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OS MARCADORES DE TEMPO INDÍGENAS E A SOLIDARIEDADE ENTRE O AMBIENTE E OS POVOS QUE O HABITAM: UM OLHAR ETNOMATEMÁTICO

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OS MARCADORES DE TEMPO INDÍGENAS E A SOLIDARIEDADE

ENTRE O AMBIENTE E OS POVOS QUE O HABITAM: UM OLHAR

ETNOMATEMÁTICO

João Severino Filho1

Eixo temático: Etnomatemática e educação dos povos da floresta.

RESUMO: Este texto constitui uma síntese das discussões que tenho desenvolvido sobre Os Marcadores de Tempo Indígenas. O tema foi abordado em minha pesquisa de mestrado, a partir da articulação entre os conceitos da Educação Ambiental trazidos por Enrique Leff (2002); da Sociologia, por Boaventura Santos (2007); da Etnomatemática, por Ubiratan D’Ambrósio (2005), entre outros. A dissertação de mestrado apontou novos caminhos que resultaram em questionamentos que estão sendo propostos e discutidos enquanto pesquisa de doutorado em Educação Matemática, cuja realização tem como objetivo constituir um conjunto de reflexões sobre o conhecimento de povos indígenas e suas epistemologias. A realidade, estudada e descrita a partir do “olhar” do povo indígena Tapirapé, nas observações dos gestos, dos discursos, das decisões e das influências que os fenômenos astronômicos exercem sobre o cotidiano da comunidade, tem seu principal eixo de orientação na Etnomatemática, a qual reconhece nas produções de conhecimentos e de significados resultantes da própria concepção que as sociedades têm sobre tempo e sobre o ambiente da vida cotidiana articulações de pensamentos matemáticos.

Palavras-chave: Astronomia indígena; Marcadores de tempo indígenas; Solidariedade; Etnomatemática; Tapirapé.

INTRODUÇÃO

Meu primeiro contato com o tema Marcadores de Tempo Indígenas2 se deu a partir da pesquisa desenvolvida no mestrado, cuja dissertação trouxe o título “Marcadores de Tempo Indígenas: Educação ambiental e etnomatemática”. O tema foi estudado e referenciado a partir da articulação entre os conceitos da “Epistemologia Ambiental”, da “Racionalidade” e do “Saber Ambiental”, trazidos por Enrique Leff (2002); da “Ecologia dos Saberes” e da “Co-presença Radical”, por Boaventura Santos (2007); da “Dinâmica Cultural do Encontro”, da “Etnomatemática”, por Ubiratan D’Ambrósio (2005), entre outros.

O fenômeno dos Marcadores de Tempo Indígenas revelou-se um exemplo de extraordinário conhecimento que as sociedades têm de si e dos territórios que habitam, de

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Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – PGEM – UNESP de Rio Claro, sob a orientação do Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrósio – Bolsista pela FAPESP. E-mail: joaofilho@unemat.br.

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2 uma relação recíproca entre as pessoas e destas com o ambiente, a qual traz a possibilidade de uma produção científica impregnada e legitimada pelas sociedades, que tenham como fim e como condição para validá-la, o bem estar ambiental e social.

A realização da pesquisa do mestrado, quando recolhi depoimentos de representantes de vinte e uma etnias indígenas mato-grossenses, apontou novos caminhos que resultaram em questionamentos que estão sendo propostos, e em desenvolvimento, enquanto pesquisa de doutorado em Educação Matemática.

Imergir no universo do conhecimento indígena propiciou-me o convívio junto a algumas etnias com as quais intensifiquei contato e continuei dialogando. Dentre elas está o povo Tapirapé, que ainda durante o mestrado me convidou a acompanha-los nas discussões e reflexões sobre educação e sobre a matemática a ser desenvolvida na formação escolar dos jovens.

As observações e ponderações que tenho conseguido durante convívio com a comunidade Tapirapé – nas diferentes atividades desenvolvidas na aldeia, nos detalhes da organização social e econômica do povo, na realização dos rituais – levaram-me às indagações que busquei estruturar enquanto objeto de pesquisa, na perspectiva da Etnomatemática, sobre a astronomia indígena.

