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Necessidade de formação do médico residente em pediatria para atender crianças e adolescentes em situação de violência : dificuldades e desafios

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F

ACULDADE DE

C

IÊNCIAS

M

ÉDICAS

SIMONE CRISTINA FERREIRA

NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DO MÉDICO RESIDENTE EM

PEDIATRIA PARA ATENDER CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM

SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA.

DIFICULDADES E DESAFIOS

CAMPINAS 2015

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SIMONE CRISTINA FERREIRA

NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DO MÉDICO RESIDENTE EM

PEDIATRIA PARA ATENDER CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM

SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA.

DIFICULDADES E DESAFIOS

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Ciências, na Área de Concentração Saúde da Criança e do Adolescente.

Orientador: Maria Aparecida Affonso Moysés

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA SIMONE CRISTINA FERREIRA E ORIENTADA PELA PROFA.

DRA. MARIA APARECIDA AFFONSO MOYSÉS.

CAMPINAS 2015

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Observação: A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico esse trabalho às crianças e adolescentes em situação de violência.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

À minha orientadora,

Profa. Dra. Maria Aparecida Affonso Moysés, que permitiu que meu sonho se tornasse realidade. Mais do que acreditar em mim, esteve presente em todos os momentos.

Obrigada professora!

À minha querida amiga,

Profa. Dra. Cecilia de Azevedo Lima Collares, pela gentileza, atenção e todo conhecimento que compartilhou comigo ao longo desse caminho.

Obrigada professora!

Já chamei pessoas próximas de “amigo” e descobri que não eram… Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim. Não me deem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre. Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração! Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente! Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para SEMPRE! (Clarice Lispector)

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A Deus, que sempre esteve no comando de minha vida.

Ao meu amado marido e amigo, Claudio Moreira Alves e meus amados filhos Leônidas e Eric Alves, pelo carinho, amor e compreensão que tiveram em todos os momentos em que não estive presente. Vocês são a luz da minha vida.

À minha amada mãe e meu querido pai, Maria Odila Scatalone Ferreira e João Baptista Ferreira, que me deram a vida e me ensinaram como enfrentá-la.

À minha irmã, Rita de Cássia Ferreira, que segue do outro lado do caminho, e que aqui deste lado, deixou o exemplo de honestidade, força e fé.

Aos meus irmãos, João Carlos Ferreira, André Luiz Ferreira e Jacqueline Ferreira, amores eterno.

À minhas amigas Tais Nitsch Mazzola e Paula Nascimento, pela amizade, carinho e ensinamentos nas incansáveis horas de aulas de inglês.

Às amigas Francis Sunaga e Simone Lindgnton, que sempre torceram por mim.

Aos amigos do CIPED, Adriana Vinagre, Antonio Salvador Pedretti, Carolina Bondarik, João Daniel de Moura, Milton Cesar Souza, Paulo Latuff, Paulo César Alves, Rosa Maria Genésio, Silvana Dalge Severino e Maria Angela de Oliveira Ribeiro, que sempre estiveram ao meu lado.

Ao amigo Prof. Dr. Gil Guerra Junior, que durante a coordenação do CIPED, permitiu as minhas ausências para frequentar as disciplinas do curso de pós.

Ao amigo Prof. Dr. José Dirceu Ribeiro, pela amizade e apoio de sempre. Aos pesquisadores e professores do CIPED.

À amiga Ana Paula Monteiro, Departamento de Pediatria, pela amizade e ajuda de sempre em todos esses anos.

Ao amigo Antonio Jone Sartori, Ambulatório de Pediatria, que não mediu esforços em me ajudar.

À amiga Profa. Dra. Denise Barbieri Marmo, que durante o meu estágio no Ambulatório Pediatria, compartilhou seus conhecimentos e apoiou o trabalho.

Às Professoras Doutoras Angélica Maria Bicudo e Carla Biancha Angelucci, por terem aceitado o convite para participar da Banca Examinadora e pelas contribuições que fizeram.

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Aos docentes do Departamento de Pediatria, pela confiança e amizade. Aos Residentes do Departamento de Pediatria, por participarem da pesquisa.

Aos amigos e amigas da Pós-graduação da Medicina, pela cordialidade e ajuda de sempre. À Faculdade de Ciências Médicas, pelas oportunidades.

Aos amigos e amigas da Pró-reitoria de Pesquisa, em especial: Leandro Freitas, Silvana Schmidt Simões, Rogério Baccaglini, Gisele Baccaglini, Mariana Guiara, Miriam Marcancola, Lilia Donadon, Andrea Ruas, Maria Cristina Vidrich, Luiz Vicentini, pela cobertura nos momentos de ausência e por estarem sempre ao meu lado.

À amiga Maria Cristina Raphael Vidrich, pela amizade e ajuda na correção de português e inglês.

À amiga Heloisa Ceccotti, pelo carinho e ajuda fundamental com as referências bibliográficas.

Ao meu amigo, Emerson Luis Francisco, Pró-reitoria de Pós-graduação, pelo apoio e amizade. À Pró-reitoria de Pesquisa, pelo incentivo à pesquisa.

À Reitoria da Unicamp, pelo incentivo e confiança.

À Universidade Estadual de Campinas, pelas oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional.

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Fui ficando só, sem cuidados. Todos os que nos cuidavam tomaram outros rumos e, com eles, foi-se o carinho de que eu vivia. De novo voltam a preocupar-se comigo não por cuidado, mas por medo. Porque me tornei um incômodo.

A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ver quem sou. . . Quero ir buscar quem fui onde fui onde ficou.

Quero poder imaginar a vida como ela nunca foi, e assim vivê-la vívida e perdida, num sonho que nem dói.

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MEU CAMINHO

Em 1986, ainda menina, fui recebida para trabalhar na Universidade Estadual de Campinas e após algumas semanas realizando treinamentos no setor de Recursos Humanos, fui encaminhada para desenvolver atividades administrativas na Faculdade de Ciências Médicas, especificamente na Comissão de Graduação em Medicina e por lá permaneci por aproximadamente, cinco anos.

Nessa caminhada junto ao curso médico, conheci muitas pessoas e de diferentes lugares do país e fora dele. Fiz grandes e muitas amizades com funcionários, alunos e professores, e tive o privilégio de acompanhá-los por eventos acadêmicos e científicos realizados na Universidade e fora dela, envolvendo alunos de todos os anos do Curso médico.

Ao longo dos anos, fui caminhando cada vez mais pelo mundo da ciência, lidando com o trabalho administrativo diário e saltando entre os estudos. Ainda, muito jovem percebi que poderia lutar para ir mais adiante, a vida me abria portas, eu estava em uma Universidade reconhecida mundialmente, porque não ir mais além?

O que é, meu irmão Eu sei o que te agrada E o que te dói, e o que te dói É preciso estar tranquilo Pra se olhar dentro do espelho Refletir

(Podes crer, Toni Garrido)

Em 1990, a convite de uma professora, e com a confiança de que eu poderia ter orgulho de mim mesma, parti em busca de novos desafios; assumi a secretaria de pós-graduação em Pediatria (curso reconhecido pela CAPES em 1988). Fui designada como secretária do curso e, ao lado dos docentes do Departamento de Pediatria, passamos a trabalhar incansavelmente no programa de pós-graduação da época. Ali, os dias eram diferentes, não havia monotonia, pois, os trabalhos científicos vinham de todas as áreas de conhecimento da pediatria e eram recebidos por mim, eu acompanhava os exames de qualificações e as defesas de dissertações e teses atentamente, sempre apoiando os alunos,

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professor, e com o passar dos anos era natural que as conversas fossem realizadas de tempos em tempos com “novos amigos”.

