• Nenhum resultado encontrado

Por isso, interessa muito ao Projeto Temático recuperar em Glauber Rocha a representação do líder político na arte e na mídia.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Por isso, interessa muito ao Projeto Temático recuperar em Glauber Rocha a representação do líder político na arte e na mídia."

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

PROJETO TEMÁTICO FAPESP – Nº 12/50987-3 – LIDERANÇAS POLÍTICAS NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E QUESTÕES INSTITUCIONAIS

REFORMULAÇÃO DO 2º RELATÓRIO CIENTÍFICO – FAPESP COORDENADORA: VERA LUCIA MICHALANY CHAIA

O parecerista chama a atenção para questões que já estão em discussão na equipe do Projeto Temático, perceptíveis nos relatórios enviados anteriormente. Trata-se de questões estruturais, linhas mestras da pesquisa, que estão sendo abordadas, mas não podem ser explicitadas plenamente, pois o projeto temático encontra-se em andamento, ainda no meio do cronograma previsto. Estamos em meio aos estudos da dinâmica do processo da ação política das lideranças, considerando toda a complexidade que envolve o delineamento da atividade política e a formulação conceitual na atualidade. Consideramos, inclusive, a pertinência de uma crítica atual que nos sugere colocar o termo “líder político” entre aspas, designando, desta forma, uma suspeita acerca de uma relação política em que sua atuação se faz necessária. É preciso recuperar a literatura especializada e seus críticos, bem como uma cuidadosa análise dos desdobramentos históricos políticos da democracia liberal vigente.

Divisamos no presente que o termo liderança política assume, na perspectiva das revoltas, protestos e mobilizações urbanas de contraposicionamento às políticas neoliberais dos governos, uma conotação negativa. Por lideranças, identificam-se os governos afinados com as relativas políticas. A liderança política vem constituindo-se em parte das tecnologias de poder político que se vinculam ao bom funcionamento dos fluxos econômicos capitalistas. De um lado, os governantes empenham-se na gestão do governo segundo uma racionalidade gerencial com o objetivo de criar segurança política, a fim de garantir a confiabilidade dos investidores financeiros. Por outro, defrontam-se com as expectativas da população ao acesso ao consumo de bens e serviços.

Esclarecemos que os grupos não são autônomos, embora seja valorizada a especificidade e diversidade e potência intelectual de cada membro entendendo que desta forma ampliamos o nosso potencial de análise. A coordenação geral se faz presente em todas as reuniões dos subgrupos com o objetivo de garantir as conexões e

(2)

assegurar os objetivos e o problema central da pesquisa. Além disso, os grupos não são fechados, mas abertos à participação de integrantes das quatro linhas de pesquisa. A coordenação participa na organização, debate, pesquisa e elaboração dos relatórios. Este processo se dá por meio de reuniões constantes para potencializar cada eixo e articular o conjunto. Devido à complexidade temática da pesquisa a opção pela subdivisão em grupo foi elaborada desde o princípio da pesquisa para que se pudessem abordar em profundidade todos os aspectos que envolvem a multiplicidade característica do objeto de pesquisa. A preocupação da equipe de pesquisadores está no sentido de não abordar a liderança genericamente ou apenas como um dado da realidade, mas entende-la em seu caráter polifônico.

Vale ressaltar que a indicação do parecerista sobre a necessidade de articulação entre as abordagens dos subgrupos tem sido uma preocupação constante da coordenação geral e dos pesquisadores. Elaboramos para o início deste ano um calendário de reuniões com o objetivo específico de articulação das linhas de pesquisa desenvolvidas até o momento. A urgência dessa integração se faz necessária para os encaminhamentos das entrevistas (em andamento) e as linhas de análise.

O ponto de partida geral para a elaboração deste Projeto Temático é a questão da liderança na política brasileira, tanto enquanto recuperação histórica (construção das Biofichas e do Banco de dados), quanto o significado das práticas políticos contemporâneos destes atores (foco nas mobilizações sociais e o impacto das redes sociais na política). As contribuições dos subgrupos deverão constituir-se em aporte teórico metodológico de análise, confluindo para imprimir a feição única da pesquisa. O processo de elaboração das biofichas e da construção do banco de dados tem o envolvimento de todos os pesquisadores

Consideramos que as crises políticas atravessam a política brasileira em um longo período histórico, manifestando-se atualmente de forma expressiva nas dificuldades do avanço da democracia e na desconfiança do funcionamento das instituições representativas, apontadas por cientistas políticos e pesquisas junto à população do país. Atualmente alguns agravantes provocam um desgaste maior das lideranças políticas e aumentam a desconfiança das instituições democráticas, uma vez que a prática da corrupção manifesta-se com maior intensidade, ganhando maior visibilidade pública, agravando a governabilidade e colocando em questão o sistema partidário brasileiro.

