A FANTASIA NOS CONTOS DE FADAS E A CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E EMOCIONAL: UM ESTUDO PSICANALÍTICO. Aluna bolsista Carolina Teles Fregonesi, Orientadora Dra. Thassia Souza Emídio, Campus de Assis, Faculdade de Ciências e Letras, psicologia, email: carol_teles14@hotmail.com, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo ‐ FAPESP. RESUMO
Há muitos anos os contos de fadas têm sido fonte de reflexão para diversos autores. Esses textos, anteriores às teorias psicanalíticas, resistem à passagem do tempo, pois abordam temas universais, como o amor e a luta entre o bem e o mal. Por tratarem de questões referentes às angústias e desejos humanos, podem contribuir para a compreensão do desenvolvimento emocional e psíquico do sujeito. Este trabalho visa refletir sobre como a noção de fantasia na obra de Freud se articula à acepção de que os contos são importantes para o desenvolvimento psíquico e emocional do sujeito, buscando uma retomada da construção desse conceito na obra de Freud que nos permita refletir e entender sobre esta articulação. Para tanto, será feito um estudo teórico – reflexivo, utilizando‐se da Psicanálise enquanto fonte teórica e metodológica. Dessa forma, organizaremos a bibliografia em três grupos: contos de fadas, fantasia e psicanálise.
Palavras‐chave: contos de fadas, fantasia, psicanálise.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trata das contribuições dos contos de fadas ao desenvolvimento psíquico e emocional do sujeito pensando a construção dessa proposição a partir do conceito de fantasia na obra de Freud. O interesse por esta questão surgiu a partir da leitura do livro “A Psicanálise dos contos de fadas” de Bruno Bettelheim (1977) e, posteriormente, de autores como Radino (2008), Corso e Corso (2006), que discutem a importância dos contos no processo de desenvolvimento psíquico e emocional.
Os contos de fadas e sua importância neste processo não são questões restritas apenas às discussões atuais. Há muitos anos os contos vêm sendo objeto de estudo e fonte de reflexão para diversos autores. De acordo com Oberg (2006), o reconhecimento do valor destes se dá há muito tempo. A fim de explicitar essa afirmação, a referida autora traz no livro “Contos de Fadas Irmãos Grimm” (2006) uma breve retrospectiva histórica da necessidade dos homens em contar e ouvir histórias.
Oberg (2006) coloca que os homens pré‐históricos já se reuniam em volta de fogueiras com o intuito de ouvir as histórias dos caçadores. Posteriormente, descreve sobre os índios que dedicavam uma parte do dia para ouvir os contos da tribo e com isso tentavam garantir que sua cultura e tradição não morressem. Em seguida, relata que nos castelos medievais o rei e sua corte
que “até os dias de hoje, as histórias são contadas, inventadas e lidas para saciar a fome das pessoas por fantasia e por narrativas” (OBERG, 2006 p.9).
A referida autora justifica a resistência dos contos à passagem do tempo por esses tratarem de conflitos internos e universais do ser humano, abordando temas como a morte, a luta entre o bem e o mal, o amor, o desejo de vida eterna e também oferecendo desfechos e soluções otimistas. Os contos de fadas, apesar de terem sido inventados muito antes do surgimento da sociedade moderna apresentam em sua trama muitas questões atuais vividas ainda hoje.
Oberg (2006) também escreve sobre os irmãos Jakob e Wilhelm ‐ conhecidos como os Irmãos Grimm – e sua vasta contribuição para a constituição e difusão de muitos contos. Eles se propuseram a pensar na importância dos contos e, em 1819, publicaram a edição completa de seus livros, deixando um riquíssimo acervo de histórias, lendas e fábulas.
Corso e Corso (2006) também colocam sobre o importante legado que os Irmãos Grimm deixaram para os contos. Eles apropriaram‐se de contos populares, principalmente os descritos por Perrault, e a partir deles construíram suas histórias.
