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Superinteressante - o Guia Da Filosofia

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Academic year: 2021

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Texto

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(3)

Carta

do editor

.Aarteda

pergunta

No meu primeiro vestibular, nao passei no curse de Jornalismo, mas consegui uma vaga para a minha segunda opc;:ao: Filoso-fia. Nunca me imaginei fil6sofo. No entan-to, aos 17 anos, eu era um adolescente com muito tempo livre e decidi encarar as aulas do primeiro semestre como uma especie de experiencia de vida.

Eram quatro cadeiras: Metafisica, Intro -duc;:ao

a

Filosofia, Hist6ria da Filosofia e L6-gica. Nas cadeiras de Metafisica, o professor, com ar carrasco, distribuia textos em grego - naquele alfabeto cheio de alphas, betas e del-tas. L6gica era impenetravel - matematica sem numeros. Patinei nessas duas cadeiras e, como nao tinha planes de me formar no curse, comecei a frequenta-las apenas como ouvinte, sem esperanc;:a de ser aprovado.

Mas eu adorava as outras aulas, principal-mente Introduc;:ao, do professor Paulo Faria. Foi com ele que eu aprendi que o valor do pensamento nao esta, necessariamente, na busca por respostas. Sao as boas perguntas que movem a filosofia. No final daquele ano, fiz novo vestibular e fui aprovado em Jorna-lismo. 0 contraste entre o primeiro semestre de Filosofia, uma pedreira, com o inicio do curse de Comunicac;:ao, uma mamata, me deu saudades dos textos em grego de Metafisica. Quatro anos se passaram, me formei, e nao acho exagero pensar que a minha curta expe-riencia na Filosofia valeu mais do que os oito semestres de Jornalismo. Foi la que aprendi a fazer perguntas, uma habilidade essencial para a carreira de reporter. E para a vida.

Nossa ideia com esta revista foi mostrar como as perguntas essenciais mudaram com o passar do tempo e quern foram os pensado-res por tras delas. Esperamos que voce ter -mine a leitura com boas duvidas.

(4)

OGuiada

l?ilasajia

10.

ERA PRE-socR.i.r1cA 12.

Tales de Mileto

13.

Anaximandro

,

Anaximenes de Mileto

,

Parmenides de Eleia

,

Heraclito

de Efeso

14.

Pitagoras de Samas

15.

Protagoras

,

G6rgias

16

. F1LosoF1A cL.i.ss1cA 18. Socrates

19.

Epicuro

20.

Platao 22. Arist6teles

23. Seneca

24.

F1LosoF1A MEDIEVAL 28. Santo

Agostinho

21.

Al-Farabi

,

Avicena, Averr6is

28.

Santo Anselmo de Cantuaria

29.

Pedro Abelardo, Sao

Tomas

de Aquino

,

John Duns Scotus

3o.

RE NASCIMENTO F1Los6F1co 32.

Dante Alighieri

33.

Thomas More

,

Erasmo de Roterda

34.

Nicolau Maquiavel

35.

Michel de Montaigne

,

Giordano Bruno

,

Tommaso Campanella

36.

10AoE MODER NA

38.

Rene Descartes

39.

Baruch Espinosa

40.

Thomas Hobbes

41.

John Locke

,

Francis Bacon

42.

Montesquieu

43.

Gottfried Wilhelm Leibniz, George Berkeley

44.

David Hume

,

Thomas Reid

45.

Voltaire

48.

Jean-Jacques Rousseau

41. I.

mmanuel Kant

48.

Fl LosoF1A coNTEMPORANEA. 50.

Karl Marx

51.

Friedrich Nietzsche

52.

Georg Hegel

53.

S0ren Kierkegaard, Arthur

Schopenhauer,

Auguste

Comte

54,

Ludwig Wittgenstein

,

Bertrand Russell

,

William James

55,

Edmund Huss

erl,

Jean-Paul Sartre

58.

Theodor Adorno

57.

Hannah Arendt

,

Martin Heidegger

,

Karl Popper

58.

Michel Foucault

59.

John Rawls, Richard Dawkins, Zygmunt Bauman

60.

FILOSOFIA NO SECULO

2182.Consciencia63.Existencia &.a.Cult

(5)

' ' ;,f,• ~, I PRE-SOCRATICOS ,,,,_ ., _ _ _ . , _ . - : GRECO-ROMANA

l

884

a.C.

Nasce Tales de Mileto, o primeiro fil6sofo. Em 0

Principe

,

Maquiavel cria o politico moderno.

55oa.C.

Pitagoras une matematica e filosofia na Escola Pitag6rica. RENASCIMENTO

t

1511

Erasmo de Roterda abala com Elogio da Loucura e inspira a Reforma Protestante.

1555

Dante enfrenta o domlnio cristao com A Divina Comedia. IDADE MODERNA

1837

Descartes funda o pensamento moderno com o

Discur

so

do Metodo

.

515a.C.

Parmenides inicia a metafrsica ocidental:

489a.C.

"O ser e uno".

Santo Anselmo apresenta a prova onto16gica da existencia de Deus. Leviata, de Hobbes, pede um rei centralizador para controlar oegorsmo humano. com perguntas. 0 persa Avicena publica 0 Livro da Cura, que inspirou Descartes 600 anos depois. Ensaio acerca do Entendimento Humano, de Locke, mostra comoohomem conhece o mundo a partir das experiencias. IDADEMEDIA

t

397

Santo Agostinho publica Confissi5es.

178a

A sociedade corrompe o homem, de acordo com Do Contrato Social, de Rousseau.

Platao funda sua Academia. comec;a a dar aulas no Liceu.

1781

Kant, na Critic

a

da

R

a

z

ao

Pura: a razao

nao consegue conceber um Deus.

daWi

MAR

CANT ES

NA HISTORIA

DA FILOSOFIA

1807

Hegel, em Fenomenologia do Espirito: a Dawkins lan<;a 0 Gene Egofsta e funda a memetica, o estudo dos memes.

1988

Foucault decreta a morte do homem em As Palavras

e as Co

i

sas.

Sartre populariza o existencialismo com OSereoNada e influencia a juventude rebelde.

Com Sere Tempo, Heidegger recupera o estudo do ser .

Husserl funda a fenomenologia em ldeias para uma Fenomenologia Pura.

Nietzsche publica a primeira parte (de quatro) de Assim Falou Zaratustra, e questiona nosso valores.

1848

0

Manifesto

Comunista

de Marx propoe uma nova economia.

(6)

~ t1

filos6fico

·

rAATllN

Socrates

existiu apenas

• • rv

na imaginar;ao

de Platao?

Socrates nao quis escrever suas ideias, pois acredi-tava que a melhor forma de expor o que tinha em mente era com uma boa conversa. Assim, seu pensa-mento so sobreviveu gra<;as a obra de pupilos como Platao. Entao, como acreditar que Socrates nao e so um personagem inventado? Simples: Platao nao foi o unico pensador que deu seu testemunho a respeito

do mestre. Aristofanes, por exemplo, mencionou Socrates numa comedia, Xenofonte tambem o ci-tou. Mas ninguem ainda conseguiu responder ate que ponto ele se pareceu de verdade com a figura descrita por seus seguidores.

Platao teve um

amor plat6nico?

Sim, Platao era um apaixonado, mas seu amor era a filosofia. Mase born esclarecer que a expressao amor platonico so-freu uma distor<;ao com o passar do tempo. Hoje, se usa o termo para um amor nao realizado, idealizado, a distancia, mas nao e bem isso que Platao quis dizer. 0 conceito foi apropriado pelo cristianismo, o que pode explicar por que o ato sexual saiu da jogada (verdade seja dita, nada mais anti--grego do que um amor sem sexo). Platao fala em "amor ao belo" e nao se refere apenas ao amor entre duas pessoas, como.o termo esta associado hoje. Platonico era o amor pelo pars, pela justi<;a, pelos ideais eticos, pelo que for -0

filosofo falava em conciliar os muitos amores. Amar e o que nos leva a conhecer a essencia das coisas, as formas puras que Platao acreditava existir no mundo das ideias -ao qual seria posslvel ascender por meio do intelecto. Ou seja, amor platonico e aquele que nos impulsiona air alem do sensrvel, a elevar a alma em busca da verdade -por isso que, para Platao, o filosofo e um ser apaixonado.

E

verdade

que Santo

Agostinho nunca

foi

santo?

"Senhor, fac;a-me casto e celibatario, mas nao ago-ra", pediu o jovem olhan-do para OS ceus, ap6s

CO-nhecer a rotina dos eremitas que estudavam a palavra divina. Depois ele viraria bispo e ate santo, mas, por quase metade de sua vida, Agostinho de Hipona foi um homem determinado a aproveitar 0 maxima de prazeres possfveis -in -clusive os carnais, como a frase sugere. Esta e ou-tras revelac;oes apare-cem nas Confissoes, seu livro autobiografico. Agostinho s6 se conver-teu ao cristianismo aos 32 anos, quando passou a ter uma vida mais s6-bria. Ate ali, frequentou festas, manteve um Ion-go relacionamento com uma amante e teve ate um filho bastardo, cha-mado Adeodato.