(3)

Pode-se lembrar que este fenômeno possui uma tendência global e que os estudos sobre confiança na democracia apontam essa como uma das questões mais relevantes.

O Mensalão, a Operação Lava-Jato, Operação Zelotes e outras denúncias do Ministério Público investigadas pelo Poder Judiciário que ao mesmo tempo desconstrói a imagem das lideranças políticas, também, explicita a necessidade de rever toda estrutura política, envolvendo uma ampla reforma política, que recupere a prática institucional como forma de uma política efetiva.

Tais questões atravessam todo o projeto, uma vez que configuram o fundamento teórico do Projeto Temático. Observe-se que a linha de pesquisa teoria e sistema de pensamento enfatiza a complexidade para abordar a liderança política, ao se considerar o vínculo atual com o bom funcionamento das instituições na democracia representativa. Simultaneamente, procurou-se apreender este ator político no pensamento clássico. Assim, desde Maquiavel, com suas formulações de ação política, virtù, e a ideia de Príncipe com projeto inovador, passando por Max Weber, com diferentes formulações teóricas ao se considerar as situações históricas, permitindo formar um largo espectro de líderes como o líder representativo parlamentar (autêntico), o plebiscitário (demagogo, cesarista), o líder de partido e o profissional e, deixando de lado alguns autores neste momento, até chegar a Michel Foucault, com a analítica histórica do líder parresiático, aquele que não ocupa um lugar, mas cria situações de desconforto, com uma estratégia política baseada na fala da verdade. Na atualidade esse tipo de liderança emerge em meio a lutas e conflitos que afrontam os poderes instituídos. Não portam um nome, mas uma atitude de coragem e de luta.

De forma geral o Projeto Temático está baseado neste conjunto de ideias que entendemos permear a realidade política marcada por tensões, conflitos e crises. A política está sempre a merecer novos olhares em função das condições que permitem, dificultam ou até impedem a emergência de líderes políticos.

Neste sentido, a análise do significado das lideranças política no momento atual brasileiro deve considerar o papel das redes sociais e os acontecimentos recentes das manifestações de rua no país. Além do mais, o Projeto Temático quer recuperar retrospectivamente o aspecto da liderança política cultural, tomando como referência tanto a linha teórica quanto as características empíricas que sobrevivem hoje e podem ser percebidas historicamente. Por isso o Projeto Temático considera o estudo das

(4)

lideranças culturais que podem ser imputadas a Mario de Andrade e Glauber Rocha, enquanto pessoas que possuem ascendência sobre os demais, agem em nome de um projeto inovador, envolvem-se em disputas políticas, ganham a imagem de atores profissionais ao entrarem no âmbito institucional e preocupam-se com o futuro da sociedade brasileira. Enquanto Mário de Andrade possui uma faceta que o conduz à prática institucional de governo, ao fundar instituições de estado de cultura, especificamente no caso do Glauber Rocha, ele permite recuperar e antecipar ideia de líder parresiático. Glauber Rocha coloca-se no campo da resistência (embora, paradoxalmente, venha a atuar no campo institucional da EMBRAFILME), sendo marcado pela democracia institucional, de 1945 a 1964, período da incorporação das massas ao cenário político e no qual há uma alta valorização do “homem simples”, que é expresso nas personagens de seus filmes, principalmente em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963). Glauber Rocha coloca-se como uma liderança no campo da cultura, e não com prática profissional governamental, mas como de resistência que num certo sentido equivale aos “ativistas”, numerosos na atualidade e que fazem uma efetiva aproximação entre arte/cultura e política. Veja-se que alguns participantes do MPL (Movimento do Passe Livre) e alguns coletivos como o BijaRi possuem em seus quadros dirigentes artistas de formação.

Convém ainda anotar que Glauber Rocha, marcado pelo pensamento de esquerda, presente fortemente na década de 60, pergunta-se sobre o que é o Brasil e faz uma crítica radical à estrutura social, econômica e política da época. Interessa ao Projeto Temático, estudar Glauber Rocha não só pela sua prática pessoal histórica, mas também porque em seus filmes, as lideranças políticas são personagens fundamentais. Veja-se o caso de “Terra em Transe” (1967) que tem como cenário um país em crise, assistindo o embate entre diferentes formas de lideranças: demagógica, populista, conservadora, autoritária. Em seus filmes geradores do Cinema Novo, de repercussão internacional que influencia cineastas estrangeiros, Glauber Rocha discute polemicamente a atuação do líder político e a relação líder/povo.

