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um filme de asghar farhadi

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Academic year: 2021

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um

filme

de

asghar

farhadi

UMA

SEPARAÇÃO

HHHHH

LE MONDE

HHHH

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SINOPSE

Quando a sua esposa sai de casa, Nader contrata uma jovem mulher para tomar conta do seu pai doente. O que ele não sabe é que a nova empregada não só está grávida, como trabalha também sem a permissão do marido.

Pouco tempo depois, Nader vê-se envolvido numa teia de mentiras, manipulação e confrontos públicos.

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ENTREVISTA

COM

ASGHAR FARHADI

O que é que desencadeou este filme? Em que circunstâncias surgiu a ideia?

Eu estava em Berlim a trabalhar no argumento de um filme que iria passar-se nessa cidade. Certa noite, ouvi, da cozinha do meu amigo, uma melodia iraniana que estava a tocar na porta ao lado. Subitamente, fui invadido por memórias, e as imagens deram origem a outra história. Tentei ver-me livre delas, e concentrar-me no argumento em que estava a trabalhar. Não serviu de nada: as ideias e as imagens tinham ganhado raízes. Não me largavam – era perseguido na rua e nos transportes públicos por este embrião de uma história vinda de outro lugar, que invadia a minha estadia em Berlim. Por fim, acabei por admitir que estava a sentir--me cada vez mais próximo desta história. Por isso, regressei ao Irão e comecei a escrever este argumento. Acho que podemos dizer que este filme foi concebido numa cozinha em Berlim...

Como é que trabalha com os actores?

Normalmente, levo muito tempo a escolher os actores, e desta vez não foi excepção.

Evito incomodar os actores com considerações de ordem geral acerca do filme ou com a minha visão dele. Acho que os actores não precisam do significado global do filme, mas sim de se concentrar na definição e intenções da sua personagem. De facto, o meu método consiste em adaptar-me aos actores, à sua forma de estar e agir. A única constante é a importância dos ensaios. É o momento em que os actores se transformam nas personagens. Isto significa que, durante a rodagem, podemos concentrar-nos nos pormenores, uma vez que o esboço já foi delineado. Levámos algum tempo a ensaiar, trabalhando a partir de um argumento muito pormenorizado, que seguimos à risca, de maneira a permitir aos actores compreenderem as diferentes dimensões das suas personagens. Esta abordagem pode muito bem vir da minha experiência no teatro. Isto não significa que outras sugestões ou opiniões sejam proibidas, mas concordámos que só nos ensaios haveria lugar à discussão. Assim que começámos a filmar, acordámos que as variações seriam mínimas.

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Em que condições filmou?

Todas as cenas foram filmadas em décors reais. No entanto, como para as cenas no gabinete do juiz e no tribunal não nos foi permitido filmar nesses locais, montámos tudo em duas escolas desactivadas.

A separação que está no centro do seu filme é apenas a do casal?

Acho que não é importante que o público conheça as minha intenções. Prefiro que saiam da sala a fazer perguntas. Creio que o mundo de hoje precisa mais de perguntas do que de respostas. As respostas impedem-nos de questionar, de pensar. Desde a cena de abertura, foi sempre esse o meu objectivo. A primeira pergunta do filme é se uma criança iraniana tem mais perspectivas de futuro no seu próprio país ou no estrangeiro. Não há uma resposta certa.

O meu desejo é que este filme nos obrigue a colocar perguntas a nós próprios, perguntas como estas.

As personagens principais são ambas mulheres. porquê?

Nos meus filmes, tento dar uma visão complexa e realista das minhas personagens, sejam elas homens ou mulheres. Não sei porque é que as mulheres são, normalmente, a força motriz. Talvez seja uma opção inconsciente.

Talvez seja também porque numa sociedade em que as mulheres são oprimidas, os homens já não possam viver em paz. Actualmente, no Irão, são as mulheres que mais lutam, numa tentativa de recuperar os direitos que lhes foram retirados. Elas são mais resistentes e mais determinadas.

Mas embora as duas personagens sejam mulheres, elas fizeram opções de vida muito diferentes. Estão ambas a tentar salvar a pele. Uma é de classe baixa, com todas as particularidades que daí advêm, e a outra é de classe média.

Foi sua intenção traçar um retrato mais contrastado das mulheres iranianas?