É tão forte quanto o vento quando sopra Tronco forte que não quebra, não

entorta

Podes crer, podes crer Eu to falando de amizade (Podes crer, Toni Garrido)

Por volta dos anos 2000, a Secretaria do Programa de Pós-graduação onde eu trabalhava passou a funcionar fisicamente no Centro de Investigação em Pediatria, um Centro de Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas inaugurado em 1996, e para lá fui eu. A mudança para um local voltado e dedicado exclusivamente à pesquisa trouxe novos coordenadores e com eles um novo olhar para o curso. A demanda de profissionais não médicos e a procura pelo programa que acolhesse profissionais interessados em desenvolver projetos na área de Pediatria e Saúde da Criança, era imensa, e quando não foi mais possível desviar do destino, foi aprovado um novo modelo de pós-graduação na FCM. Programa inovador, principalmente dentro de uma Faculdade de Medicina.

Esse programa passou a acolher novos profissionais e novos projetos e novos profissionais, das várias áreas de conhecimento das ciências da saúde, educação, Educação Física, Fonoaudiologia, Fisioterapia e. . . até médicos.

Seu nome se tornou mais abrangente, passando a ser o Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, e lá eu estava junto a eles.

Mande notícias Do mundo de lá Diz quem fica Me dê um abraço Venha me apertar Tô chegando. . .

(Encontros e Despedidas, Milton Nascimento)

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Novamente eu enfrentava novos modelos e novos desafios, agora um desafio muito mais profissional do que pessoal, a tarefa de acolher novos professores e alunos, novos projetos e linhas de pesquisa das mais diversas áreas de conhecimento, não havia mais limites para o conhecimento, a pesquisa cada vez mais forte em minha vida na Universidade.

Ainda nos anos 2000, os tempos eram outros, a Universidade cresceu e na corrida pelo conhecimento mundial, abriu-se a oportunidade para que todos que nela estivem ingressassem nesse novo mundo, o mundo científico em um sentido mais estrito.

A Unicamp permitiu e incentivou que seus funcionários fossem em busca de crescimento pessoal e profissional, e com esse apoio, após o nascimento do meu primeiro filho, resolvi concluir o curso de graduação, que havia sido deixado de lado por razões pessoais.

Mas nunca é tarde para sonhar, nunca é tarde para conhecer!

O meu trabalho no Centro de Investigação em Pediatria era envolvente, ver e ouvir os alunos e os professores, participar ativamente das atividades acadêmicas, motivaram-me a seguir adiante. Ali, além do apoio da minha família, dos amigos funcionários e professores que sempre contribuíram para minha formação, aumentou o meu contato com a vida acadêmica e com a pesquisa. Conclui o Curso de Graduação e fui ainda mais além.

Além do horizonte existe um lugar Bonito e tranquilo pra gente se amar (Além do horizonte, Roberto Carlos) Em 2007, deixei a Secretaria de Pós-Graduação e passei a trabalhar na Secretaria Geral do Centro de Investigação em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas, agora eu estava ainda mais perto da investigação científica.

Após o nascimento do meu segundo filho, e com o apoio da coordenação do Centro de Investigação em Pediatria e da direção da Faculdade de Ciências Médicas, realizei o curso de especialização em Gestão por Processos e Projetos – ressalto que com muito orgulho–, pela escola de extensão da Unicamp, concluindo no início de 2013.

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conversas com os residentes que ali estavam para desenvolverem seus projetos.

Foi um momento único da minha caminhada, onde abro meus olhos e consigo enxergar em todos os cantos as formas como a pesquisa fez parte de toda minha história, não é possível descrever o enorme aprendizado que obtive e nem como essas experiências foram importantes nessa caminhada.

Ao lado de grandes nomes da Pediatria da Unicamp, professores, pesquisadores, alunos, aprendi e ensinei como podemos seguir com nossos sonhos e desejos. São caminhos, escolhas, uma vida que segue seu curso e ritmo, não é possível aqui revelar objetivamente todo esse conhecimento, mas ele estará em mim para sempre! Lugar que sinto que poderei voltar a ele quando quiser!

Coisa que gosto é poder partir Sem ter planos

Melhor ainda é poder voltar Quando quero. . .

(Encontros e despedidas, Milton Nascimento)

Em 2013, a convite do Reitor da UNICAMP, deixei o Centro de Investigação em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas para ir trabalhar na Reitoria. Retornei às minhas atividades administrativas em tempo integral. Abriu-se uma nova oportunidade, não longe da ciência ou da pesquisa, mas marcada por novos desafios.

Parti para um novo começo, em uma nova função, com oportunidade de novas experiências. Fui trabalhar com a promoção e a gestão da pesquisa na Universidade, atuando como Assistente de Direção, no gabinete da Pró-reitoria de Pesquisa da Unicamp.

Um trabalho gratificante, em que aprendi muito, mais uma vez. Mas que me colocava ainda mais dificuldades, especialmente de tempo e de concentração, para levar adiante meu curso de Mestrado. Mas, sua importância me impulsionava, mesmo quando queria desistir.

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Recentemente, outra oportunidade cruzou meu caminho e novamente a encarei de braços abertos, novamente a convite do Reitor, deixei a Pró-reitoria de Pesquisa, passando a compor o quadro de profissionais do Gabinete do Reitor, atuando junto a Comissão Organizadora das Comemorações dos 50 anos da Unicamp.

Agora, com este trabalho de dissertação de Mestrado, encerro mais uma etapa de desenvolvimento pessoal e científico, encerro mais um ciclo da minha vida e sigo meu caminho, sempre atenta a todas as portas que ainda estarão se abrindo para mim.

Valeu a pena, ê ê Valeu a pena, ê ê

Sou pescador de ilusões Sou pescador de ilusões (Pescador de ilusões, O rappa)

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Caminando, caminando voy buscando libertad, ojaláencuentrecamino para seguir caminando.

Es difícil encontrar enla sombra claridad, cuandoel sol que nos alumbra descoloralaverdad. Cuántotiempoestoyllegando, desdecuándo me habré ido, cuántotiempocaminando desdecuándocaminando.

Caminando, caminando, caminando, caminando. (Victor Jara, 1932-1976)