Não é demais lembrar que Glauber Rocha, numa época de debate sobre a abertura política, durante o governo militar de Ernesto Geisel, na transição democrática, assume a polêmica posição de defesa e de indicação de General Golbery do Couto e Silva, como líder desta tarefa de transição.

(5)

Por isso, interessa muito ao Projeto Temático recuperar em Glauber Rocha a representação do líder político na arte e na mídia.

Retomando a questão das lideranças políticas na atualidade, destacamos a fragilidade da democracia liberal representativa associada à crise da liderança política profissional. Por sua vez, detectamos a emergência de uma multiplicidade de protagonismos políticos num sistema político em rede.

Deve-se destacar, no Projeto Temático, a linha de pesquisa que constrói o perfil das lideranças políticas, a partir das biofichas e a sistematização destas informações no Banco de Dados. Após levantar e qualificar cerca de 200 lideranças políticas brasileiras, desde o período colonial até as 54 dos dias de hoje, a pesquisa já iniciou a etapa de entrevistas com atores políticos contemporâneos. Estas entrevistas serão nomeadas e apresentadas no próximo relatório.

Para compreendermos a articulação do eixo de pesquisa desenvolvido pelo subgrupo Dimensões da política atual e a liderança política em questão é importante retomarmos o contexto do ciclo global de manifestações iniciados em 2010 nos países árabes, em 2011 no continente europeu, especificamente na Espanha, seguidos das manifestações ocorridas em Nova York, nos Estados Unidos, No Brasil observamos manifestações com características semelhantes em 2013, as chamadas Jornadas de Junho.

Embora cada um desses movimentos guarde suas especificidades e singularidades, verificamos entre esses manifestantes um conjunto de aspectos em comum que compõe a crítica ao modelo de democracia contemporânea.

Entre os autores que orientam a elaboração política desta temática, destacamos o pensamento de Michel Hardt e Antonio Negri – que ampliam a discussão teórica da pesquisa, articulando-se à primeira das linhas. Segundo Hardt e Negri (2005) esses movimentos problematizam as práticas políticas que apresentam estruturas centralizadas e se organizam a partir da experimentação de mecanismos horizontais de organização, denominados movimentos da multidão.

As características das práticas políticas atuais, segundo Hardt e Negri, diferenciam a multidão da categoria tradicional de povo, entendido como uma unidade que atuava em torno de eixos centrais, ao passo que a multidão caracteriza-se justamente pela multiplicidade, pela pluralidade. Essa característica se manifesta na diversidade de

(6)

temas que orientam as ações dos coletivos e grupos que compõem a multidão. O conceito de povo corresponde à forma de soberania produzida na modernidade, na qual o soberano era o único capaz de evitar o caos ou o estado de guerra vivido pela multidão. Ao soberano cabia dissolver a multiplicidade da multidão para unificá-la no conceito de povo. Hobbes (1988, p.105-106) foi um dos principais autores a defender esse tipo de concepção, conforme podemos observar em sua obra O leviatã:

Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande leviatã, ou antes (para falar em termos mais relevantes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos abaixo do Deus Imortal, a nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de confrontar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante de pactos recíprocos uns com os outros

Essa noção foi fundamental para a forma de soberania do Estado moderno, principalmente a partir do final do século XVIII até meados do século XX. É importante destacar que foi um período fundamental para a emergência das formas de representação que guardam semelhanças com práticas vividas na atualidade. Veremos nesse período que diferentemente da experiência grega,a representação passou a ocupar o lugar do envolvimento direto dos cidadãos e a delegação das atividades políticas passaram a reforçar a necessidade de estruturas políticas, tais como os partidos políticos, capazes de fazer a mediação entre as instituições e a sociedade.

Nas últimas décadas do século XX, começamos a observar a emergência de movimentos sociais que expressam a retomada da multidão, provocando o deslocamento da noção de povo como forma manipulável pelas dinâmicas políticas

(7)

tradicionais para formas cuja horizontalidade e o questionamento às lideranças políticas se coloca no centro do debate. As formas identitárias começavam a dar lugar às expressões singulares e a desarticular a massa homogênea. Esse processo está em consonância com a contemporaneidade, à medida que verificamos, nas últimas décadas, um questionamento às formas representativas.

