O que tem sido pesquisado em transmatemática no HCTE Tiago S. dos Reis
Doutorando HCTE/UFRJ
Professor IFRJ - Volta Redonda tiago.reis@ifrj.edu.br
Resumo: O doutoramento deste autor tem como tema a transmatemática, matemática que permite a divisão por zero. Neste texto fazemos uma síntese de alguns tópicos que têm sido pesquisados até o presente momento. A transmatemática teve início com a proposta dos números transreais por parte de James Anderson. O transreais são uma extensão dos números reais na qual a divisão por zero é permitida. Neste texto, comentamos nossa proposta de fundamentação dos transreais a partir dos reais. Fundamentação esta que demonstra a consistência dos números transreais e sua aritmética. Comentamos a extensão do cálculo real a um cálculo transreal, a concepção dos números transcomplexos e o uso da aritmética transreal no estudo de lógicas não-clássicas.
Palavras-chave: Transmatemática; Números Transreais; Números Transcomplexos; Transcálculo.
1. Introdução
O conjunto dos números transreais consiste em ℝ = ; , ∈ ℝ e ≥ 0 , onde = se, e só se, = e = para algum ∈ ℝ positivo. Desta forma, os números transreais são formados pelos números reais adicionados de , e . Este novo conjunto numérico, que permite a divisão por zero, foi proposto pelo cientista da computação James Anderson. Anderson define −∞ = , ∞ = e Φ = e os chama, respectivamente, de menos infinito, infinito e nullity (ANDERSON, 2005). Não nos alongaremos na apresentação dos transreais, pois uma introdução a estes novos números já foi feita em (GOMIDE, 2012) e (REIS et al, 2013). A seguir, fazemos um breve resumo de alguns tópicos pesquisados durante o doutoramento
deste autor, no HCTE, sobre a transmatemática - matemática que permite a divisão por zero.
2. Algumas pesquisas em transmatemática
2.1 Fundamentação dos números transreais
Em (REIS e GOMIDE, 2014) propomos uma construção do conjunto dos números transreais a partir dos números reais. James Anderson introduziu os transreais de forma intuitiva e axiomática. Anderson et al (2007) apresentam uma lista de trinta e dois axiomas que estabelecem a aritmética e a ordem dos números transreais. Do ponto de vista formalista, não há problema na apresentação de James Anderson, uma vez que seus axiomas não apresentaram inconsistências e os próprios autores de (Anderson et al, 2007) afirmam ter uma máquina de prova que estabelece a consistência dos axiomas da aritmética transreal. Entretanto, do ponto de vista construtivista, paira uma dúvida. Os números transreais "existem" de fato? Existe algum modelo sobre os números reais que contemple a aritmética transreal? Algum significado pode ser dado à divisão por zero? Observe que, com seus axiomas, Anderson estabelece um sistema que contém a divisão por zero, entretanto ele não dá uma definição, nem um sentido, a esta operação. Em (REIS e GOMIDE, 2014) fazemos uma construção do conjunto dos números transreais a partir dos números reais. Desta forma, os números transreais e sua aritmética e ordem ficam estabelecidos, não apenas de forma axiomática, mas de forma construtiva. Assim, a consistência dos transreais fica fundamentada na consistência dos reais. E, além disso, esta construção dá um significado, ainda que analítico, não necessariamente contextual, à divisão por zero. A seguir fazemos um breve resumo do exposto no texto citado. No conjunto = {( , ); , ∈ ℝ, ≥ 0} definimos a seguinte relação: ( , )~( , ) se, e só se, existe ∈ ℝ tal que = e = . E mostramos que ~ é uma relação de equivalência, isto é, ~ satisfaz as propriedades, para todos ( , ), ( , ), ( , ) ∈ : (reflexiva) ( , )~( , ), (simétrica) ( , )~( , ) ⇒ ( , )~( , ) e (transitiva) ( , )~( , ) e ( , )~( , ) ⇒ ( , )~( , ). Em seguida, denotando por [ , ] a classe de equivalência do par ( , ) , mostramos que o conjunto quociente de com respeito a ~, /~, isto é, o conjunto de todas as classes de equivalência, é formado pelas classes do tipo [ , 1] onde ∈ ℝ e, apenas,
mais três classes: [−1,0] , [1,0] e [1,0] . Isto é, /~ = {[ , 1]; ∈ ℝ} ∪ {[−1,0], [1,0], [1,0]} . Continuando, definimos em /~ as operações aritméticas, (adição) [ , ] + [ , ] = [2 , ], se [ , ] = [ , ]
[ + , ], se [ , ] ≠ [ , ] , (multiplicação) [ , ] × [ , ] = [ , ] , (simétrico) −[ , ] = [− , ] , (recíproco) [ , ] = [ , ], se ≥ 0
[− , − ], se < 0 , (subtração) [ , ] − [ , ] = [ , ] + (−[ , ]) e (divisão) [ , ] ÷ [ , ] = [ , ] × [ , ] e mostramos que estas operações estão bem definidas. Definimos a relação de ordem: [ , ] < [ , ] se, e só se, [ , ] = [−1,0] e [ , ] = [1,0] ou, se, < . Então, demonstramos que o conjunto {[ , 1]; ∈ ℝ} é um corpo ordenado completo, logo uma cópia do conjunto dos números reais. Desta forma, passamos a denotar {[ , 1]; ∈ ℝ} por ℝ e [ , 1] simplesmente por . Além disso, denotamos −∞ = [−1,0] , ∞ = [1,0] e Φ = [0,0] . Finalmente, todos os axiomas de James Anderson são demonstrados como teoremas da construção acima descrita.