Marx

era um

burgues?

Mesmo tendo escrito para os trabalhadores brac;ais, Karl Marx nao vivia a roti-na dos que passavain ho-ras dentro de uma fabrica. Nao ter sido um proletario significa necessaria -mente ser um burgues? Nao, na visao do pr6prio Marx. Para o pensador,

0 burgues e 0 detentor dos meios de produc;ao, quern produz dentro da 16gica capitalista. Marx nao poderia estar mais longe dessa realidade: sobrevivia apenas com os rendimentos minguados de jornalista e sempre precisou de emprestimos e da ajuda de Friedrich Engels, o fil6sofo, cien-tista social e coautor de

0 Manifesto Comunista,

que deu apoio financeiro para o amigo Karl pesqui-sar e terminar 0 Capital.

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(7)

----Al

gum

f

il6sofo

contemporaneo

que

pode

ser

comparado

a

Platao ou

Arist6teles?

E

difrcil fazer essa comparac;ao considerando o criterio de al-cance da obra da dupla. Nesse quesito, ninguem bate Platao e Arist6teles, cujas obras sao de

-batidas ha 2,5 mil anos. Seja como for, e impossfvel que qualquer fil6sofo contempora-neo venha a ter o mesmo im-pacto que os gregos. A princi

-pal razao e que, na Antiguidade classica, a filosofia era a mae dos saberes, ou seja, versava sobre tudo, da polftica

a

biolo-gia, passando pela frsica, age-ometria, a 16gica, a etica, a es

-tetica, a matematica -e o que mais voce quiser acrescentar aqui. Platao e Arist6teles fize-ram contribuic;oes sobre tudo isso, especialmente o segundo. Hoje, ap6s a especializac;ao das ciencias, a filosofia se tornou

um campo bem mais limitado,

e boa parte do trabalho da filo-sofia e 0 estudo da pr6pria filo-sofia. Ou seja, os pensadores atuais costumam ser mais es-pecializados, e seus trabalhos ficam mais restritos, enquanto Platao e Arist6teles foram ge-neralistas de primeira linha.

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E verdade que Nietzsche

inspirou ideias nazistas?

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Quando Nietzsche morreu, em 1900, todas as obras que havia escrito ficaram em poder da irma, Elisabeth. Ela nao apenas compactuava com o nacionalismo alemao como havia se casado com um antissemita fanatico. Elisabeth viveu ate 1935, quan-do Aquan-dolf Hitler estava no auge da popularidade, e passou a publicar apenas trechos esparsos do trabalho do irmao, que pareciam justificar o nazismo. Fora do contexto, alguns escritos do pensador foram usados na Alemanha para enaltecer visoes sobre a existencia de uma rac;a dominante. No entanto, a maioria dos estudiosos que vie-ram depois concorda que Nietzsche abominava o antissemitismo, nunca defendeu a

supremacia racial e dificilmente concordaria em trabalhar a favor do regime nazista.

Afinal; para que

serve a filosofia?

Paranada. E injusto querer encontrar uma

utilidade pratica na filosofia como se exige da ciencia, por exemplo. 0 campo da filo

-sofia e o pensar. E: claro que existe aquele

pensar instrumental, que e um meio para

alcanc;ar um fim, como o cientffico. Maso pensar filos6fico e de outra natureza, r

efle-te a pr6pria condic;ao humana, logo, e um fim em si mesmo, nao visa ter uma utilida-de que nao seja a utilida-de discutir e fazer boas perguntas sobre o mundo e o homem. Mas ela nao esta descolada da realidade: as bases da divisao de poderes na polltica (Executive, Legislative e Judiciario) foram propostas por um fil6sofo, por exemplo.

(8)
(9)

... !/, _ _ _ _

Afilosofia

naonasceuna

Grecia. A terra natal de Tales, considerado o

primeiro fil6sofo da hist6ria, e Mileto, cidade

do sul da J6nia, regiao que hoje pertence

a

Turquia. Ou seja, e correto dizer que a filosofia nasceu no mundo grego, mas o mundo grego

dos seculos 7 e 5 a.C. nao tern nada aver com a Grecia de hoje. Abrangia a costa do Mar Egeu, de Marmara e boa parte do Mar Negro,

alem do sul da Italia e das regioes costeiras

da Franc;a, Espanha e Africa. Demorou

qua-se cem anos para a filosofia chegar

a

capital

Atenas, onde viveu Socrates, uma especie de

Jesus Cristo da filosofia.

Motivo: assim como o calendario esta

di-vidido em antes e depois do surgimento do

messias cristao, a filosofia tambem tern duas eras: pre e p6s-S6crates. Na era pre-socratica,

a principal preocupac;ao era saber de que era

feito o mundo e o ser humano. A pergunta "de

que sao feitas as coisas7" pode soar ingenua e ate infantil. Maso fil6sofo Timothy

William-son, de Oxford, considera uma das melhores

perguntas ja proferidas - uma questao que nos conduziu a boa parte da ciencia moderna. Pela primeira vez na hist6ria, os pensadores

colo-caram o raciocinio na frente da mitologia. Eles nao engoliam a ideia de que o mundo surgira

do nada. "Nada vem do nada e nada volta ao

nada" era uma premissa basica para os

pre-so-craticos, o que significava dizer que o mundo

e uma eterna reciclagem, tudo se transforma

sem jamais desaparecer. Eles tin ham ate uma palavra para esse mundo perene: physis, do verbo grego "fazer surgir". Physis era a origem

de todos os seres e coisas mortais do mundo,

que estao em permanente transformac;ao. 0

cafe quente esfria, o inverno vira primavera, o longe fica perto se formos ate ele, a crianc;a cresce e vira um adulto. A natureza esta em constante transformac;ao, mas isso nao quer dizer que ela e ca6tica. As mudanc;as seguem uma 16gica determinada pela physis.

Mas afinal o que era a physis7 Cada

pensa-dor achava que era uma coisa. Tales afirmava

que 0 principio era a agua OU 0 umido.

Ana-ximandro, o infinito. Anaximenes, o ar. Pode parecer simpl6rio, mas era a primeira vez que

se buscava uma resposta racional para a

(10)

((0

Universo

e

f

eito de

agua))

Tales de

Mile

Mileto (otuol Turquio), *624

to

o.C. t545 o.C.

Tales dizia gue a agua era a fonte de tudo. Mas ele acertou

mesmo foi guando

criou um teorema para facilitar medi~oes

geometricas.

CRIADO EM UMA EPOCA na qual a re

-ligiao explicava todas as coisas, das guerras aos casamentos infelizes, Tales de Mileto rompeu com o pen-samento mitol6gico e deu o pontape inicial da filosofia. Foi o primeiro a usar o raciocinio puro para explicar as questoes do homem e da natureza.

Nascido na colonia de Mileto, atual Turquia, Tales

e

considerado o respon-savel por tirar a civilizai;:ao helenica das trevas intelectuais. A fama vai alem das contribuii;:oes para a filoso-fia. Em 585 a.C., conseguiu prever um eclipse total do Sol. Sua aptidao para os neg6cios tambem era invejavel. Certa vez, percebeu que as condii;:oes do tempo estavam favoraveis para a colheita e investiu no ramo das azeito-nas prevendo que o clima turbinaria uma safra recorde. Dito e feito: Tales encheu os bolsos de dinheiro. Porem, o pensador ficou mais conhecido pelo teorema de Tales, que ele formulou medindo a piramide de Queops, no Egito, utilizando apenas uma estaca e as sombras dela e da piramide. Hoje, 0 teorema e fundamental para medi-i;:oes geometricas, utilizado desde a construi;:ao civil ate a astronomia.

Na filosofia, ele acreditava na exis

-tencia de uma materia-prima basica responsavel pela origem do Universo: a agua. Em uma de suas frases mais conhecidas, Tales teria dito que "o Universo e feito de agua". Ele obser-vou que, sem agua, tudo morria. Logo, ela era a fonte da vida. Tales chegou a afirmar que a Terra flutuava sabre um disco de agua a partir do qua! tudo emergiu. Ironicamente ou nao, a sede teria sido um dos motivos da sua morte, aos 78 anos. "Tales sucum-biu por causa do calor, da sede e do esgotamento da velhice", descreveu o bi6grafo Diogenes Laercio.

Tales nao deixou textos. Tudo o que se sabe sabre ele

e

baseado na tradii;:ao oral e em registros de outros pensa-dores. Teve uma vida isolada e intima.

Nao cobrava nada de seus discipulos e, humildemente, desafiava outros sa-bios a contestarem suas ideias.

