CONCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE
EVOLUÇÃO BIOLÓGICA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES1
Fábio Licatti
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, SP, Brasil
e-mail: grall@uol.com.br Renato Eugênio da Silva Diniz
Instituto de Biociências, UNESP, Botucatu, SP, Brasil e-mail: rdiniz@ibb.unesp.br
Temos ciência da pouca importância que muitos professores têm atribuído ao trabalho de formação continuada e que grande parte deles concebe essa formação como um processo autodidata centrado em ensaio-erro, com grande ênfase na experiência profissional2. Uma possível explicação para isso é o caráter das atividades de formação docente propostas nos últimos anos, limitadas a cursos de reciclagem científica ou a complementos do campo educacional de forma independente3. Entendemos, portanto, a urgência da realização de trabalhos de formação docente, onde os conhecimentos científicos e pedagógicos sejam tratados de forma articulada. Para tal, é necessário, sob uma ótica construtivista, levar em conta os conhecimentos e as práticas prévias dos professores, os quais deverão fornecer subsídios para o trabalho de formação docente. Diante disso, este trabalho teve como
objetivo identificar as concepções e conhecimentos de professores sobre conteúdos de Evolução Biológica e sua importância no atual Ensino Médio.
Em nossa concepção de construtivismo, deve-se considerar os seguintes princípios gerais4: (i) na aprendizagem significativa, o indivíduo constrói significados para as informações que recebe do meio externo; (ii) o conhecimento é interpretado como a apreensão do significado e isso implica em estabelecer relações entre esse algo a ser compreendido com outras coisas já conhecidas; (iii) como decorrência de (ii), toda aprendizagem depende das ferramentas intelectuais que o aprendiz já possui, ou seja, as concepções prévias dos aprendizes são a base para a construção de novos significados e o estabelecimento de novas relações; (iv) os conhecimentos que o indivíduo constrói durante esse processo são distintos tanto das informações recebidas como de seus conhecimentos prévios; (v) trata-se de um processo ativo, ou seja, a ocorrência de aprendizagem significativa requer atividade mental do aprendiz.
Uma temática cujo conhecimento é fundamental para a disciplina de Biologia no Ensino Médio é a Evolução Biológica. Em relação aos conhecimentos de Biologia discutidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN-EM), destaca-se o eixo ecológico-evolutivo, com ênfase na história geológica da vida.5. Também, um dos objetivos formativos em relação aos conhecimentos de Biologia dos PCN-EM é “[...] compreender a diversificação das espécies como resultado de um processo evolutivo, que inclui dimensões
1
Este trabalho é parte do projeto de mestrado "Formação continuada de professores de Biologia: desenvolvimento e análise de um trabalho reflexivo", em desenvolvimento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência - Faculdade de Ciências, UNESP/Bauru.
2
Martínez Losada et al. (1993).
3
Gil Pérez (1996).
4
Bastos et al. (2001); Carvalho (1992); Carvalho et al. (1992); El-Hani & Bizzo (1999); Gil Pérez et al. (1999a; 1999b); Laburú (1992); Machado (1995); Mortimer (1996).
5
temporais e espaciais”6. Por outro lado, a origem e evolução da vida é um assunto que muitos professores consideram polêmico de se trabalhar justamente por esse tema esbarrar em crenças religiosas dos alunos e, muitas vezes, dos próprios professores. Razera & Nardi (2001) enfatizam a importância das controvérsias geradas em torno da discussão entre evolucionismo (ciência) e criacionismo (religião) como forma de desenvolvimento moral dos alunos. Em consonância com esses autores, entendemos a necessidade de se aprofundar a discussão em torno dessa polêmica, fornecendo subsídios para que professores possam trabalhar, de maneira consistente, as controvérsias que surjam em suas aulas sobre o tema evolução.