Os estudos sobre a necessidade humana de ouvir e contar histórias, já iniciados em autores clássicos como Perrault e os Irmãos Grimm, possibilitaram, no contexto atual, a continuação da discussão sobre a importância dos contos de fadas. Nessas discussões, autores como Bettelheim (1977), Radino (2008) e Corso e Corso (2006) colocam a importância dos contos de fadas para o desenvolvimento psíquico e a necessidade deste ser levado em consideração por pais e educadores, colocando‐os como os principais responsáveis por transmiti‐ los as crianças. Apontam também que, ao contrário do que comumente era pensado, o conto não tem um papel infantilizador, mas sim, o de ajudar a criança a percorrer o caminho da fantasia para, com isso, construir suportes para chegar a realidade.
Bettelheim (1977), Radino (2003), Corso e Corso (2006), colocam que muitos pais e educadores desconhecem tanto os contos como sua importância para o desenvolvimento infantil. Muitas vezes possuindo a falsa visão de que os contos, por serem repletos de mágica e fantasia, infantilizam as crianças e nada tem a contribuir em seu desenvolvimento, sendo assim preciso que essas não entrem em contato com suas narrativas.
Corso e Corso (2006), ressaltam que é importante não confundir a fantasia, a qual propicia através das tramas dos contos de fadas a capacidade de alimentar devaneios e brincadeiras, com uma educação alienante. Colocam que é o leitor quem decide a forma como irá lidar com os conteúdos trazidos nas histórias, se esse as usará para um fim regressivo ou como um
auxílio no momento de crescimento depende deus valores, estrutura psíquica e modo de encarar a vida. Sozinhas histórias não induzem à violência, não fazem apelos regressivos que as retenham na infância, não produzem isolamento social, nem as desligam da realidade (CORSO E CORSO, 2006 p. 304). Não se deve esquecer de que as histórias somente mobilizam algo que as crianças já têm em seu interior, e a constituição de sua personalidade se dá a partir do que sua família lhe transmite consciente e inconscientemente (CORSO E CORSO, 2006 p. 306).
Bettelheim (1977) aponta que geralmente os contos de fadas começam com: “Era uma vez, em um reino muito distante” ou “em terras longínquas”, e assim permitem perceber que essa trama não ocorre concretamente na vida real, mas proporcionam a possibilidade de viver e sonhar simbolicamente.
O referido autor coloca ainda que a criança projeta‐se nos contos, se identifica com algum personagem e o interpreta de acordo com sua realidade psíquica. Transpõe partes ruins dos pais para os personagens malvados, assim preserva os “pais bons” no real. Além disso, no final do conto ainda tem a garantia de que estes “pais ruins” não retornarão pois, normalmente, em seu desfecho o herói ou príncipe irá liquidar o mal. Ao aprender a desenvolver a capacidade de criar alternativas para suas angustias dentro dos contos, a criança, a t r a vé s do a p a r a t o d a f a n t a s i a e da i m a g i n a ç ã o , transpõe isso para sua vida real, só que agora de uma forma simbólica. Os contos possibilitam que a criança adeque o conteúdo inconsciente às fantasias conscientes; este mecanismo a capacita a lidar com esse conteúdo, normalmente repleto de repressões e angústias.
Corso e Corso (2006) e Radino (2008) também discutem assuntos relativos à influência e contribuição que os contos exercem no psiquismo humano. Consideram que, ao frequentar os terrenos dos contos de fadas, aumenta‐se a possibilidade de cada indivíduo pensar sobre sua própria existência sob pontos de vista diferentes, assim, encontrando nas tramas maneiras distintas de resolverem seus conflitos internos. Os contos são como uma “caixa de ferramentas”, com a qual se pode utilizar diferentes modos de pensar para lidar com a realidade.
Segundo os referidos autores, normalmente as pessoas escolhem os contos que trazem tramas semelhantes aos seus conflitos mais íntimos, entretanto, preferem aqueles que não o fazem de forma direta. Como exemplo a história da Branca de Neve, que traz a mãe má de uma forma disfarçada, como uma bruxa. Esse mecanismo de “disfarce” que a historia traz possibilita
sofrimento psíquico. Entretanto, é importante ressaltar que, devido aos conteúdos que trazem à tona, os contos podem causar alivio psíquico, mas também angústia e sofrimento.
Iremos agora abordar sobre o conceito de fantasia na obra de Freud para posteriormente relacioná‐lo com os contos de fadas e assim compreender a sua importância para o desenvolvimento psíquico e emocional.