Dito de outro modo, o conceito de povo é intrinsicamente vinculado aos procedimentos representativos verificados a partir do século XVIII e consolidado no XIX. O povo sempre é representado como uma unidade que atua de forma homogênea. Diferentemente da multidão, que não é representável, conforme o conceito de Hardt e Negri (2005), considerando que ela é composta por uma multiplicidade de sujeitos, com demandas e ações diversificadas.

A multidão também se diferencia das noções de massa e plebe, frequentemente associadas a uma força social considerada perigosa, irracional, passiva e facilmente manipulada. Não há passividade na ação desses grupos; ao contrário, são protagonistas, sujeitos sociais cuja ação é propositiva, crítica e organizada, embora muitas vezes seja considerada dispersa pelo fato de ser heterogênea devido à multiplicidade de temas que compõem suas práticas sociais e políticas.

Outro aspecto fundamental para compreender a potência da multidão é a contextualização do conjunto de transformações ocorridas na sociedade contemporânea e, mais especificamente, no âmbito da produção e reprodução de riquezas, cujas mudanças impactam não somente na forma de produzir bens materiais e imateriais, mas principalmente na produção da subjetividade contemporânea.

A reestruturação produtiva e a passagem do fordismo para o pós-fordismo pode ser caracterizada, entre outros aspectos, pela maneira como os elementos cognitivos passam a ser essenciais na produção e expressam o papel que a subjetividade passou a ocupar nos processos produtivos, principalmente a partir dos anos 1970.

A análise desta passagem destacava o papel que a dimensão intelectual do trabalho adquire na atual configuração da empresa reestruturada, o que significa dizer que “é a alma do operário que deve descer na oficina” (Negri, 2001, p.25). Essa expressão contribui para compreender que um dos elementos fundamentais da reestruturação produtiva é a mudança do caráter material para o imaterial da produção.

(8)

É nesse sentido que teremos um novo sujeito político, ancorado no trabalho imaterial, cuja base é a subjetividade individual e coletiva. Esse sujeito é a multidão que, para Hardt e Negri, tem a capacidade do verdadeiro exercício de um antipoder, do exercício de uma democracia absoluta que conjuga simultaneamente resistência, insurreição e poder constituinte. Para os movimentos sociais globais a crítica à representação e instituições tradicionais da política está intrinsecamente relacionada ao processo destituinte e posteriormente a abertura de novos dispositivos para o processo constituinte de novas práticas sociais e políticas.

Embasados no conceito spinoziano de democracia absoluta, vemos que apenas a resistência é insuficiente para se criar um antipoder. A multidão é entendida como única força política imanente capaz de acionar e manter as dinâmicas de antipoder resistentes às formas burocratizadas, características da democracia representativa. A representação é vista como obstáculo à democracia por impedir a expressão da potência política dos indivíduos. Spinoza, filósofo do século XVII, exerce forte influência no pensamento de Hardt e Negri e tem sido retomado também por outros autores com o objetivo de contribuir para novas leituras a respeito da potência do sujeito social capaz de incidir no processo de transformação dos processos políticos.

O deslocamento e a valorização da imanência no processo político fez com que os autores repensassem a noção de biopolítica desenvolvida por Michel Foucault, que era vista como a forma da governar a vida a partir da gestão da saúde, da natalidade, sexualidade, alimentação, entre outras esferas que, a partir do final do século XVIII, se tornaram preocupações de Estado, dentro da racionalidade política liberal.

Nesse sentido,

Precisamos pensar a biopolítica como conjunto de biopoderes que derivam da atividade de governo, ou, pelo contrário, na medida em que o poder investiu a vida, a vida também se torna um poder? Ou melhor, podemos dizer que a biopolítica representa um poder que se expressa pela própria vida, não somente no trabalho e na linguagem, mas também nos corpos, nos afetos, nos desejos, na sexualidade? Podemos identificar, na vida, o lugar de emergência de uma espécie de antipoder, de uma potência, de uma produção de subjetividade que se dá como momento de dessujeição? Nesta segunda perspectiva interpretativa, sempre que a vida se apresentasse como potência, o

(9)

tema da biopolítica seria fundamental para uma reformulação da relação política: a biopolítica representaria a passagem do político ao ético, ou ainda, uma perspectiva de construção ética do corpo, da vida dos prazeres e da vida do trabalho. Em 1982, Foucault sustentava que a análise da população, o questionamento das relações de poder e do antagonismo entre relações de poder e a afirmação de intransitividade da liberdade constituem uma tarefa contínua. É lá, nessa abertura intransitiva da liberdade contra toda máquina, contra toda estrutura de poder, que se estabelece a tarefa política inerente a cada existência social. Esse é, pois o conceito de biopolítica que caracteriza as últimas análises de Foucault (Negri, 2003, p.106).