(11)

rALEs oE MILEro, ANAXIMANoRo, ANAxfMrnEs, PARM£N10Es, HrnAcuro

I

Er

a

pr

e

-

s

o

c

r

d

t

ica

((

0 principio

e

o elemento de

todas as coisas

e

0

infinito)

)

Anazimandro

Grecia (atuaf Turquia), *610 a.C. t545 a C.

RESPONSAVEL POR continuar o pensamento de Tales, Anaximandro foi polftico, administrador e construtor de rel6gios solares - um cidadao

cele-bre. Seu busto foi encontrado em posii;:ao de destaque nas rufnas de Mileto. Assim como Tales, acreditava na existencia de um prindpio primor-dial para o Universo, mas discordava de que fos-se a agua. Nas tres frafos-ses deixadas pelo pensa-dor, que Sao OS primeiros textOS de filosofia escritos, ele defende que o infinito ea origem de tudo, porque somente algo ilimitado e eterno po-deria explicar a multiplicidade das coisas.

((

Tudoflui e nada

permanece

)

)

lle

Efeso (atuof Turquio),

rGclito

*535 o.C. t475'o.C.

"

Oar

e

D

e

us"

Anazi-menes

Mileto,

* 585 o.C. t 528 o.C.

NEM AGUA, nem infinito. Para o ul-timo dos fil6sofos de Mileto, oar era o item fundamental. Ele observou que os labios franzidos produzem ar frio e, quando relaxados, ar quente - concluindo que a condensai;ao esfria e a expansao aquece.Para ele, a condensai;ao do ar te-ria dado origem a ne-voas, chuvas e rochas, ou seja, ao planeta todo. Afinal, nada sobreviveria sem o ar.

NINGUEM SE BAN HA duasvezesnomes-mo rio. Quando imergimos, aguas novas substituem aquelas que nos banharam antes. 0 exemplo serviu para ilustrar a Teoria do Devir de Heraclito de Efeso, sua tese mais famosa. Para ele, o Universo anda num eterno fluir, com cada coisa sendo e nao sendo ao mesmo tempo.

devorado por caes. Heraclito deixou frases gravadas em laminas de ouro que ficaram secretamente guardadas com sacerdotes. Eram curtissimas e com duplo sentido, coma no trecho "a rota para cima e para baixo e uma ea mesma".

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"

N

ao e

po

ss

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v

el

di

ze

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e

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ns

a

r

0

qu

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n

ao e"

Parmen

i

des

Eleio, *530 o.C. t460 a.C.

0 GRANDE PLATAO 0

reconhe-ceu como pai espiritual e dedi-cou a ele um de seus dialogos. A profundidade das ideias e argumentai;:oes de Parmeni -des e considerada ate hoje uma das mais ricas da hist6ria. E se filosofar ja e diffcil, imagi -ne deixar as teorias gravadas em formato de poesia. Parme -nides o fez. Esta tudo registra-do em poemas filos6ficos (exatamente 154 versos). Nascido em Eleia, hoje sul da Italia, Parmenides e consi-derado o principal nome da es -cola eleatica, um dos ultimos movimentos filos6ficos do fim da era pre-socratica. Seu gran -de merito foi ter reconhecido que nossos sentidos nem sem-pre estao certos, valorizando a importancia de fazer uma inter-pretai;:ao racional do mundo. Parmenides chegou a uma conclusao oposta a do contem-poraneo Heraclito. Para ele, a Teoria do Devir nao poderia es -tar certa, porque algo que "e" e "nao e" ao mesmo tempo nao passa de uma contradii;:ao. Nao ha uma terceira possibilidade, dizia Parmenides. Ou o sere uma coisa ou nao e.

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Para Heraclito, era o logos -algo como razao ou inteligencia -que gover-na o mundo. Ele reconhecia que todos os homens possuem o logos, mas acre-ditava que a maioria (que chamou de "adormecidos") nao desenvolvia essa in-teligencia. Apenas os "despertos" uti-lizavam o logos de modo consciente. Suas teorias s6 foram reveladas ap6s seu bizarro suiddio: cobriu o corpo de esterco e foi para a prai;:a, onde foi

0 livro fundamental da maioria dos fil6sofos pre-socraticos se chama Sabre a Natureza. Nao se trata da mesma obra,

mas de varias que tern exatamente o mesmo nome. Isso porque esses fil6sofos buscavam na natureza respostas para questoes como a origem do mundo e do homem. Assim nasceu o

(12)

((0 principio de

tudo

e

0

numero))

~itligo

*570 o.C. t495 o.C Alem de genio da matemiitica, o

pensador era uma especie de profeta

excentrico.

QUAN DO PITAGORAS descobriuqueo

quadrado da hipotenusa e igual

a

soma

dos quadrados dos catetos, seus disci-pulos consideraram a descoberta uma

revela<;ao divina. Ele pr6prio

acredita-va que sua conclusao nao havia

surgi-do surgi-do pensamento 16gico, mas de uma

ilumina<;ao. Fil6sofo e matematico,

Pi-tagoras tambem era considerado um

li-der espiritual. Talvez sua beleza tenha ajudado na fama. Pitagoras, conta-se, era lindo de morrer. Seus discipulos desconfiavam que ele era, na verdade,

o deus Apolo. Certo dia, segundo reza a

Jenda, alguns que o viram nu disseram que sua coxa era feita de ouro.

Aos 40 anos, o fil6sofo-matematico

saiu da cidade natal na Ilha de Samas e

foi para Crotona, na Italia, onde fundou uma seita. Os alunos da escola pitag6-rica, cerca de 300, viviam em

comu-nidade e passavam os dias estudando

as teorias do fil6sofo. A imposi<;ao de

rituais estranhos, coma o que

proi-bia morder um pao inteiro ou alisar

a marca do corpo deixada no len<;ol

ao levantar da cama, leva a crer que

Pitagoras tambem teria tra<;os de um

obsessivo-compulsivo.

Ele se achava. Dizia que ficara 200 anos no inferno antes de chegar aos

ho-mens, em uma longa prepara<;ao para

chegar ao reino dos mortais. Suas te-ses tinham valor de dogmas - poucos tinham permissao para questiona-lo. Sua principal teoria era baseada nos

numeros. Enquanto OS fil6sofos de

Mi-leto acreditavam que a causa de tudo

era um elemento fisico ou o infinito de

Anaximandro, o pensador defendia que

os numeros eram o motivo e o princi

-pio de tudo. Ate o cosmos poderia ser

quantificado de acordo com a teoria pi-tag6rica. Mas os numeros de Pitagoras eram diferentes dos nossos algarismos.

Nao eram abstratos e ocupavam uma

dimensao espacial, em formas de

qua-drados e triangulos. Outra ideia

badala-da do pensador foi a badala-da "musica c6smica".

Para Pitagoras, os astros tocavam uma

melodia perfeita e divina durante seu

movimento. Mortais nao seriam

capa-zes de ouvir a ta! can<;ao porque os sons continuos passam despercebidos pelos

nossos sentidos.

A seita pitag6rica nao teve um final feliz. Cidadaos de Crotona se revolta-ram contra a comunidade, considerada

uma panelinha aristocratica. Os revol

-tosos mataram seguidores de Pitagoras,

que fugiu da cidade e se refugiou em

Metaponto, onde morreu pouco tempo

depois. Ap6s sua morte, os discipulos

criaram novas centros para difundir a

seita e as teorias. 0 mestre nao deixou

nada escrito. Tudo o que se sabe de suas

doutrinas s6 ganhou visibilidade com

os livros do pitag6rico Filolau, os quais

(13)

D

---··--·--···

p1TAGoRAs. PRoTAGoRAs, G6RG1As

I

Erapre-socrcitica

((0

homem ea medida

de todas as coisas))

Prota11oras

Abdero (Grecio), *490 o.C. t420 o.C.

PELA PRIMEIRA VEZ, um fil6sofo colocava o homem no centro do pensa-mento. Ao afirmar que "o homem era a medida de todas as coisas", Pro-tagoras inaugurava a ideia de que a verdade depende da experiencia pes-soal. Nascido em Abdera, na Grecia, Protagoras concluiu que qualquer afirma<;ao sempre era relativa a um ponto de vista, a uma sociedade ou ao modo de pensar. Protagoras foi o principal nome de uma escola polemica na Grecia nos meados do seculo 5 a.C. Os sofistas (palavra que pode ser traduzida como sabios ou sabedoria) argumentavam contra ea favor de teses com a mesma eloquencia. 0 objetivo era ganhar qualquer discussao.

Foram os primeiros a fazer do conhecimento uma profissao: cobravam de jovens atenienses por aulas de ret6rica, o que desagradava os intelectuais da epoca. Foi banido de Atenas ap6s questionar a existencia dos deuses e morreu logo depois, em um naufragio enquanto fugia para a Sicilia.

"Nada existe"

Gdrgias

Lentini (otuol Italia), *483 o.C. t375 a C.