O público ocidental tem, muitas vezes, uma imagem muito fragmentada das mulheres iranianas, que vêem como passivas, caseiras, afastadas de todas as actividades sociais. Talvez algumas mulheres iranianas vivam assim, mas a maior parte delas estão muito presentes e são muito activas na sociedade, e de uma maneira muito mais directa do que os homens, apesar das restrições a que são sujeitas.

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seja condenada ou proclamada uma heroína. O confronto entre estas duas mulheres não é do tipo bem contra o mal. São apenas duas visões opostas do bem. E é aí que, na minha opinião, reside a tragédia moderna. O conflito estala entre duas entidades positivas, e aquilo que eu espero é que o espectador não saiba por quem torcer.

Acha que é necessário conhecer a cultura ou a língua para compreender todos os níveis de leitura possíveis?

Será provavelmente mais fácil para o público iraniano estabelecer uma relação mais completa com o filme. Conhecer a língua, e também o contexto e a textura social na qual a história tem lugar, permite, sem dúvida, interpretações menos óbvias.

Contudo, no centro desta história está um casal. O casamento é uma forma de relacionamento entre dois seres humanos, sem relação com o período ou sociedade em que tem lugar. E o tema das relações humanas não é exclusivo de um lugar ou de uma cultura. É uma das preocupações mais complexas e fundamentais da sociedade moderna. É por isso que sinto que o tema do filme o torna acessível a um público mais alargado, porque vai além das fronteiras linguísticas, culturais e geográficas.

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ASGHAR FARHADI

BIOGRAFIA

Asghar Farhadi nasceu em 1972 em Isfahan, no Irão. Na escola, começa a interessar-se pela escrita, teatro e cinema. Inscreve--se na Iranian Young Cinema Society e inicia a sua carreira de realizador com filmes em super 8mm e 16mm.

Em 1998 termina o mestrado em Realização da Universidade de Teerão. Enquanto estudante, escreveu e dirigiu várias peças de teatro, escreveu para a estação de rádio nacional e dirigiu algumas séries de televisão, incluindo episódios de Tale of a City. Em 2001, Farhadi escreveu o argumento de Low Heights, um filme de Ebrahim Hatamikia que foi um sucesso de bilheteiras e um êxito junto da crítica. Estreia-se na realização em 2003 com Dancing in the Dust. A seguir a Beautiful City, em 2004, e Fireworks Wednesday em 2006, Farhadi realizou About Elly, conquistando o Urso de Prata para Melhor Realizador na edição de 2009 do festival de Berlim.

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FILMOGRAFIA

2011

Uma Separação

(Jodaeiye Nader az Simin) Urso de Ouro - Berlinale 2011 2009

About Elly

(Darbareye Elly)

Urso de Prata – Melhor Realizador – Berlinale 2009 2006

Fireworks Wednesday

(Chahar shanbeh souri) 2004

Beautiful City

(Shahr-e Ziba) 2003

Dancing In The Dust

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CRÍTICAS

Jean-Luc Douin, LE MONDE

Para relativizar as leituras que uns e outros fizeram do seu filme, UMA SEPARAÇÃO, Asghar Farhadi conta de bom grado uma história. Um elefante está numa sala escura cheia de gente. Toda a gente é convidada a tocar-lhe para descobrir do que se trata. O que toca numa pata tem a impressão de estar na presença da coluna de um templo, o que apalpa uma orelha pensa numa folha de árvore tropical, o que lhe toca na tromba dirá que se trata de um saxofone. “Se acendermos a luz, todos concordarão, contudo, que é um elefante.”

Estão todos enganados e, ao mesmo tempo, todos têm razão. Cada um julga em função de critérios pessoais, e há sempre sombra suficiente a pairar de forma a que o olhar que lançamos sobre o mundo seja parcial, subjectivo, comprometido. Quem se pode vangloriar de poder proclamar a verdade, salvo um deus ex machina orquestrando a evidência do dia após ter-se entretido com as incertezas da noite? Não Asghar Farhadi, cujo filme se articula em torno de factos que o argumento deixa voluntariamente por resolver durante muito tempo. Por duas vezes, as personagens de UMA SEPARAÇÃO encontram-se perante um juiz e pedem-lhe, à vez, que examine a legitimidade dos seus pedidos. O espectador é convidado a ocupar o lugar deste árbitro judicial e a tomar partido, primeiro por um, e depois pelo outro. A força do filme está na capacidade de o deixar a duvidar, de o obrigar a mudar de campo várias vezes à medida que a intriga se vai desenvolvendo.

