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TIAGO DAMASCENO PEREIRA

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TIAGO DAMASCENO PEREIRA

INTERLOCUÇÃO POLICIAL: CRITÉRIOS NA ESCOLHA DOS

ABORDADOS.

São Cristóvão - SE OUTUBRO/2020

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RESUMO

Este estudo investigou alguns fatores tomados como referência pelos agentes de Segurança Pública da Polícia Militar do Estado de Sergipe (PM/SE/Brasil), nos procedimentos de abordagens e buscas pessoais, durante os patrulhamentos realizados em bairros periféricos da cidade de Aracaju. A pesquisa centrou-se na análise da percepção dos policiais na identificação de indivíduos que consideram suspeitos, bem como na maneira pela qual estes indivíduos experimentam e percebem a abordagem policial. A metodologia utilizada neste estudo é de natureza quantitativa, composta pela aplicação de questionários específicos a dois grupos: 100 policiais e 100 moradores de periferias. Com base nos apontamentos mais relevantes, foram investigados os critérios na escolha dos abordados e se as suspeitas que induzem à abordagem policial apresentam claro respaldo legal. Como esses procedimentos utilizam marcadores pessoais estereotipados, foi também investigado, entre os cidadãos dos bairros da periferia de Aracaju, como eles avaliam o trabalho policial.

Palavras-chave: Abordagem policial. Suspeito. Estereótipo.

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1. INTRODUÇÃO

No dia 25 de maio de 2020, George Floyd, um homem afro-americano, morreu depois que o policial (branco) Derek Chauvin, de Minneapolis (EUA), ajoelhou-se no pescoço de Floyd por pelo menos sete minutos, enquanto ele estava algemado e deitado de bruços na rua. Os estudantes João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, e João Vitor da Rocha, de 18 anos, negros, morreram uma semana antes de Floyd durante uma operação conjunta das polícias Federal e Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no primeiro caso, e pela polícia militar, na Cidade de Deus, no segundo, ambos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (BRASIL).

Observando estes fatos, vale destacar que a discussão sobre a abordagem policial demonstra ser imprescindível, haja vista os contornos mais recentes no que diz respeito à insegurança e impunidade no Brasil, o que faz com que considerável parcela da população defenda o emprego do uso ilimitado do aparato policial no combate à criminalidade, o que em muitas das vezes resulta em arbitrariedades cometidas pela autoridade de segurança pública (ALMEIDA, 2007). Nesse sentido, Nucci (2007) salienta que o combate à criminalidade recorre às ações preventivas, em sua grande maioria, pela polícia militar, uma vez que esta Instituição é responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo, incumbência esta, que restou determinada pelo art. 144, §5º, da Constituição Federal.

Ainda no âmbito jurídico, acerca da abordagem policial, o Código de Processo Penal brasileiro preceitua, em seu art. 244, que a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando restar evidenciada fundada suspeita de que o indivíduo esteja na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda, quando tal medida for motivada no curso de busca domiciliar. Segundo Andrade (2009), não há que se discutir a legitimidade da abordagem policial quando observadas as determinações legais, uma vez que tal atividade está intimamente relacionada à preservação e manutenção da ordem pública, de acordo com o regramento constitucional assinalado anteriormente.

No entanto, Ramos e Musumeci (2005) observam que sendo a busca pessoal inerente ao poder de polícia e decorrente da condição do agente de segurança pública, não pode a autoridade policial realizar abordagens de forma indiscriminada, pois, tal prerrogativa está vinculada aos princípios da motivação, proporcionalidade e razoabilidade, aplicáveis no âmbito do direito administrativo. Desta forma, Cunha (2012) defende que a autoridade policial deve constatar, em momento anterior à abordagem, se tal procedimento atende aos

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requisitos legais, dentre os quais, encontra-se a fundada suspeita, não podendo deixar-se levar, exclusivamente, por elementos subjetivos.

Setenta e um anos atrás, no dia 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou, por unanimidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Os direitos humanos são fundamentais a todos, independente de sua condição social, etnia, nacionalidade, gênero, orientação sexual, opinião política, opção religiosa ou qualquer outra variação. Em resumo, são direitos universais que protegem indivíduos e grupos contra ações que possam interferir em suas liberdades e dignidade. (DE BAETS, 2010)

Nestes 14 anos na Polícia Militar de Sergipe atuando, também, frente às minorias sociais e na defesa dos direitos humanos, foi despertada a motivação de se aprofundar a análise do referido tema, diante dos fatores sociais envolvidos. Neste sentido, o objetivo principal deste projeto consistiu em pesquisar quais os critérios na escolha dos abordados pelos policiais militares. De forma específica, investigou se a legislação vigente é aplicada na prática da abordagem policial e analisou a percepção dos moradores dos bairros da periferia de Aracaju quanto ao trabalho policial. A fim de pesquisar os estereótipos que um grupo constrói a respeito do outro e se há descumprimento das diretrizes dos Direitos Humanos, foram aplicados dois questionários fechados para cada grupo.

A sociedade, por sua vez, tem ideias e expectativas acerca dos critérios acionados pelos policiais em tais situações, ideias e expectativas que podem ou não confirmar-se nos encontros diretamente vividos, podem modificar-se ou não a partir das experiências concretas e podem ou não coincidir com o que os cidadãos pensam que a Polícia deveria fazer. Esta pesquisa busca responder à seguinte pergunta: Quais os critérios na escolha dos abordados pelos policiais militares?

2. CONCEPÇÃO DA CONDIÇÃO DE SUSPEITO

Um dos fundamentais elementos do policiamento ostensivo é a ação preventiva, a qual viabilize a antecipação à prática da atividade criminosa. A identificação e a neutralização preventiva dos "delinquentes", avistados em determinada área, é um dos objetivos basilares dessa estratégia. Entretanto, essa é uma ação complexa e pretensa aos mal-entendidos, afinal, não há parâmetros claros, seja na legislação, seja na formação dos policiais, para orientá-los a identificar as características de um suspeito. Atualmente, ainda não há marcas distintivas que

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possam garantir aos policiais que certos grupos ou indivíduos sejam criminosos ou apresentem potencial para sê-los.

Numa perspectiva histórica, marcas distintivas foram explícitas e manifestas à sociedade, como preposto na identificação de indivíduos tidos como nocivos, dos quais a coletividade deveria se proteger. Acerca desta questão, Goffman (1980) narra que os gregos tinham vasto conhecimento, pois utilizavam, bastante, os recursos visuais. O termo estigma foi criado pelos gregos para se referir aos sinais corporais, a fim de evidenciar algo extraordinário ou mal relacionado ao status moral de quem as exibia. Segundo Goffman, estes sinais eram feitos no corpo de certos indivíduos, com cortes ou fogo, para identificá-los publicamente. Assim, o portador das marcas ou sinais era reconhecido, pela sociedade, como um escravo, um criminoso, um traidor; como uma pessoa que deveria ser evitada.

Atualmente, as sociedades em geral não utilizam esses tipos de identificação como forma legitimada de situar o status moral dos indivíduos transgressores. Contudo, há outras formas não legitimadas juridicamente, mas, de certo modo, firmadas culturalmente, capazes de marcar indivíduos ou grupos tendo como embasamento suas características específicas, independentemente de serem eles delinquentes ou não. A evidência dessas marcações pode ser observada, por exemplo, nas atitudes dos policiais que trabalham no policiamento ostensivo, os quais são constantemente solicitados a avaliar a condição de suspeição e eventual periculosidade de grupos e indivíduos. Dessa avaliação, depende sua decisão de realizar ou não medidas de contenção, de busca ou de revista pessoal.

De acordo com Reis (2002), o fenômeno social de suspeição policial está baseado em três elementos principais: o lugar, a situação e a característica suspeita. O primeiro elemento estaria situado na concepção de que o lugar é um fator considerável na possibilidade de que determinados tipos de delitos sejam cometidos; o segundo estaria ligado às situações passíveis de suscitar o cometimento de crimes; e o terceiro estaria relacionado a determinadas características do indivíduo, segundo as quais ele possa ser considerado um delinquente em potencial.

A discricionária qualificação negativa de determinados usos sociais, tais como modo de se vestir, tatuagens, tipo de corte e coloração de cabelo, para imprimir a condição de suspeito, ainda substancia um fenômeno recorrente nas polícias do Brasil, sobretudo na polícia sergipana (ver Figura 01). Baseado nesse referencial, quem não se enquadre na concepção de normalidade ideada pelo policial e seja avaliado, por ele, em divergência com o cenário no

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qual se encontra, poderá ser percebido como suspeito e, nessa condição, vivenciar sujeições de uma busca pessoal em público.

É apropriado observar que o aspecto de normalidade é ideológica e culturalmente condicionado, pois admite uma multiplicidade infindável de nuances (Foucault, 1987, 1994). Assim, a constituição da suspeição é um processo direcionado, fundamentalmente, na individualidade daquele que suspeita e naquilo que considera ser seu conhecimento, não tendo, assim, respaldo seguro na realidade. De acordo com Reis (2002), a suspeita surge como uma construção social baseada na experiência prática do policial, e varia conforme suas vivências pessoais e profissionais, o que, ostensivamente, a torna impregnada de seus valores e pré-conceitos (ver figura 02).

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De acordo com o STF, a legitimação da "fundada suspeita" estabelece a composição de elementos concretos que apontem a suspeita, já que a abordagem de um cidadão, tendo como parâmetro a condição de suspeição, pode prontamente levar a situações vexatórias e arbitrárias. Contudo, mesmo no posicionamento do Tribunal, não estão claros quais são os mencionados "elementos concretos" capazes de indicar inequívoca e legitimamente a condição de suspeição (Supremo Tribunal Federal, 2002).

Nucci (2007) evidencia que a abordagem seja motivada numa análise concreta, pautada, principalmente, em fatos e em testemunhas, e não apenas em mera percepção subjetiva do agente da Segurança Pública. Segundo o autor, o policial pode abordar uma pessoa sob a justificativa da objetivação de um interesse público maior, sua conduta deve ser cuidadosamente delimitada, e não a partir de seus pré-conceitos, ou seja, sem nenhum critério legalmente definido, seja o indivíduo, o veículo ou a situação suspeita (ver Figura 03). De outra forma, a pessoa constrangida poderá estimular a responsabilização do policial, por sua atuação abusiva, e da instituição a qual ele pertence.

Quanto ao lugar, segundo Reis (2002), há a concepção de que quanto mais "populares" ou precárias as características do bairro, maior a probabilidade de se encontrar indivíduos suspeitos. Por esse motivo, geralmente as comunidades das periferias das grandes cidades são

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apontadas como o lócus privilegiado das ações da polícia. Nesses locais, segundo Reis, a polícia está sempre em atitude defensiva, pois todos são suspeitos até que provem o contrário. Na prática, esclarece a autora, essa inversão de valores tem norteado a ação policial em bairros onde as características físicas dos moradores, referidas anteriormente, são adicionadas a estilos de vida supostamente delinquentes. A autora conclui que, em consequência dessa manifestação preconceituosa, a segregação espacial dos bairros periféricos torna todos os seus moradores marginais potenciais, quando estão no seu próprio bairro, e "suspeitos óbvios", quando estão em outras localidades da cidade.

3. PRESSUPOSTOS DA ESTEREOTIPIZAÇÃO

A concepção da condição de suspeito está diretamente conectada à estereotipização do policial, acerca de grupos sociais, em sua atividade profissional cotidiana. Em consequência, essas conjecturas ou rótulos sociais são instituídos sobre características de grupos para modelar padrões sociais. É, portanto, uma generalização e uma simplificação que relaciona características gerais a atributos coletivos como idade, raça, sexo, sexualidade, profissão, região de origem, preferências musicais, comportamentos. Os estereótipos envolvidos nesse processo são sistematicamente utilizados como marcadores estigmatizantes e, por isso, produzem alvos preferenciais para as ações da polícia (ver Figuras 01, 02 e 03).

De acordo com o sociólogo Erving Goffman, o estereótipo está associado ao estigma social nas ações de construção dos significados através da interação. A sociedade estabelece como as pessoas devem ser, e torna esse dever como algo natural e normal. Um estranho submetido a essa naturalidade não passa despercebido, pois lhe são aferidos atributos que o tornam diferente, podendo resultar na marginalização de indivíduos dentro de uma comunidade.

Neste sentido, Cunha (2012) salienta que os estereótipos funcionam como uma espécie de rótulo ou carimbo que marca um indivíduo pertencente à determinada coletividade estigmatizada a partir do pré-julgamento sobre suas características, contrapondo às suas verdadeiras qualidades individuais. É decorrente que, os estereótipos impregnam aspectos negativos, errôneos e simplistas, e por isso reforçam a base de crenças preconceituosas. Estereótipos e preconceitos podem ser manifestados através de ironia, piada, antipatia, humilhação, insultos verbais ou gestuais, levando, inclusive, a reações mais hostis e violentas.

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É percebido que o estereótipo pode orientar a primeira impressão de alguém sobre o outro, evitando o contato entre os indivíduos, de maneira que a experiência de interação social se reduza ao preconceito previamente estabelecido, reproduzindo-o e perpetuando o estigma e a marginalização de certos indivíduos e grupos. Alguns estereótipos evidentes estão relacionados com etnias, nacionalidades ou localidades. (ADORNO, 1996)

Questões de classe, gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua interseccionalidade estão vinculadas às práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão nas ideias, a discriminação está na ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade, de negar direitos, ou seja, uma representação antidemocrática. Nessa perspectiva, Bobbio (1989) traça alguns pressupostos ou condições para uma definição mínima da democracia e em um destes pressupostos defende que sejam assegurados direitos e garantias individuais.

Um falso reconhecimento é uma manifestação opressora, e muitas vezes direcionada às minorias sociais. A imagem construída sobre os moradores das periferias, população negra, portadores de deficiências, prostitutas, homossexuais, é desonrosa e ofensiva, causando sofrimento e humilhação, afinal tais representações depreciativas são estabelecidas, muitas vezes, para a legitimação da exclusão social e política dos grupos discriminados. Segundo Ramos e Musumeci (2005), “a projeção sobre o outro de uma imagem inferior ou humilhante pode deformar e oprimir até o ponto em que essa imagem seja internalizada”.

4. METODOLOGIA

Participaram da pesquisa 100 (cem) policiais militares que atuam no policiamento ostensivo. O outro grupo é composto por 100 (cem) moradores de bairros da periferia de Aracaju. Todos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a coleta de dados foi realizada através da aplicação de questionários fechados nos meses de maio e junho de 2020.

A partir do aceite do comandante de unidade policial militar e do TCLE, individualmente, foi aplicado o questionário específico aos policiais que desenvolvem atividades na Região Metropolitana de Aracaju, composto por 13 perguntas, com a opção de marcar apenas uma resposta entre as opções disponíveis, a fim de obter os critérios na escolha

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dos abordados, pesquisar estereótipos e analisa-los à luz dos Direitos Humanos. Por este estudo estar na temporalidade de uma Pandemia ocasionada por um novo vírus, o SARS-CoV-2, o qual causa a COVID-19, o pesquisador não teve dificuldades na coleta de dados, por também ser policial militar (atividade essencial).

