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CONCEITOS DE PROPRIEDADE NA CONSTRUÇÃO DA LEI HIPOTECÁRIA DE Pedro Parga Rodrigues

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Academic year: 2021

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CONCEITOS DE PROPRIEDADE NA CONSTRUÇÃO DA LEI HIPOTECÁRIA DE 1864. Pedro Parga Rodrigues

RESUMO

Trata-se de apresentar brevemente as discussões sobre o conceito de propriedade ocorridas na época da construção da Lei Hipotecária de 1864. Esta norma possuía importantes disposições sobre a transferência da propriedade imóvel. Na época, fazendeiros e estadistas imperiais discutiam sobre a noção de propriedade que seria impressa na lei, tocando em importantes assuntos como grilagem, posse e acesso à terra no oitocentos.

Palavras-Chave: Propriedades; conflitos de terras; alienação imobiliária; Segundo Reinado; Classe Senhorial.

ABSTRACT

In 1864, a Brazilian mortgage law was enacted. That paper is about the discussing about property from the moment when that law was wrote. We will show signs to think how the property was thought on different ways.

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Introdução

Em 1854, iniciavam os debates sobre um projeto escrito pelo ministro da justiça Nabuco de Araújo que daria origem a reforma hipotecária de 1864. Este projeto, segundo jurisconsultos daquele período, trazia consigo disposições importantes sobre a forma de alienar propriedades imóveis. Este artigo pretende explorar de forma breve as diferentes noções socialmente construídas sobre a propriedade que apareceram nessas discussões.

O debate na construção da lei Hipotecária de 1864

No século XIX jurisconsultos e legisladores influenciados pela noção absoluta de propriedade reformavam a forma de transferir o domínio em Portugal, instituindo no Código Civil Português noções de propriedade defendidas pelos filósofos e jurisconsultos jusnaturalistas. Neste momento, o Brasil já era um Estado independente e buscando, como outros Estados nacionais em formação do século XIX, criar suas legislações inspiradas nos países europeus. Assim, em 1824, a primeira Constituição brasileira fora outorgada por D. Pedro I. Em seu artigo 179, estabelecia o “Direito de propriedade em toda a sua plenitude”, mas não criava dispositivos que assegurassem sua concretização.

No dia 7 de maio de 1854, D. Pedro II já enfatizava nas falas do trono a necessidade de reformar a legislação hipotecária, então regida pela Lei Orçamentária no 317 e pelas ordenações portuguesas. Em suas palavras, essa reforma deveria “(...) ter por fim garantir mais eficazmente a segurança pública e individual, assim como os interesses da propriedade e do comércio (...)”. Seguindo o desejo presente no discurso do trono, Nabuco de Araújo enviou para a câmara dos deputados em julho ainda do mesmo ano um projeto de reforma hipotecária. Dentre as inovações, esse projeto substituiria a tradição pela transcrição enquanto requisito necessário para a concretização da alienação. Diferente do modelo adotado em Portugal em 1867, essa proposta, mantinha o caráter puramente obrigacional do contrato de compra e venda presente nas ordenações. Apenas substituía a entrega da coisa pelo ato de transcrever o documento de alienação no Registro Geral de Imóveis. Assim, as vendas de imóveis dependeriam da matrícula do contrato de compra e venda no Registro Geral de Imóveis (RGI) para essa negociação ser considerada perfeita. Em outras palavras, de acordo com essa proposta, a escritura de compra e venda apenas provava ter nascido uma obrigação contratual entre vendedor e comprador. Ainda seria necessária a transcrição desta escritura no RGI para a alienação de fato ocorrer.

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Para defensores do projeto essas medidas seriam importantes para dar publicidade das alienações dominiais, possibilitando o empréstimo hipotecário baseado em propriedades imobiliárias. A matrícula das hipotecas e alienações em um registro público permitiria aos bancos consultarem a situação dos imóveis dados em garantia dos empréstimos hipotecários, dando maior segurança aos emprestadores. Assim, poderiam saber se o proprietário do bem dado em garantia em troca do crédito era realmente o seu dono, bem como se já havia hipotecado ou alienado a um terceiro.

Essa proposta estava, no entanto, longe de ser consensual. Em 1850, o ministro da justiça Eusébio de Queiroz enfatizara a necessidade de reformar a legislação hipotecária, criando um registro geral para elas. Na câmara dos deputados, o projeto de Nabuco de Araújo sofria críticas. Alguns fazendeiros-negociantes ligados a oferta de crédito em modelo tradicional questionavam a necessidade anotar de forma individualizada os imóveis transferidos, pois isso prejudicaria os empréstimos baseados em frutos pendentes da lavoura e na escravaria. Alguns negócios baseados em todos os bens dos devedores eram realizados sem a pretensão de obter o seu pagamento, mas com o objetivo de reforçar hierarquias baseadas em relações pessoais. Assim, a mudança prejudicaria interesses desde muito enraizados nas relações sociais.

Outros fazendeiros apoiaram as mudanças propostas por Nabuco de Araújo, mas rejeitavam os dispositivos do projeto segundo os quais o Registro Geral de Imóveis não servia de prova de propriedade para o adquirente, mas apenas demonstrava ter ocorrido o contrato. Para os fazendeiros, sejam os favoráveis a instituição do registro ou os defensores da transmissão pelo simples contrato, esse dispositivo deveria ser eliminado. O contrato ou o registro público deveriam servir de comprovação para o comprador da propriedade. Mas para outros presentes no debate legislativo, nem o Registro Geral de Imóveis, nem o contrato, deveriam ter o caráter comprobatório, pois isso geraria fraudes. No entanto, os fazendeiros mostravam-se concordes em instituir mais afundo a noção de propriedade absoluta na norma em construção, garantindo o domínio sobre o imóvel transferido ao adquirente.