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RESUMO

Objetivo: esta pesquisa tem por objetivo conhecer como residentes de pediatria percebem

a sua formação na atenção a crianças e adolescentes em situação de violência em destaque para a violência sexual. Buscou-se, ainda, apreender suas percepções sobre o papel do pediatra nessa atenção. Método: neste estudo, optou-se pela metodologia qualitativa, para apreender diferentes modos desenvolvidos por Residentes de Pediatria em fase de formação para lidar com suas emoções e dificuldades ao atenderem crianças e adolescentes envolvidas em situações de violências e seus familiares. A opção pela pesquisa qualitativa decorre de esses modos resultarem de processos singulares de subjetivação, não sendo passíveis de quantificação e generalização. A investigação foi realizada entre janeiro de 2012 e dezembro de 2014, no Ambulatório de Violência contra Criança e Adolescentes (VCCA) – Hospital das Clínicas (HC) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Os sujeitos da pesquisa foram Residentes de Pediatria, durante o estágio nesse Ambulatório. Como

procedimentos metodológicos, utilizou-se entrevistas com roteiro semiestruturado e a

observação dos sujeitos no decorrer do estágio durante os atendimentos de pessoas envolvidas em situação de violência, no caso, crianças e adolescentes e seus familiares; utilizou-se, ainda, as anotações no Diário de Campo. Resultados: os residentes entrevistados nesta pesquisa não se sentem preparados para atender crianças e adolescentes envolvidas em situações de violência e apontam a necessidade de formação específica para essa atuação, uma formação que deve incluir apoio psicológico que os ajude a suportar as angústias decorrentes. Sua dificuldade em lidar com as situações de violência contra crianças é aumentada pelo nítido predomínio da violência sexual. Não se sentem preparados para acolher, nem para prestar a devida atenção tanto à criança e ao adolescente como a seus familiares, ações que são delegadas aos residentes de psiquiatria; além disso, ao exercerem apenas a função de identificar e tratar doenças orgânicas decorrentes do abuso, em especial as sexualmente transmissíveis, seu envolvimento com o paciente termina com o diagnóstico e tratamento de possíveis doenças. Como mecanismo de defesa, muitas vezes, realizam os atendimentos aparentemente de modo frio e distante, automático.

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The worry about violence against a child, its several ways of presenting it and the strategies to combat it have been clearly identified in Brazil, by the advent of the Child and Youth Statute (CYS), where the child receives the status of citizen rights, in special from the moment that in which the Human Rights and the Rights of the Child integrates the international agenda. A complex theme, mainly by its multiple determinations: legal persons and fundamental rights guarantees, which are inherent to the person’s condition and full protection as referred by national laws and international standards. However, those children and teenagers have been submitted to the most diverse types of violence situations that have repeated and that do not exclude negligence up to maltreatment of physical, mental and sexual abuse kind, and many other times all of them at the same time. Violence is one of several challenges in society, a historical unit, cause of total concern once it regards boys and girls in childhood and adolescence; a universal case, against women in marital relations and surely following for the child and the teenager. In this study, as we interviewed resident doctors, we could know about some of the challenges experimented by the pediatrics ones as they attended children and adolescents submitted to a situation of violence in the city of Campinas, São Paulo. In our research on sexual violence, we detach to understand whether there is preparation to face such situations, the pediatrician’s role amidst this subject and what is the guidance to the victims and their families. This is a qualitative research developed in the in the OUTPATIENT OF VIOLENCE AGAINST CHILDREN AND TEENS (VCCA), of the Clinical Hospital (CH) of the University of Campinas, São Paulo.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 19

1.1ACONCEPÇÃODEINFÂNCIA ... 19

1.2AADOLESCÊNCIA ... 21

1.3AVIOLÊNCIACONTRACRIANÇASEADOLESCENTES ... 23

1.4AFORMAÇÃODOPEDIATRA ... 27

1.4.1 Residência Médica em Pediatria na Unicamp ... 30

2 A PERGUNTA ... 32

3 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ... 34

4 MÉTODO ... 36 4.1PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS... 38 4.1.1 o local da investigação ... 38 4.1.2 Os sujeitos ... 44 4.1.3 As entrevistas ... 45 4.1.4 O Diário de Campo ... 46

4.1.5 A Análise dos Dados ... 47

5 FORMAÇÃO PROFISSIONAL: UMA NECESSIDADE ... 50

6. CONCLUSÃO ... 59

REFERÊNCIAS ... 61

BIBLIOGRAFIA ... 66

ANEXOS ... 68

ANEXO1-PARECERDEAPROVAÇÃODAPESQUISA ... 68

ANEXO2-TERMODECONSENTIMENTOLIVREEESCLARECIDO ... 70

ANEXO3–CARTACONVITE... 71

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1 INTRODUÇÃO

1.1 A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA

A infância, período tão especial na vida do ser humano, é definida nos dicionários como a fase da vida humana que vai desde o nascimento até cerca de doze anos. Significa o começo, a origem; um período em que o ser humano possui necessidades específicas, peculiares e inicia suas interações com outras crianças, adolescentes e adultos; essa troca de saberes, conhecimentos e experiências é fundamental, pois é na alteridade que se constitui a subjetividade de cada pessoa. Também é importante entender que sentimentos, ações, modos de agir e reagir, de ser, afetar e ser afetado, modos de viver e de se desenvolver são constituídos na imersão nos valores, na cultura de cada espaço e tempo, e essa diversidade deve ser respeitada e acolhida.

A infância, nos dias de hoje, constitui tema de discussões, tanto em âmbito nacional como internacional. Entretanto, não foi sempre assim. A concepção sobre a infância não é algo uniforme e constante, ao longo da história da humanidade, como acontece aliás com todas as concepções, que se modificam em consonância com o momento histórico-cultural em que vigoram.

Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. (Ariès, 2011, p.99). O sentimento de infância que vigora em determinada sociedade, em uma confluência de espaços - temporal, social, geográfico, cultural - definirá o espaço que a crianças ocuparão no âmbito familiar e social e, consequentemente, os modos pelos quais serão tratadas, educadas, cuidadas, protegidas; definirá inclusive o arcabouço de códigos e leis, formalizados ou não, referentes à infância.

Importante entender que o sentimento de infância de uma determinada sociedade não está apartado dos demais sentimentos sobre a adolescência, a vida adulta, a

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velhice; todos trazem em si as expressões dos valores, princípios e códigos vigentes nessa sociedade ou grupo social. Assim, a infância se articula de modo indelével às outras fases da vida humana e constitui um momento histórico, social e cultural único de nossas vidas, como todas as demais fases.

Ariès (1991) identificou dois marcos históricos na construção do conceito de infância tal como o conhecemos na atualidade: no século XVIII, com a construção desse conceito como embrião de como o conhecemos hoje; mais tarde, no início do século XX, surgem, nos Estados Unidos da América, as primeiras leis sobre trabalho infantil, apartando assim crianças e adolescentes de adultos.

A visibilidade - e a invisibilidade - das crianças no mundo adulto, não é atual. Os recém-nascidos no mundo romano só eram recebidos por decisão do chefe de família. Caso não fossem aceitos (ou seja, tolerados), eram enjeitados e abandonados, diante da casa ou em algum lugar público. Se tivessem sorte, alguém os recolheria, ou então eram deixados à morte. (Barros Filho, 2010).

Por muito tempo, crianças e adolescentes permaneceram invisíveis para as famílias e também para a sociedade. Essa falta de visibilidade das crianças no mundo adulto e, consequentemente, o fato de não serem sujeitos de direitos, constituiu a norma vigente por muito tempo na sociedade. Até o final do século XIX, eram objeto do direito penal apenas quando considerados ameaça ou perturbação à tranquilidade da ordem e da segurança pública.

No inicio do século XX, a preocupação com a infância ganha novos paradigmas, novos horizontes, e a concepção de infância e principalmente dos infantes passa a ser encarada como problema social, apreendida como projeção do futuro do país. (Rizzini, 2008).

Com as mudanças de concepções e valores, leis foram sendo construídas ao longo do último século, transformando crianças em sujeitos de direitos.

No Brasil, no começo do século XX, a infância passou a ser concebida e construída como um período da vida em que o ser humano possui necessidades específicas,

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peculiares ao período em que se encontra. Assim, em 1923, foi criado o Juizado de Menores e aprovado o Código de Menores de 1927, posteriormente substituído pelo Código de Menores de 1979. Iniciava-se a construção de uma visão sobre as crianças que as entende como seres sociais, com um papel central nas relações familiares e na sociedade; seres de respeito e de direitos, com características e necessidades próprias. (Schultz e Barros, 2011).

