura.
Força de Coriolis: Não é considerada uma força real, pois não tem um agente fomentador. O que se considera desta “força” é que para se ajustar as equações da meteorologia, houve necessidade de se utilizar um artifício matemático para representar o movimento da Terra, ou seja, se o planeta não girasse, o ar fluiria diretamente da alta para a baixa pressão em grandes sistemas (Fig.5). Com o giro da Terra, o ar só se comporta desta maneira em movimentos de curtas distâncias. Nos longos e grandes sistemas meteorológicos, ele é “desviado” de sua trajetória original. No hemisfério Sul, o desvio é para a esquerda e no hemisfério Norte, para a direita. A força de Coriolis é perpendicular à trajetória do deslocamento, dirigindo-se no sentido das pressões mais altas. Seu efeito é máximo próximo aos pólos e nulo no equador (Fig.6).
Fig.5: sem o giro da Terra, o ar simplesmente se deslocaria
em linha reta da alta para a baixa pressão, como uma onda que se desloca à praia.
Fig.6: atuação da “força” de Coriolis nada mais é que a representação da inércia que um corpo
possui ao se deslocar pela atmosfera (ou oceano) da Terra. Livre do atrito junto ao solo, os corpos tendem a manter a velocidade escalar do ponto de origem.
Quando o vento for regido pela força do gradiente de pressão e pela força de Coriolis ele será chamado de Vento Geostrófico (Fig.7).
Força Centrífuga: os ventos que circulam centros fechados de alta e baixa pressões sofrem efeitos centrífugos. Portanto, nestes movimentos há um balanço entre força centrípeta e centrífuga que mantêm os ventos paralelos às isóbaras. A força centrífuga deve ser computada para esse efeito.
Quando o vento for regido pelas forças do gradiente de pressão, Coriolis e Centrífuga ele será chamado de Vento Gradiente.
Como em baixas latitudes e no Equador o efeito de Coriolis é bastante desprezível, os ventos serão regidos pelas forças do gradiente de pressão e centrífuga. Neste caso, denomina-se como Vento Ciclostrófico.
Fig.7: as forças atuantes
no vento geostrófico dependem da força do gradiente de pressão e de Coriolis. Os giros são determinados pelo hemis-fério da Terra devido a inércia diferencial que cada um possui em relação ao Equador e respectivo pólo geo-gráfico Norte ou Sul.
Força de Atrito: é a força que oferece resistência dinâmica ao deslocamento do ar por fricção. Provoca pequeno desvio para o sentido das baixas pressões, ou seja, no hemisfério Sul, o desvio é para a direita e no hemisfério Norte, para a esquerda. Esta força diminui a velocidade do vento nas camadas mais baixas da atmosfera.
O atrito da superfície é atuante até 600 metros de altura, o qual chamamos de Nível Gradiente. A camada compreendida da superfície até o nível Gradiente é chamada de Camada de Fricção. Acima disto, a considera-se atmosfera livre.
Dentro da camada de Fricção, temos a Camada Limite que se estende da superfície até os 100 metros e que compreende os ventos considerados de superfície. A partir daí até os 600 metros, chamamos de Camada de Transição, onde teremos os ventos superiores ou de altitude.
O nível de atrito varia conforme a superfície. Na água ele é menor, com cerca de 600 metros. Em terra plana, atinge 900 metros e em área montanhosa, 1800 metros ou mais (Fig.8).
Fig.8: disposição convencionada dos efeitos da rugosidade do terreno natural pertencente ao estrato
geográfico. A camada Limite vai até 100 metros acima da superfície. A ação da fricção varia de 600 a 1800 metros, conforme se apresenta a orografia.
É importante lembrar que o atrito será responsável por um desequilíbrio no vento geostrófico. Desta maneira, o vento resultante, quase-geostrófico, apresenta-se mais próximo do vento real.
Relacionando todas as forças, obtemos as seguintes categorias de ventos (Tab.1):
Tab.1: Resumo da Atuação das Forças nos Ventos
Vento Força Gradiente de
Pressão
Coriolis Centrífuga Atrito
Barostrófico Presente
Geostrófico Presente Presente
Gradiente Presente Presente Presente
Ciclostrófico Presente Presente
Quase-Geostrófico Presente Presente Presente Presente
6 – Circulação dos Ventos
Em função dos ventos estarem sobre a influência das forças do gradiente de pressão e Coriolis, teremos características especiais para cada tipo de centro bárico, conforme o hemisfério:
Hemisfério Sul: Circulação nos centros fechados
Alta Pressão: Vento divergente, anticiclone, giro anti-horário, Noroeste-Sudeste, bom tempo, vento fraco, subsidência do ar, estabilidade;
Baixa Pressão: Vento convergente, ciclone, giro horário, Nordeste-Sudoeste, mau tempo, vento forte, ascensão do ar, instabilidade.
Hemisfério Norte:
Circulação nos centros fechados:
Alta Pressão: Vento divergente, anticiclone, giro horário, Nordeste-Sudoeste, bom tempo, vento fraco, subsidência do ar, estabilidade;
Baixa Pressão: Vento convergente, ciclone, giro anti-horário, Noroeste-Sudeste, mau tempo, vento forte, ascensão do ar, instabilidade.
7 – Considerações Finais
Os ventos são apenas o ar em movimento que surgiu como uma medida de resposta para realizar os ajustes atmosféricos. Estes, por sua vez, foram necessários para estabilizar a atmosfera devido às mudanças de pressão e presença dos centros báricos. A causa da formação dos centros báricos está relacionada com os diversos processos de aquecimento diferencial, causados pelo Sol e pela redondeza do geóide terrestre.
Deve-se lembrar que o relevo do estrato geográfico contribui para as interações com a dinâmica do deslocamento do ar realizado pelo atrito com a superfície.
Quanto às forças atuantes, há uma observação importante sobre o gradiente de pressão. Sua força aponta sempre do maior para o menor. Quanto a força de Coriolis, seu efeito apenas deflete os ventos de longo percurso, sendo fraca próxima ao Equador e mais forte conforme se aumentam as latitudes. Isto define os giros dos centros báricos de alta e baixa pressões atmosféricas, vinculado ao hemisfério em que os mesmos se encontrarem.
Anexo 1: Escala Beaufort
Baseado nas observações de superfície, o Almirante Beaufort, da Marinha Inglesa desenvolveu, em 1804, a Escala Beaufort para a estimativa de velocidade do vento, onde cada estado do mar está diretamente relacionado a uma faixa de velocidade média do vento. O desenvolvimento desta escala foi feito observando o efeito do vento nas velas do seu navio, altura das ondas, visualização do estado do mar e, checando em anemômetros, a velocidade do vento.
Mais tarde, utilizou-se o mesmo princípio de comparação, mas com alvos terrestres, como fumaça, folhas, galhos e árvores (a ação do vento sobre a relva alta lembra muito a superfície do mar). Do mesmo modo, comparou-se o estado do litoral sob a ação dos ventos. A Escala Beaufort, com os três parâmetros de observação, torna-se muito útil ao geógrafo na estimativa da velocidade média do vento. Uma dos motivos é que permite uma avaliação espacial e não puntual. Contudo, é importante avaliar as condições por um certo período de tempo antes de aplicar a escala para que seja possível interpretar o vento médio e não sopros de rajadas, por exemplo.
Abaixo, seguem os descritivos das Forças Beaufort que variam de 0 a 12: