Aula 3: 10 de junho 3-1
Curso: Relatividade 01/2019
Aula 3: 10 de junho
Profa. Raissa F. P. Mendes
3.3
Geod´
esicas tipo-luz no espa¸
co-tempo de Schwarzschild
O c´alculo das trajet´orias de raios de luz no espa¸co-tempo de Schwarzschild ´e bastante semelhante ao de part´ıculas massivas, com algumas pequenas diferen¸cas. Ao longo da trajet´oria de um raio de luz, ds2 = 0, de modo que n˜ao podemos usar o tempo pr´oprio como parˆametro ao longo da trajet´oria. Usamos ent˜ao um outro parˆametro afim λ, escrevendo o vetor tangente `a linha de mundo como uµ = dxµ/dλ. Em particular, podemos escolher λ de modo que o vetor tangente se iguale ao quadrimomento do raio de luz: uµ= pµ. Novamente, como a m´etrica de Schwarzschild ´e independente de t e φ, as quantidades e = −p0 = (1 − 2M/r) dt dλ, ` = p3 = r 2sin2θdφ dλ,
interpretadas como energia e momento angular, s˜ao conservadas ao longo da trajet´oria. Uma terceira integral de movimento vem da condi¸c˜ao gµνuµuν = 0. Considerando que o movimento est´a
restrito ao plano θ = π/2, podemos escrever a condi¸c˜ao de normaliza¸c˜ao como 1 b2 = 1 `2 dr dλ 2 + Weff(r), (3.8) onde b ≡ |`/e| e Weff ≡ r−2(1 − 2M/r).
O parˆametro 1/b2 cumpre o papel de “energia” e Weff de potencial efetivo, na equa¸c˜ao (3.8). O
significado f´ısico de b ´e o de parˆametro de impacto do raio de luz6.
A figura abaixo mostra a forma do potencial efetivo. Ele tende a zero no infinito espacial e tem um m´aximo em r = 3M . Portanto, o espa¸co-tempo de Schwarzschild comporta ´orbitas circulares (inst´aveis) para raios de luz, que s˜ao poss´ıveis se b2 = 27M2. Os tipos poss´ıveis de ´orbitas s˜ao ilustrados na figura: para mais detalhes, ler a discuss˜ao na Sec. 9.4 do Hartle!
3.3.1 A deflex˜ao da luz pelo Sol
A nossa an´alise mostra que qualquer corpo material defletir´a a luz em alguma medida. Em par-ticular, a deflex˜ao da luz pelo Sol tem grande importˆancia hist´orica, pois foi o primeiro efeito
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Note que se o espa¸co-tempo fosse plano, o raio de luz viajaria numa linha reta que passaria a uma distˆancia b = `/e do centro: e = pc, ` = pb.
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relativ´ıstico a ser predito antes de ser observado (vimos que esse n˜ao foi o caso com o avan¸co do peri´elio de Merc´urio!), o que aconteceu em 1919. Hoje em dia, o efeito de deflex˜ao da luz ´e uma importante ferramenta astronˆomica, como mencionaremos adiante.
No regime de campos fracos que opera no sistema solar, ´e razo´avel supor que M/r ´e pequeno ao longo de toda a trajet´oria do raio de luz. A equa¸c˜ao da ´orbita ´e obtida compondo as express˜oes que obtivemos para dr/dλ e dφ/dλ:
dφ dr = ± 1 r2 1 b2 − 1 r2 1 −2M r −1/2 .
Fazendo a transforma¸c˜ao de coordenadas r → u = 1/r (e assumindo ` > 0), obtemos: dφ
du = (b
−2− u2+ 2M u3)−1/2
.
Se desprez´assemos o termo proporcional `a massa na express˜ao acima, a solu¸c˜ao seria r sin(φ − φ0) = b, que ´e a equa¸c˜ao de uma reta em coordenadas polares, e condiz com o esperado em f´ısica
Newtoniana.
Vamos supor agora M u 1, e desprezar termos de ordem M2u2. Definimos y ≡ u(1 − M u), de modo que u = y(1 + M y) + O(M2u2). Note que, com essa defini¸c˜ao, a menor distˆancia do objeto central, que ocorre quando dr/dλ = 0, ´e alcan¸cada quando y ≈ 1/b. Ficamos com
dφ dy =
(1 + 2M y)
(b−2− y2)1/2 + O(M 2u2),
que tem solu¸c˜ao
φ = φ0+
2M
b + arcsin(by) − 2M (b
−2− y2)1/2.