SERIA ER RADO culpar a adultera Helena pela Guerra de Troia. A mo<;a,

na verdade, foi uma vitima das palavras. Paris, seu sedutor, teria usado o poder da linguagem para manipular a mente de Helena. Usando essa argumenta<;ao, o sofista G6rgias explicou o poder magico que, para ele,

existia nas palavras. Genia da ret6rica, o fil6sofo acreditava piamente na persuasao da linguagem. Era uma especie de precursor dos publicitarios,

capaz de sustentar opinioes absurdas e convencer seu publico usando apenas o talento argumentativo. Pela ret6rica, G6rgias e os sofistas pro

-varam que a inteligencia tambem poderia ser usada para mentir, seduzir e impressionar.

Nascido na cidade de Lentini, na Sicilia, o sofista teria vivido 108 anos em perfeita saude e propondo pensamentos radicais. 0 mais famoso foi o das tres teses: 1) nada existe; 2) se algo existisse, nao poderia ser pensado e 3) se algo existisse e pudesse ser pensado, nao poderia ser explicado. A ideia polemica ganhou varias interpreta<;6es. Ha quern diga que foi apenas uma brincadeira feita durante um dos discursos de G6rgias para assustar os ouvintes. Outros sustentam que era uma forma radical de ceticismo.

(14)

Seculos 5 a.C. a 1 d.C

.

FILOSOFl4 CLASSIC.A

0

born,

o hem,

o belo

e o justo

0 pensamento subiu um

degrau quando Socrates comegou

a fazer perguntas perturbadoras

aos atenienses. Na busca pela

pureza de qualquer conceito)

0

pensador nao inventou apenas

0

metodo socratico) mas tambem

concretou os alicerces da filosofia

para os pr6ximos milenios.

E abriu caminho para que Platao

e Arist6teles tivessem ideias

que sobrevivem ate hoje.

(15)

_, .... -~., .• #WI Nlffe...-P',!lllU . . i

Ent

re

OS seculos 6 e 5 a.C., 0 mundo grego sofreu

uma reviravolta socioecon6mica decisiva para o surgimento de pensadores da estatura de Socrates, Platao e Aristoteles. A cultura agraria e aristocratica da Grecia, que na epoca reu -nia cidades-Estados e nao formava um pais como hoje, deu lugar

a

vida urbana e democratica. Uma nascente industria

artesanal e o comercio levaram hordas de gregos do campo para as cidades. A nova classe trabalhadora passou a

ques-tionar o poder politico da monarquia e, por volta de 507 a.C,

o reformador Clistenes introduziu um principio crucial que

alterou a ordem social na regiao: a igualdade dos homens perante a lei e o direito de todos participarem das decisoes

politicas da comunidade. A Grecia virou uma democracia

direta. Nascia a figura do cidadao. Boa parte dos habitantes

podia dar pitaco nas reformas da cidade e expressar opini -oes em publico (exceto mulheres e escravos, mas paciencia ... ).

Mas era preciso saber falar para ser ouvido. 0 ideal de educac;:ao no novo mundo grego valorizava a formac;:ao do

cidadao e nao mais exaltava as virtudes aristocraticas, tipicas dos poemas de Homero e Hesiodo, para quern o homem ideal era o heroi de guerra atletico e corajoso. Os novos professores da classe cidada eram os sofistas, pensadores que se apr esen-tavam como mestres da oratoria e da retorica e contestavam tudo e todos. Para os sofistas, o born cidadao era persuasivo.

Quern dominava a orat6ria ganhava qualquer discussao em uma assembleia na polis. Certo? Sim, mas nao para Socrates,

o pai da filosofia ocidental.

Socrates construiu grande parte de seu pensamento em oposic;:ao ao sofistas, aos quais acusava de nao ter respeito pela verdade. Como podiam defender uma ideia ou outra

apenas para obter vantagem7 Cade a vergonha na cara7 Para

o mestre de Platao, o importante era buscar a essencia das

coisas e do mundo, o conceito de valores como justic;:a,

ami-zade, amor, beleza e prudencia. A verdade vem da reflexao

racional sobre o que nos rodeia e nao da percepc;:ao ou da

opiniao. 0 pai da filosofia distribuia perguntas pelas ruas da capital Atenas que desconcertavam os cidadaos gregos - 0

que ea beleza? Voce diz que justic;:a

e

importante, mas o que ea justic;:a7 Por que voce pensa o qtie pensa7 -e deu forma e

metodo para a filosofia como a conhecemos hoje. Foi o pri-meiro fil6sofo "profissional". Durante o periodo de ouro na Grecia, a filosofia se debruc;:ou sobre quatro conceitos-chave: o born, o belo, o bem e o justo. Mas nao havia limites para o

pensamento do trio filosofico mais influente da Antiguidade.

Socrates, Platao e Aristoteles estavam envolvidos com gran-des quest6es: o sentido da vida, justic;:a social, administrac;:ao

das cidades, a busca da felicidade, como serum born

cida-dao. Mas iam alem. A voracidade intelectual de Aristoteles era algo sem precedentes. 0 filosofo de Estagira (cidade do nordeste da Grecia) se interessou por todos os assuntos, da

fisica

a

biologia passando pela etica, a politica ea

metafisi-ca. A filosofia classica foi a mae das ciencias - ideia que vai

(16)

((56

sei que nada

sei))

((Conhece-te

a ti mesmo))

SO

Atenas (Grecia), *

orates

469 a.C. t399 a.C.

E justo roubar a fa ca de um amigo suicida? Socrates atordoou

Atenas com perguntas coma essa.

SOCRATES E PARA A FILOSOFIA oque Jesus representa para o cristianismo. As-sim como o profeta, veio de uma familia pobre, nunca escreveu uma palavra, incomodou muita gente e foi admirado por uma legiao. Perambulava pelas ruas, onde parava desconhecidos e fazia per-guntas embara<;osas. Como Jesus, Socra-tes morreu de forma tragica. De origem pobre, seguiu a mesma profissao do pai, escultor. Maso oficio logo foi abandonado com a convoca<;ao para a guerra do Pe-loponeso, onde defendeu Atenas contra Esparta. Foi tambem nessa epoca que o sabio encontrou o amor -ou melhor, os amores. Nao que ele fizesse sucesso com as mulheres -pelo contrario, dizem que sua feiura era incomparavel -, mas a es-cassez de homens depois das batalhas fez os governantes criarem uma lei ex

-traordinaria que permitia o casamento com duas mulheres. Socrates escolheu Xantipa e Mirton como esposas.

Se !he faltavam atributos esteticos, so-brava labia. Socrates falava dia e noite sem parar, inquerindo quern quer que cruzasse o seu caminho. A sede insa-cic'.lvel de dialogo ficou conhecida como metodo socratico, OU dialetica. Passava

os dias formulando questoes e pergun

-tando insistentemente, sem desenvolver uma teoria sequer. Dos dialogos, tentava estimular pensamentos sobre 0 que e 0

bem, o justo, o born e o belo. A vida e a moral eram as grandes preocupa<;oes do pai da filosofia ocidental. Ele definiu o que acreditava ser uma vida virtuosa, onde a paz de espirito era atingida fazendo o certo, o que nao era a mesma coisa que seguir o codigo moral da epoca. Fazer a coisa certa era uma questao de conscien-cia -Socrates acreditava que ninguem de-seja fazer o ma!. Esse principio levaria

a

famosa maxima "Conhece-te a ti mesmo",

inspirada na inscri<;ao do Oraculo de Del-fos, centro de consulta aos deuses gregos. Certa vez, perguntou se ser enganador correspondia a ser imoral.

"E

claro que sim", respondeu o interlocutor. Socrates, entao, indagou: "Mas e se um amigo es-tivesse muito triste e quisesse se matar e voce roubasse a faca dele? Nao seria um ato imoral?" Sim, ouviu como resposta.

(17)

Socrates concluiu: "Mas seria moral em vez de imoral, ja que seria uma coisa boa

e nao ruim". A essa altura, enquanto os neuronios do cidadao se debatiam,

So-crates dava-se por satisfeito. Ele proprio

comparou esse metodo com a profissao de parteira da sua mae. Sua mae usava

a habilidade para trazer

a

luz a vida. Ele paria a verdade. Um dia, um amigo de Socrates consultou o Oraculo de Delfos. Desejava saber se existia alguem mais sabio que o filosofo. A resposta foi direta:

"Nao, ninguem e mais sabio que Socrates''. Quando sou be da resposta, Socrates ficou pasmo com a afirmac;:ao e foi procurar politicos e poetas para provar o erro do Oraculo. Foi em vao.

Conta-se que, ao conversar com ou-tros sabios, Socrates concluiu que todos acreditavam que tinham um conheci-mento profundo sobre algum assunto,

quando, na verdade, nao era bem assim. A sabedoria do pensador estava em nao

alimentar ilus6es sobre o proprio saber.