De acordo com Monzani (1989), para discutirmos o conceito de fantasia na obra de Freud precisamos retomar as questões que envolvem a Teoria da Sedução. Freud em sua teoria da sedução acreditava inicialmente que as crianças eram seduzidas concretamente pelos adultos. Entretanto, a partir de estudos e análise de seus pacientes, percebe que na realidade a sedução era fruto de uma fantasia. Com isso tem‐se uma mudança importante na construção teórica do saber psicanalítico, o que leva Freud a abandonar sua teoria da sedução e a se dedicar ao estudo das fantasias.
Segundo o referido autor, o abandono da Teoria da Sedução é explicitado em uma das cartas que enviara para Fliess. Na carta 69 (1897), afirma não acreditar mais em sua neurótica. A principal razão para esse argumento é decorrente de sua auto‐análise, na qual o referido autor percebe a improbabilidade de uma universal perversão adulta. O conhecimento de que no inconsciente não há indicações da realidade, dessa forma não sendo possível distinguir entre a realidade e uma fantasia investida por afeto, foi outro ponto que levou Freud ao abandono de sua teoria.
Freud (1908), em “Fantasias Histéricas e sua relação com a bissexualidade”, traz o conceito de fantasia, importante para a percepção de componentes sexuais ocultos, da formação de sintomas, visualização do verdadeiro significado de sonhos noturnos, o que permite ir além de sua representação aparente, ou seja, o estudo e analise das fantasias é essencial para a compreensão do indivíduo como um todo. As fantasias são o conteúdo mais íntimo e revelador da personalidade e desejos de uma pessoa.
O referido autor também coloca que as fantasias são uma forma que o aparelho psíquico encontrou para a realização de um desejo de modo aceitável a consciência. Posteriormente relaciona as fantasias com a origem dos sintomas neuróticos. Afirma que os sintomas histéricos derivam de fantasias e não de acontecimentos reais. No momento em que as fantasias possuem um caráter inconsciente, podem tornar‐se patogênicas e expressar‐se através de um sintoma. Os sintomas histéricos são fantasias inconscientes exteriorizadas, sendo que um mesmo sintoma pode ser constituído por várias fantasias. Estas visam à realização de um
desejo e, quando inconscientes, podem encontrar dificuldades de expressão. Tal dificuldade pode levar a um ataque histérico, sendo este a irrupção involuntária de fantasias.
Freud (1911) também discute o conceito de fantasia em “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico”. As fantasias encontram‐se entre o princípio do prazer e o da realidade. Com a introdução do princípio da realidade – responsável pelas relações do indivíduo com o mundo exterior, o qual estabelece normas e restrições – foi necessária a formação de uma nova atividade do pensamento, sendo esta a produção de fantasias, submetidas ao princípio do prazer, ou seja, buscam obter a satisfação do aparelho psíquico. Para o eu se adaptar à realidade externa, e assim obedecer ao principio da realidade, é preciso renunciar a objetos e metas que visam ao prazer. Entretanto a renúncia do prazer é difícil, sendo preciso uma compensação – as fantasias. Estas são suportes que podem possibilitar ao indivíduo obter prazer e alívio psíquico e também se adequar as exigências da realidade externa.
Podemos considerar, dessa forma, que as fantasias visam à realização de um desejo de modo aceitável à consciência; são fundamentais para a constituição psíquica e também reveladoras da personalidade e dos desejos humanos.
Radino (2003) coloca que Freud percorreu um longo caminho até chegar à compreensão de que fantasia e realidade caminham inseparavelmente juntas. Nesse sentido sendo possível considerar a relação entre contos e fantasia, uma vez que estes interagem de forma mútua. Os contos de fadas no decorrer da trama permitem ao indivíduo o despertar de sua capacidade de fantasiar dessa forma, com o sustentáculo da fantasia eles podem indentificar‐se com personagens, adequar suas fantasias inconscientes à consciência e, com isso, criar suportes para poder lidar com a realidade.
Todos precisam do aparato da fantasia para viver, não sendo possível passar pelas experiências impostas pela vida sem alguma forma de escape. Dessa forma, sendo necessária a arte de sonhar para suportar as angústias e o “fardo” que muitas vezes a vida apresenta. Os contos de fadas e a fantasia possibilitam a seus leitores uma mente emocionalmente mais flexível e capaz de reagir a situações difíceis e de encontrar soluções para os impasses. Dessa forma, sendo a fantasia uma parte imprescindível na vida das crianças e dos adultos. Corso e Corso (2006, p.305) colocam que “a capacidade de criar e questionar se nutre da mesma fonte que devanear”. OBJETIVO
psíquico e emocional do sujeito.