Estas duas situações sublinham a ambiguidade do título. Quando, em primeiro lugar, uma mulher vem exigir o divórcio e o direito de ficar com a filha de 11 anos, acordo que o marido, Nader, recusa, a separação parece ser de ordem conjugal. A justiça indefere o pedido da esposa que vai viver para outro lado. Mas, de um confronto pessoal, Asghar Farhadi salta para um conflito social, conferindo ao seu propósito um alcance mais geral, eminentemente político.

Incapaz de tratar do seu velho pai atacado por doença de Alzheimer, Nader tem de arranjar uma empregada. Contrata uma mãe de família necessitada, que aceita o trabalho sem a permissão do marido, um desempregado depressivo, violento e conservador. Esta mulher, Hodjat, que aparece para desempenhar as suas tarefas acompanhada da filha pequena, é confrontada com um

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dilema: o idoso urina nas calças, ela tem de lhe trocar a roupa, lavá--lo, e tirar-lhe as calças, o que, de acordo com as suas convicções religiosas e os costumes que elas implicam, constitui um pecado. Hodjat comete uma infracção: deixa o velho momentaneamente sem vigilância. Após ser despedida, regressa a casa do seu empregador para ser paga pelas horas de trabalho. Nader, argumentando que ela falhou os seus deveres, recusa-se a indemnizá-la, e empurra-a para as escadas. Ela cai nas escadas. Ela apresenta queixa. Nader, diz, foi violento com ela e terá provocado um aborto.

É aqui que voltamos a estar perante um juiz uma segunda vez. Para resolver o imbróglio. Saberia Nader que ela estava grávida, como afirma? É impossível, justifica-se ele, perceber a gravidez nesta mulher vestida com um chador. Terá ele, de facto, provocado a morte deste bebé de quatro meses e meio? Ele é ameaçado com prisão... A partir deste momento, de que “separação” se trata aqui? Do divórcio, ó tão rico, entre classe desafogada e classe popular, entre tradições (superstições, regras islâmicas) e modernidade (burguesia, desejos de emancipação). A mulher separada, que regressa para apoiar um marido de quem espera o regresso da chama conjugal, paga a fiança que evita que Nader vá para trás das grades. Ela vai tentar negociar com a mulher coberta por um véu que, por sua vez, debate-se entre um marido vingativo e a fidelidade aos preceitos do Corão.

O filme observa (e denuncia) uma cascata de mentiras e pequenos acordos. Passando a pente fino os conflitos exacerbados num país onde, pormenores simbólicos da vida quotidiana, o lixo é despejado nas escadas e os empregados das estações de serviço não dão o troco, tendo o cuidado de mostrar que estas rupturas próprias de um clã se desenrolam perante o olhar assustado das crianças, o filme termina com um desfecho incerto.

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Urso de Ouro 2011 em Berlim, UMA SEPARAÇÃO funciona com o esquema enigmático de La Fête du feu, onde Asghar Farhadi impunha a uma mulher a dias o papel de testemunha na disputa entre os seus patrões, a mulher desconfiada que o marido a enganava com a vizinha da frente. Os juízes de UMA SEPARAÇÃO, como a empregada de La Fête du feu, são reféns de um suspense, convidados, tal como nós, a adoptar um ponto de vista, e depois o ponto de vista inverso. Asghar Farhadi utiliza dramas íntimos para distilar a ideia que no Irão a mentira e a manipulação praticam-se a todos os níveis, que os comportamentos que lhes imputamos merecem ser debatidos, contestados.

Serge Kaganski, LES INROCKUPTIBLES

O Urso de Ouro é, frequentemente, procedente da categoria redutora grande tema/ pequeno filme.

UMA SEPARAÇÃO transgride magnificamente essa regra: é um grande filme que parte de um tema pequeno (aparentemente). No início, uma situação banal de um casal desavindo, à beira do divórcio. Ela quer ir viver para o estrangeiro, para seu bem e pelo futuro da filha; ele prefere ficar no Irão, também por causa da filha, e para poder tratar do seu velho pai doente.

O que já é menos banal é que este casal não corresponde à imagem que estupidamente temos de um casal iraniano: não há no horizonte nem turbante nem chador, antes um homem e uma mulher que pelas suas roupas (à excepção do lenço da esposa), modo de vida urbano, e pela forma de reagir e exprimir--se poderiam muito bem viver em Paris, Londres ou Nova Iorque.