Foi dessa logica que Socrates extraiu a

historica frase "so sei que nada sei",

pen-samento que lhe rendeu varios inimigos

em Atenas, que o acusaram de ser, na verdade, um sofista interessado em se aproveitar da retorica para mentir. 0 filosofo foi levado ao tribunal, acusado

de colocar em risco a moralidade

ate-niense e dissuadir a crenc;:a nos deuses.

Recusando-se a abrir mao de suas ideias,

o sabio tomou um calice de cicuta - vene-no extraido de uma plan ta que paralisa

gradualmente o corpo. Morreu aos 70

anos. Durante o julgamento, disse uma de suas frases mais marcantes: "A vida

irrefletida nao vale a pena ser vivida". Segundo relatos de Platao, seu maior

dis-cipulo, Socrates preferia a morte do que viver sem questionamentos, na comple-ta ignorancia. Teria declarado ainda que,

se corromper a juventude significava

ensinar a cuidar menos do corpo e mais da alma, entao era culpado. Socrates nao

escreveu nada, mas disse muito. Poucos minutos antes de cumprir seu destino, se

despediu dos discipulos: "Ja e hora de ir-mos. Eu para a morte, voces para a vida. Quern de nos segue o melhor rumo? lsso

e segredo. Exceto para Deus".

SOCRATES E EPICURO

Filosofia ddssica

"A

morte nao

e

nada

~ara

n6s))

Ep1euro

Samas, *341 a.C. t 270 a.C. Fas de Epicure acreditavam gue contemplar o busto do pensador acalmava o espirito.

DURANTE ESCAVA<;OES em sftios arqueologicos gregos e romanos, foram encontradas varias esta-tuetas de Epicuro. Era normal que os intelectuais da epoca guardassem estatuas de filosofos, mas 0 que chamou a atenc;:ao e que as de Epicuro estavam presentes ate nas casas simples. Os seguidores do filosofo, nascido na ilha de Samas, acreditavam que

contemplar seu rosto aquietava o espfrito. Epicuro adorava comparar seu pensamento

a

medicina. Proclamava-se um terapeuta do espfrito, medico das al mas e cirurgiao das paix6es. Na sua escola, chamada de 0 Jardim, acolhia mulheres, escravos

e ate mesmo prostitutas para suas "consultas". Como Aristoteles, acreditava que o maior objetivo da vida era a felicidade. Mas ia alem. Achava que

a dificuldade em atingi-la estava no medo que

sentimos da morte. Epicuro se propos a resolver o impasse: sea morte e o fim das sensac;:6es, ela nao pode ser fisicamente dolorosa, e, see 0 fim da consciencia, nao pode causar dor emocional. Ou seja, nao ha nada a temer. Superado esse medo, podemos ser felizes. Epicuro morreu aos 72 anos. Nao sabemos se ele estava completa-mente destemido em relac;:ao ao jufzo final, mas,

em uma de suas ultimas cartas, comemorou a vida dace, feliz e sempre digna de ser vivida.

(18)

....

1·.---;;;;;;;;;;_;;;;;;;;.._"""-''-"-...;;.-__,-=-~-"'-""-===~-=-=-~---~-~~~~--~--~~~

(

A_

alma do

homem

e

imortal

e imperecivel))

Platao

Atenos, *427 o.C. t 347 o.C.

SE SOCRATES construiu umpequenoaltarpara

a filosofia, Platao foi o responsavel por transfor-mar esse altar em uma grande igreja. Principal

discipulo de Socrates, o fil6sofo se encarregou de

registrar as ideias do mestre na forma de dialogos. Seu texto e uma mistura de teorias complexas com fragmentos teatrais que traziam o mestre

como protagonista, dialogando sobre a vida, a ra

-zao ea verdade. Platao escreveu ao longo da vida

cerca de 40 dialogos, verdadeiras obras-primas

filos6ficas e literarias. Temos a sorte de contar

hoje com tudo o que o fil6sofo escreveu.

Ede Platao um dos textos filos6ficos mais lidos

da hist6ria, o Mito da Caverna. Conta a fabula de

prisioneiros que foram acorrentados em uma ca-verna escura quando crianGas sem jamais poder sair dali. Tudo o que conheciam do mundo eram

sombras da vida real projetadas nas paredes, ou

seja, c6pias imperfeitas das coisas, que conservam

suas formas verdadeiras no mundo das ideias,

uma especie de paraiso onde esta guardado o

padrao de tudo o que existe -principal teoria de

Platao. 0 mundo das ideias existe em oposiGao

ao mundo dos sentidos, esse no qua! vivemos,

recheado de c6pias defeituosas de tudo o que

existe no piano superior.

Quando um dos escravos toge da caverna e fica deslumbrado com a verdadeira forma das coisas,

Platao faz uma metafora com os fil6sofos, que

as-cendem por meio do conhecimento. Ele defendia a

tese de que o mundo das ideias s6 poderia ser

aces-sado pelos fil6sofos. Logo, era essa a classe mais

indicada para governar a polis. Esse pensamento

originou a teoria politica de Platao, na qua! ele cria

a cidade ideal. Nela, existiriam apenas tres

catego-rias de cidadaos, cada um desempenhando a tarefa

para a qua! estava melhor preparado. Aqueles que

tinham a "alma com apetite" seriam

trabalhado-res; os corajosos, os guardi6es da polis; e os

dota-dos de sabedoria e razao, os governantes-fil6sofos.

Um dos pais da filosofia ocidental,

Platao via dais

mundos: o das ideias e

(19)

' 21

A tarefa do rei fil6sofo seria justamente a de re

-gressar a caverna e relatar o mundo das ideias para os demais -isto e, contar a verdade para a sociedade. Na comunidade ideal de Platao, os casamentos seriam coletivos e sem casais fixos. 0 sexo seria somente para a reprodU<;:ao, e as criarn;:as criadas pelo Estado como filhos da comunidade. 0 pensador tambem larn;:ou a ideia de igualdade dos sexos. Na cidade ideal, as mulheres nao seriam discriminadas e pode

-riam ocupar ate postos no servi<;:o militar. Essa teoria levou Platao por tres vezes ate a cidade de Siracusa, na Sicilia, onde pretendia persuadir os soberanos a colocar em pratica seu plano. Sem sucesso, chegou a ser preso.

Mas, antes de virar Platao, o fil6sofo, ele era Arist6cles, seu nome de batismo, um estudante

das letras e da pintura com excepcional dom para a ginastica. 0 apelido, Platao (Platon, em grego), que significa amplo, teria sido uma cria-<;:ao do treinador Ariston de Argos por causa do

M•JV.-. .. 1110•&•

PLArAo

F

il

osofia dassica

porte musculoso do aprendiz. A transi<;:ao do esporte para o pensamento veio aos 20 anos,

quando foi apresentado a Socrates. A parceria durou cerca de uma decada, ate os ultimas mi-nutos da vida do mestre. Depois da morte do professor, Platao fundou a pr6pria escola em Atenas. Considerada por alguns como a primei-ra universidade e inspiprimei-rada nas comunidades criadas por Pitagoras, a Academia ensinava matematica e geografia. 0 grande avan<;:o era o ingresso de mulheres que, pela primeira vez,

podiam estudar. 0 aluno mais ilustre foi Aris

-t6teles. Platao morreu aos 70 anos. Em sua la

-pide ficaram gravadas as seguintes palavras: "Aqui jaz o divino Arist6cles, que em prudencia e justi<;:a soube exceder a todos os mortais. Se a sabedoria eleva alguem as alturas, este as con-seguiu. A inveja em nada lhe empanou a gl6ria".

~ Fedon, A Republica,

(20)

(A verdade estci no

mundo

a

nossa volta

;

)

4rist0teles

Estogiro (otuol Grecio), *384 o.C. t 322 a.C.

Os jardins do palacio de Pela, capital da Mace-donia, hoje parte da Grecia, foi um local que despertou a genialidade de um dos maiores pensadores da hist6ria. Nascido em Estagira, no nordeste grego, Arist6teles foi ainda crianc;:a para Pela quando seu pai, Nicomaco, foi cha

-mado para ser o medico do avo de Alexandre, o Grande. Conta-se que Arist6teles brincava nos jardins do palacio e se interessava por quase tudo a sua volta: insetos, plantas, ervas dani-nhas. Por volta dos 18 anos, ficou 6rfao e gas-tou o que herdara do pai em vinho e festa. Em 367 a.C., ele partiu para Atenas e ingressou na Academia de Platao - e de bon vivant se tornou um dos maiores genios da filosofia.

Arist6teles entrou na escola apenas como ouvinte, mas Platao logo percebeu que ele nao

era um aluno qualquer e !he deu a missao de lecionar ret6rica. Ele permaneceu na Acade-mia por 20 anos ate a morte do mestre, quando, insatisfeito com os rumos que a escola tomava, seguiu para a Macedonia para dar lic;:6es a

Ale-xandre, 0 Grande. Antes disso, casou-se duas vezes e teve Nicomaco, seu l'.mico filho. Arist6-teles aprendeu muito com o mestre Platao, mas foi tambem seu maior critico. 0 fil6sofo nao

acreditava na teoria do mundo das ideias apre-sentada no Mito da Caverna. Para ele, o mun-do real, a natureza, nao tern nada de ilus6rio.