Pautado nas ideias de Santos e Serpa (2001), esta pesquisa percebe a periferia como local onde ocorre a reprodução socioespacial da população pobre, que ocupa determinada área desprovida de infraestrutura e serviços básicos e que pode tanto estar próximo a um centro ou mesmo distante dele, diferenciando-se das demais áreas da cidade pela precariedade nas condições socioespaciais.

Assim, o segundo questionário, também contém 13 perguntas, com itens de resposta em múltipla escolha, com a opção de marcar apenas uma resposta, o qual foi respondido por 50 (cinquenta) moradores do bairro Olaria e 50 (cinquenta) do bairro Santa Maria, pertencentes à periferia de Aracaju, a fim de pesquisar os estereótipos e a percepção destes acerca do trabalho policial. Neste grupo, o pesquisador também não teve dificuldades na coleta de dados. Houve o treinamento de dois agentes de saúde, que atuam nos respectivos bairros, quanto à forma adequada na coleta destes dados, assim como foi fornecido, por este pesquisador, todo o aparato de proteção à covid-19.

Este trabalho aborda a percepção de policiais da PM/SE sobre os estereótipos os quais tendem a influenciar seus critérios na escolha dos abordados, bem como a percepção desses cidadãos em relação ao trabalho dos policiais. Segundo Lima (2018), as percepções do outro investigado devem ser consideradas, percebidas, e assim damos sentido às experiências e construímos nossos conceitos. A abordagem utilizada nesta investigação é de natureza, exclusivamente, quantitativa. Cada grupo respondeu a um conjunto de questões diferentes, cujas respostas foram registradas neste artigo sob a forma de estatística descritiva.

5. RESULTADOS

Os resultados obtidos, após a avaliação dos dados descritivos sobre a concepção do suspeito na percepção dos policiais e a percepção dos moradores dos bairros Olaria e Santa Maria (periferia) a respeito do trabalho da polícia militar, estão apresentados nas subseções a seguir.

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5.1. Os suspeitos, segundo os policiais militares

A Figura 01 demonstra que, quando os Policiais Militares (PMs) constroem seus critérios na escolha dos abordados, tendo como referência o local, a situação e a característica suspeita, a subjetividade retroalimenta o que seriam fortes indicadores de um suspeito. Na referida figura percebe-se que 24% dos policiais identificam os indivíduos que usam cabelo rastafári como consideráveis suspeitos. Quanto ao uso de bolsa ou mochila aparece como marca usualmente associada à criminalidade para os policiais, pois 25% deles indicam esse tipo de adereço como relevante na identificação de um suspeito. O uso de boné e tatuagem também se destaca em condição parecida, porquanto 13% e 12%, respectivamente, dos policiais indicam serem fatores na identificação de um suspeito.

Interpretação semelhante ocorre com relação aos espaços urbanos, os indivíduos que estão próximos a estabelecimentos comerciais e bancários (36%) ou que se encontrem em festas de aparelhagem (17%) estão mais propensos a serem considerados suspeitos. A situação de encontrar-se dentro dos transportes públicos também pode ser um forte sinal de suspeição, uma vez que os policiais indicam, em 12% dos casos, ser essa uma situação que tornaria quem nela se enquadrasse um suspeito.

É importante destacar que os referidos fatores podem ser combinados com outros, como os relacionados à forma de uma pessoa se vestir e, assim, tornar a qualidade de suspeito, bem como a consequente abordagem, praticamente inevitável. Esse fato é observado ainda na Figura 02, na qual o uso de camisa larga (26%), seguido pelo uso de camisa de manga comprida (22%) e o não uso de camisa (17%) parecem constituir uma importante característica do suspeito. Entretanto, 31% não abordam estereotipando a vestimenta superior.

