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ECONOMIA SOLIDÁRIA: EXPRESSÃO DO IDEAL DE BEM COMUM

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Academic year: 2021

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ECONOMIA SOLIDÁRIA:

EXPRESSÃO DO IDEAL DE BEM COMUM

Marília Veríssimo Veronese 1 LENDO E REFLETINDO

Att ributi on-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0)

1 - Tem graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Psicologia Social pela Ponti fí cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é

profes-sor Titular I da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sendo coordenadora do grupo de pesquisa em Economia Solidária e Cooperati va (ECOSOL). É também pesquisadora associada ao grupo ECOSOL-CES, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Pesquisa principalmente nos seguintes temas: economia solidária, autogestão, trabalho, saúde, saúde mental, contemporaneidade e subjeti vidades.

Desde que descobri a economia solidária, no ano 2000, quando acabava de entrar no curso de doutorado em psicologia social na PUCRS, ela nunca mais saiu da minha vida. Me identi fi quei imediatamente com esse campo, pois as ideias de autogestão, igualdade e solidariedade já povoavam o meu imaginário quanto ao que seria uma boa sociedade, uma boa vida.

Desde então, nessa trajetória, já vi passar várias fases: a luta do movimento Fórum Social Mundial, que difundiu a ideia de que um outro mundo era possível, bem como uma outra economia; um período de apoio governamental e de formação de redes que envolviam atores da sociedade civil e do Estado, com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e a arti culação dos Fóruns locais, estaduais e nacional; os encontros e feiras acontecidos do sul ao norte do país e as plenárias nacionais em Brasília. Dessa que pode ser considerada a fase “áurea” (2003-2013), até os dias de hoje, em que atravessamos difi culdades várias, em nível econômico e políti co, muita água rolou debaixo da ponte.

Nossa sociedade hoje vê-se dividida entre aqueles que aceitam o autoritarismo anti democráti co como natural e os que lutam contra ele. Em termos mundiais, a fi nanceirização em escala global intensifi -cou os níveis de precarização do trabalho e esse processo abriu fi ssuras democráti cas em vários países.

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Tais espaços anti democráti -cos se foram se formando, nas sombras, ao longo dos 30 anos de construção da frágil de-mocracia no Brasil pós-1988; a eles, não foi dada a devida atenção e se transformaram num buraco imenso, do qual ainda não vimos o fundo (OLI-VEIRA; VERONESE, n/p). Dias sombrios de perseguição aos movimentos sociais e povos originários seguem e nada in-dica que o quadro vai melho-rar, nos próximos dois anos. A ideia convivial do bem co-mum hoje é duramente ques-ti onada, tendo sido abando-nada por muita gente. Diante de um mundo violento e desi-gual, parte da população bra-sileira apega-se à ilusão de um “mito”, homem autoritário que, supostamente, “botaria ordem” no país.

Pois temos visto é

muita desordem, e cada

vez pior.

Manifestação LGBT | Foto: André Gomes de Melo | CC BY-NC-SA 2.0

Condução desastrosa da pandemia de COVID-19, meio milhão de mor-tos, aumento da extrema pobreza, do desemprego e da fome. Além dis-so, o autoritarismo mostra sua cara ao tentar (e conseguir em alguns casos) exti nguir os conselhos nacionais gestores de políti cas públicas, previstos na Consti tuição Federal de 1988. A SENAES foi exti nta, litando--se hoje a um espaço minúsculo de onde se gere recursos de alguns pro-jetos ainda com as verbas anteriores. Governos híbridos entre autorita-rismo e neoliberalismo não são novidade na América Lati na, a exemplo do governo Fujimori no Peru; mas a onda de um neoliberalismo virulen-to de característi cas auvirulen-toritárias dos últi mos cinco anos varreu o mundo todo, prejudicando os povos dos países onde obteve vitória eleitoral, como Estados Unidos, Filipinas, Hungria, Polônia, Brasil etc. (OLIVEIRA; VERONESE, n/p). Alguns desses países já se livraram de governantes an-ti democráan-ti cos, mas sofrem com caos econômico e pandemia.

Fiz essa introdução falando sobre os tempos difí ceis que atravessamos justamente para argumentar que

a economia solidária é hoje mais importante do que nunca para os que não abandonaram a ideia de

bem comum e equidade.

Afi nal, os contextos políti co-econômicos se relacionam com as vidas que produzem o social e que são, simultaneamente, moldadas por ele. As biografi as individuais são profundamente impactadas pelo con-texto social, políti co e cultural de uma época.