As respostas a essas indagações deverão convergir em função de constituir um conjunto de estudos e reflexões sobre o conhecimento de povos indígenas e suas epistemologias, percebidos pela descrição de significados dos fenômenos astronômicos identificados e observados pelo povo Tapirapé, a partir das explicações presentes nas narrativas sobre as cosmologias e ritos e das relações que estabelecem com as atividades cotidianas.

Para a constituição desses estudos estão sendo desenvolvidas ações que nos permitam, entre outras, identificar as constelações e outros elementos astronômicos, a partir dos referenciais geográficos, das explicações e das ilustrações produzidas pelos Tapirapé; identificar os elementos que relacionam, significativamente, a astronomia Tapirapé e a Etnomatemática, na perspectiva epistemológica das discussões acerca da produção e disseminação do conhecimento por diferentes povos; evidenciar aspectos das relações estabelecidas entre os fenômenos astronômicos e a vida cotidiana, que configuram e retratam a atividade intelectual humana e as representações que a cultura Tapirapé dá a essa atividade, com base na organização e realização dos seus rituais.

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3 Acredito que também será relevante descrever as inferências conseguidas a partir da percepção de determinados fenômenos astronômicos ou significadas pela relevância dada aos diferentes marcadores de tempo utilizados pelos Tapirapé nas decisões tomadas durante a organização da vida comunitária.

Os Tapirapé são um povo Tupi-Guarani que atualmente habita duas Terras Indígenas descontínuas, a Terra Indígena (TI) Tapirapé/Karajá, homologada em 1983, localizada na “barra” do rio Tapirapé, quando deságua no Araguaia, onde coabitam as comunidades Tapirapé e Karajá, e a Terra Indígena (TI) Urubu Branco, homologada em 1998. As duas Terras Indígenas localizam-se na Região do Médio Araguaia, Estado de Mato Grosso. Atualmente, de acordo com levantamentos da Fundação Nacional da Saúde, FUNASA, 2010, há um número aproximado de 700 índios da etnia Tapirapé vivendo em aldeias distribuídas pelos dois Territórios.

A Terra Indígena Urubu Branco é o território tradicional Tapirapé que foi ocupado por fazendas de agropecuária na década de 1950, o que os levou a restringirem suas vidas ao território Tapirapé/Karajá, também invadido e loteado quase por completo entre os fazendeiros. Na década de 1990, os Tapirapé conseguiram o reconhecimento oficial das duas Terras Indígenas e grande parte da população retornou ao Território Urubu Branco, onde se situa a aldeia Tapi’itãwa, a qual é referida pela sociedade envolvente com próprio nome do território.

Segundo o antropólogo Herbert Baldus (1979), há indícios da ocupação desse território pelos índios Tapirapé, nos registros dos bandeirantes e padres que passaram e viveram por ali no início do Século XVI.

O TEMPO: A SOLIDARIEDADE ENTRE AMBIENTE E POVOS

O tempo, como sinônimo de mudanças ou transformações, em suas diversas manifestações, ocupa diferentes lugares e significações na vida de uma comunidade, dependendo de como a cultura dessa comunidade concebe o mundo. Em culturas que percebem os seres humanos e a natureza como entes distintos e dissociáveis é comum, também, conceberem o tempo como um fenômeno puramente físico e exterior à vida das pessoas.

O tempo físico, adotado oficialmente pelas sociedades de cultura ocidental, é definido como único, contínuo, linear e observado a partir de transformações no espaço. Os ponteiros

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4 do relógio analógico, percorrendo regiões circulares em movimentos uniformes, representam uma das formas mais práticas e simples de se observar essas transformações.

