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Memórias de fé: A Festa do Divino Espírito Santo, em São Luís do Paraitinga.

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Academic year: 2021

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Memórias de fé: A Festa do Divino Espírito Santo, em

São Luís do Paraitinga.

Rita de Cássia dos Santos Guimarães1 Eduardo Romero de Oliveira2

Objetivo

O objetivo geral é a recuperação da história da Festa do Divino Espírito Santo, em São Luís do Paraitinga, para determinar os sentidos que a esta tomou nos últimos vinte anos conforme seus organizadores.

Mais precisamente, enquanto um primeiro objetivo específico, pretendemos fazer um levantamento das formas de viver e crer da comunidade local nos últimos vinte anos através de relatos orais de antigos moradores. De modo a tentar investigar tanto os sentidos que festividade adquiriu para a comunidade ao longo do período de tempo determinado, como também a simbologia religiosa nela inserida.

Um segundo objetivo específico é descrever a organização da festividade, de forma a verificar quem são os responsáveis por sua execução, por seu financiamento e o local em que é realizada. Um terceiro é observar na Festa do Divino se há relação com outras festividades (religiosas ou pagãs), ou com o uso de espaços públicos (praças, igrejas, ruas), de modo a analisar outros momentos de lazer (quermesses, passeios, encontros, bailes, etc). Estes objetivos permitiriam assim analisar a forma como a comunidade faz a gestão dos espaços de fé e lazer. Um quarto é contribuir para o resgate de referências histórico-culturais da comunidade de São Luís do Paraitinga e do próprio Vale do Paraíba. Neste sentido, visto que a cidade esteve à margem das principais atividades econômicas do Vale do Paraíba, durante o século XX, nosso trabalho poderia ajudar a reforçar o atual valor histórico e turístico que a cidade possui.

Justificativa e discussão teórico-metodológica

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Acadêmica do curso de Turismo – Unesp/campus de Rosana 2

Mestre em História pela USP. Doutor em Filosofia pela USP.Professor Assistente Doutor de História na Unesp/campus de Rosana

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Para que se faça o levantamento de formas de viver e crer de qualquer que seja a comunidade é necessário discutir-se sobre o conceito de cultura. Segundo Gramsci (2002), a cultura pode ser dividida em cultura erudita - aquela ligada à civilidade e educação - e cultura popular - aquela ligada à grosseria e irregularidade. Este modo de pensar-se a cultura não pressupõe a diferença, pois se considera o estágio de padronização como o ideal, além de evidenciar a visão maniqueísta de cultura presente no século XX.

Já Geertz (1989), considera cultura como conjunto de signos e símbolos que possuem duas dimensões: a subjetiva (comportamento pessoal) e a objetiva (estruturas mentais). Afirma ainda que reconhecer um ato cultural é avaliar e conhecer seu significado reconhecendo a substância de cada ação, porém assim como Gramsci sua definição restringe o espaço à diferença, pois prevê uma relação unívoca entre esta substância e seu significado. Considerando uma festividade, por exemplo, esta em si seria a substância ou significante e o que ela representa para seus participantes seria o significado.

Ambos os autores não prevêem também a dinâmica cultural. Destes pontos de vista, a cultura é considerada algo estanque.Uma visão diferenciada a esse respeito, é a de Chartier (1990), que para definir cultura, conceitua primeiramente representação coletiva definindo esta como padrões de comportamento interiorizados. Segundo ele, cultura pode ser definida como as representações coletivas no plano da prática (festividades, manifestações, leitura). Estas representações são feitas através de símbolos que podem assumir vários sentidos, admitindo diferenças, pluralidade de compreensões e diversidade de sentidos. Chartier aponta ainda uma espécie de disputa pelo sentido/ significado das coisas, que envolvem disputas de poder, ou seja, a cultura é permeada pelas relações de poder. Nesse sentido, o propósito de analisar a dinâmica que a festividade adquiriu ao longo dos anos vem ao encontro com as idéias de Chartier sobre cultura.

Considerando cultura como sendo a exteriorização de padrões de comportamento já interiorizados, podemos afirmar que os conceitos de cultura e memória estão diretamente ligados. Halbwachs (1990), diferencia a memória em individual - aquela relacionada à dimensão psicológica, lembranças relativas ao indivíduo - e coletiva - aquela relativa à ação comum, aquilo que os componentes de determinado grupo indicaram como importante.

