3.1 - Descrição do material
Este trabalho foi realizado com 18 pares de tendões dos músculos tibial anterior e tibial posterior extraídos de cadáveres humanos obtidos no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (SVOC – FMUSP), no período de 19.03.2001 a 29.08.2001. Todos os cadáveres eram do sexo masculino, com idades variando entre 24 e 60 anos, com média de 45,2 ± 10,7 anos. Foram anotados os dados referentes à causa mortis de cada um dos cadáveres estudados. Foram excluídos deste estudo os cadáveres dos portadores de doenças infecciosas como AIDS e hepatites, pelo risco envolvido na manipulação do material; os cadáveres dos portadores de doenças consumptivas, em que existe alteração na composição e na estrutura dos tecidos e também aqueles cuja
causa mortis era desconhecida. Também descartamos os cadáveres
que apresentavam alterações anatômicas dos membros inferiores, como: deformidades, cicatrizes de cirurgias prévias, lesões cutâneas, assimetrias ou qualquer evidência que pudesse sugerir não se tratar de um membro inferior normal.
Os tendões foram extraídos de cadáveres com evolução post
mortem de 48 a 96 horas, período no qual foram mantidos em
câmaras frigoríficas à temperatura de 4°C.
QUADRO 1 – DADOS REFERENTES AO NÚMERO DA AMOSTRA, IDADE E
CAUSA MORTIS DOS CADÁVERES HUMANOS DE ONDE FORAM EXTRAÍDOS OS TENDÕES UTILIZADOS NESTE ESTUDO*
Número da
amostra (anos)Idade Causa mortis
1 24 Pancreatite aguda
2 48 Infarto agudo do miocárdio
3 60 Broncopneumonia
4 52 Dissecção aguda da aorta
5 51 Choque hemodinâmico
6 33 Peritonite aguda
7 57 Broncopneumonia
8 45 Dissecção aguda da aorta
9 51 Broncopneumonia
10 60 Broncopneumonia
11 36 Pneumonia lobar
12 55 Pneumonia lobar
13 35 Infarto agudo do miocárdio
14 52 Broncopneumonia
15 46 Peritonite aguda
16 31 Broncopneumonia
17 35 Choque cárdio-circulatório
18 42 Broncopneumonia
3.2 - Obtenção das peças anatômicas
O tendão do músculo tibial anterior foi obtido por meio de incisão medial paramediana da pele do dorso do pé, dissecção da pele e tela subcutânea e desinserção distal na base do primeiro metatarsal e cuneiforme medial. Em seguida, realizamos a ampliação proximal da incisão pela margem ântero-lateral da perna e o tendão foi seccionado na transição miotendínea, no terço proximal da perna, obtendo-se uma peça anatômica de aproximadamente 25 cm de comprimento.
O tendão do músculo tibial posterior foi obtido mediante incisão curvilínea da pele da região retromaleolar medial do tornozelo, dissecção da pele e da tela subcutânea, abertura do retináculo dos músculos flexores, abertura da sua bainha e desinserção do mesmo da tuberosidade do navicular e das suas expansões aos cuneiformes intermédio e lateral e às superfícies plantares dos metatarsais. Em seguida, realizamos a dissecção proximal do tendão na região póstero-medial da perna e ele foi seccionado na transição miotendínea, no terço proximal da perna, obtendo-se uma peça anatômica de aproximadamente 25 cm de comprimento.
3.3 - Conservação das peças anatômicas
Depois de coletadas, as peças foram identificadas com etiquetas contendo o número de registro do cadáver e o lado de origem, sendo armazenadas em sacos plásticos aos pares, de maneira que os tendões dos músculos tibial anterior e posterior oriundos do mesmo lado do cadáver foram armazenados juntos. Obtivemos, desta forma, de cada um dos cadáveres, dois sacos plásticos contendo dois tendões ipsilaterais, totalizando 18 sacos plásticos contendo 72 tendões, sendo 36 dos músculos tibiais anteriores e 36 dos tibiais posteriores.
O excesso de ar do interior dos sacos plásticos foi retirado com bomba de sucção a vácuo para minimizar a influência do contato do ar com os tendões. Em seguida, sem lapso de tempo, foram armazenados, alternadamente, em congelador comum a -20ºC e em supercongelador a –86ºC, de maneira que cada um dos pares de tendões provindos de um mesmo cadáver foi armazenado em um tipo de congelador, a fim de se eliminar a influência do lado de origem dos tendões nos ensaios mecânicos.
Foram utilizados para o armazenamento das peças os congeladores do Laboratório de Biomecânica LIM-41, à temperatura de –20ºC, e o do Banco de Tecidos do IOT-HCFMUSP, cuja temperatura média é de –86ºC. Os tendões permaneceram armazenados durante um período de tempo variável, entre 30 e 90 dias, até que fossem realizados os ensaios.
3.4 - Descongelamento
No dia dos ensaios mecânicos, os tendões foram mantidos imersos em solução isotônica de cloreto de sódio (NaCl 0,9%), à temperatura ambiente, durante cerca de quatro horas, até o completo descongelamento. Foram mantidos umedecidos por compressas embebidas em soro fisiológico durante o tempo que precedeu os ensaios mecânicos (VIIDIK; LEWIN, 1966; JACKSON, 1988 e NOYES, 1976) evitando que o ressecamento pudesse alterar suas propriedades biomecânicas.
A temperatura do ambiente no laboratório foi monitorizada com termômetro comum nos dias dos testes mecânicos e manteve-se entre 18°C e 26°C. Ensaios preliminares realizados com peças
congeladas a -20°C e a -86°C e testadas depois do completo descongelamento demonstraram não haver alterações significativas das propriedades biomecânicas decorrentes das variações térmicas sofridas pelas mesmas.
3.5 - Preparo e medição das peças anatômicas
Depois de descongeladas, as peças foram preparadas para o ensaio mecânico, retirando-se todo o tecido muscular aderido ao tendão, usando-se para isso uma cureta delicada (Figura 1).
FIGURA 1 - PEÇAS ANATÔMICAS PREPARADAS PARA O TESTE MECÂNICO, onde TA = tendão do músculo tibial anterior e
TP = tendão do músculo tibial posterior
Em seguida, foi realizada a medição das peças anatômicas para se calcular a área de secção transversa da porção central do tendão, conforme o esquema da Figura 2.
As peças foram dispostas sobre uma mesa transparente, com um paralelepípedo de acrílico apoiado na porção central do tendão, que havia sido pré-delimitada e marcada. Um peso sustentado pela extremidade de uma haste metálica de 170 mm de comprimento, presa ao suporte da mesa, foi utilizado para comprimir o centro
tendão através de outra haste metálica transmissora de força sobre o paralelepípedo (Figura 3).
FIGURA 2- MODELO ESQUEMÁTICO DO DISPOSITIVO DE
POSICIONAMENTO DE TENDÃO, onde: A- Peso de 48 g; B-Haste transmissora de força; C- Paralelepípedo de acrílico transparente, que exerce uma força constante no tendão;
FIGURA 3 - DISPOSITIVO DE POSICIONAMENTO DO TENDÃO PARA
SUA MEDIÇÃO
Foi utilizado um equipamento denominado projetor de perfil (Figuras 4 e 5) para medição das dimensões do tendão, que, possuindo uma secção transversa de formato quase trapezoidal, permitiu que sua área fosse determinada através dos cálculos matemáticos demonstrados no ANEXO 1.
FIGURA 4 – DESENHO ESQUEMÁTICO DA MEDIÇÃO DA ÁREA DO
TENDÃO UTILIZANDO UM PROJETOR DE PERFIL PARA VISUALIZAÇÃO POR RAIOS REFRATADOS (À ESQUERDA) E REFLETIDOS (À DIREITA), onde: A- Imagem na tela do projetor; B- Lentes de magnificação; C- Paralelepípedo de acrílico; D- Tendão; E- Mesa de apoio; F- Mesa de vidro;
G- Mesa do projetor com ajuste tridimensional; H- Lente
colimadora; J- Lâmpada; L- Fibras ópticas ajustáveis acopladas a uma fonte luminosa
FIGURA 5 - PROJETOR DE PERFIL
3.6 - Fixação dos corpos de prova
Depois de medida a área de secção transversa, o tendão foi fixado a duas garras metálicas, proximal e distal, constituídas por duas placas metálicas paralelas com encaixe interno denteado para evitar o deslizamento dos tendões durante a aplicação da carga (Figura 6).