Para Rizzini et al. (2009), o Brasil é exemplo de país onde a percepção sobre a infância como fenômeno universal é bastante desafiadora, em função de uma grande diversidade de arranjos sociais. Ou seja, existem muitas infâncias no Brasil. Dependendo de sua origem socioeconômica, crianças da mesma idade apresentam histórias e experiências de vida completamente diferentes. Assim, podemos entender que a infância perpassa pela história com vários modos de vivência e compreensão da vida, não é única a sua história, são várias modalidades e experiências sociais e sócios-culturais.

A incorporação das crianças e adolescentes como participantes ativos pode ser implementada em diferentes contextos e em países com características distintas. Em especial, pela existência de uma grande diversidade de infâncias, que variam de acordo com a sua origem social e cultural. É essencial reconhecermos as vozes de crianças e adolescentes como importantes contribuições e não somente alvo das políticas e práticas. (Rizzini et al., 2009, p.11).

No Brasil, especificamente, o grande marco na história dos direitos e das concepções sobre a infância e a adolescência é o ano 1990, quando foi aprovada a Lei 8. 069, que regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pelo Estatuto, considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade (artigo 2o); em casos excepcionais e quando disposto na lei, o estatuto é

aplicável até os 21 anos de idade (artigos 121 e 142). (Brasil, 1990).

1.2 A ADOLESCÊNCIA

A Adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A adolescência se inicia com as mudanças corporais da

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puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, nessa fase da vida a busca por integração em seu grupo social é destacada com maior intensidade.

É nesse momento da vida, em que a infância vai se distanciando e as necessidades emocionais caminham, por vezes rapidamente em direção a fase adulta, e o início é marcado pela juventude, alternando entre suas atitudes e escolhas, muitas vezes entre atitudes da infância e outras da adolescência, uma fase onde o tempo parece não existir.

Para Melucci (1996), a adolescência é a idade em que a orientação para o futuro prevalece e o futuro é percebido como apresentando um maior número de possibilidades. Uma perspectiva temporal aberta corresponde a uma forte orientação para a auto realização, resistência contra qualquer determinação externa dos projetos de vida e desejo de uma certa variabilidade e reversibilidade de escolha.

Não se pode definir com exatidão o início e fim da adolescência (ela varia de pessoa para pessoa), porém, na maioria dos indivíduos, ela ocorre entre os 10 e 20 anos de idade. Os limites cronológicos da adolescência são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 10 e 19 anos e pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre 15 e 24 anos, este critério é usado principalmente para fins estatísticos e políticos.

É importante lembrar que o período da adolescência não ocorre da mesma forma para todos os indivíduos, essa experiência é vivenciada por suas escolhas e caminhos que são seguidos.

Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, trabalham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no quadro complicado da família moderna. Como se diz hoje, eles se procuram e eventualmente se acham. Mas, além disso, eles precisam lutar com a adolescência, que é uma criatura um pouco monstruosa, sustentada pela imaginação de todos, adolescentes e pais. Um mito, inventado no começo do século 20, que vingou sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial. (Calligaris, 2000, p.9)

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 1990, considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como a

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faixa etária de 12 a 18 anos de idade (artigo 2o), e, em casos excepcionais e quando disposto na lei, o estatuto é aplicável até os 21 anos de idade (artigos 121 e 142). (Brasil, 1990).

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) consideram a adolescência uma área de especialização dentro da Pediatria, inclusive em relação a treinamentos de Graduação, Residência Médica e alojamento hospitalar. (Sociedade ..., 2000).

1.3 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

No Brasil, assim como em outras partes do mundo, em diferentes culturas e classes sociais, independentes de sexo ou etnia, crianças e adolescentes são vítimas cotidianas da violência doméstica, sendo este um fenômeno universal e endêmico. (Day et al., 2003).

Na maioria dos casos, existe o que podemos chamar de unidade histórica de violência: inicialmente dirigida contra a mulher nas relações conjugais, em seguida dirige-se à criança e o adolescente; muitas vezes esses, posteriormente, agridem suas mulheres e depois seus filhos e assim vai se perpetuando uma intrincada rede de violências e agressões. Se a violência contra crianças e adolescentes não é algo novo na experiência humana, é relativamente recente o surgimento de desconforto coletivo frente a ela; porém, ainda se observa certo grau de conformismo e naturalização. Embora amplamente divulgada pela mídia, o que faria esperar uma melhor compreensão e abordagem do problema, o modo acrítico e até sensacionalista como é apresentado colabora com a naturalização da violência cotidiana, sendo poderoso indutor de pânico e desconfiança na sociedade.

Em suas reflexões, Marmo et al. (1995) discutiram a atualidade e a importância da violência contra crianças, lembrando que a fome, a falta de recursos para a educação e as péssimas condições econômicas e sociais da maioria da população são também outras faces dessa violência, produtoras de uma infância subnutrida doente e triste. Os autores enfatizaram ainda que já se haviam passado mais de trinta anos da histórica Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) de 20 de novembro de 1959, em que foi feita a

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Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente, e ainda se engatinhava em praticamente todo o mundo na implementação desses direitos; no Brasil, especificamente, a situação era ainda pior, pois nem suas necessidades básicas estavam atendidas. Naquele momento da história brasileira, uma grande parcela da população ainda vivenciava o primeiro “não direito do não cidadão”: a fome, como afirmaram Moysés e Collares (1997).

No Brasil, a partir da década de 1990, a violência e os maus tratos contra crianças e adolescentes passaram a receber mais atenção dos formuladores de políticas públicas. Nesse período, começaram a surgir os primeiros programas específicos para atendimento desta problemática, prevista no artigo 87, inciso III, lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Os maus tratos contra crianças e adolescentes, e mesmo sua suspeita, devem ser obrigatoriamente notificados e estão classificados em quatro categorias: negligência e abandono, sevícias ou abuso físico, abuso sexual e abuso psicológico (Santoro Junior, 2002; Pires et al., 2005). Os tipos de agressões não são excludentes, podendo a mesma vítima ter sofrido uma ou mais formas de agressão. Apesar da obrigatoriedade legal, estima-se que entre dez e vinte casos deixam de ser registrados para cada notificação realizada (Pascolatet al., 2001; Pires et al., 2005). Segundo o Global Peace Index, “O Brasil ocupa uma constrangedora 81ª posição no Índice de Paz Global”. (Institute ... 2013).

É importante que se diga que o quadro de elevada mortalidade e morbidade por violência no Brasil não pode ser compreendido integralmente sem que se lance mão de determinados termos e conceitos como desigualdade, injustiça, corrupção, impunidade, deterioração institucional, violação dos direitos humanos, banalização e pouca valorização da vida. Muitos outros conceitos e problemas poderiam ser listados, entretanto, mais do que fazer um inventário dos fatores que configuram o quadro de violência social reinante, é necessário definir e implantar políticas públicas, com propostas de ação e programas que visem seu enfrentamento. (Minayo e Souza, 1999).

Deslandes (1994) conceituou abuso ou maus-tratos como a ação de um sujeito que, em posição de superioridade, pela idade, força, posição social, econômica, inteligência ou autoridade, comete um dano físico, psicológico ou sexual, contrariamente à vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa.