Arist6teles acreditava que a verdade esta neste mundo e nao em um universo paralelo, como acreditava Platao. Arist6teles dizia que eram os homens que formulavam os conceitos a res-peito das coisas para poder reconhece-las. Veja o exemplo de uma cadeira. Depois de observar centenas de cadeiras, n6s mesmos poderiamos definir o que era o conceito de cadeira e, desta forma, reconheceriamos um exemplar quan-do nos deparassemos com uma. E a cadeira na qua! estamos sentados agora nao e apenas um

simulacro de uma cadeira verdadeira existente no mundo das ideias, como Platao diria. 0 pu-pilo tambem nao acreditava na dialetica como

Nao havia assunto

ruim para Aristoteles.

Ele deixou contribui -~oes em campos

totalmente diversos, da botanica

a

logica.

(21)

um metodo seguro de conhecimento. Para Aristoteles, debater ideias e born para a po-litica e a retorica, mas nao e indicada para a filosofia ou para a ciencia. Assim, ele fundou a logica, que definiu como um instrumento seguro para conhecer o mundo.

Aristoteles tratou de absolutamente todos os temas da sua epoca com uma profundida-de revolucionaria. As contribui<;6es aristo-telicas na metafisica, retorica, etica, filosofia politica, alem da matematica, da fisica e da zoologia, sao ainda hoje citadas em facul-dades mundo afora. Um dos seus principais legados foi no campo da logica, onde siste-matizou o estudo propondo uma abordagem semantica, ou seja, analisando como duas premissas podem formar uma conclusao verdadeiramente indiscutivel.

Apenas a medicina passou ao largo da erudi<;ao aristotelica, mas ate para isso o genio tinha uma resposta: ele se focava em areas que tinham deficit de conhecimento, o que julgou nao ser o caso da medicina. Alem das contribui<;6es

a

ciencia, e de Aristoteles uma das ideias mais originais sabre felici-dade. Desde Socrates, os filosofos vinham se perguntando como, afinal, o ser humano deveria viver. Aristoteles acreditava que era precise buscar a felicidade. Ele usava a pala-vra eudaimonia para explicar que felicidade era na verdade uma busca racional para se tornar um ser humano melhor, justo e born.

Mas ele tambem nao era ingenuo e sabia que ser feliz dependia de alguma forma dos bens materiais, ja que eles facilitam a pratica de a<;6es nobres.

~ Metofisico, Etico a Nicomoco, Politico

AR1sroTELEs E s£NEcA

FiLosofia cLassica

((

0 homem

que sofre

antes de ser

/

necessario

sofre mais que

o

necesscirio))

S8neea

COrdobo (otuol Esponho), 4 o.C. a 65 d.C.

SENECA ERA MEMBRO do estoicismo, escola que surgiu apos a morte de Aristoteles com Zenao de Cftio. 0 estoicismo pregava o foco nas coisas que podemos mudar, e mais nada. Para os estoicos, por exemplo, o envelheci-mento ea brevidade da vida eram inevitaveis. A unica coisa que poderfamos fazer, portanto, seria aceita-los. Seneca nasceu em Cordoba, na Espanha, e viveu a maior parte da vida em Roma. Era conselheiro fntimo de Nero, mas nao demorou para que o imperador acusasse o filosofo de trai<;ao. Nero ordenou que Se-neca se suicidasse. Como born estoico, o fi

-16sofo nao contestou a senten<;a absurda.

Estava colocando em pratica o princfpio da ataraxia, um dos mais famosos conceitos da escola, que significa ausencia de inquietac;ao. A morte injusta era uma forma de provar que a unica felicidade possfvel esta na ausencia do seu oposto: a dor.

(22)

Seculos 4 a 14

A lgreja

Durante a Idade Media) a filosofia no

Ocidente assume uma face teol6gicaJ

na qual a principal preocupagao era

equilibrar razao e fe. Enquanto issoJ

no OrienteJ Platao e Arist6teles

(23)

'

I

' 25

,

'

Q

U

and

Q

criarn;:a, Alexandre, o Grande, o rnaior conquistador do mundo antigo, teve Arist6teles coma tutor. Dos 13 aos 16 a nos, o futuro rei da Macedonia recebeu aulas de 16gica, medicina, moral e arte, entre outros temas, do mestre da filosofia.

Em 323 a.C., Alexandre morreu aos 32 anos, e sua despedida marcou o fim do dominio cultural, politico e filos6fico da Grecia no mundo antigo. Semo lider unifi-cador, as cidades-Estado gregas, que antes cooperavam, voltaram a ser inimigas. A morte do general, que levou

o dominio grego e os ensinamentos do tutor ate onde se situa o Paquistao, enterrou tambem o legado de Platao e

Arist6teles. Nos dois seculos seguintes, o lmperio

Roma-no ascendeu, e os romanos nao tinham tan to apre<;o pela

filosofia grega. 0 que de fato cultivaram dos helenicos

foi o estoicismo, que pregava uma conduta virtuosa e

obediente as leis.

A influencia da cultura romana no mundo foi forte o suficiente para deixar os pensadores gregos no

esque-cimento por alguns seculos. Em 313 d.C., o cristianismo ganhou for<;a com o Edito de Milao, que decretou a li

-berdade religiosa em Roma. Dois seculos depois, com a queda do lmperio Romano, come<;ou a era de total do-minio da lgreja na Europa Ocidental, periodo que durou

quase mil anos. A abordagem grega de filosofia como

uma reflexao exclusivamente racional, independente dos credos, sumiu. Durante toda a ldade Media, os pensa-dores se concentram em temas religiosos, uma cruzada

inaugurada por Santo Agostinho, o primeiro a fundir a doutrina crista com abordagens da Grecia classica. Esse esfor<;o de unir a religiao ao pensamento critico foi a principal tarefa da escolastica, corrente que nasceu nos

monasterios e buscava uma justifica<;ao racional para a

cren<;a em Deus. A lgreja controlava o processo de co-nhecimento na epoca e criou as primeiras universidades. Mas isso tudo ocorria no Ocidente. Na mesma epoca,

no Oriente, especialmente nas regioes que haviam

per-tencido ao mais celebre aluno de Arist6teles, Alexandre, a cultura grega classica, nao por acaso, continuava viva. Pensadores arabes e persas como Al-Farabi, Averr6is e

Avicena incorporam as ideias de Platao e Arist6teles,

esquecidos na Europa medieval, a cultura islamica do seculo 7 em diante. 0 mais curioso e que foi preciso a

expansao mu<;ulmana na Asia, Africa e Espanha para levar os esquecidos fil6sofos gregos de vol ta ao Ocidente. Por meio de fontes islamicas, pensadores cristaos co-me<;aram a dar mais aten<;ao as obras aristotelicas e

pla-t6nicas e acharam pontos de compatibilidade entre o cri s-tianismo ea filosofia classica, que alcan<;a seu apice com Santo Anselmo, considerado o pai da escolastica, aquele

(24)

(Amo o

pecador

)

mas odeio o

pecado)

~

Santo

4gostinllo

Agostinho concebeu um Deus perfeito, eterno e intocavel,

interpretai;iio gue

pautou o cristianismo

dali em diante.

NA

s c

I

o o

nu ma cidade pertencente ao que hoje e a Argelia, na epoca parte do lmperio Romano, Agostinho teve uma vida de esbanjamento e luxuria ate os 32 anos. Embora admirasse os ermit6es que iam estudar as leis de Deus, ele s6 foi se converter no ano de 386, quando lecionava em Milao. Influenciado por Ambrosio, bispo da cidade, o futuro san-to teve uma revela<;:ao espiritual depois de !er um relato da vida de Santo Antao do Deserto. Antao era filho de ricos proprie-t;:irios de terras e, coma Agostinho, vivera seus primeiros anos de modo confortavel e perdulario, mas, quando perdeu seus pais, decidiu doar tudo aos pobres e foi pe-regrinar pelo deserto, a exemplo de Jesus Cristo. Agostinho ficou tao tocado pela hist6ria que decidiu entrar para a lgreja e regressar

a

Africa, onde foi ordenado padre pouco depois.