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À situação da família em pleno psicodrama junta-se uma outra situação de conflito: um dia, a empregada do casal, contratada para tratar do avô doente, ausenta-se por algumas horas (está grávida e tem de ir ao médico fazer exames). Ora, durante a sua ausência, o velho cai. A empregada é despedida, o tom sobe entre as partes; polícia, processo.

A cadeia de causas e efeitos cada vez mais caóticos é a força motriz do filme. Um simples grão de areia nas relações pode transformar-se numa bola de neve, provocar outros conflitos secundários e terciários, como na teoria das reacções em cadeia. E como em certas experiências químicas, UMA SEPARAÇÃO avança através de uma série de explosões relacionais que fazem o tensímetro disparar com uma força e um sentido de ressalto espantosos.

Mas por detrás desta matéria humana que bastava para fazer de UMA SEPARAÇÃO um filme forte, manifestam-se camadas filosóficas e políticas também admiráveis (e é aí que percebemos que os temas visíveis ou latentes do filme não são assim tão pequenos).

UMA SEPARAÇÃO podia, portanto, ser visto e lido como um inquérito sobre o conceito de verdade. Os conflitos evoluem ao longo do filme, à medida dos diferentes pontos de vista dos protagonistas e dos esclarecimentos que, no início, não entendíamos.

Será a verdade unívoca e gravada na pedra dos factos? Ou será ela polissémica, evolutiva, segundo o ponto de vista de cada um? Questão filosófica e cinematográfica, e, contudo, no centro deste filme não há nada de didáctico.

Além do mais, através dos binóculos destas pequenas guerras quotidianas banais que opõem casais e conterrâneos, surge em filigrana um quadro do Irão contemporâneo, com as suas instituições à pinha de gente, desigualdades sociais, tensão entre classes, um estado de nervos generalizado, no qual não podemos deixar de reconhecer a situação política actual do país. Jogando permanentemente com estes três níveis, intimista, filosófico e político, UMA SEPARAÇÃO é sobretudo um filme extremamente físico, tenso, e eléctrico, que mergulha os actores (todos de uma extraordinária intensidade) e a ficção no banho borbulhante da sociedade iraniana real.

Um cinema cheio, áspero, sem prazo de validade, rico em escaladas de adrenalina, tão distante da beleza à la Makhmalbaf como dos grandes filmes conceptuais de Kiarostami, um cinema que evoca autores como Kechiche ou Mungiu, referências pouco habituais no cinema iraniano.

Depois de A propos d’Elly, Asghar Farhadi confirma o estatuto de autor a ter em conta, conseguindo abalar a ideia que se faz do Irão e ampliando a nossa imagem do cinema iraniano.

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Philippe Azoury, LIBÉRATION

Em Fevereiro, UMA SEPARAÇÃO, de Asghar Farhadi, nascido em Isfahan em 1972, arrebatou o urso de ouro. Uma recompensa rodeada de um certo cepticismo crítico. De fraca qualidade, Berlim 2011 foi sobretudo marcado por tomadas de posição contra a prisão domiciliária vigiada e interdição de filmar impostas, em Dezembro, a dois outros cineastas iranianas: Jafar Panahi e Mohammad Rasoulof. O júri teria manifestado o seu apoio a estes dois presos iranianos concedendo o prémio máximo a um outro iraniano: a ideia é retorcida, mas todos pensaram nela. Descobrir UMA SEPARAÇÃO quatro meses mais tarde permite regressar ao filme propriamente dito. E a primeira surpresa advém da sua força plástica: totalmente oposto ao estilo pomposo que permite a uma data de descendentes de Makhmalbaf arrecadar pazadas de prémios, este é antes um filme nervoso, quase animal, suportado por uma câmara que nunca está parada mas que, onde quer que se posicione, encontra o ângulo certo, o ritmo certo, a distância certa. Farhadi sabe fazer bom uso de uma paleta de cores bastante reduzida, do azul marinho ao verde desbotado, uma forma de pintar o seu mundo sombrio servindo- se dos tons do quotidiano. Um bom antídoto para o lugar-comum do estilo iraniano: Farhadi é um belíssimo anti-simbolista, mas é também um anti-naturalista. Ele é mesmo o tipo de cineasta que chega aos confins de duas gerações e que se serve da sua fome de cinema como bem lhe apetece.