Hardt e Negri, autores próximos de Michel Foucault, referência no esquema teórico deste Projeto Temático, conforme relatórios anteriores entendem a biopolítica como uma rede possibilitadora de atividades dos indivíduos capazes de construir, de forma singular, dentro de um campo de acontecimentos sociais entrelaçados por um conjunto de narrativas que se utilizam de imagens, vídeo e ferramentas digitais. A partir dessa compreensão, a biopolítica da rede é capaz de potencializar as práticas sociais e políticas e fazer emergir um novo sujeito social, que é a multidão. Segundo os autores, a multidão é o proletariado contemporâneo. A configuração da multidão ocorre quando um acontecimento coloca em contato grupos de atuações diversificadas que se articulam e promovem uma convergência em suas atuações. Essa convergência ocorre tanto da perspectiva de usos de diversas ferramentas midiáticas, como também do ponto de vista estratégico da atuação da multidão e da ocupação dos espaços públicos. A análise realizada sobre a ação dos coletvos de ciberbopolítica e cibercultura expressa o caráter germinativo da multidão.

A crítica à estrutura das instituições políticas, tais como partidos, parlamentos, sindicatos entre outras; ocupa um lugar de destaque por serem consideradas ineficazes no trato da coisa pública, pela incapacidade de atender às demandas sociais e pelos processos de corrupção vividos nesses países.

(10)

Se as instituições são alvos das críticas dos manifestantes, o questionamento às formas de representação política é considerado um eixo fundamental, tendo em vista que as práticas políticas que conduzem à representação são apontadas como responsável pela obsolescência do modelo democrático e ainda mais criticados nos países que à época viviam regimes ditatoriais.

A representação propalada como veículo da democracia se torna seu principal obstáculo, à medida que o sistema de representação e às lideranças que o ocupam se distanciam dos interesses e necessidades daqueles que deveria representar. Articulada a esse distanciamento dos líderes temos a dificuldade de participação política em qualquer forma associativa, aspecto que poderia aumentar o acompanhamento das ações políticas.

Os cidadãos reconhecem o colapso das instituições, a precariedade da representação e não encontra nessas instituições a abertura necessária para o incremento da participação política. Isso gera um questionamento sobre as qualidades vigentes da cidadania no contexto das instituições e âmbito global.

Outro aspecto fundamental e talvez dos mais relevantes é o alto custo de campanhas eleitorais, tornando a representação acessível aos mais ricos ou à corrupção. No primeiro aspecto, de certa forma instaura-se a plutocracia e, no segundo, aspecto afetando cada vez mais a qualidade da democracia (Moisés, 2010).

No bojo desse questionamento detectamos que à atuação das lideranças políticas perpassa tanto à crítica às estruturas institucionais quanto os procedimentos utilizados por esses líderes para chegarem às diferentes instituições. A questão da liderança na vida política brasileira e de outros países atravessa desconfiança por parte dos cidadãos e este é um dos pontos centrais que faz com que os estudos sobre avaliação da democracia desperte preocupação, à medida que, em alguns casos, abre possiblidade para posicionamentos e regimes políticos autoritários ou ditatoriais.

A defesa da horizontalidade em contraposição à verticalidade característica do desenho institucional é entendida como forma de descentralização do poder político que estaria corrompendo instituições e lideranças política, desse modo a horizontalidade seria uma forma de estimular a construção de uma democracia participativa

(11)

No movimento dos Indignados da Espanha, um dos coletivos que tiveram atuação fundamental na organização das manifestações, o “Democracia Real Já”, afirmava em um manifesto:

“É necessária uma Revolução Ética. Colocámos o dinheiro acima do Ser Humano e precisamos de colocá-lo ao nosso serviço. Somos pessoas, não produtos do mercado... Por tudo isso, estou indignado. Acredito que posso mudar. Acredito que posso ajudar. Sei que unidos podemos. Vem conosco. É o teu direito”.