Na filosofia, ele recuperou os pensa-mentos de Platao para conceber a ideia de um Deus que pertencia a uma realida-de perfeita, atemporal e imaterial. Se hoje essa interpreta<;:ao parece um tanto 6bvia, certamente nao era na epoca: o cristianis-mo era uma religiao nova, que concorria com outras fes e ainda nao havia firma-do as bases de sua firma-doutrina, incluinfirma-do uma interpreta<;:ao sabre Deus. Antes de se filiar

a

lgreja, Agostinho foi seguidor da religiao maniqueista, que via o bem e o ma! coma as duas for<;:as que regiam o Universo. Influenciado por seu passado,

tentou explicar a existencia do ma! em um mundo regido por um Deus born e onipresente. Ate entao, a lgreja via o ho-mem quase coma uma marionete de Deus, o que nao explicava por que optamos por coisas erradas se estamos destinados a fazer tudo o que Ele quer. Agostinho ino-vou ao propor que Deus foi bondoso ao dar ao homem a escolha entre o bem e o ma!. Assim, os homens bans podem se separar dos outros e merecer a felicidade eterna. Agostinho morreu em 430, quando Hi-pona estava sitiada pelos vandalos, uma tribo em constante luta contra o poderio de Roma. Eles conseguiram cruzar as mu-ralhas ap6s seu falecimento e incendiaram quase tudo -mas a catedral e a biblioteca deixadas por Agostinho ficaram intactas. @§] Confissoes

(25)

-I

: ! 27

'

I

I

sANro AGosr1NHo, AL-FARABt, Av1crnA, AvrnR01s

I

Filosofiamedieval

"

Um hom

e

m

torna-se

uma pessoa

grac;:as

ao

int

e

lecto

"

41-Farabi

Farab (atual Cazaquistaa),

*872 t 951

Alemde

recuperar os

gregos cliissicos,

o fil6sofo virou a raiz da palavra

11

alfarriibio".

POU CO SE SABE sobre a vida de Al-Farabi que, em

-bora tenha escrito muito, abusou da modestia ao

fugir do registro da propria biografia. Um dos fun-dadores do movimento filosofico muc;:ulmano na

ldade Media, ele seria chamado por seus

contem-poraneos de o Segundo Professor - uma especie de herdeiro de Aristoteles, que seria o primeiro.

Al--Farabi marcou um novo passo na filosofia de seu tempo precisamente porter recuperado as obras dos gregos classicos, discutindo tanto os textos aristotelicos quanto os de Platao, que haviam cafdo no esquecimento na Europa medieval. Os numero-sos escritos de Al-Farabi tambem deixaram um le-gado semantico que curiosamente resistiu na lin

-gua portuguesa: de seu nome deriva o termo

"alfarrabio", usado para designar um livro antigo. E§ Al-Madi/a Al-Fadila - A Cidade Virtuoso

/

((

E preferivel uma

vida curta e larga

do que uma vida

longa e estreita

))

4.vicena

Bucaro (otuol Uzbequistao), *980 t 1037

DEDICADO A LOG I CA EA MEDICINA, assessorou muitos

prfn-cipes persas, tanto para curar doenc;:as quanto para dar conse

-lhos. Embora se considerasse seguidor de Aristoteles, afas

-tou-se dele a respeito da ideia aristotelica de que mente e

corpo compoem uma coisa so. Avicena promoveu o pensa-mento dualista - a ideia recorrente de que a mente, ou alma,

seria distinta do corpo. Ou seja, a alma permanece mesmo quando o corpo morre, algo que tentou explicar na parabola do "homem voador": se eu ficasse flutuando sem tocar nem

ver coisa alguma, poderia nao saber que tenho um corpo, mas

ainda assim saberia que existo. Quase 600 anos depois, Des

-cartes recuperaria a ideia de que nossa existencia e garantida pela consciencia - ou, para o frances: "Penso, logo existo".

E§ 1027 0 Livro do Curo

"O

mundo

e

dividido

e

ntr

e

h

o

m

e

n

s

com

int

e

li

genc

ia

e se

m

religiao,

e

hom

ens c

om

religiao e

se

m

inteligencia"

4tJerrdis

Cordoba (otuol Esponho), *1126 t 1198

COMO AVICENA, buscou formas de conciliar o Isla com a

obra de Aristoteles, cujos pensamentos eram considerados

hereges no mundo muc;:ulmano. Natural do califado

Almoa-da, onde hoje esta a Espanha, Averrois tinha entre seus lei

-tores o proprio califa, Abu Ya'qub Yusuf. Com as costas quentes, o filosofo conseguiu relativa protec;:ao para formular

suas ideias. Para ele, o Alcorao so deveria ser lido de manei-ra litemanei-ral pelos homens incultos - a elite esclarecida precisa

-va entender que o livro sagrado nao passava de uma versao poetica da realidade. As ideias de Averrois levavam

a

con-clusao de que as indagac;:oes filosoficas ea religiao podiam

caminhar juntas: sea leitura mais obvia de um trecho do

Al-corao entrasse em conflito com a leitura culta (feita em geral pelos filosofos), aquele preceito nao deveria ser seguido ao pe da letra, mas interpretado como uma mera parabola.

(26)

((Nao quero saber para

crer) mas crer para

saber))

Santo

4nseltno

Aosto (otuol Italia), *1033 t 1109

Anselmo apelou para a

razao para comprovar

a existencia de Deus,

um e9uilibrio 9ue lhe

rendeu o titulo de "pai da escolastica".

ANSELMO NASCEU em ben;o nobre:

seus pais ostentavam parentesco com a nobre dinastia da Casa de Savoia, que oito seculos mais tarde lideraria a uni-ficar;ao da Italia e reinaria sobre o pais

ate o fim oficial da monarquia, em 1946.

Apesar dos antecedentes, ele optou pela vida religiosa. Desde que entrou num mosteiro, aos 20 anos, subiu varios

de-graus na Igreja: foi monge, prior e

aba-de. Em 1093, ja vivendo na Inglaterra,

tornou-se arcebispo da Cantuaria.

Seus trabalhos filos6ficos buscavam

comprovar a existencia de Deus por meio de um debate racional. Anselmo

estabe-leceu o que Immanuel Kant chamaria de

"prova ontol6gica" seis seculos mais tar

-de: um dialogo imaginario com alguem que negasse Deus, usando da 16gica ate

o ponto em que nao houvesse alternati-vas a nao ser aceitar Sua existencia. Para Anselmo, era 6bvio que existe em nossa mente "um ser do qual nao e possivel conceber nada maior''. Se Deus existe,

Ele e esse ser. Mas, para Anselmo, algo

presente apenas em pensamento e me

-nor do que algo que vive na realidade. 0 fil6sofo entao argumentou: se nao pode haver algo maior do que Deus, e Ele esta em pensamento, tambem precisa existir

na realidade. Finalmente, a razao com

-provava a existencia de Deus -pelo me-nos para o fil6sofo.

Anselmo seria criticado nos seculos

seguintes, e os questionamentos

costu-mavam partir da interrogar;ao basica:

qual a garantia de que uma coisa real e

de fato maior do que algo que existe s6

em pensamento? A maior importancia de seu pensamento foi ter buscado um

equilibrio entre fe e razao. Embora

ou-tros pensadores tenham feito isso antes,

como Santo Agostinho, Anselmo costu-ma ser chamado de "pai da escolastica"

pela importancia da razao em sua doutri-na. Para ele, a fe comer;a quando a razao

termina. No que diz respeito

a

Igreja, as contribuir;oes de Anselmo foram logo reconhecidas: sua canonizar;ao ocorreu

poucas decadas ap6s sua morte. Ganhou o titulo de santo por volta de 1163. I!§! Proslogio: Discurso sabre a Existencio de Deus

(27)

i

' .

' 29

' sANTo ANsuMo, PrnRo ABELAR Do, sAo TOMAs DE Aqu1No, DuNs scorus

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Pedro

Abelar

do

Fronqo, *1079 t1142 EM 1115, reconhecido como um fil6sofo arrojado de Paris, Abelardo era admirado por alunos que vinham do exterior para aprender com ele. Foi af que conheceu Helofsa, ea hist6ria de amor entre eles acabou mais famosa do que seus postulados. Sobrinha de um conego da Catedral de Notre-Dame, onde Abelardo lecionava, ela encantou o pensador com sua beleza e erudic;ao. Os dois comec;aram um romance secreto que ter-minou tragico: Helofsa engra

-vidou e seus parentes juraram vinganc;a. Em uma noite, ar-rombaram a casa de Abelar-do e castraram o fil6sofo con

-quistador. Desiludidos, ela virou freira, e ele, monge be-neditino. Pouco se sabe sobre o destino do filho do casal, Astrolabio.

A filosofia de Abelardo bus

-cou problematizar os "univer

-sais'', isto e, tudo 0 que pode

-mos agrupar sob uma mesma palavra. Para ele, os univer-sais sao apenas conceitos que derivam e guardam se

-melhanc;a com as coisas. Ao contrario de Platao, ele dizia que um termo como "carva-lho" pouco tern a dizer sobre cada arvore desse ti po que existe na realidade. Tambem contribuiu para aprimorar o metodo escolastico, um pas

-so essencial para os te61ogos que viriam a seguir.