Lemos que ele já não se espanta quando lhe perguntam se UMA SEPARAÇÃO foi inspirado num fait divers, já que sabe que essa impressão de vivido se deve à sua maneira de fazer falsos documentários. Basta, contudo, vê-lo como um colorista rigoroso e selectivo para compreender que ele está, mais do que qualquer outro no Irão, a inventar. Como o faz com a agilidade de um puma, o nosso prazer não seria beliscado se o argumentista Farhadi nunca mais nos confundisse com a sua arte da manipulação. A sua escrita é veloz, repousa numa cadeia de acções que contêm em si uma parte da dúvida que o filme tenta expor. Assim, veremos uma mulher burguesa deixar o marido e a filha porque, depois de anos a tentar obter um visto para o estrangeiro, ele já não se quer ir embora – o pai sofre de doença de Alzheimer. Sem mulher em casa, põe-se à procura de uma empregada para tratar do pai desmemorado. Ao fim de pouco tempo encontra uma mulher cujo marido está desempregado e que aceita o trabalho. Ela comete um erro, estoira uma discussão, e ele descobre horas mais tarde que ela estava grávida e perdeu, após a altercação, a criança que

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carregava. Aos olhos da justiça, este gesto é um crime e pode custar-lhe uma dezena de anos na prisão. Só que, nesta história, ninguém conta nunca a verdade. Conhecemos muito mal os filmes anteriores de Farhadi [...], mas sem dúvida que o próprio tema de UMA SEPARAÇÃO deve ter elevado a sua técnica de escrita ao cume: opõe a mentira ao caso de consciência, examina todas as facetas do acordo em si mesmo e à luz da lei.

Pouco a pouco, aqueles que eram vistos como os bons transformam--se em monstros e, ao baralhar as cartas deste jogo de enganos, o cineasta transforma-se num virtuoso da reviravolta. [...]

Peter Bradshaw, THE GUARDIAN

Um casal infeliz separa-se neste complexo drama iraniano, fascinante, doloroso, e com resultados explosivos, do argumentista e realizador Asghar Farhadi, que expõe uma rede de deficiências sociais e pessoais. UMA SEPARAÇÃO é o retrato de uma relação fracturada e uma análise da teocracia, regulamentos internos e políticas de sexo e classe – e revela uma tristeza terrível e difusa que parece brotar do asfalto e da alvenaria. Na sua representação da alienação nacional no Irão, é comparável ao trabalho de Jafar Panahi e Mohammad Rasoulof. Mas tem um tom ocidental distinto. O filme mostra uma família de classe média cercada por um forasteiro irado; há mistérios semi-irresolúveis, confrontos coléricos e fardos familiares: um avô envelhecido e duas crianças de campos opostos parecem tornar-se amigos. Todas estas coisas mostram, certamente, a influência de Nada a esconder, o filme de 2005 de Michael Haneke. Farhadi, como Haneke, leva um bisturi para a sua terra natal burguesa.

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Estas são pessoas modernas com problemas modernos. Após 14 anos de casamento, Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moaadi) querem separar-se. Vivem num apartamento com a filha Termeh (Sarina Farhadi), uma menina de 11 anos inteligente e sensível, e com o pai de Nader (Ali-Asghar Shahbazi), um idoso que sofre de Alzheimer e que precisa de cuidados permanentes. Ambos trabalham e, ciosos da educação da filha, contrataram uma professora da escola dela para vir a este apartamento apinhado dar explicações particulares antes dos exames cruciais que estão à porta. Mas agora Simin quer trocar o Irão por um país onde haja mais oportunidades para as mulheres em geral e para a sua filha em particular; Nader diz que isso está fora de questão. Têm de ficar no Irão para tratar do pai.

A discussão degenera em pedido de divórcio. A primeira cena mostra o par pedindo permissão ao equivalente a um juiz para avançar. Esta personagem não é mostrada; o casal olha directamente para a câmara e apresenta o seu caso, como se fosse para nós, o público. Em linguagem de tribunal, isto é qualquer coisa como as alegações iniciais ao júri, e o público é convidado, não a decidir quem tem razão e quem não tem, mas antes a perceber que em casos destes não existe certo e errado. Ambos têm um pouco de razão do seu lado.