O levantamento de manifestações culturais pode se dar não somente através de material bibliográfico, mas também por meio de relatos de quem participa efetivamente

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destas manifestações. Assim, pode-se afirmar que o passado está presente também nos lugares e nos modos de pensar das pessoas. Segundo Halbwachs:

“... Ao lado de uma história escrita, há uma história viva que se perpetua ou se

renova através do tempo...e que se percebe através também da expressão dos rostos, do aspecto dos lugares e mesmo dos modos de pensar e de sentir das pessoas... ” (HALBAWACHS, 1990, p.67-8).

A discussão acerca da memória e o modo como esta pode ser transmitida permite-nos analisar também um outro conceito intrínseco a este, o de cultura popular. Segundo Cascudo (1984), a cultura popular brasileira baseia-se essencialmente na oralidade, para ele a cultura popular está guardada na memória coletiva e é transmitida “de um para o outro” oralmente. Assim o principal canal de transmissão dos modos de se fazer uma festividade popular, seus símbolos e significados, por exemplo, é o contato direto entre as pessoas. Neste sentido, nossa análise deve levar em consideração esta representação de um fluxo contínuo de fatos, que se apresenta como memória; e dos modos de fazer dos quais uma festividade é composta e que não se sabe como começou e nem como irá terminar, simplesmente “sempre foram assim”.

Em torno da discussão sobre cultura popular e memória está o conceito de História Oral, que permite uma análise diferenciada de manifestações da cultura popular em geral e mais especificamente de festividades. De acordo com Alberti (2005), História Oral é uma metodologia de pesquisa que surgiu por volta do século XX. Consiste em entrevistar indivíduos que participaram ou testemunharam acontecimentos e do passado e do presente. A entrevista documenta uma “versão do passado” (as formas de apreensão e interpretação do passado) e permite refletir sobre como o passado é apreendido por grupos e indivíduos como um dado para compreender suas ações.

A referida metodologia tem grande impulso em 1948, pois neste ano foi inventado o gravador a fita e constituiu-se o Columbia University Oral History Reserch Office, programa de História Oral da Universidade de Columbia (EUA). A História Oral chegou no Brasil apenas em 1975 através do Curso nacional de História Oral organizado por representantes da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Com o passar dos anos a técnica foi espalhando-se pelo mundo e juntamente com esse crescimento veio também a consolidação

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da História Oral no meio acadêmico, principalmente após mudanças ocorridas na própria História na década de 1980.

O principal motivo da utilização da História Oral para o cumprimento dos objetivos desta pesquisa é sua relação com a discussão acerca de memória, pois ao empregar esta metodologia é possível estudar as maneiras como pessoas ou grupos efetuaram e construíram suas experiências. Esta técnica torna-se então, um meio de se analisar a memória coletiva, aquela que como enfatiza Halbwachs (1990) é relativa a ações comuns e é formada no grupo. Dentre as diversas possibilidades de utilização da História Oral, Alberti (2005, p.166) enfatiza “...o registro de tradições culturais, aí incluídas as tradições

orais...” Assim as fontes orais podem ser importantes fontes de pesquisa quando se tem por

objetivo observar a dinâmica de uma manifestação cultural, tal como as festividades.

Utilizar este tipo de fonte amplia as possibilidades de análise da pesquisa. Segundo Alberti, a metodologia de história oral “permite o registro de testemunhos e o acesso a

‘histórias dentro da História’, ampliando as possibilidades de interpretação do passado”.(2005, p. 155). O uso da metodologia de história oral permite investigar como

determinado grupo construiu suas experiências, situações de aprendizado e até mesmo decisões estratégicas. A autora afirma ainda que a história oral é indicada quando se tem por objetivo o registro de tradições pautadas na oralidade - como entendemos que é o caso da Festa do Divino Espírito Santo.

No Brasil, o limite entre religião e folclore é bastante tênue. O catolicismo que aqui se estabeleceu na colonização está acomodado e enraizado nos valores e na vida social. Assim, o calendário folclórico brasileiro é identificado por uma relação direta com a religiosidade. “É o catolicismo das festas cíclicas, das homenagens aos padroeiros nas

principais praças da cidade, folguedos (...) que identifica o nosso calendário folclórico com a própria religião” (Mendonça apud Cascudo, 2001, p. 582). Essa forte ligação entre

folclore e religião mostra-nos a importância do estudo de uma festividade religiosa para que se conheça e entenda-se mais sobre nosso folclore e cultura popular.