2.2 Cálculo transreal
Em (ANDERSON e REIS, 2014) nós comentamos as vantagens da utilização dos números transreais na aritmética IEEE e estendemos a teoria dos limites e continuidade às funções transreais.
O padrão IEEE 754 da aritmética do ponto flutuante é amplamente utilizado na computação. Ele é baseado nos números reais e é feito total, isto é, permite qualquer operação aritmética, adicionando um infinito positivo, um infinito negativo, um zero negativo, e muitos estados de Not-a-Number (NaN) (ANDERSON, 2014). Nós ilustramos a função tangente transreal e estendemos os limites reais a limites transreais. A partir desta sólida fundamentação, afirmamos que existem três erros de categoria no padrão IEEE 754. Em primeiro lugar, a alegação de que os infinitos IEEE são os limites da aritmética real confunde processos de limite com aritmética. Em segundo lugar, a defesa do zero negativo da IEEE confunde o limite de uma função com o valor de uma função. E por último, a definição dos NaNs da IEEE confunde indefinido com não-ordenado.
Em seguida, nós estendemos a teoria dos limites e continuidade às funções transreais. Iniciamos propondo uma topologia para o conjunto dos números transreais. Definimos que um subconjunto de ℝ é aberto em ℝ se, e só se, é
interseção finita de uniões de conjuntos dos tipos ( , ), [−∞, ), ( , ∞] e {Φ}, onde , ∈ ℝ, e mostramos que, de fato, estes subconjuntos formam uma topologia em ℝ . Sabendo que ℝ é um espaço topológico, mostramos que ℝ é um espaço de Hausdorff, separável, desconexo e compacto. Além disso, a topologia de ℝ concorda com a topologia de ℝ . Mostramos que os limites de sequências na topologia transreal concordam com os limites na topologia real. Por exemplo, lim → = ∞ no sentido transreal se, e só se, lim → = ∞ no sentido usual, com a diferença de que, em ℝ , ∞ é um número definido e não apenas um símbolo de divergência. Em seguida, demonstramos, numa versão transreal, alguns teoremas sobre sequências. Como, por exemplo: toda sequência monótona de números transreais é convergente; toda sequência de números transreais possui uma subsequência convergente e o Teorema do Sanduíche. Finalmente, mostramos que limite e continuidade transreais de uma função concordam com limite e continuidade usuais.
Desta forma, propomos vantagens teóricas e práticas da transmatemática. Em particular, argumentamos que a implementação do cálculo transreal na aritmética do trans-ponto-flutuante estenderia a cobertura, precisão e confiabilidade de quase todos os programas de computador que exploram o cálculo.
Em (REIS e ANDERSON, 2014a) nós damos continuidade ao cálculo transreal iniciado no texto citado no parágrafo anterior. Nós estendemos a derivada real à derivada transreal. Isto continua a demonstrar que o cálculo transreal contém o cálculo real e opera em singularidades onde o cálculo real falha. Por isso os programas de computador que dependem de derivadas computacionais - como aqueles usados em aplicações científicas, de engenharia e financeiras - são estendidos para operar em singularidades. Isto faz o software, que calcula derivadas, mais eficiente e mais confiável. Também estendemos as integrais do domínio real ao domínio transreal.