À medida que o filme avança, sucedem-se coisas terríveis com consequências inesperadas. Pessoas com falhas portam- -se mal e farão apelos ferozes à justiça e à lei em audiências preliminares muito semelhantes à do tribunal de família, ouvidos por funcionários, assediados e cansados, angustiados por saberem que não há apenas preto e branco, mas inúmeros tons de cinzento. Apesar das acusações furiosas lançadas de um lado para o outro e da sibilante sensação de injustiça que ambos os lados sentem, a terrível e complicada verdade é que ambas as partes têm justificação, que a guerra judicial do tudo ou nada trará destruição, e que terá de se chegar a uma espécie de compromisso para salvar a face. As mulheres conseguem perceber isto, mas os homens não.

Quando Simin e Nader se separam, e Simin vai viver com a mãe, surge de imediato uma questão – sem esposa por perto, quem fará o seu trabalho doméstico? Ou seja, quem terá o trabalho inferior e aborrecido de limpar o apartamento e tomar conta do pai de Nader, um coitado incapaz? Nader já tinha uma mulher moderna com uma carreira profissional e que quer fazer as coisas à sua maneira. Agora ele precisa de uma mulher tradicional, uma escrava em tudo, menos no nome. Então, através dos contactos de Simin, contratam Razieh (Sareh Bayat), uma mulher com uma

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filha pequena que terá de levar para o trabalho todos os dias, e que tem também um segredo que esconde do seu futuro patrão. Apesar do trabalho duro que isso implica – uma viagem de 90 minutos e a necessidade de tomar conta de um velho confuso e incontinente sem ter nenhuma formação – Nader discute com ela acerca do salário e esta questão humilhante irá envolver Nader nas vidas de Razieh e do seu nervoso marido Hodjat (Shahab Hosseini). Está o palco montado para um confronto terrível. A classe é importante, tal como o género. Numa cena é mostrado um grupo de pessoas no apartamento, a relaxar e a divertir-se, jogando matraquilhos. Os amigos são bem-vindos, e a família também. Mas Razieh não. Ela é mostrada de forma bastante miserável entretida com qualquer coisa na cozinha. Quando a Sra. Qhahraei (Merila Zare’i), a professora de Termeh aparece é tratada como convidada de honra. Afinal de contas, ela dá aulas à filha deles. Mas e Razieh? Ela também tem uma responsabilidade importante na família: tratar do pai de Nader. Mas ela não se dá ao respeito. E, além do mais, é oprimida pelo seu próprio sentido religioso.

Quando percebe que terá de lidar com o corpo nu do idoso na casa de banho, Razieh tem de telefonar ao seu imã para confirmar que isso não constitui um pecado. Ela sabe que neste mundo a palavra do homem é lei, mas que homem? O seu empregador abastado ou o seu marido falido? Neste lar infeliz, o conflito está em todo o lado.

Farhadi mostra como esta situação é uma poça de petróleo na qual qualquer acontecimento que ali aterre é como um fósforo aceso. Todos têm consciência dos seus direitos e como se sentem zangados com as injustiças e desfeitas, e as mulheres estão amargamente cientes da dupla responsabilidade de terem de arranjar uma solução eficaz e persuadir os seus maridos a aceitá-la. Contudo, há uma coisa que não pode ser regateada: as crianças. No final, Termeh é a figura central. Ela vê tudo, força o pai a uma confissão fundamental, e depois é atrozmente obrigada a cometer perjúrio por causa dele. A sua angústia e dor são grandemente escondidas. Mas é sobre ela que recairá um fardo terrível e inqualificável – um fardo judicial e moral. A mesquinhez e o egoísmo dos adultos a isto forçaram: é uma espécie de abuso insidioso. Com grande poder e subtileza, Farhadi transforma esta medonha desavença numa tragédia contemporânea.

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FICHA ARTÍSTICA

Simin LEILA HATAMI Nader PEYMAN MOADI Hodjat SHAHAB HOSSEINI Razieh SAREH BAYAT

Termeh SARINA FARHADI Juiz BABAK KARIMI

Pai de Nader ALI-ASGHAR SHAHBAZI Mãe de Simin SHIRIN YAZDANBAKHSH Somayeh KIMIA HOSSEINI

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FICHA TÉCNICA

Argumento & Realização ASGHAR FARHADI Director de Fotografia MAHMOOD KALARI Montagem HAYEDEH SAFIYARI

Mistura de Som MOHAMMAD REZA DELPAK Montagem de Som REZA NARIMIZADEH Decoração KEYVAN MOGHADAM

Guarda-roupa KEYVAN MOGHADAM Maquilhagem MEHRDAD MIRKIANI

Produtor Executivo NEGAR ESKANDARFAR Producer ASGHAR FARHADI

Referências

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