Segundo alguns jurisconsultos da época, como Augusto Teixeira de Freitas, a proposta de eliminar os dispositivos do projeto segundo os quais o Registro Geral de Imóveis não teria capacidade comprobatória abriria as portas à grilagem. Diante das incertezas dos limites dominiais, da continuidade do costume da prescrição aquisitiva, da precariedade dos títulos dominiais e de outros fatores, isto permitiria transferir uma propriedade incerta, transformando-a em parte certa do domínio dos adquirentes. Em outras palavras, isto facilitaria usar o Registro Geral de Imóveis para vender uma terra em litígio ou ocupada por um pequeno posseiro, fazendo dela parte dos bens do

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comprador; ou ainda vender uma sesmaria cujo proprietário não tivesse cumprido as formalidades para ser considerado proprietário, transformando o adquirente em seu detentor absoluto.

Em 1865, um ano após a promulgação da Lei Hipotecária de 1864, Augusto de Freitas publicava a Consolidação das Leis Civisi. Em seu livro, ele defendeu veementemente a proposta de Nabuco de Araújo e criticou os propositores. Vejamos as palavras do autor,

Coube ao laborioso ministro da justiça o Sr. Nabuco de Araújo a glória de propagar no país as novas ideias que dominam a matéria das hipotecas em harmonia com os progressos da ciência. Seu relatório de 1854 lançou as primeiras sementes, fez compreendera urgência da reforma hipotecária, a necessidade de fundar o crédito territorial sobre a base da hipoteca. O pensamento cardeal do seu Projeto apresentado ao corpo legislativo na sessão de 25 de julho do mesmo ano foi a publicidade das hipotecas e com ela a de todas as transmissões de imóveis por título entre vivos, e constituições de direitos reais.

Uma comissão especial da câmara dos deputados examinou esse projeto e seu parecer abundou nas mesmas ideias e até excedeu-as, opinando que a transcrição no registro público dos títulos de transmissão dos imóveis devia ter um valor ainda maior do que se lhe dera no Projeto.

Esses debates foram intensos no período de construção da Lei Hipotecária de 1864 e mesmo após a sua promulgação. Exatamente por isso, Freitas retomava o debate legislativo em 1865, defendendo a posição de Nabuco de Araújo, segundo a qual as alienações de imóveis deveriam ser transcritas no Registro Geral de móveis, mas essa transcrição somente presumiria (sem provar) o domínio do adquirente. Após longas discussões, os legisladores acabaram fazendo prevalecer na norma o caráter apenas presuntivo para o Registro Geral de Imóveis. No artigo 7, a Lei de 1864 afirmava que a transcrição dos imóveis suscetíveis de hipoteca e a instituição de ônus reais era obrigatória e, no §4º desse mesmo artigo, enfatizava: “A transcrição não induz prova do domínio, que fica salvo a quem for” o seu verdadeiro proprietário.

A diferença entre Augusto Teixeira de Freitas e Nabuco de Araújo com relação aos interesses dos representantes mais próximos dos interesses dos potentados rurais não criava entretanto uma ruptura completa entre eles e os seus interlocutores. Embora não aceitassem a utilização do Registro Geral de Imóveis ou das escrituras de compra e venda como comprovação de propriedade, eles se silenciaram quanto a possibilidade de quaisquer regularizações fundiárias. Para Nabuco de Araújo, dar valor comprobatório a transcrição representaria “uma revolução” (FREITAS, 1967: CCV) capaz de prejudicar interesses legítimos. José de Alencar, um de seus interlocutores, defendera a atribuição de caráter comprobatório para a transcrição, apresentando esta formalidade como capaz de criar um cadastro que futuramente serviria para regularizar a estrutura fundiária. Ele mencionou a possibilidade causar inconvenientes para os direitos de alguém, mas a

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perfeita regularização da propriedade territorial seria um bem maior a ser alcançado (IHGB, Pasta 4 Lata 389). Tratava-se de sacralizar as propriedades compradas em detrimento das posses. Nabuco de Araújo rejeitou essa possibilidade. De outro lado, o estadista apresentou um silêncio sobre a possibilidade e regularização. Isto foi ainda mais óbvio no livro A consolidação das Leis Civis de Augusto Teixeira de Freitas. Para ele, caso os legisladores optassem por dar a transcrição o caráter comprobatório, a matrícula no Registro Geral de Imóveis deveria ser realizada diante de um juiz que analisaria a titularidade, os limites e o pertencimento dos imóveis a serem transcritos. Mas isto equivaleria a submeter “(...) a vontade livre das partes contractantes à uma autoridade, que não reclamarão (...)” (FREITAS, 1867: CCV). Ou seja, no ver do jurisconsulto, a possibilidade de uma regularização fundiária representava uma indevida intervenção governamental nos assuntos privados da fazenda. Ainda que não concordassem com a proposta dos deputados mais próximos dos potentados rurais de garantir caráter comprobatório ao RGI, Freitas não se distanciava completamente dos interesses senhoriais. Ele assegurava aos potentados o seu espaço político de mando e desmando, garantindo a continuidade de uma estrutura agrária na qual as incertezas dos limites territoriais eram utilizadas pelos poderosos locais para invadirem terras de pequenos posseiros e possivelmente devolutas. Se contrapunham a possibilidade da terra ser regularizada em um processo de sacralização dos direitos de compradores de imóveis. Porém, asseguravam por outros caminhos a continuidade de uma relação de mando senhorial.

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Bibliografia:

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