Detalhe importante, também, na concepção da condição de suspeito por parte do policial está relacionado ao tipo de vestimenta inferior dos indivíduos. Por exemplo, indivíduos que usam calças folgadas, com fundos grandes, deixando à mostra a cueca são apontados por 42% dos pesquisados como suspeitos. Da mesma forma, a utilização de bermudas caídas que deixam aparecer a cueca são fortes indicadores da condição de suspeição na opinião de 21% dos policiais pesquisados. Em síntese, se o indivíduo estiver transitando na via pública, trajando camisa larga, calça folgada e deixando à mostra sua cueca, terá grandes chances de ser considerado suspeito pelos PMs de Sergipe.

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Quanto aos fatores que levam a abordarem em veículos, os dados da Figura 03 sugerem que 48% dos policiais apontam a presença de mais de um indivíduo no automóvel como um indicador importante. Acerca desta questão, os policiais afirmam que a presença de vários homens negros, inclusive o motorista (21%), e/ou vários homens negros, sendo o condutor branco (19%) no automóvel, configuram uma situação suspeita, motivo pelo qual devem ser abordados para revista pessoal.

Com relação aos ciclistas, a suspeição recai em indivíduos que transitam com passageiros masculinos na garupa, com 63% das indicações na Figura 03. No caso de motociclistas, a suspeita recai sobre aqueles do sexo masculino que trafegam com passageiro também do sexo masculino. A condição de suspeito, neste caso, é apontada por 58% dos pesquisados, na mesma Figura.

A Figura 04, referente ao grupo étnico predominante de suspeitos, na percepção dos policiais, aponta que indivíduos designados como pardos/mestiços formam o maior contingente (22%) das indicações, em seguida os negros (19%), estando as faixas etárias dos suspeitos situadas entre maiores de 26 anos, com 46% das indicações, e entre 13 a 16 anos, com 23%.

A Figura 05 ressalta como principais características de um suspeito, na percepção dos policiais, o nervosismo (71%), o modo de falar utilizando gírias (34%), a apresentação de dedos queimados e/ou amarelados (29%) e usar cordões de ouro (19%), situações estas que complementam o perfil do indivíduo que deve ser abordado, na concepção subjetiva dos policiais.

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Por fim, os resultados quanto ao local, sob a perspectiva de bairros na categoria de classes sociais, configura que 36% dos pesquisados percebem os bairros periféricos como possíveis locais propensos à criminalidade, e consequentemente, levando seus moradores e frequentadores à suspeição. No entanto, 64% considera que o bairro não seja um critério na escolha dos abordados.

5.1. Os policiais, segundo os moradores da periferia de Aracaju

A Figura 06 apresenta dados relativos às indagações feitas aos moradores da periferia de Aracaju, mais precisamente dos bairros Olaria e Santa Maria, a respeito da abordagem policial a determinados grupos sociais. Quando questionados sobre a forma como a polícia realiza a busca pessoal a determinados grupos, as respostas foram as seguintes: com relação ao tratamento dispensado aos homossexuais masculinos, 39% apontam como "ruim" e 53% o consideram "regular".

Da mesma forma, 84% consideram a abordagem policial aos homossexuais do sexo feminino "ruim" ou "regular". No que se refere ao tratamento dispensado à população pobre (periférica), também, 84% dos entrevistados o consideram "ruim" ou "regular". Destaca-se que, os entrevistados percebem o tratamento que os negros recebem da polícia militar como "ruim" (46%) e "regular" (48%), isto é, para 94%, as abordagens policiais dispensadas à população negra são percebidas negativamente.