A Festa do Divino Espírito Santo é uma festividade de origem portuguesa trazida para o Brasil no século XVI. É uma festa móvel, comemorada cinqüenta dias após a Páscoa no dia de pentecostes. Tem como símbolo principal uma bandeira vermelha com uma pomba branca no centro, representando o Divino Espírito Santo. A cor vermelha da

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bandeira simboliza o fogo que se refere à forma pela qual o Espírito Santo manifestou-se aos apóstolos e à Virgem Maria no cenáculo. De acordo com Cascudo (2001) esta festividade teve tamanha importância que o título de Imperador foi dado a D. Pedro porque o povo estava mais habituado com o nome de Imperador do Divino.

A importância que a Festa do Divino Espírito Santo tem para a cultura popular brasileira e mais especificamente para a cultura de São Luís do Paraitinga, direciona-nos para a discussão acerca de patrimônio cultural. Segundo Barreto (2000), até a primeira metade do século XX, patrimônio cultural significava quase que exclusivamente obras de arte consagradas associadas às classes mais favorecidas, porém, atualmente, há uma concordância de que o patrimônio cultural é bastante amplo e “... passa a ser definido como

o conjunto de todos os utensílios, usos e costumes, crenças e forma de vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e compõem a sociedade...” (Barreto, 2000, p.11).

Todo este detalhamento de objetos e costumes cotidianos são entendidos como parte do patrimônio cultural e estão vinculados a dinâmica social. Então a recuperação do patrimônio cultural diz respeito a um esforço de recuperação desta dinâmica.

Desta forma, quando modos de pensar e agir possuem valores histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico, podem ser considerados como patrimônio cultural imaterial. De acordo com Lemos (2004), o patrimônio cultural é dividido em três grandes categorias de elementos: os da natureza, aqueles que reúnem os bens culturais tangíveis, tais como artefatos e construções e aqueles grupos de elementos que se referem “ao conhecimento, às técnicas, e ao saber, são os elementos não tangíveis

do patrimônio cultural” (LEMOS, 2004, p. 9). Sendo o patrimônio cultural imaterial

bastante difuso e mutável, seu estudo e registro já pressupõem a preocupação com mudanças ocorridas durante o tempo, diferentemente do processo de estudo e catalogação de bens culturais tangíveis, os quais não se observam mudanças significativas em sua constituição. Talvez justamente por essa dificuldade de definição de parâmetros deste tipo de patrimônio, no Brasil somente no ano de 2000 institui-se o registro de bens culturais de natureza imaterial. Mesmo a preocupação com o patrimônio material veio somente após a “constatação traumática da iminência de seu desaparecimento” (Laraia, 2004.p. 12). Não se pode então pensar na conservação do patrimônio, seja ele material ou imaterial, somente devido a proximidade de seu fim. Desta forma, a importância da conservação do patrimônio

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imaterial liga-se também a dois conceitos: o de cultura, pois o patrimônio é constituído por manifestações culturais e à memória, pois este patrimônio é também a representação de um passado no qual a comunidade se reconhece.

Assim, as festividades religiosas não são para a comunidade somente um espaço de reconhecimento de si própria e da prática da sua fé, mas também um espaço de exercício do lazer e da sociabilização. Lazer sendo aqui entendido como atividade a qual o indivíduo não se remete ao compromisso com o trabalho.

De acordo com Andrade (2001), nas práticas da igreja católica a participação comunitária, que primeiramente era um dever religioso, com o passar do tempo transformou-se em sinal de virtude espiritual dos fiéis. Aponta ainda que:

“Para não perder as concentrações dos cristãos e atrair não-cristãos, a igreja permitia que se fizessem festas e folguedos nos adros dos templos ou nas proximidades deles, como se o acolhimento eclesiástico qualificasse melhor a satisfação e alegria do povo, em seus lazeres”. (ANDRADE, 2001, p. 36).

