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Os Sentidos do Trabalho na Vida das Mulheres: Uma Análise do Discurso de Estudantes e Profissionais do Setor de Vestuário de Divinópolis-MG

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Gênero nas interseções: classe, etnia e gerações. ST 34 Cíntia Maria Teixeira

Sandra Maria da Mata Azeredo UFMG

Palavras-chave: Trabalho, Espaço público, Espaço privado.

Os Sentidos do Trabalho na Vida das Mulheres: Uma Análise do Discurso de Estudantes e Profissionais do Setor de Vestuário de Divinópolis-MG

Camaradas! Não podemos ficar quietas no meio desta luta! Devemos estar ao lado dos nossos companheiros na rua, como estamos quando trabalhamos na fábrica. Temos que lutar juntos contra a burguesia que tira a nossa saúde e nos transforma em trapos humanos!1

O setor de vestuário caracteriza-se por instalações de menor porte, sendo responsáveis pelas operações efetuadas na produção de tecidos e indumentária em geral. Este ramo de produção passa por uma intensa redução de custos trabalhando em sua maioria com uma estrutura reduzida de pessoal além do caráter de sazonalidade que contribui para a instabilidade do setor. È além disso, um trabalho informal, que pode ser realizado no domicílio e nas facções, que são formas de organização de produção em que etapas do processo de transformação de mercadorias são realizadas, fora da planta industrial, por pequenas firmas ou oficinas subcontratadas2, o que diminui os custos na linha de produção. A revolução industrial, o advento da automação e a produção cada vez mais acelerada no mundo da moda não trouxeram para a indústria do vestuário o impacto de suas inovações, bem como o reconhecimento da mão de obra e a libertação do fardo do trabalho para homens e mulheres. A divisibilidade e especificidade do processo de produção dificultam a estandardização e a objetividade pretendida pelos detentores do capital na obtenção de lucros, onde o binômio mão de obra e capital escraviza e oprime absurdamente as/os trabalhadoras/es deste ramo3. Mesmo que estas características sejam facilmente detectadas na indústria do vestuário, podemos afirmar que este quadro não é determinado apenas por características econômicas e históricas, mas por distinção e construções sociais e espaços possíveis ocupados pelas diferenças de gênero4.

O processo do trabalho, como bem apontou Marx, possibilita, através da força de trabalho, produzir o necessário para a subsistência humana. Mas a mesma mão de obra no segundo momento produz a mais valia, esse trabalho excedente, que distingue as diversas formações econômicas5. O que se observa são trabalhadoras/es assalariadas/os cada vez mais alienadas/os e exploradas/os

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devido a diversos fatores, dentre eles a produção do excedente que funciona como um combustível que retroalimenta o sistema capitalista e traz à tona uma profunda questão existencial, pois o trabalho ao invés de funcionar como atividade fundamental e objetiva, ambas humanizadoras cujos resultados retornam em benefício do indivíduo, atua especificamente como atividade conformadora e operacionalizadora da força de trabalho, cujos resultados revertem diretamente em benefício da produção social em detrimento do indivíduo6. Em uma crítica consistente a Marx e seus precursores, Hannah Arendt (2005) afirma que os marxistas fascinados pela era moderna entendem todo labor como trabalho e falam do animal laborans em termos muito mais adequados ao homo faber7. Acrescenta ainda que Marx não compreendeu que a estrutura monárquica do estado-nação estava obsoleta e quais as conseqüências e as providências que a humanidade deveria tomar para recuperar o espaço político e a condição de cidadão. Isso pode ter acentuado uma opressão de classes onde o trabalho de alguns seria a sobrevivência de toda uma humanidade. É fato que Marx previu a decadência do Estado, mas não estava certa sua previsão de que apenas uma revolução provocaria a queda do estado, o que acarretaria uma vitória da sociedade e com isto o surgimento da liberdade na

vita activa. Arendt utiliza a expressão vita activa para apresentar as três atividades básicas que o ser

humano deve empenhar-se: o labor, o trabalho e a ação.

O labor assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas a vida da espécie. O trabalho e seu produto, o artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano. A ação, na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a lembrança, ou seja, para a história8.

O labor é a atividade que se relaciona às necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo ser humano nas atividades preeminente ao processo da vida. O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana. São resultados das construções sociais a favor da mundanidade diferindo do labor pela artificialidade das coisas. A ação, atividade mais importante e que media todas as outras condições básicas da existência humana, é exercida entre os homens e não tem relação com as coisas ou matérias e corresponde à condição humana da pluralidade. A ação dos homens depende da constante presença do outro. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política e é essa pluralidade que abastece especificamente a condição de toda vida pública.