As garras foram comprimidas por parafusos e porcas a um momento de torção (torque) constante de 7 Nm, medido com torquímetro digital da marca Metalac ®, modelo TEM. Este valor de torque foi adotado com base nos testes mecânicos preliminares feitos com tendões presos às garras, para testar sua eficiência na preensão dos mesmos.
Foi por nós estabelecida em 4 cm a distância padrão entre as garras, por ser um valor aproximado do comprimento do LCA.
3.7 - Ensaio mecânico de tração
O conjunto formado pelas garras presas ao corpo de prova foi montado axialmente na Máquina Universal de Ensaios Mecânicos Kratos®, modelo K 5002, dotada de célula de carga eletrônica de 5 tf, ajustada para escala de 500 Kgf. Esta máquina opera em conjunto com um microcomputador sob o sistema operacional Windows 98®, usando um programa especialmente desenvolvido pelo tecnólogo do nosso laboratório, César Augusto Martins Pereira, para os testes de tração. Este programa permite armazenar os parâmetros de força e deformação a uma taxa de aquisição de 25 amostras por segundo. A precisão deste sistema de medição de força é de ± 1,0% (classe II – ABNT).
A garra proximal foi montada, através de uma junta universal, no cabeçote superior (móvel) da máquina de ensaios, enquanto a garra distal foi montada no cabeçote inferior (fixo). Depois de verificada visualmente a ausência de rotação entre as porções proximal e distal das fibras do tendão a ser ensaiado, o equipamento foi calibrado e a distância entre as garras foi medida com paquímetro, dando-se início ao ensaio de tração, sem que houvesse aplicação de pré-carga (Figuras 7, 8 e 9).
Os tendões foram submetidos a tração axial pura até a ruptura completa, a uma velocidade de aplicação de carga constante de 20 mm/min, obtendo-se para cada um dos ensaios o diagrama carga–deformação. Foram estudadas as seguintes propriedades mecânicas e estruturais dos tendões:
Força máxima: carga máxima suportada pelo tendão, representada pelo pico da curva carga-deformação.
Deformação máxima: alongamento absoluto do tendão no ponto de carga máxima.
Rigidez: razão entre a variação da força (∆F) pela variação da deformação absoluta (∆Def) entre dois pontos localizados na região elástica (linear) do diagrama carga-deformação, graficamente representada pela tangente da curva.
Módulo de elasticidade: razão entre a variação da tensão (∆Τ) pela variação da deformação relativa (∆ε) entre dois pontos localizados na região elástica (linear) do gráfico tensão– deformação relativa, graficamente representada pela tangente da curva.
Deformação relativa: alongamento expresso em porcentagem do comprimento inicial do tendão até o ponto de força máxima.
Todos os parâmetros citados, bem como o diagrama carga-alongamento (com exceção do módulo de elasticidade), foram obtidos pelo computador acoplado à máquina de ensaios, no final de cada um dos testes mecânicos.
FIGURA 8 - TENDÃO PRESO ÀS GARRAS NA MÁQUINA DE ENSAIOS NO
INÍCIO DO TESTE MECÂNICO
FIGURA 9 - MÁQUINA DE ENSAIOS, PAINEL DE CONTROLES E MICROCOMPUTADOR ACOPLADO AO SISTEMA
3.8 - Análise Estatística
Utilizamos os seguintes valores da estatística descritiva, calculados a partir dos resultados dos testes mecânicos: Média (M), Desvio Padrão (DP), Erro Padrão da Média (EPM), Valor Mínimo (MIN), Valor Máximo (MAX) e Número de Casos (N).
A comparação entre os resultados obtidos por intermédio da análise dos testes realizados com os tendões dos músculos tibial anterior (TA) e posterior (TP) foi feita através do teste t de Student pareado, pois trabalhamos apenas com amostras paramétricas. Adotamos o nível de significância de 5% (α = 0,05).