As sociedades indígenas, ao construírem seus conhecimentos sobre o tempo, o conceberam como múltiplo. Também observaram as transformações, contudo, de uma pluralidade de manifestações ambientais e sociais. Aprenderam sobre as diversas inter-relações dos tempos, sem excluir a dimensão emocional, sem desvincular esses tempos dos aspectos espirituais e afetivos da sociedade ou do ambiente. Enfim, sem desconsiderar as informações percebidas pelas suas crenças e as experiências dos ancestrais, sempre dentro de uma lógica que explica e simboliza a existência da vida.

Os tempos indígenas, em sua multiplicidade de dimensões, se faz nas relações de reciprocidade entre o ambiente e os povos que o habitam. Por ser múltiplo, vem de diferentes direções, formando passados, presentes e futuros descontínuos sem serem, contudo, desconectados entre si. É uma percepção radiculada do “fluir do tempo” da vida dos povos e da natureza. E a vida é contínua na individualidade de ser índio em todas as etapas, desde o nascimento, os rituais de passagem, as aprendizagens, o amadurecimento, o envelhecimento e a morte. Contudo, não é concebida na perspectiva individual, e sim predominantemente na coletividade (SEVERINO-FILHO, 2011).

Os tempos indígenas, interpretados a partir da relação das sociedades indígenas com o ambiente, mais que um sistema padronizado de transformações do espaço, representam o principal elo entre o ambiente e os povos que o habitam, a partir do qual ambos se reconhecem, se constituem, se transformam. Os Marcadores de Tempo Indígenas são a síntese desta relação, testemunhos da solidariedade entre ambiente e povos, expressa pela concepção de tempo e de viver.

Geertz (2008) designa tais aspectos de uma cultura pelo termo “visão de mundo” de um povo. Segundo ele: “A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade. Esse quadro contém suas ideias mais abrangentes sobre a ordem” (p. 93).

A perspectiva de Ubiratan D’Ambrósio para Etnomatemática, que a define enquanto Programa de Pesquisa, representa o principal eixo norteador das reflexões que apresento e nos conduz na direção de que as produções de conhecimentos e de significados resultantes da própria concepção que as sociedades têm sobre tempo e sobre o ambiente da vida cotidiana são articulações de pensamentos matemáticos.

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Indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e desenvolvido instrumentos de reflexão, de observação, instrumentos materiais e intelectuais [que chamo ticas] para explicar, entender, conhecer, aprender para saber e fazer [que chamo matema] como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência em ambientes naturais, sociais e culturais [que chamo etnos]. (D’AMBRÓSIO, 2005, p.60).

Para D’Ambrósio (1997), viver é um fenômeno necessariamente ligado à existência solidária de seis elementos: o indivíduo, outros indivíduos, o ambiente e as relações entre esses três. Esta relação é explicada por ele a partir da metáfora do “Triângulo Primordial”, em que os vértices constituem a tríade formada pelo indivíduo, o outro (sociedade) e o ambiente. As arestas são as intermediações relacionais, como comunicação e emoções, instrumentos, trabalho e poder. Assim, a realidade se refere a todos os elementos do triângulo primordial.

O modo de vida de um povo expresso pelos seus sistemas de comportamento e de conhecimento, segundo D’Ambrósio (1997), resulta das tentativas de explicar os pulsões básicos da existência humana e a vontade que alimenta a busca de sobrevivência e de transcendência. A Figura 01 apresenta as intermediações nas relações do triângulo primordial.

Figura 01 – Adaptação do Triangulo Primordial proposto por Ubiratan D’Ambrósio (1997).

Para D’Ambrósio, entender a natureza humana é entender as relações entre os elementos do triângulo e suas intermediações. E a garantia da vida sobre a terra está condicionada à manutenção da integridade do triângulo, em todas as suas dimensões, pois, os seis elementos do triângulo primordial possuem existência solidaria, pela impossibilidade de um existir sem o outro.