Podemos apontar uma distinção entre o privado e o público coincidente com a oposição entre a necessidade e a liberdade. Segundo Arendt (2005) o significado mais elementar das duas esferas indica que há coisas que devem ser ocultadas e outras que necessitam serem expostas em público

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para que possam adquirir alguma forma de existência. A esfera privada significa aquilo que deve ser privado da realidade, ou seja, daquilo que não pode ser visto e ouvido por outros e que é a favor da satisfação das necessidades. Nesta esfera não existe a relação objetiva com o público e as relações com as coisas, além da carência da possibilidade de realizar algo mais permanente que a própria vida através da transcendência pelas conseqüências de suas ações. A esfera privada é constituída por pessoas que se agrupam através de identificações ou grau de parentesco. Este espaço apresenta dois pontos, o privativo que seria relacionado à propriedade e a própria morada, o lugar onde o ser humano habita e que ao mesmo tempo é parte constitutiva do mundo e pertencente ao fenômeno político. E o segundo ponto seria o não-privativo, que seria o lugar do nascimento e da morte e que de certa forma deveria ser escondida da esfera pública por conter aspectos ocultos aos olhos humanos e impenetráveis ao conhecimento humano.

A esfera pública significa em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Em segundo lugar significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele9. Aquilo que conseguimos tornar público, seja através do discurso ou da ação, garante a realidade do mundo e de cada sujeito. Percebemos então a presença do político constituído pelas duas esferas e cada qual com sua importância. A esfera privada com a subjetividade, o oculto, as posições de sujeito e o inexplicável, sendo possível submeter-se a processos de significado dando sentido à própria existência humana, corroborando para formação da esfera pública através do discurso e das posições do sujeito político.

Segundo Arendt (2005), o que parece estar ocorrendo atualmente é a decadência destas duas esferas e a infeliz negação do mundo como fenômeno político. Além do descaso pela perpetuação da humanidade e as atividades, como por exemplo, o trabalho que nos faz imortais através do produto e das significações decorrentes tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Assim o trabalho e a ação devem ser mediados pelos símbolos, conceitos normativos, dimensão política e a identidade subjetiva10 cujos elementos são fundamentais na vita activa. Sem essa transcendência para uma potencial imortalidade terrena, nenhuma política, no sentido restrito do termo, nenhum mundo comum e nenhuma esfera pública são possíveis.

O labor quando utilizado como sinônimo de trabalho deixa a esfera privada, que está relacionada às necessidades vitais para cada indivíduo, o oculto, o irrelevante, para ocupar o espaço público. Esta tentativa de ampliar a esfera privada não ocorre e inicia-se o processo de decadência da mesma, pois o comum a todos não consegue abrigar o singular. Além disso, a esfera pública transforma-se numa esfera restrita de governo entendida como esfera social. A ação que deveria

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mediar as esferas anteriores não consegue executar sua função, pois as atividades realizadas por grande parte da sociedade são mediadas pelas condições estipuladas pelo sistema capitalista e assim perde todo seu caráter político e de transcendência.

O que distinguia a esfera familiar era que nela os homens viviam juntos por serem a isso compelidos por suas necessidades e carências. O fato de que a manutenção individual fosse a tarefa do homem e a sobrevivência da espécie fosse a tarefa da mulher era tido como óbvio; e ambas estas funções naturais, o labor do homem no suprimento de alimentos e o labor da mulher no parto, eram sujeitas à mesma premência da vida. A esfera da polis, ao contrário, era a esfera da liberdade, e se havia uma relação entre essas duas esferas era que a vitória sobre as necessidades da vida em família constituía a condição natural para a liberdade na polis11.

Como acreditarmos que na Grécia antiga os espaços comuns a todos e o individualizado tinham a mesma importância e que a constituição do primeiro era determinada pelo segundo mediado pela questão biológica dos corpos e das necessidades advinda das relações entre homens e mulheres? E que as duas tinham o mesmo mérito para a sociedade cada qual com sua especificidade? Mas mesmo assim era dentro dos lares que as mulheres ficavam na maioria das vezes sem ocupar lugar algum na polis. As mulheres sempre trabalharam nos diversos setores de produção e em seus lares, ocupando o que até então poderíamos nomear como espaços público e privado. Entendemos que a preocupação maior seria a própria vida independente dos espaços ocupados por homens e mulheres. É preciso questionar se a era moderna acelerou a saída das mulheres do espaço doméstico, por necessidades econômicas e sociais, ou se as mulheres trabalhadoras, emanciparam-se ocupando cada vez mais espaços no mundo do trabalho e dedicando-se a diversas profissões até então permitidas apenas para os homens. Assim aquilo que era atribuído às mulheres como uma de suas funções relacionada ao corpo biológico que seria a perpetuação das espécies, não precisa ser mais oculto. A maioria das mulheres insere-se no mundo do trabalho sem refletir na representação simbólica que o trabalho pode ter na produção de sentidos para sua vida. Desta forma nos parece que o corpo da mulher está ocupando um lugar onde os homens já não estão mais presentes. A invisibilidade das mulheres ou de seus corpos falantes no mundo do trabalho persiste na modernidade influenciada pela forma como ocupamos estes espaços e pelos mecanismos sociais de dominação.

O fato de que a era moderna emancipou as classes operárias e as mulheres quase no mesmo momento histórico deve, certamente, ser incluído entre as características de uma era que já não acreditava que as funções corporais e os interesses materiais deviam ser escondidos. E é mais sintomático ainda da natureza destes fenômenos que os poucos vestígios remanescentes da estrita privatividade, mesmo em nossa própria civilização, tenham a ver com necessidades no sentido original de sermos carentes pelo fato de termos um corpo12.