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Segundo Azevedo e Guerra (2001), constitui ato violento às crianças e adolescentes toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento. Na maioria das vezes, acontece no âmbito familiar, podendo ser cometida dentro ou fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida, incluindo pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue (Day et al., 2003). A violência doméstica é a mais frequente e engloba, além dos familiares, empregados, agregados e visitantes esporádicos do domicílio.

Em relação ao abuso sexual, é conceituado por Deslandes (1994) como todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, cujo agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Essas práticas eróticas e sexuais são impostas à criança ou ao adolescente pela violência física, por ameaças ou pela indução de sua vontade. Podem variar desde atos em que não exista contato sexual (voyerismo, exibicionismo) a diferentes tipos de atos com contato sexual, com ou sem penetração. Engloba ainda a situação de exploração sexual visando a lucros como prostituição e pornografia. (São Paulo, 2007).

A violência nega o direito de crianças e adolescentes à liberdade e ao respeito, aprisiona sua vontade e os transforma em objetos ao submetê-los ao poder adulto. Manifesta-se por palavras, atitudes, comportamentos e/ou climas negativos criados por adultos em torno de criança ou adolescente, de caráter deliberado e geralmente repetido.

É preciso destacar que, após a notificação de violência sexual, a vítima, criança ou adolescente, passa a transitar no sistema que busca a apuração desse crime, precisando passar por vários espaços legais, contar e recontar sua história e reviver sofrimentos. Por isso, é importante que seja garantido a ela atendimento qualificado e especializado. (Faleiros, 2003).

As estatísticas apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística refletem apenas os casos em que ocorre registro policial; pode-se concluir que o número de casos de violência contra crianças é maior do que as divulgadas pelos órgãos oficiais, sendo

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que a violência doméstica é uma de suas principais causas, e não está restrita a determinadas classes sociais. (Brasil, 2011).

As violências se apresentam de formas diferentes de acordo com a idade e o sexo da criança ou do adolescente e região/estado onde reside. O Mapa da Violência 2012, publicado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, aponta a região Sudeste como a primeira em número de atendimentos de casos de violência registrados pelo Sistema de Agravos de Notificação (SINAN), seguida, em ordem decrescente, pelas regiões Sul e Nordeste do país. (Waiselfisz, 2014).

Em Campinas, estado de São Paulo, as violências domésticas e sexuais são registradas desde 2005 por meio do SISNOV (Sistema de Notificação de Violência de

Campinas), um sistema eletrônico, integrado, intersetorial e interinstitucional. Como resultado de parceria com o Ministério da Saúde, o SINAN e o SISNOV são integrados, possibilitando o alinhamento de denúncias dos serviços de saúde. Entre 2009 e primeiro semestre de 2014, foram registrados em Campinas 1. 980 casos de violações de crianças de 0 a 11 anos e 1476 de 12 a 17 anos. (Campinas, 2014).

A análise dos dados do Boletim SISNOV/SINAN revela que a mãe ocupa o primeiro lugar no ranking dos vários agentes violadores identificados; além disso, as violências mais frequentes são as de negligência (248 casos em 2013) e sexual (214 casos em 2013), sendo assim a faixa etária mais vulnerável é de zero a onze anos, reforçando a importância de proteção dessa faixa etária como ação de política pública. Obviamente, destacar o grupo etário e os tipos de violência mais frequentes não deve minimizar a importância da violência contra jovens com idades entre 12 e 17 anos e das outras formas de violência, como a psicológica e a física.

Só os fatos da infância explicam a sensibilidade aos traumatismos futuros e só com o descobrimento desses restos de lembranças, quase regularmente esquecidos, e com a volta deles à consciência, é que adquirimos o poder de afastar os sintomas. (Freud, 1910, p.53).

Seja qual for o número de crianças vítimas de abusos sexuais que se vê nas estatísticas, seja quantos milhares forem, devemos ter em mente que, de fato, esse número deve ser bem maior, pois muitos casos, senão a maioria, não é reportada. As crianças

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geralmente têm medo de dizer a alguém o que aconteceu, o que amplifica o dano psíquico decorrente, que pode ser devastador a longo prazo. (Pfeiffer e Salvagni, 2005)

O abuso sexual de crianças pode ocorrer na família, por meio do pai, do padrasto, do irmão ou outro parente qualquer. Outras vezes ocorre fora de casa, por exemplo na casa de um amigo da família, na casa da pessoa que toma conta da criança, na casa do vizinho, de um professor ou mesmo por um desconhecido. (Ballone, 2003).

Embora os estudos apontem que os abusos possam ocorrer em todos os contextos sociais em que a criança e o adolescente possam estar presentes, o que não exclui as escolas, por outro lado, estudos apontam que os professores são os profissionais que melhor conseguem perceber ou suspeitar de algum tipo de abuso.

Deve-se ressaltar que crianças e adolescentes vítimas de violência são rotineiramente atendidas nos serviços de saúde – hospitais, ambulatórios, consultórios – públicos e privados, por profissionais da saúde, com destaque para o pediatra, que muitas vezes acompanha a criança desde o nascimento até o final da adolescência, envolvendo-se e vinculando-se a ela e a seus familiares (Bazon, 2007). Entretanto, é também nesses serviços, é também por esses profissionais, que a violência contra crianças e adolescentes passa desapercebida.

1.4 A FORMAÇÃO DO PEDIATRA

Em nosso país, a formação do pediatra, médico especialista na atenção à saúde de crianças, é feita por meio dos programas de residência médica em pediatria, instituídos juntamente com os programas nas demais especialidades médicas conforme disposto na Lei nº 6. 932 de 7 de julho de 1981.

O programa de residência médica no Brasil é uma especialização considerada pós-graduação latu sensu; constitui uma modalidade essencial de treinamento e formação complementar dos alunos egressos dos cursos médicos, vislumbrando a melhoria da qualidade do desempenho profissional desses médicos.

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A Residência Médica em Pediatria é um dos mais antigos dentre os inúmeros Programas de Residência oficialmente reconhecidos pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). Por essa razão e por ser uma das especialidades básicas da Medicina, a Pediatria é, sem dúvida, um dos Programas que mais médicos qualificou no País desde sua criação. (Residência ... [s.d.]).

A Sociedade Brasileira de Pediatria pensando em aprimorar essa formação que, ainda como pediatria geral, acontece em dois anos, recentemente propôs a mudança do programa de residência médica em pediatria para que ocorra em três anos. Considera-se que dois anos não são mais suficientes para formar um pediatra em vista da ampliação nos conteúdos científicos e na extensão da prática profissional que a especialidade incorpora, graças à evolução dos conhecimentos científicos em relação ao crescimento e ao desenvolvimento do ser humano, que é a essência da pediatria; leva-se ainda em conta que essa duração de três anos já é realidade na maioria dos países. (Bettiol, 2010).

A residência médica em áreas gerais, como clínica médica e cirurgia geral, já há um tempo deixou de ser atrativa, com a tendência de crescente especialização e consequente segmentação da área segundo faixa etária e tipo de patologia, a pediatria ainda é a área em que esse processo era menos nítido, ainda privilegiando a formação e a atuação de pediatras gerais. Entretanto, já se observam indícios de mudanças nas opções dos egressos ao decidirem a área de especialização, refletindo a influência de vários fatores, inclusive – e talvez, predominantemente - do mercado de trabalho.