METODOLOGIA
A presente pesquisa possui um caráter teórico‐reflexivo, tendo como objetivo um estudo teórico na perspectiva psicanalítica. Dessa forma, visa refletir sobre o texto em busca da melhor compreensão dos temas trazidos e explicitados (contos de fadas – fantasia). Por ser um trabalho de pesquisa em psicanálise, buscamos através da teoria compreender o humano.
Esta pesquisa apóia‐se principalmente nos estudos de Freud, mas também em outros autores como Bettelheim (1977), Radino (2008), Monzani (1989), Corso e Corso (2006), Oberg (2006), dentre outros.
RESULTADOS
No decorrer da pesquisa foi possível observar que os contos de fadas ajudam as crianças e também adultos a percorrerem o caminho da fantasia para com isso criarem suportes para chegar a realidade. Projetam‐se nos contos e identificam‐se com algum personagem, interpretando‐os de acordo com sua realidade psíquica. Os contos normalmente têm um final feliz e apresentam soluções para os problemas apresentados na trama. Dessa forma, auxiliam o leitor a desenvolver sua capacidade de criar alternativas para suas angustias dentro dos contos, assim transpondo para sua vida real, só que de uma forma simbólica. Também foi possível observar que os contos, devido aos temas que abordam em sua trama, despertam conteúdos relacionados aos temores e desejos humanos. Dessa forma, ao freqüentar os terrenos dos contos de fadas, aumenta‐ se a possibilidade de cada indivíduo pensar sobre sua própria existência sobre pontos de vista diferentes. Para tanto usa‐se o aparato da fantasia – “ferramenta” do aparelho psíquico que visa obter a satisfação deste de uma forma aceitável a consciência.
DISCUSSÃO
Desde outrora até tempos atuais, muito se tem pensado sobre os contos de fadas e sua importância no desenvolvimento psíquico e emocional. Entretanto, são raros os estudos que retomam o conceito de fantasia para a melhor compreensão do papel dos contos. Partindo desse pressuposto, na presente pesquisa consideramos necessário o exercício dessa articulação (fantasia ‐ contos de fadas), pois acreditamos que poderemos caminhar no entendimento de como os contos, que são anteriores ao saber psicanalítico, foram pensados na teoria psicanalítica, a partir de Freud, constituindo‐se, nessa perspectiva de leitura/olhar, como
recursos de grande importância no
desenvolvimento psíquico e emocional do sujeito.
Acreditamos que a partir deste estudo poderemos contribuir com as discussões sobre a teoria psicanalítica e colocá‐la em diálogo com a área educação e os estudos sobre desenvolvimento infantil, além de estabelecer uma interlocução entre o saber psicanalítico e as manifestações culturais, uma vez que os contos se apresentam como um importante legado cultural.
CONCLUSÃO
No decorrer da pesquisa concluímos que é possível considerar a relação entre contos de fadas e fantasia. Também concluímos que os contos de fadas, assim como a fantasia, auxiliam no desenvolvimento psíquico e emocional do indivíduo.
Os contos de fadas no decorrer da trama permitem ao individuo o despertar de sua capacidade de fantasiar dessa forma, com o sustentáculo da fantasia eles podem identificar‐se com personagens, adequar suas fantasias inconscientes a consciência e, com isso, criar suportes para poder lidar com a realidade. REFERÊNCIAS BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977. CORSO, D.; CORSO, M. Fadas no Divã. Porto Alegre: Artmed, 2006. FREUD, S. (1908) Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. In.:_____ Edição Standard
Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1906‐1908, vol. IX.
. (1911) Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. In.: Edição Standard Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1970‐ 1980, vol, XII.
_______. (1913) A ocorrência, em sonhos, de material oriundo de contos de fadas. In.:_____Edição Standard Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980, vol. XII.
MONZANI, L.R. Freud: o movimento de um pensamento. Campinas: Edição UNICAMP, 1989.
RADINO, G. Contos de Fadas e Realidade Psíquica: a importância da fantasia no desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.