Essa discussão nos leva a pensar a Festa de São Luís do Paraitinga sob outros pontos de vista que não só o da manifestação como forma de expressão da crença, ou como patrimônio imaterial a ser valorizado, mas também como uma das formas de sociabilização e concretização do lazer da comunidade. Deste modo, o resgate, estudo e análise da Festa do Divino Espírito Santo - traço fundamental da cultura, tanto de São Luís do Paraitinga como da região do Vale do Paraíba - pode ser um instrumento eficaz para a valorização e conseqüente conservação da mesma. Além disso, este estudo pode também levar a valorização dos espaços de lazer e da auto-organização da comunidade.

Metodologia

Para obtenção de informações a respeito da região do Vale do Paraíba, de São Luís do Paraitinga e sobre a Festa do Divino Espírito Santo será feita pesquisa documental e bibliográfica. Iremos verificar documentação sobre celebrações em São Luís do Paraitinga no CONDEPHAT e no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Serão consultados ainda teses e livros relacionados às temáticas da pesquisa.

Para a obtenção de informações acerca da comunidade, utilizaremos a metodologia de História Oral. De acordo com Alberti (2005), História Oral é uma metodologia de

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pesquisa que surgiu por volta do século XX. Consiste em entrevistar indivíduos que participaram ou testemunharam acontecimentos do passado e do presente. Nesta metodologia determina-se o número de pessoas a serem entrevistadas, quais as perguntas a serem feitas, como serão feitas, e qual o destino do material produzido nas entrevistas.

Pautados principalmente por esta metodologia é que realizaremos nossa pesquisa. Primeiramente, elaboraremos um roteiro geral de entrevista, com questões comuns a todos os entrevistados e após isso elaboraremos um roteiro individual de entrevista o qual se constituirá de questões pertinentes a cada entrevistado, conjugando a cronologia de sua vida com a organização e participação na Festa do Divino Espírito Santo. As entrevistas serão temáticas que de acordo com Alberti (2005) são aquelas que dizem respeito prioritariamente à participação do entrevistado no tema da pesquisa.

Assim, para o detalhamento da organização da festividade e das formas de viver e crer da comunidade serão entrevistadas 10 pessoas, entre: membros da associação de moradores, membros da paróquia (inclusive o padre), responsáveis da prefeitura pelo lazer e cultura e moradores mais antigos. Faremos então perguntas tais como: “Em que local da cidade a festa é realizada? Sempre foi neste local?”; “Há quanto tempo participa da organização da festa?”. Com estas entrevistas, procuraremos recuperar relatos a propósito da organização da Festa do Divino e reconstituir a memória que moradores e participantes formulam desta festividade.

Referências

PARAITINGA.NET. Histórico. Disponível em:

http://www.paraitinga.com.br/historico.htm> Acesso em 1 de outubro. 2005.

CICLOPE. História.Disponível em:

<http://www.cidadeshistoricas.art.br/paraitinga/par_his_p.htm> Acesso em 1de outubro . 2005.

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ASSOCIAÇÃO PRÓ-FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO DE MOGI DAS CRUZES História: significado da festa. Disponível em: <http://www.festadodivino.org.br/>. Acesso em 12 de outubro. 2005.

ALBERTI, Verena. “Histórias dentro da história”. PINSKY, Carla Bassanezi (org) In:

Fontes históricas.São Paulo: Contexto, 2005. Pp. 155-191

ANDRADE, José Vicente de. Lazer: princípios, tipos e formas na vida e no trabalho.Belo Horizonte-MG: Autêntica, 2001. Pp. 195

BARRETTO, Margarita. Turismo e Legado Cultural. Campinas: Papirus, 2000.Pp. 96

CASCUDO, Luís da Câmara.Dicionário do folclore brasileiro. 11. ed. revisto, atualizado e ilustrado. Global, 2001.

CHARTIER, Roger.”Por uma sociologia histórica das práticas culturais” In: A história

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Difel/ Rio de Janeiro: Bertand, 1990.Pp. 13-28

GRAMSCI, Antonio, ”Observações sobre o folclore” In: Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2002. Pp.133-138

GEERTZ, Clifford. “Por uma teoria interpretativa da cultura”. In: A interpretação das

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HALBWACHS, Maurice.”Memória coletiva e memória histórica” In: A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.Pp.53-89

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