Em estudo realizado com 877 egressos do curso de Medicina da Universidade de Brasília no período 1994-2007, os autores relataram que 9,7% optaram pela residência em Pediatria, sendo que 44,7% desses indicaram atração pela área já no início da graduação e 45,9% na fase clínica do curso. No período 2002-2007, houve declínio significante da escolha, em conexão com menor procura por monitoria e estágio seletivo na área, mas sem tendência temporal na atração inicial. A regressão logística identificou cinco fatores preditivos, nesta ordem decrescente de magnitude de efeito na escolha: estágio seletivo, rendimento global, estilo de aprendizagem reflexivo, ordem de preferência inicial e época da graduação. Concluindo, os fatores preditivos da escolha de Pediatria, incluíram indicadores

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pessoais e curriculares em vertentes distintas de interesse e influência, um quadro de queda recente da opção pela área. (Sobral e Campos Júnior, 2009).

A formação do pediatra é um tema em constante investigação, tanto por docentes comprometidos com a educação médica, como por entidades como a Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) e a SBP. Vários recortes desse tema têm sido estudados, inclusive a necessidade de formação para atender crianças e adolescentes em situação de violência.

Em 2008, em estudo com 67 residentes inseridos em nove dos quinze programas existentes no município de São Paulo, a atribuição do pediatra mais reconhecida pelos entrevistados foi exatamente diagnosticar violência doméstica contra crianças; entretanto, embora metade deles tenha citado a notificação, poucos notificariam com relatório médico. Apreende-se que há etapas do atendimento da criança sob risco de violência que necessitam ser melhor entendidas; fatores do próprio residente, como o medo, devem ser considerados para que ele possa reconhecer a criança em sua alteridade e desempenhar melhor seu papel. (Bourroulet al., 2008).

A suspeita de maus-tratos contra crianças, incluído o abuso sexual, deve estar sempre presente, principalmente nos serviços de atendimento primário de saúde, para que essas crianças sejam rapidamente identificadas e acolhidas em serviços especializados, com equipe multiprofissional composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais, conselhos tutelares e apoiada no amparo legal necessário. (Zambon et al., 2012).

Todo pediatra deve estar apto a identificar, ou pelo menos suspeitar de, sinais e sintomas manifestos por crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Necessita ser proficiente na escuta, no exame clínico e no tratamento. Deve estar capacitado para o manejo psicológico da situação de violência e ter conhecimento da legislação e meios de proteção legais e sociais existentes em sua comunidade, sempre necessários na assistência às vítimas de abuso sexual. “Muitas dessas vítimas, se abandonadas à sua sorte, vão levar essa criança ferida dentro de si e todas as suas dores e sequelas para toda a vida” (Pfeiffer e Salvagni, 2005, p.204)

É fundamental que o profissional que atua na área da infância e adolescência evite ser um instrumento a mais de violência, imputando-lhes

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diagnósticos precipitados e oferecendo tratamentos medicamentosos para distúrbios de comportamento, que nada têm de orgânico em sua origem. Surge assim mais uma forma de violência, que chamo de Violência Química, imposta hoje em dia por profissionais da saúde e educação, na ânsia de controlar os sintomas da criança ou adolescente que incomodam o mundo adulto, parte violador, parte intolerante e impaciente, sem que primeiro se avalie as suas causas e a real necessidade de tratamento. (Pfeiffer, 2009, p.11).

1.4.1 Residência Médica em Pediatria na Unicamp

O Departamento de Pediatria tem em média 60 residentes inscritos por ano, que são distribuídos nos 4 anos (R1, R2, R3 e R4). Os residentes, além de desenvolverem atividades assistenciais, nos vários setores intra-hospitalares (enfermaria, ambulatório, berçário e pronto-socorro), atuam no Programa de Comunidade nas Unidades Básicas de Saúde - São Quirino e Costa e Silva, do Centro de Investigações Hematológicas “Domingos A. Boldrini” e no Hospital Estadual Sumaré, ligados ao Departamento de Pediatria. Atuam em plantões nas áreas de Enfermaria Geral e UTI Pediátrica, Pronto Socorro e Neonatologia. Cumprem funções assistenciais e de supervisão nos respectivos setores, além de participarem em atividades de investigação conforme interesse. É oferecido a médicos pediatras que possuem residência básica de 2 anos em Pediatria ou equivalente e, tem como objetivo formação de profissionais para atuar em uma área específica de Pediatria. (Universidade..., 2015).

Em Campinas, São Paulo, o Ambulatório de Violência contra Criança e Adolescentes (VCCA), localizado no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o tema “violência” constitui o grande desafio, a extrema preocupação, para os profissionais que ali atuam; estágio obrigatório da residência médica em pediatria da Unicamp, é um espaço de desafios ainda maiores para os residentes, que sentem as dificuldades de um período de formação amplificadas pelas emoções tumultuadas, pela sensação de impotência e incapacidade para lidar com situações tão estranhas a sua própria realidade, pela carência gritante de serem acolhidos e preparados psiquicamente, para poderem acolher e atender crianças e adolescentes expropriados de suas vidas.

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Esses residentes sofrem ao serem confrontados com o papel do pediatra frente a pessoas em situação de violência; quando têm de lidar com a realidade de vidas violentadas e de sofrimentos, com diferentes modos que crianças e adolescentes constroem para enfrentar e, muitas vezes, suportar a vida; quando devem assumir a responsabilidade de atender, acolher, compreender, apoiar, tratar corpos físicos e psíquicos machucados e não se sentem preparados para tanto.

Eu me surpreendi, é um assunto muito difícil de lidar, inclusive percebe-se que os pediatras antigos têm dificuldade para lidar com o tema, os que não atendem casos como esses com frequência têm dificuldades em lidar. (Residente 1, 2014).

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2 A PERGUNTA

Em meu trabalho na Secretaria da Pós-Graduação e do Centro de Investigação em Pediatria (CIPED), conversava muito com residentes e alunos dos pós-graduação.

A primeira vez que ouvi falar sobre esse ambulatório (VCCA) e sobre os residentes que ali atendiam, percebi que existia algo mais naqueles olhares, naquelas falas, as palavras me pareciam carregadas de mágoa e sofrimento, até certo distanciamento em alguns.

Passado um tempo, percebi que a inquietação gerada nessas conversas persistia e até aumentava; sempre que podia, retomava o assunto com os estudantes, tentando entender os fluxos de atendimento, como eram recebidas as vítimas e as famílias, porém, mais que tudo, eu queria saber o que levava alguns desses profissionais a se expressarem de forma tão negativa e até rancorosa em relação ao ambulatório. Imaginar que seria uma especialidade de fácil atendimento não era possível, o problema da violência e suas consequências, como abordado anteriormente, é extremamente difícil e pesado para todos, mas ouvir que seria um estágio dispensável, me fez querer estudar o assunto.

Ora, se uma criança sofre um trauma desse, onde ela iria ser atendida, se não ali? A ideia de que um pediatra não se sentia preparado a suspeitar e atender casos de pessoas em situação de violência, não me parecia possível. Para mim, assim como para muitos, o médico “está acostumado” a atender os mais diversos casos existentes na medicina, e assim seria também na Pediatria. Eu imaginava que estagiar nesse ambulatório prepararia o residente em pediatria para atender, suspeitar e encaminhar os casos de violências em crianças e adolescentes. Então, como podiam se queixar tanto?

Comecei a frequentar o Ambulatório como parte de meu curso de Mestrado. Queria pesquisar o tema, mas ainda não sabia fazer o recorte necessário do objeto, não sabia fazer as perguntas.