As relações percebidas entre ambiente e pessoas, expressas por meio dos marcadores de tempo indígenas, possibilitam o acréscimo de uma diferente – mas não antagônica – interpretação do triângulo primordial, ao reconhecer manifestadas também pelo ambiente, as

Instrumentos Ambiente Indivíduo O Outro (sociedade) Trabalho Poder Comunicação Emoções TRIÂNGULO PRIMORDIAL

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6 necessidades, satisfação, enfim, o seu estado de espírito. As intermediações “Comunicação e Emoções” deixam de fazer parte apenas das relações entre o indivíduo e o outro, passando a atuar nas duas direções entre as três arestas do triângulo. Em outros termos,

A relação que o meio estabelece com os seus habitantes será tão harmoniosa quanto recíproca e revelará sempre um questionamento, uma declaração ou – intencionalmente citada por último – uma resposta à própria ação que estes habitantes desenvolvem quando criam ou reproduzem modos de viver e de interagir com o outro e com o meio. (SEVERINO-FILHO, 2010, p. 64)

Habitar determinado território vai além da moradia, da utilização do solo, das florestas e dos rios. Ao adotar um lugar como seu território, relacionando-se com reciprocidade e equilíbrio, as sociedades indígenas se misturam ao ambiente e este faz parte da sua própria constituição enquanto ser vivo, em que ambos se conhecem e se respeitam, se alimentam e se protegem. Interdependem-se. Segundo Leff (2002),

O habitat tem sido considerado como o território que fixa ou assenta uma comunidade de seres vivos e uma população humana, impondo suas determinações físicas e ecológicas ao ato de habitar. Neste contexto, uma visão ambiental das formas de ocupação do território destaca os processos organizadores do habitat através do organismo que o habita, da cultura que o significa, da práxis que o transforma. (LEFF, 2002, p. 283).

Acredito que no processo de transcendência para além da sobrevivência do indivíduo e da continuação da espécie, no sentido dado por D’Ambrósio, há que se acrescentar às intermediações do triângulo, princípios da sustentabilidade. Desse modo, a subordinação do instinto à vontade humana deverá ser mediada por uma racionalidade ambiental (LEFF, 2002) que conceba as discussões sobre o ambiente e as pessoas como uma questão cultural.

Neste sentido, estudos a respeito dos conhecimentos produzidos e praticados por povos culturalmente distintos têm, cada vez mais, assumido lugar de destaque no campo das pesquisas sociais. São imprescindíveis para o reconhecimento, o respeito e para que esses povos tenham o direito de continuarem produzindo, praticando e melhorando seu próprio conhecimento científico.

METODOLOGIA

A metodologia da pesquisa, de cunho qualitativo, tem a etnografia como principal abordagem, pois, partimos do pressuposto de que é a que melhor atenderia às particularidades da realidade estudada e aos objetivos dos nossos estudos que, sobretudo tentam descrever e desvelar os significados dos fenômenos astronômicos identificados e observados pelo povo Tapirapé.

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7 A realidade estudada será descrita a partir das perspectivas apresentadas nas narrativas do povo Tapirapé, nas observações dos gestos, dos discursos, das decisões e das influências que os fenômenos astronômicos exercem sobre o cotidiano da comunidade Tapirapé.

Nesse sentido, a abordagem metodológica tentará se aproximar da análise interpretativa, definida por Geertz (1989, p.15), como “Descrição Densa”, que, segundo ele, pode ser desenvolvida através de leitura de documentos, observação, observação participante, entrevista individual semi ou não estruturada, escolha de um grupo focal, entre outros.

Essa perspectiva de pesquisa tem suas origens no “interacionismo simbólico” cujas premissas teóricas e filosóficas influenciaram a “sociologia da Escola de Chicago” (GOLDENBERG, 1998).

O interacionismo simbólico destaca a importância do indivíduo como intérprete do mundo que o cerca e, consequentemente, desenvolve métodos de pesquisa que priorizam os pontos de vista dos indivíduos. O propósito destes métodos é compreender as significações que os próprios indivíduos põem em prática para construir seu mundo social. Como a realidade social só aparece sob a forma de como os indivíduos veem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através “dos olhos dos pesquisados”. (GOLDENBERG, 1998, p, 27).