Coerente com o quadro teórico e os objetivos do trabalho, utilizamos uma abordagem qualitativa para a pesquisa, apesar de sua caracterização não ser fácil, pois esta engloba uma variedade de vertentes e denominações7. Entretanto, algumas características são comuns, sendo que a principal delas é a necessidade que se faz do pesquisador estar envolvido com a situação estudada. Foi elaborado um questionário para o levantamento de concepções dos professores a respeito da Evolução Biológica, enfocando: (i) formação, atuação profissional e tempo de magistério dos professores; (ii) importância atribuída ao tema evolução em relação aos demais conteúdos tradicionalmente trabalhados no Ensino Médio8; (iii) ensino de evolução, desde a série em que os professores trabalham o assunto até as dificuldades sentidas nas aulas, passando pelos recursos utilizados; (iv) nível de conhecimento dos professores em relação a alguns conceitos fundamentais relacionados ao tema. Responderam ao questionário nove professores de Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e particulares do município de Capão Bonito – SP. Esses professores aceitaram participar de um trabalho de formação continuada, constituindo um grupo de aprofundamento sobre a temática evolução. Quanto à formação dos professores, verificou-se que, em nível de graduação, cinco professores são formados em Ciências Biológicas - três deles nas modalidades Licenciatura Plena e Bacharelado, um na modalidade Médica e um professor não especificou a modalidade. Os outros quatro professores são formados em Ciências (Licenciatura Curta), com habilitação em Biologia. Em relação ao tipo da instituição, três professores fizeram o curso em instituição pública e quatro em instituição privada; dois professores não responderam esse item. Em relação à pós-graduação, dois professores possuem especialização (um deles em Pedagogia e o outro não mencionou a área; ambos em instituição privada) e um professor está cursando Mestrado na área de Zoologia em instituição pública. Quanto à atuação profissional, quatro professores atuam somente em escola pública estadual e três professores atuam tanto em escola pública estadual quanto em escola particular. Apenas um professor atua em escola pública estadual e escola pública municipal e um professor atua somente em escola particular. Ou seja, dos nove professores, percebe-se que: oito atuam em escolas públicas estaduais; um atua em escola pública municipal e quatro atuam em escolas particulares. A situação funcional dos oito professores que atuam em escolas públicas estaduais são: OFA - ocupante de função-atividade (quatro professores), efetivo (três professores) e estável (um professor). Em relação ao tempo de magistério, pudemos constatar a existência de dois grupos marcantes: cinco professores possuem até sete anos de magistério (2, 4, 6, 6 e 7 anos de atuação profissional) e quatro professores possuem vinte anos ou mais de magistério (20, 21, 25 e 30 anos de atuação profissional).
6 Brasil (1999). p.226. 7 Alves (1991). 8
Os temas da questão foram escolhidos com base na organização dos conteúdos presentes na “Proposta Curricular para o ensino de Biologia: 2o grau”, da SE/CENP-SP (SÃO PAULO, 1992).
Quanto à importância atribuída à evolução em relação aos demais assuntos tradicionalmente trabalhados no ensino de Biologia, pudemos classificar os temas na seguinte ordem de importância: 1o– ecologia; 2o- origem da vida; 3o- evolução; 4o- citologia; 5o- embriologia; 6o- genética; 7o- histologia; 8o- zoologia; 9o- botânica. A grande importância atribuída à ecologia, à origem da vida e à evolução pode ser explicada pela grande abrangência desses temas, que abordam aspectos mais globais e unificadores para o entendimento do fenômeno vida. Isto está explícito no PCN-EM, onde é enfatizada a importância do eixo ecológico-evolutivo para a abordagem dos diversos conteúdos da área biológica9. Na "Proposta Curricular para o ensino de Biologia: 2o grau", o enfoque dado para esses temas também era grande. O ensino de Biologia deveria guiar-se por Princípios Metodológicos, dentre os quais destacavam-se 'o enfoque ecológico' e 'a evolução como linha unificadora dos conteúdos'10. Daí algumas possíveis razões dos professores terem atribuído, no geral, maior importância a esses três temas/conteúdos.
Quanto ao ensino de evolução, apenas um respondeu que não trabalha esse tema em aula, enquanto que os outros oito professores responderam que trabalham o tema Evolução. Destes, três deles afirmaram trabalhá-lo exclusivamente no 1o ano do Ensino Médio (EM) e dois exclusivamente no 3o ano do EM. Dois professores afirmaram trabalhar o tema nas três séries do EM e um professor afirmou trabalhar o tema nas 6a, 7a e 8a séries do Ensino Fundamental (EF), indicando uma possível abordagem evolutiva dos diversos conteúdos da Biologia. Em relação aos recursos utilizados em aula, todos os oito professores afirmaram utilizar giz e lousa. Além disso, outros recursos foram assinalados pelos professores: slides (1), pôsteres (1), transparências (3), computador (2), vídeos (4) e textos avulsos (apostila-1; livro didático-1; livros paradidáticos-1; jornais-2; revistas-3). As dificuldades apontadas pelos professores para trabalhar o tema evolução foram: falta de material de apoio, relação da evolução com questões religiosas, domínio conceitual e grade curricular.