As conversas foram se tornando mais frequentes e eu ia seguindo as pistas, os sinais que para mim foram sendo deixados por esses residentes, a cada nova pergunta, a cada nova tarde no ambulatório, a cada momento com as pessoas envolvidas nesse fluxo, a

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cada nova informação ou percepção, uma nova frase carregada de angustia, de sofrimento de dor.

Assim, a partir do diálogo com a literatura especializada e do contato com residentes de pediatria na Unicamp, ouvindo algumas de suas queixas e desabafos, surgiram as perguntas que originam esta pesquisa:

 Residentes de pediatria sentem-se preparados para atender pessoas em situação de violência, especialmente crianças e adolescentes e seus familiares?

 Como percebem sua formação neste campo?

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3 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

O projeto de pesquisa respeitou as exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas. (Anexo 1). Este estudo utilizou teorias e as técnicas já publicadas na literatura. Não haverá experimentação com os sujeitos participantes.

Nesta pesquisa foram estudados relatos de como os residentes de pediatria percebem a sua formação na atenção a crianças e adolescentes em situação de violência em destaque para a violência sexual. Buscou-se, ainda, apreender suas percepções sobre o papel do pediatra nessa atenção, ao atenderem no Ambulatório de Violência Contra a Criança e o Adolescente (VCCA) do Hospital das Clínicas da UNICAMP e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Somente participaram da pesquisa os residentes e a professora da pediatria responsável pelo Ambulatório VCAA, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi aplicado antes do início das entrevistas.

Os residentes da pesquisa receberam uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE - (Anexo 2) na íntegra no inicio da entrevista. (Res. CNS196/96 – item IV. 3d).

Foi estabelecida a concordância espontânea dos residentes, expressa mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Dei os esclarecimentos sobre o estudo (objetivo, justificativa, procedimentos e garantia do sigilo), também respondi as dúvidas que foram surgindo durante o estudo.

Os dados de identificação do sujeito foram preenchidos em uma folha a parte do questionário e foram utilizados somente para fins acadêmicos. Foram omitidos os nomes das entrevistadas nas transcrições formais das entrevistas. Estes foram referidos de forma aleatória, não correspondendo às suas iniciais, para garantir o sigilo e privacidade dos residentes. Foram omitidos e/ou transformados todos os dados que poderiam identificar qualquer um dos residentes envolvidos.

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O procedimento envolvido nesta pesquisa não ofereceu riscos físicos para seus participantes. Não houve nenhum benefício financeiro ou similar aos participantes, além da oportunidade de poder conversar sobre suas questões e seus sentimentos.

Os residentes da pesquisa tiveram a liberdade de recusar-se a participar ou de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado (Res. CNS 196/96 – item IV. 1. d).

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4 MÉTODO

Em busca de uma aproximação das respostas para as perguntas que originam este estudo, optou-se por utilizar a metodologia de pesquisa baseada em dados qualitativos. Essa metodologia tem como uma de suas características o fato de que o principal instrumento de pesquisa é o próprio pesquisador; além disso, trabalha com dados predominantemente descritivos e usa o ambiente natural como fonte direta, sem experimentações; nessas pesquisas, a preocupação maior incide sobre o processo e não sobre o produto, buscando-se apreender o “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida, por meio de análises prioritariamente indutivas. “Ao considerar os diferentes pontos de vista dos participantes, os estudos qualitativos permitem iluminar o dinamismo interno das situações geralmente inacessível ao observador externo. ” (Lüdke e André, 1996, p.12).

Segundo Berger e Luckmann (1985), o sentido dado pelos sujeitos às experiências e acontecimentos de sua própria vida cotidiana constitui a realidade que é “socialmente construída”.

Consideramos necessário superar, romper a dicotomia quantidade versus qualidade, pois ambas são características inerentes e inseparáveis do mesmo objeto; uma não existe sem a outra. A opção por abordagens que privilegiam uma ou outra característica deve decorrer do objeto de estudo e da delimitação teórica. Entretanto, não há como negar que abordagens apenas quantitativas são insuficientes para maior aproximação da realidade social. Não se trata de negá-las, mas de reconhecer suas limitações. Se determinados aspectos de saúde/doença, assim como de outras questões sociais, podem ser percebidos por quantificações, a partir de determinado ponto essas técnicas tornam-se insuficientes e empobrecedoras da análise.

A artificialidade dessa dicotomia ressalta se assumirmos que a ciência constitui seu estatuto pela linguagem; a ciência e o pensamento científico constituem-se como processos discursivos, campo inerente à subjetividade, portanto.

É exclusivamente na etapa de trabalho de campo que ocorrem as diferenças metodológicas, com uma bifurcação de possibilidades, em função da pergunta, do objetivo.

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Se se pretende descrever frequências e intensidades de um fenômeno e buscar generalizações, a opção será pela metodologia quantitativa, que possibilita ultrapassar a visão de unidades pelo estudo de coletividades já existentes ou compostas pelo pesquisador. Um dos grandes riscos gerados pelo uso inadequado do método consiste no pensamento reducionista, quando o pesquisador acredita conhecer o todo pela somatória das partes. (Moysés e Collares, 2005, p.196).

Em contraste, se se pretende descrever o fenômeno, tentando entender sua totalidade complexa e dinâmica, valorizar cada singularidade e cada possibilidade de expressão do fenômeno, a opção será pela metodologia qualitativa. Aqui, a preocupação não será com o dimensionamento, com a significância estatística, mas com a apreensão dos significados, dos modos de entendimento, o que somente será possível pela escolha intencional dos sujeitos de pesquisa. O maior risco do uso inadequado desse método consiste em tentativas de generalizações, que serão sempre infundadas, pois o método não se propõe a isto. Nas pesquisas qualitativas, as generalizações são tecidas pelos leitores, que comparam dados e reflexões do autor com sua própria experiência.

A polêmica quantitativa versus qualitativo é reforçada pela busca da objetividade e da neutralidade, pretensas metas da ciência positivista.

É comum considerar que técnicas quantitativas garantiriam a objetividade, enquanto as qualitativas ficariam à mercê da subjetividade. É como se, ao quantificar, o pesquisador pudesse abdicar da condição humana, de sua historicidade. Esquece-se que técnicas estatísticas, por sofisticadas que sejam, referem-se sempre a possibilidades de correlações. A partir daí, silenciam; ao contrário do que muitos acreditam, os dados não falam. O sujeito lê os dados, interpreta, estabelece conexões. Relações causais são, sempre, construtos teóricos do pesquisador; a quantificação apenas objetiva seus pressupostos e lhe fornece subsídios para a leitura que ele próprio busca e da qual é capaz. (Moysés e Collares, 2005, p.197-8). Em ciência, a objetividade constitui algo não realizável, por seu caráter inerente de atividade humana. A pretensão da neutralidade, por sua vez, não se sustenta, pois “não existe observador imparcial nem há ponto de vista fora do homem e fora da história.” (Minayo, 2004, p.227).

Lembremos, mais uma vez, que método é o caminho percorrido para responder as perguntas do pesquisador. Ao pretender apreender os modos pelos quais residentes de

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pediatria vivenciam seu contato com crianças e adolescentes em situação de violência, não se pode usar um método que busque quantificar e generalizar.

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (Minayo, 1994, p.21-2).

Entre as possibilidades da pesquisa qualitativa, optou-se pelo método do estudo de caso, entendendo o “caso” como uma situação, uma vivência particular, em que se busca apreender as diversas singularidades. (Bogdan e Biklen,1994).