Iniciamos definindo a derivada no sentido transreal em um ponto real pela derivada usual neste ponto, isto é, se ∈ ℝ então ℝ ( ) = ′( ), a derivada nos pontos infinitos por ℝ (−∞) = lim → ′( ) e ℝ (∞) = lim → ′( ) e a derivada em nullity por ℝ (Φ) = Φ. Com essa definição, vale, por exemplo, que a derivada da função exponencial1 é a própria função exponencial em ℝ , assim como já
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sabemos ser em ℝ. Lembramos que a derivada usual em ℝ é definida como uma taxa de variação - como o limite de uma variação relativa - isto é, ( ) = lim → ( ) ( ). Observe que, a princípio, a definição dada acima de ℝ (∞) não segue o mesmo caminho. Entretanto, nós mostramos que a definição ℝ (∞) = lim → ′( ) pode ser vista como uma taxa de variação, no seguinte sentido: : ℝ → ℝ é derivável em ∞ se, e só se, existe lim →
→ ( ) ( ) . E neste caso ℝ (∞) = lim → → ( ) ( )
, onde, por definição, lim → →
( ) ( )
= ∈ ℝ se, e só se, dada uma vizinhança de , existe uma vizinhança de tal que ( , ) ∈ sempre que ≠ e , ∈ ∖ { } . Em seguida, definimos uma integral no sentido transreal e mostramos que esta integral transreal concorda com a integral usual. Isto é, demonstramos que: Sendo , ∈ ℝ e : [ , ] → ℝ uma função limitada, segue que é Riemann integrável se, e só se é integrável no sentido transreal; e neste caso ∫ ( ) =
ℝ ∫ ( ) . Além disso, mostramos que uma integral imprópria é absolutamente convergente, isto é, a integral ∫ | ( )| é convergente se, e só se, ∫ ( ) =
ℝ existe. E neste caso,
∫ ( ) =
ℝ ∫ ( ) . Ainda, como exemplo de integrais transreais, mostramos
que ∫ ( ) =
ℝ ℝ ∫ ( ) =ℝ ∫ ( ) =ℝ ∫ ( ) =Φ para todos
, ∈ ℝ e qualquer função .
2.3 Números transcomplexos
Estabelecemos o conjunto dos números transcomplexos e sua aritmética. Uma construção geométrica dos transcomplexos foi dada em (ANDERSON, 2011). Em (REIS e ANDERSON, 2014b), simplificamos o plano transcomplexo e construímos o conjunto dos números transcomplexos a partir dos números complexos. Assim, os números transcomplexos e sua aritmética surgem como consequências desta construção e não por um desenvolvimento axiomático ou geométrico. Isto simplifica a aritmética transcomplexa, em comparação ao tratamento anterior, mas mantém a totalidade de modo que cada operação aritmética pode ser aplicada a quaisquer números transcomplexos que o resultado é um número transcomplexo. Em
particular, a divisão por zero é permitida. Nossa construção estabelece a consistência das aritméticas transcomplexa e transreal e estabelece as relações de inclusão esperadas entre os conjuntos dos transcomplexos, complexos, transreais e reais. Nós mostramos como representar números transcomplexos em coordenadas polares e ilustramos diversas formas de se efetuar as operações aritméticas entre os transcomplexos. Discutimos, ainda, algumas das vantagens que as transaritméticas têm sobre suas homólogas parciais.
2.4 Lógica transreal
Em (ANDERSON e GOMIDE, 2014) os autores propõem a utilização dos números transreais na modelagem de uma lógica paraconsistente. Lógicas paraconsistentes são lógicas não-clássicas que permitem a existência de sentenças contraditórios. Os autores introduzem o princípio metalógico de monotonia que é uma maneira de se fazer lógica paraconsistente. Ainda, propõem uma semântica que contém os valores clássicos de verdade e falsidade, valores fuzzy de graus de veracidade, um valor de dialetheia - que é o valor de contradição, de uma proposição tanto falsa quanto verdadeira - e um valor gap - que é o valor de uma proposição que carece de informação de verdade. Prosseguindo, os autores definem os conectivos lógicos em termos de funções transreais bem definidas e mostram como o conjunto de todos os mundos possíveis pode ser representado em um espaço transreal.
3. Referências Bibliográficas
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