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Quanto às avaliações dos entrevistados com relação ao comportamento dos policiais quando da realização de uma prisão, à maneira de lidarem com as pessoas, ao seu desempenho no combate ao crime e ao emprego da força ou de armas. Entre os entrevistados, 66% consideram que o comportamento da polícia, ao efetuar prisões, não é adequado, atribuindo-lhe os conceitos "ruim" ou "regular"; 74% dizem que o tratamento dispensado pelos policiais às pessoas residentes nos bairros da periferia de Aracaju é "regular" ou "ruim"; 57% consideram pouco eficiente o trabalho na polícia no combate ao crime, atribuindo-lhe os conceitos "ruim" ou "regular"; 73% indicam acreditar que a polícia não faz uso da força física e de armas de maneira adequada, atribuindo-lhe, também neste caso, os conceitos "ruim" ou 'regular".

A Figura 07 apresenta uma avaliação acerca da percepção dos moradores da periferia de Aracaju sobre a educação (cortesia) dos policiais durante suas abordagens. Neste caso, 94% consideram que os policiais não são corteses com as pessoas, atribuindo-lhes, neste item, os conceitos "ruim" ou "regular", e 73% consideram que, em geral, o comportamento dos policiais ao fazerem policiamento na periferia é "ruim" ou "regular".

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Acerca da opinião dos pesquisados sobre a sensação que experimentam quando deles se aproxima uma viatura policial ou um grupo de policiais. Entre esses, 40% afirmam ter uma sensação "excelente" ou "boa", e 60% dizem ter uma sensação "ruim" ou "regular". Além disso, 71% dos pesquisados afirmam não confiar na polícia e 51% dizem que formaram sua opinião a respeito da polícia pelo que presenciaram outros serem abordados.

6. CONCLUSÃO

De acordo com Flores (2008), os direitos humanos tornaram-se o grande desafio do século XXI. A atual conjuntura política mundial traz a necessidade, teórica e prática, à execução de uma base mínima de direitos que atinja todos os indivíduos e modos de vida. Nessa perspectiva, é fundamental uma reflexão acerca do atual modelo de segurança pública, o qual transmite a falsa ideia de polícia como sinônimo de segurança, assim como substanciada na “cultura do medo”.

Por meio dos apontamentos mais relevantes desta pesquisa, foi percebido que a questão da concepção da condição de suspeição, que induz a abordagem policial, se desloca em um limite não visivelmente demarcado entre o comprometimento legal de fornecer a segurança da sociedade, tendo como balizamento o respeito aos direitos humanos, e a importância de realizar essa atividade dentro dos processos operacionalmente eficientes.

Os dados analisados demonstram, também, a deficiência de elementos norteadores clara e legalmente sancionados para a identificação de suspeitos, ainda que os policiais que atuam no policiamento ostensivo necessitem, a todo o momento, identificar indícios dessa condição. Segundo Lima e Oliveira (2016), a construção social de um inimigo a ser combatido é apresentada como elemento crucial para o funcionamento das polícias militares que, ao invés

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de tutelar direitos, invisibiliza parcela da sociedade que é considerada pela ideologia dominante como incômoda e matável.

Baseado nos dados analisados vale ressaltar que, a busca da eficiência do trabalho policial nas ações preventivas e o risco de seu trabalho incidir em violações aos direitos humanos caminham, comumente, lado a lado. Rubio (2017) destaca uma série de limites, obstáculos culturais, sociológicos, relacionais, simbólicos e institucionais que são difíceis de superar, e esta pesquisa evidencia esse processo, retratando a violação aos direitos como um dos mais recorrentes nos bairros da periferia das grandes cidades, visto que os estereótipos suspeitos, construídos pelos policiais, podem prontamente estar presentes na maioria da população que nelas habita. Assim, a população passa a ter uma relação de estranhamento e de insatisfação exatamente em relação à Instituição que deveria protegê-los.

Ao posicionar em destaque o arbítrio policial e seu impacto sobre a percepção da comunidade, acredita-se que os resultados desta pesquisa poderão fornecer subsídios importantes para a redefinição dos processos de formação, acompanhamento e avaliação do trabalho dos Policiais Militares que atuam na Região Metropolitana de Aracaju.

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