Para Jean Poupart (2010) as entrevistas e outros instrumentos dos métodos qualitativos têm sido considerados ainda como os meios de se conseguir o ponto de vista dos atores sociais na compreensão e interpretação das suas realidades. Sem esses pontos de vistas as condutas sociais não poderiam ser compreendidas ou explicadas.

A entrevista seria, assim, indispensável, não somente como método para apreender a experiência dos outros, mas, igualmente, como instrumento que permite elucidar suas condutas, na medida em que estas só podem ser interpretadas, considerando-se a própria perspectiva dos atores, ou seja, o sentido que eles mesmos conferem às suas ações. (POUPART, 2010, p. 217).

Uma pesquisa sobre os marcadores de tempo Tapirapé é essencialmente uma análise de aspectos específicos da cultura, cujo conceito adotado pela abordagem da pesquisa é fundamentalmente semiótica, sendo que sua análise, concordando com Gertz (2008), não se trata de uma “ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado” (p. 04).

Goldenberg (1998) afirma que Geertz, com seu modelo de analise cultural hermenêutico, inspirou a antropologia reflexiva ou pós-interpretativa, que, segundo ela:

Propõe uma autorreflexão a respeito do trabalho de campo nos seus aspectos morais e epistemológicos. Esta antropologia questiona a autoridade do texto antropológico e propõe que o resultado da pesquisa não seja fruto da observação pura e simples, mas

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de um diálogo e de uma negociação de pontos de vista, do pesquisador e pesquisados. (GOLDENBERG, 1998, p. 24).

Para Gertz (2008) fazer etnografia, principal trabalho do antropólogo, não consiste simplesmente de cumprir uma sequência de etapas e procedimentos metodológicos. Não são os procedimentos que a definem, mas sim o tipo de esforço intelectual dispendido às reflexões e descrições sobre o tempo no campo e todas as circunstâncias vividas no processo da pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolver pesquisas sobre o tema tem nos apresentado a possibilidade de constituir um importante conjunto de informações e reflexões a respeito do conhecimento indígena e da epistemologia que explica e traduz o valor desse conhecimento na vida das comunidades indígenas.

A astronomia Tapirapé está sendo concebida como uma manifestação do conhecimento que o povo indígena Tapirapé construiu sobre o tempo, os fenômenos naturais e sobre as relações que eles estabeleceram entre esses fenômenos, o ambiente e a vida social. Acredito que a partir dessas relações os conhecimentos são tradicionalmente produzidos, praticados, atualizados, validados e disseminados pelos Tapirapé.

A abordagem do tema, nesta perspectiva, traz à interpretação de que os fenômenos astronômicos são importantes Marcadores de Tempo Indígenas e traduzem um dos modos como esta sociedade concebe seus tempos.

Nesse sentido, o tempo reflete o próprio estilo de vida das sociedades, sendo que cada uma vai perceber o mundo por meio dos sistemas que lhes são característicos e que foram constituídos ao longo das gerações. Para compreendermos os modos de vida de um povo, necessariamente teremos que estudar sua percepção sobre o tempo, bem como o processo pelo qual esse tempo foi apreendido ou “inventado”. A forma de perceber e interagir com o tempo retrata essencialmente a personalidade coletiva de um povo (SEVERINO-FILHO, 2011).

Desenvolver um estudo sobre a astronomia Tapirapé tem fundamental importância no embate acadêmico para que se estabeleça o que Santos (2007) conceitua como pensamento pós-abissal que tem como base a ideia da diversidade epistemológica, que, convergindo com a Etnomatemática de D’Ambrósio (2005), reconhece a existência de uma pluralidade de formas de conhecimentos além do conhecimento difundido como único válido pela academia.

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9 O valor dado ao conhecimento que explica a vida, o espírito, a sociedade, as coisas da terra e do ar, bem como, os critérios a serem utilizados para validá-lo, deverão ser definidos a partir do ponto de vista daqueles que o utilizam, sob a lógica daqueles que o desenvolvem e difundem pelas gerações.

BIBLIOGRAFIA

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