Vamos supor um raio de luz incidente do infinito. Inicialmente, u → 0 e y → 0, de modo que φ → φ0: ou seja, φ0 ´e o ˆangulo de incidˆencia. Como vimos, o raio de luz alcan¸ca o ponto de maior
aproxima¸c˜ao com o corpo central quando y = 1/b. Isso ocorre para um ˆangulo φ = φ0+2M/b+π/2,
ou seja, o ˆangulo varrido pelo raio de luz ´e π/2 + 2M/b. Por simetria, o ˆangulo total varrido quando o raio de luz se afasta o suficiente do objeto ´e π + 4M/b. Se o raio de luz estivesse viajando em linha reta, esse ˆangulo seria π, de modo que a deflex˜ao provocada pelo corpo massivo ´e
∆φ = 4M/b.
Para o Sol, o efeito m´aximo acontece para trajet´orias com b = R. Usando que GM/c2= 1.47km
e R= 6.96 × 105km, obtemos
(∆φ),max= 8.45 × 10−6rad = 1.7400.
Note que a previs˜ao de que a luz ser´a defletida por corpos massivos pode ser obtida num contexto puramente Newtoniano, se assumimos que a luz se comporta como uma part´ıcula `a velocidade c. Isso era sabido desde o s´eculo XVIII. No entanto, a previs˜ao Newtoniana para a deflex˜ao da luz ´e 2M/b, exatamente metade do resultado relativ´ıstico! Ent˜ao a verifica¸c˜ao da deflex˜ao da luz por si s´o n˜ao testa a RG, sendo necess´ario verificar a magnitude dessa deflex˜ao.
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3.3.2 Lentes gravitacionais
Por causa da deflex˜ao causada por corpos massivos na trajet´oria da luz, um corpo massivo pode produzir m´ultiplas imagens de uma fonte distante, atuando como uma esp´ecie de lente. Ao contr´ario de lentes ´opticas, lentes gravitacionais n˜ao tˆem um ponto focal, mas uma linha focal. Se a fonte da luz, a lente (o corpo massivo, tipicamente clusters de gal´axias) e o observador est˜ao todos alinhados, ent˜ao a fonte original aparecer´a como um anel ao redor do corpo massivo (chamado “anel de Einstein”). Numa situa¸c˜ao mais geral, a fonte ser´a distorcida e seu brilho pode ser magnificado. Lentes gravitacionais s˜ao tipicamente divididas em lentes fortes, fracas e microlentes. Todas elas s˜ao excelentes fontes de observa¸c˜ao sobre a distribui¸c˜ao de mat´eria no nosso universo! Para mais detalhes, ver a Sec. 11.1 do Hartle.
3.3.3 Redshift gravitacional
Como um ´ultimo exemplo, vamos considerar o efeito de redshift gravitacional, que j´a discutimos antes no contexto do princ´ıpio da equivalˆencia. Aqui, vamos mostrar como ele surge no contexto do espa¸co-tempo de Schwarzschild.
Considere um observador estacion´ario numa certa coordenada r1, que emite um raio de luz. Quando
emitida, a luz tem uma frequˆencia ω1 e energia E1 = ~ω1 com rela¸c˜ao a esse observador. A luz
se propaga para o infinito e ´e detectada por um observador estacion´ario numa certa coordenada r2 > r1. Qual ´e frequˆencia da radia¸c˜ao observada por ele? A situa¸c˜ao ´e ilustrada na figura 3.5.
Vamos usar o fato de que, sendo o espa¸co-tempo estacion´ario, a componente p0 do quadri-momento
da radia¸c˜ao ´e conservada ao longo da geod´esica descrita pelo raio de luz. Como a frequˆencia ω1 se relaciona com p0? Temos que E1 = −gµνpµuν1. A quadri-velocidade do emissor deve ser
proporcional a (1, 0, 0, 0), j´a que ele ´e estacion´ario. A constante de proporcionalidade ´e obtida exigindo que a quadrivelocidade seja normalizada: gµνuµuν = −1. Com isso, obtemos: uµ1 =
(1 − 2M/r1)−1/2(1, 0, 0, 0) e E1 = −p0(1 − 2M/r1)−1/2. Por outro lado, a energia medida pelo
observador em r2 ´e E2= −p0(1 − 2M/r2)−1/2. Temos: ω2 ω1 = E2 E1 = s 1 − 2M/r1 1 − 2M/r2 r2→∞ → p1 − 2M/r1. (3.9)
Figura 3.5: Um observador em r = 4M emite um raio de luz ao longo da dire¸c˜ao radial, que ´e observado por um observador em r = 10M . Note que a propaga¸c˜ao da luz n˜ao ´e retil´ınea nessas coordenadas, e que os versores de base tˆem comprimentos diferentes nos dois pontos!
A energia (e a frequˆencia) da radia¸c˜ao diminui a medida que ela se propaga, dizemos que h´a um desvio para o vermelho na frequˆencia da radia¸c˜ao. Quando GM/Rc2 1, podemos expandir a express˜ao acima e chegamos ao resultado que hav´ıamos deduzido no contexto Newtoniano. O que parece acontecer no limite r → 2M ?!