Por último, em uma avaliação mais criteriosa do aspecto conceitual, pudemos verificar duas grandes dificuldades dos professores. A primeira está relacionada ao próprio conceito de evolução, evidenciando uma associação de evolução com progresso, aperfeiçoamento e melhoria dos seres vivos. Outra dificuldade relaciona-se aos mecanismos evolutivos associados ao darwinismo e à Teoria Sintética, demonstrando não haver um domínio dos conhecimentos relativos aos mecanismos propostos por Darwin para explicar sua 'descendência com modificação' (século XIX) e a incorporação dos conhecimentos da genética à teoria da evolução (início do século XX).
Acreditamos que este trabalho possibilitou uma primeira aproximação a algumas concepções de professores sobre o tema Evolução Biológica. Três aspectos chamam a atenção em relação aos resultados aqui obtidos. Primeiramente, percebemos a relativa importância atribuída à evolução em relação aos temas tradicionalmente trabalhados em Biologia no Ensino Médio, juntamente com os temas Ecologia e Origem da Vida. Um segundo aspecto marcante diz respeito às dificuldades sentidas pelos professores no desenvolvimento das aulas relacionadas ao tema, sobretudo com relação à falta de material de apoio, relação da evolução com questões religiosas e domínio conceitual. Por último, em uma avaliação mais criteriosa do aspecto conceitual, pudemos verificar algumas dificuldades dos professores em relação ao próprio conceito de evolução e aos mecanismos evolutivos associados ao darwinismo e à Teoria Sintética da evolução. Vale a pena ressaltar que os resultados aqui obtidos estão
9
Brasil (1999).
10
servindo como apoio para o direcionamento de um trabalho de formação continuada com esses professores.
Referências Bibliográficas
ALVES, A.J. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cad. Pesq., São Paulo, n.77, p.53-61, 1991.
BASTOS, F.; NARDI, R.; DINIZ, R.E.S. Objeções em relação a propostas construtivistas para a educação em ciências: possíveis implicações para a constituição de referenciais teóricos norteadores da pesquisa e do ensino. In: MOREIRA, M.A.; GRECA, I.M.; COSTA, S.C. (Orgs.). ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 3, 2001, Atibaia. Atas... Porto Alegre: [s.n.], 2001. 1 CD.
BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. 364p. CARVALHO, A.M.P. Construção do conhecimento e ensino de Ciências. Em Aberto, n.55, p.9-16, 1992.
CARVALHO, A.M.P. et al. Pressupostos epistemológicos para a pesquisa em ensino de Ciências. Cad. Pesq., São Paulo, n.82, p.85-89, 1992.
EL-HANI, C.N.; BIZZO, N.M.V. Formas de construtivismo: teoria da mudança conceitual e construtivismo contextual. In: MOREIRA, M.A.; OSTERMANN, F. (Orgs.). ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 2, 1999, Valinhos. Atas... [S.l.: s.n.], 1999. 1 CD.
GIL PÉREZ, D. Orientações didáticas para a formação continuada de professores de Ciências. In: MENEZES, L.C. (Org.). Formação continuada de professores de Ciências no âmbito ibero-americano. Campinas: Autores Associados; São Paulo: NUPES, 1996. p.71-81. (Formação de Professores).
GIL PÉREZ, D. et al. Tiene sentido seguir distinguiendo entre aprendizaje de conceptos, resolución de problemas de lápiz y papel y realización de prácticas de laboratorio? Enseñanza de las ciencias, v.17, n.2, p.311-20, 1999a.
GIL PÉREZ, D. et al. Puede hablarse de consenso constructivista en la educación científica? Enseñanza de las ciencias, v.17, n.3, p.503-12, 1999b.
LABURÚ, C.E. Construção de conhecimentos: tendências para o ensino de Ciências. Em Aberto, n.55, p.23-28, 1992.
MACHADO, N.J. Conhecimento e ação docente: considerações sobre o processo cognitivo. In: ______. Epistemologia e didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez, 1995. p.27-79.
MARTÍNEZ LOSADA, C.; GARCÍA BARROS, S.; MONDELO ALONSO, M. Las ideas de los profesores de ciencias sobre la formación docente. Enseñanza de las ciencias, v.11, n.1, p.26-32, 1993.
MORTIMER, E.F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de Ciências: para onde vamos? Investigações em ensino de Ciências, v.1, n.1, p.20-39, 1996.
RAZERA, J.C.C.; NARDI, R. Ética no ensino de Ciências: atitudes e desenvolvimento moral nas controvérsias. In: NARDI, R. (Org.). Educação em ciências: da pesquisa à prática docente. São Paulo: Escrituras, 2001. p.41-56. (Educação para a ciência).
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta curricular para o ensino de Biologia: 2o grau. 3. ed. São Paulo: SE/CENP, 1992. 64p.