~ Dialetica

(A_

razao no homem

e

coma Deus no mundo))

s

a

o

Totnds

de

4

quino

Roccasecco (atuol Italia), *1225 t1274

To MA s o E A Q u I No ja ha via investido nove anos de sua vida escrevendo a Suma Te-ol6gica, um total de 512 questionamentos filos6ficos, quando algo estranho aconteceu. Ele foi visto levitando diante de um crucifixo em seu convento de Napoles. Em meio a uma ora<;:ao, o pr6prio Cristo teria come<;:ado a falar com ele. Tomas nunca chegou a escrever sobre a experiencia mistica - nem escreveu mais coisa alguma. A suposta apari<;:ao fez o religioso considerar "uma ninharia" tudo o que fizera ate ali, desistin

-do de formular novas perguntas. Ele viria a falecer apenas tres meses depois, aos 49 anos. 0 futuro santo havia tentado conciliar sua fe com o raciocinio de Arist6teles para entender a origem do Universo - enquanto o grego afirmava que o Universo sempre existiu, a Biblia dizia que Deus o havia criado. Para Aquino, a ideia aristote-lica de o Uni verso nao ter um inicio definido nao impedia o Cosmos deter sido feito por Deus. Em Seu infinite poder, Ele teria condi<;:oes de criar um Universe eterno. 0 pensamento tomista sofreu altos e baixos ate ser recuperado em 1879 pelo papa Leao 13, que o considerou uma <las bases da filosofia crista.

~ Sumo Teologico

PENSADOR

OU SANTO?

Na ldade Media, filoso-far com qualidade ele-vou muitos pensadores

a

categoria de santo.

Mas os devotos de

Duns Scotus ainda

lu-tam para comprovar su-postos milagres eve-lo ao lado dos seus pares fil6sofos no topo dale crista. Seu processo de canonizac;ao atravessa sete seculos e e um dos

mais longos da hist6ria:

a beatificac;ao, o tercei-ro dos quattercei-ro passos

para ascender

a

condi-c;ao de santo, veio

so-mente em 1993, por

obra de Joao Paulo 2g.

"Posso duvidar que haja

um branco fora de mim,

mas nao posso duvidar

que vejo um branco"

D

a

ns

Scota

s

Escocio, *1266 t1308

DUNS scorus tern biografia rodeada de duvi-das. Os misterios incluem sua morte: ele teria sido enterrado vivo, ap6s entrar em coma por consequencia de um derrame. Frei franciscano, nunca reuniu seus escritos em uma obra unica, o que fez muitos deles se perderem. Destacou--se por sua oposic;ao a Tomas de Aquino, que

defendia que as qualidades dos homens eram meras analogias das qualidades de Deus - a bondade humana, por exemplo, nao poderia ser identica

a

divina. Scotus dizia que OS atributos

tern o mesmo significado, diferenciando-se apenas em grau. A bondade de Deus e infinita-mente maior, mas ainda ea mesma bondade. ~ Opus Oxoniense

(28)

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I

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Seculos

1

4

a

17

Depois de uma Idade Media

essencialmente religiosa)

surge um movimento que

coloca o homem de volta ao

centro das preocupagoes.

N asce a filosofia de perfil

humanista) inaugurada por

Dante e Maquiavet que tece

criticas

a

Igreja e ao idealismo

da filosofia grega. As obras

filos6ficas mais importantes do

periodo) no entanto) sao hoje

mais conhecidas pelo poder

literario do que pelas ideias.

(29)

...

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0

Renascimento

naoepre

-cisamente um periodo hist6rico, mas a sintese de um es -pirito nova que surgiu na Italia. Na filosofia, o movimento foi inaugurado por Dante, com a sua Divina Comedia, no inicio do seculo 14, mas foi a partir dos seculos 15 e 16 que os pensadores ampliaram a faxina para varrer a po-eira medieval. Os renascentistas eram bans marqueteiros: usavam os termos "renovar", "restituir a uma nova vida", "fazer reviver" para marcar uma oposic;ao clara

a

cultura da Idade Media, que julgavam um periodo de barbarie e escuridao. A hist6ria fez questao de acabar com essa pro-paganda enganosa -a Idade Media nao foi s6 horror. 0 name Renascimento, enfim, colou, mas o periodo marcou, na verdade, o parto de uma outra cultura, que colocou o homem e suas inquietac;oes -e nao mais o Deus dos medi e-vais -de volta ao centro do mundo. Nao por acaso, a fase tambem e chamada de humanismo. Nascia uma filosofia inteiramente secular, separada da Igreja.

Os renascentistas beberam na mesma fonte dos medi e-vais, na filosofia grega. Platao e Arist6teles - sempre eles -foram a inspirac;ao dos ideais antropocentristas. Platao foi amplamente recuperado na Italia renascentista que dom i-nou o mundo cultural da epoca - a imprensa de Gutenberg se encarregou de espalhar as ideias renascentistas para o resto da Europa. Os humanistas colocaram em pratica o uso da razao e da evidencia empirica na investigac;ao do mundo. Mas a coisa nao era tao pe-no-chao assim. Uma das correntes do pensamento da epoca, o neoplatonismo, explorava a ideia de que o homem era parte da natureza e podia agir sabre ela por meio da magia e da astrologia. Outra corrente, mais realista, iniciou a defesa dos ideais republicanos contra o poderoso Imperio Germanico e contra

OS papas. 0 florentino Nicolau Maquiavel e seu primeiro

representante. A liberdade politica da antiga Grecia era exaltada coma exemplo de participac;ao social. A indignac;ao contra o status quo levou a mudanc;as profundas e marcou a Reforma Protestante, que teve coma resposta a Contra--Reforma ea Inquisic;ao.

Os pensadores renascentistas escreviam bem

a

bec;a. As obras ma is famosas da epoca sao hoje mais conhecidas coma pec;as literarias do que coma tratados filos6ficos. 0 Elogio

a

Loucura, de Erasmo de Roterda, por exemplo, e considerado uma das satiras mais brilhantes da literatura mundial. Mon-taigne, autor de Ensaios, e tido coma o inventor do genera. Apesar do entusiasmo marcado pelas grandes aventuras maritimas da epoca e pelo pulsante comercio que entupia a Europa de novidades vindas do Oriente e da America, sem esquecer da efervescencia das artes, com Da Vinci, Botticelli e Michelangelo botando para quebrar, as obras mais famosas do campo filos6fico sao ceticas e pessimistas. Para Maquiavel e Montaigne, por exemplo, nao ha via mui-ta saida para a corrupc;ao na politica -uma interpretac;ao tremendamente atual, diga-se.

(30)

(fl_

razao

VOS

e

dada para

discernir

o

bem do rnal))

Dante

~

,

~!r~ieri

Com criticas

a

lgreja, Dante inaugurou uma fase em 9ue o homem ficou

a

frente dos

dilemas espirituais.

DANTE E MAIS CONHECIDO porsuaobra poetica do que por suas teorias filos6ficas - um trac;:o comum entre os pensadores re -nascentistas. 0 poeta-fil6sofo viveu entre a transic;:ao da ldade Media e do Renas-cimento, ou seja, um limbo entre a reli-giosidade extrema e o inicio do humanis-mo secular. Sua obra principal, A Divina Comedia, marca o inicio do movimento renascentista, que reuniu na Italia uma concentrac;:ao inedita de artistas, intelec

-tuais, fil6sofos e cientistas. A repercussao da Divina Comedia foi tao acachapante que ajudou a consolidar o dialeto de Florenc;:a como a base da lingua italiana.

A obra narra uma viagem imaginaria e p6stuma de Dante. Do comec;:o, quando se encontra em uma "selva negra", Dante e guiado pelo pagao Virgilio e depois por Beatriz, sua musa, que o leva ao paraiso. No livro, o autor visita o ceu, o inferno e o purgat6rio, encontrando personagens his-t6ricos pelo caminho. Apesar da tematica religiosa, A Divina Comedia faz uma cri-tica a Igreja. 0 autor condena pontifices as trevas por considerar sua conduta imo-ral, uma das criticas que geraram revolta nos altos escaloes eclesiasticos. Depois da morte de Dante, seus restos mortais foram procurados para que pudessem queima-lo como herege - ainda que depois de morto. Mas a importancia do livro resistiu aos ata -ques e ate hoje e usada por padres como referenda te6rica. A obra se chamava ori-ginalmente apenas Comedia. 0 adjetivo foi incorporado por Giovanni Boccaccio, um poeta e critico literario italiano do seculo 14, especializado na obra do fil6sofo.

Dante tambem ocupou cargos impo r-tantes no governo florentino, o que !he rendeu inimizades politicas. Exilou-se em Ravena, ap6s a vit6ria dos seus inimigos,

apoiados pelo papa Bonifacio 7°. Escreveu Monarquia, obra menos conhecida, em que defendia a separac;:ao entre func;:oes do Im -perio e da Igreja. Para Dante, o imperador teria poder executive, e o papa atuaria como mestre espiritual. E os dois preci

-sam se respeitar.

Nas horas vagas, era um romantico in-curavel. Era membro do grupo secrete "Os fieis do amor": trovadores liricos que idea-lizavam a figura feminina.

Referências

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