Nesta pesquisa, o caso se refere aos modos pelos quais residentes de pediatria vivenciam um estágio em ambulatório que atende crianças e adolescentes em situação de violência, especialmente violência sexual e como percebem sua formação (ou falta de) para essa atenção.

Este trabalho foi realizado entre janeiro de 2011 e dezembro de 2014, no Ambulatório de Violência contra Criança e Adolescentes (VCCA) – Hospital das Clínicas (HC) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Os sujeitos da pesquisa foram médicos residentes em Pediatria, durante o estágio nesse Ambulatório.

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1.1 o local da investigação

a) Ambulatório de Pediatria do Hospital das Clínicas da Unicamp

O Ambulatório de Pediatria do Hospital das Clínicas da Unicamp é um serviço didático-assistencial, em que alunos de graduação em medicina e de residentes de pediatria, de primeiro a terceiro anos atendem crianças e adolescentes sob supervisão de docentes e

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médicos contratados do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Figura 1 - Vista da fachada principal de entrada para a área de ambulatórios do HC-UNICAMP

Inserido no Sistema Único de Saúde, este ambulatório tem como atribuição realizar a atenção secundária e terciária de crianças na faixa etária de 0 a 18 anos, sem delimitação de área de cobertura. Funciona de segunda a sexta-feira e, no mesmo espaço físico, revezam-se os ambulatórios de pediatria clínica (ou geral) e 12 especialidades pediátricas.

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Figura 2 - Corredor do Ambulatório de Pediatria

Esse Ambulatório fica situado no 3º. Andar do Hospital das Clínicas da Unicamp, e é composto por salas não muito amplas, com uma mesa, cadeiras para o médico e para os pacientes, e uma maca.

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Figura 4 - Sala de atendimento

No Ambulatório de Integração das Especialidades Pediátricas (AIEP), antigamente chamado Ambulatório Geral, atende-se amplo espectro de patologias de maior complexidade, refletindo indiretamente o grau de resolutividade da rede de saúde, já que todos os casos encaminhados ao HC passam obrigatoriamente por ela. Nele, os casos são atendidos indistintamente por alunos e residentes com supervisão de docentes ou médicos assistentes; tenta-se que os retornos sejam atendidos pelo mesmo aluno ou residente que realizou a consulta anterior.

b) Ambulatório de Violência Contra Criança e Adolescente (VCCA)

Em decorrência de discussões no Departamento de Pediatria sobre a importância de se incluir na atenção à comunidade e na formação do pediatra o problema de pessoas em situação de violência, especificamente crianças e adolescentes e seus familiares, foi criado em 2008 o Ambulatório de Violência Contra Criança e o Adolescente, como uma das especialidades pediátricas do Ambulatório de Integração de Especialidades Pediátricas (na época, denominado Ambulatório Geral).

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Esse Ambulatório está vinculado ao Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e tem como objetivos*:

 Atender às crianças e adolescentes de Campinas e Região vítimas de violências, que são encaminhadas pelos serviços médicos de saúde, conselhos tutelares e pronto socorros para “tratamento” e “acompanhamento” do seu caso;

 Possibilitar o ensino médico em pediatria aos médicos residentes do 1º ano de residência, no atendimento de crianças de 0 até 14 anos que foram vítimas de violências.

Os casos ali atendidos são discutidos pelos residentes e professores, definindo os encaminhamentos que deverão ser dados a cada criança ou adolescente em seguimento.

Em setembro de 2014, o número de casos atendidos no Ambulatório de VCCA chegou a 246; em maio de 2015, já haviam sido atendidos 280 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Nesse espaço, são atendidas as crianças encaminhadas pelos serviços médicos de saúde de Campinas e Região, Conselhos Tutelares e Unidades de Emergências Pediátricas, em atendimento individualizado, com duração mínima de 30 minutos, podendo se estender por até hora. O atendimento é sempre realizado pelo médico residente em pediatria e pelo médico residente em psiquiatria, supervisionados pelos Docentes dos Departamentos de Pediatria e de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Após o atendimento pelo(s) residente(s), em que é feita a anamnese e exame físico, ocorre a discussão do caso com os professores e a definição de condutas e orientações, em uma sala de reuniões do Ambulatório, que é compartilhada com outras especialidades e com alunos de graduação de medicina e outras áreas de conhecimento das “ciências da saúde”.

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Figura 5 - Sala de reuniões para discussão dos casos

Grande parte das crianças e adolescentes atendidos neste Ambulatório é de famílias socialmente carentes, que vivem em situação de risco ou em abrigos no município de Campinas e fora dele, famílias que, que em algum momento, já sofreram algum tipo de violência, causada por membros da família envolvidos com álcool ou drogas. Umas das falas mais comuns dos familiares que vêm à consulta – geralmente a mãe – é: “eu não sei o que fazer”.

Já adianto aqui algumas observações e impressões, decorrentes de minhas anotações no Diário de Campo.

No período em que frequentei o Ambulatório VCCA, percebi que os casos atendidos eram todos de crianças e adolescentes que haviam sofrido violência sexual. Já no primeiro atendimento, são solicitados exames laboratoriais para a comprovação, ou não, de doenças sexualmente transmissíveis. Se esses exames forem negativos, o paciente tem alta na especialidade pediatria e seguirá acompanhado somente pelo residente em psiquiatria. Minha percepção é de que tudo se passa como se não houvesse nada mais a ser feito pelo pediatra, o que me causa estranheza. Percebo, ainda, que o que me causa estranheza

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também afeta alguns residentes, que se sentem, além de despreparados e desamparados, sem função, como se profissionais fora de lugar.

Um outro estranhamento: o fato de que as discussões sobre a história de crianças e adolescentes envolvidos em situações tão delicadas e complexas aconteça em uma sala em que também estão estudantes e profissionais sem nenhuma vinculação com o Ambulatório VCAA, provocando uma curiosidade que me parecia um tanto mórbida.

Percebo, também, que os residentes se importam com as crianças e sua preocupação com a prática da medicina é constante, procurando perceber e debater cada detalhe do atendimento, se interessando pela história de vida da criança e do adolescente; percebo que identificam e se afetam pelo fato de que essas crianças, adolescentes e suas famílias já possuem forte experiência de sofrimento, abandono e estigma. Convivendo com eles, com suas dificuldades e tentativas de fazer melhor, penso que talvez saibam, mesmo sem saber que sabem, que “Cada criança estigmatizada representa, em sua totalidade, a manifestação da dimensão social. Mas, não manifestação linear, direta. A expressão do coletivo é transformada, modulada, pelas especificidades de cada uma.” (Collares e Moyses, 1996, p.224).

4.1.2 Os sujeitos

Todos os residentes que estagiaram no ambulatório especializado de Violência Contra Criança e Adolescente (VCCA), uma especialidade do Ambulatório de Pediatria, no Hospital das Clínicas – HC, na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP no período compreendido entre 2012 e 2014 foram convidados a participar da pesquisa, por meio de uma carta convite.

A carta convite para os médicos residentes foi encaminhada por e-mail, em mala direta pela secretaria do departamento; além disto, uma cópia impressa foi entregue a todos os residentes em pediatria durante seu estágio no Ambulatório de Violência Contra Criança e Adolescente (Anexo 3).

Apesar de 40 residentes terem sido convidados, somente cinco aceitaram ser entrevistados. Este número de sujeitos, embora pequeno, não é impeditivo de uma pesquisa

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