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Seja no espaço público ou privado grande parte das mulheres aceitam os jogos da cultura e da dominação masculina. A feminização do trabalho definida por Haraway (2000), diz do trabalho executado por homens ou por mulheres, um trabalho extremamente vulnerável; capaz de ser desmontado e remontado, explorado como uma força de trabalho de reserva; que as pessoas envolvidas são vistas menos como trabalhadores/as e mais como servos/as13. O Objetivo central da pesquisa que vem sendo desenvolvida seria entender o sentido do trabalho na vida das mulheres, estudantes e trabalhadoras, do setor de vestuário da cidade de Divinópolis/MG. Assim procuramos entender como ocorrem os sentidos emergentes nas trocas discursivas em situação experimental, utilizando a técnica do grupo focal e a análise do discurso textualmente orientada para reflexões acerca dos discursos proferidos. Como as mulheres estão se inserindo e posicionando no mercado de trabalho? Compartilhamos do pensamento de Haraway quando a mesma afirma que posição diz respeito à vulnerabilidade; posição resiste à política de fechamento, finalidade ou, resiste a simplificação em última instância14. O discurso é um instrumento que as mulheres devem utilizar para questionarem, lutarem, posicionarem e acima de tudo almejarem uma visão mais ampla para que nós possamos ser agentes de nossas vidas. Segundo Foucault15 o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta. Entendemos que o discurso associado à ação poderá servir como instrumento na luta pela liberdade e reconhecimento das diferenças seja no espaço privado ou público. E talvez a única saída possível para este impasse seja a corporificação feminista16. O corpo deve ser um dos conceitos mais importantes para propormos reflexões pertinentes à abordagem teórica feminista. O corpo segundo Grosz (2000), deve ser visto considerando seis aspectos fundamentais. O corpo como uma materialidade animada e da linguagem numa interação humana. O segundo aspecto diz respeito à diferença sexual, pois a mesma interfere em todos os processos de significação. Conceder-se-á o respeito à pluralidade e as diferenças. O corpo é um lugar de inscrições, produções ou constituições sociais, políticas, culturais e geográficas. A interatividade entre a dimensão psíquica e social e por último o corpo não é nem público nem privado e sim um produto cultural a ser enfatizado17.

Pretendo que esta pesquisa viabilize possibilidades às mulheres de criarem novas significações à suas vidas assim como determinarem seu lugar na sociedade. Os espaços público e privado precisam ser reconstruídos por homens e mulheres com o objetivo de perpetuação para as próximas gerações e a transcendência da vita activa.

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1 Galvão, Patrícia. Parque Industrial. 3ª Ed. Porto Alegre: Mercado Aberto; São Paulo. EDUFScar, 1994. Novelas

Exemplares. p.77.

2 Barroso, Carmem. Costa, Albertina Oliveira. (Organizadoras). Mulher, Mulheres. São Paulo. Cortez. Fundação

Carlos Chagas. 1983. p, 96.

3 Fonseca, Tânia Mara Galli.Gênero, Subjetividade e Trabalho. Petrópolis, Rio de Janeiro. Vozes, 2000. p, 36. 4 Sobre conceito de gênero ver Joan Scott.Gênero: Uma Categoria Útil de Análise Histórica. Educação e Realidade,

v.15, n.2, jul./dez. 1990. p 86.

5 Marx, Karl. O Capital Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. Volume 1: O

Processo de Produção do Capital. P, 201.

6 Martins, Lígia Márcia. Psicologia Sócio-Histórica: O Fazer Científico. In Método Histórico-Social na Psicologia

Social. Ângelo Antônio Abrantes, Nilma Renildes da Silva, Sueli Terezinha Ferreira Martins (Orgs.). Petrópolis, Rio

de Janeiro: Vozes, 2005. p, 122.

7 Arendt, Hannah. A condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. 10ª Ed. Rio de Janeiro:

Forense Universitária. 2005. p, 98.

8 Ibidem, p, 16. Grifo nosso 9 Ibidem, p, 59 e 64.

10 Scott, Joan. Gênero: Uma Categoria Útil de Análise Histórica. Educação e Realidade. Vol. 20 (2),

Julho/Dezembro. P, 71-99.

11Arendt, Hannah. A condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. 10ª Ed. Rio de Janeiro:

Forense Universitária. 2005. p.39-40.

12 Ibidem. p.83.

13 Haraway, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, Tecnologia e Feminismo-Socialista no Final do Século XX. In

Antropologia do Ciborgue – As Vertigens do Pós-Humano. Organização e Tradução de Tomaz Tadeu da Silva.

Belo Horizonte: Autêntica. 2000. p, 76.

14

Haraway, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva

parcial. Cadernos Pagu, v.5. 1995. p, 32.

15 Foucault, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária. 2004.

16 Haraway, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva

parcial. Cadernos Pagu, v.5. 1995. p, 28. Expressão utilizada para dizer que o processo de significação e

subjetivação deve ser composto por nódulos em campos, inflexões em orientações e responsabilidade pela diferença nos campos de significado material-semiótico.

Referências

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