Com base no debate realizado acima, iniciamos o processo de elaboração do conceito de lideranças com base nas práticas políticas questionadoras das lideranças e instituições políticas tradicionais. Essa elaboração ainda tem um caráter provisório e o subgrupo elaborrou um planejamento de discussões para o primeiro semestre de 2016 com vistas à elaboração desse conceito, buscando a articulação geral da pesquisa:

i) Liderança em rede: possuidora de um potencial para conectar muitos nós (indivíduos, grupos, coletivos) na rede. Baseada no debate do poder em rede e da política em rede, desenvolvidas por Manuel Castells.

Significa dizer que a liderança em rede possui características da ação política contemporânea, questionadora da centralização política e da personalização, próprias das estruturas políticas tradicionais, trata-se de uma forma compartilhada do exercício da liderança.

ii) Autoridade de rede: trata-se de um tipo de ator cuja popularidade ou prestígio adquirido na rede o coloca num lugar de destaque dentro de um determinado debate social ou político, ao ponto de se tornar uma referência para outros nós(indivíduos, grupos e coletivos) da rede. A visibilidade é característica essencial e associada a uma dada forma de prestígio e é capaz de impulsionar o ator numa posição de relevância na rede em determinados momentos. A visibilidade é constituída enquanto um valor porque proporciona que os nós sejam mais visíveis na rede. Com isso, um determinado nó pode ampliar os valores que são obtidos – através dessas conexões, tais como o suporte social e as informações (RECUERO, 2009, 108). Observamos que esses nós podem exercer papel relevante e serem capazes não somente de influenciar um debate, mas também de catalisar a ação política de outros nós dentro da rede e se constituírem como referência fundamental para a ação política

(12)

iii) Protagonismo: caracterizada pela efemeridade, pode atuar em um determinado momento como uma liderança aglutinadora de ideias e ações a depender do momento e das estratégias estabelecidas. O protagonista se diferencia da liderança em rede, à medida que ele não atua como porta-voz dos setores sociais, mas exerce uma atividade fundamental na organização, articulação e mobilização usando as redes digitais, mas também tendo uma presença constante nos debates off-line, no Brasil.

Sobre o termo protagonismo, vale tecer uma breve reflexão de caráter conceitual e político. Originado do grego, articula o prefixo protos (primeiro) à palavra agonistés (lutador), indicando, por definição, um papel de liderança que alguém ou algo exerce frente a uma organização ou um dado acontecimento

v) porta-voz rotativo – pode falar pelo coletivo ou grupo, mas não como seu representante ou seu líder. A principal diferença é que transmite as ideias, decisões ou posições do grupo, mas não toma decisões por ele, trata-se do elo transmissor entre grupos ou entre o grupo e a sociedade.

Cabe, enfim, lembrar que o Projeto Temático está em andamento, em consolidação, e seguindo estratégias que permitam aprofundar o tema a partir das diversidades teóricas existentes, das observações empíricas em realização e aproveitando as potencialidades específicas dos seus pesquisadores. Assim, para comprovar aspectos colocados sobre as lideranças políticas devemos, também, contar com as sugestões do parecerista da FAPESP.

São Paulo, fevereiro de 2016.

Vera Lucia Michalany Chaia

Bibliografia citada

CASTELLS, Manuel. Comunicación y poder. Madrid: Alianza. 2009.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro: Record. 2005.

(13)

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Nova Cultural. 1988.

MOISÉS, J.A. A corrupção afeta a qualidade da democracia? em Debate, Belo Horizonte, v.2, n.5, p.27-37, mai. 2010.

NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre Império. Rio de Janeiro: DP&A. 2003.

NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial e subjetividade. In: Lazzarato, Maurizio; Negri, Antonio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

Referências

Documentos relacionados

Tabela 2 – Percentual de adultos (≥18 anos de idade) que relataram o tipo principal de exercício físico ou esporte praticado no lazer, segundo a cidade de São Luís, das

Para tanto, no Laboratório de Análise Experimental de Estruturas (LAEES), da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE/UFMG), foram realizados ensaios

submetidos a procedimentos obstétricos na clínica cirúrgica de cães e gatos do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa, no período de 11 de maio a 11 de novembro de

Conclusão: a mor- dida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças, havendo associação estatisticamente signifi cante entre hábitos orais

A Escala de Práticas Docentes para a Criatividade na Educação Superior foi originalmente construído por Alencar e Fleith (2004a), em três versões: uma a ser

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.

Desenvolver competências didáticas dos gerentes de obra e técnicos de segurança do trabalho, para o treinamento do trabalhador da construção civil, na execução da tarefa segura..

Using a damage scenario of a local crack in a reinforced concrete element, simulated as a stiffness reduction in a beam-element, time-series of moving-load data are useful inputs