Então hoje, nesses tempos duríssimos, esse conjunto variado de iniciati vas econômicas, muitas ainda em busca de uma identi dade insti tucional e de um arcabouço jurídico condizente, que apostam no solidarismo 2

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social e econômico, podem trazer esperança e renda para aqueles que precisam da solidarieda-de para reproduzir a vida material e social. Com esse enfoque críti co, tais iniciati vas, denominadas empreendimentos econômicos solidários (EES), formam o campo que conhecemos como economia solidária, termo que ganhou expressão e ofi -cialidade no Brasil a parti r dos anos 1990, à medida que despontaram no país iniciati vas econômicas notabilizadas e reconhecidas por sua natureza as-sociati va e suas práti cas de cooperação e autoges-tão (VERONESE, GAIGER e FERRARINI, 2017). Geral-mente, o foco principal desses grupos é a geração de bem-estar social e sobrevivência digna para seus associados. Os formatos são variados –

coo-Durante a pandemia, muitas experiências evidenciaram que a arti culação de redes de solidariedade nos territórios onde se situam os EES tem feito a diferença para que os trabalhadores recebam mínimos sociais e possam escoar sua produção, no campo e nas cidades (MOLINA et al, 2020). São bancos comunitários que emprestam moeda social, vendas online de produtos oriundos da agroecologia com entrega a domicílio, distribuição de cestas básicas, muti rões comunitários e demais ações que têm sido fundamentais para que o desespero não tome conta dos trabalhadores privados dos canais usuais de comercialização de seus produ-tos e serviços, ocasionada pela pandemia. A extensão universitária mostrou-se muito importante, já que o apoio das incubadoras fez diferença nesse momento, também.

Feira de Economia Solidária da SBPC | Foto: Mariana Costa | CC BY 2.0

perati vas, associações, grupos informais, bancos comunitários etc. - e têm origens diversas, uma miríade de

práticas sociais que reúne diversos trabalhadores em busca de reprodução digna de suas vidas.

Podemos citar algumas que foram divulgadas por pesquisa-doreas/as da ES, em arti gos recentemente publicados (quem quiser ler os textos completos, estão citados ao fi nal). Se-guem, então, alguns exemplos de ações que têm arti culado várias organizações e atores sociais.

De São Paulo, temos notí cias do Financiamento Popular (Fi-napop), que surgiu em maio de 2020 através de uma parceria entre o economista Eduardo Moreira e o Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra (MST). A proliferação dos bancos comunitários em territórios periféricos e o surgimento do Fi-napop expressam algo muito necessário para a outra econo-mia: a democrati zação das fi nanças. (SOUZA et al, 2020). Como exemplo, cito o Banco Nascente (Banco Comunitário apoiado pela incubadora da UFSCar, o NuMI-EcoSol), que capta recur-sos através de pequenos projetos, viabilizando os EES da região sul da cidade, que não teriam acesso a crédito convencional.

Foto divulgação. Notí cia sobre o Finapop. De: htt ps:// www.brasildefato.com.br/2020/06/03/conheca-o-fi napo-p-um-projeto-inedito-de-fi

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Outras iniciati vas têm aparecido em diferentes regiões da cidade de São Carlos-SP, unindo EES, comunidades eclesiásti cas (igrejas pro-gressistas que fazem trabalho de base), alguns movimentos sociais e setores de poderes públicos municipais (MOLINA et al, 2020).

Os pesquisadores também identi fi caram outras estratégias eco-nômicas e de intervenções solidárias; exemplo interessante é o trabalho do Fórum Municipal de Soberania Alimentar (FMSA) e o Fórum Gaúcho de Economia Solidária (FGES), em Pelotas-RS. Es-ses grupos estão fazendo campanhas de arrecadação de recursos para a compra de produtos agroecológicos e da economia solidá-ria, atendendo 120 famílias em situação de vulnerabilidade social na cidade de Pelotas. Também na região destaca-se a Rede Bem da Terra, que fornece produtos, aumentando seu fl uxo de consumo e tornando-se mais sustentável economicamente. A Rede Bem da Terra (RBDT) arti cula em rede EES que objeti vam desenvolver a eco-nomia solidária na microrregião sul do Rio Grande do Sul (MOLINA et al, 2020).

A lógica que está por trás des-sas e de outras tantas iniciati vas em tempos pandêmicos e anti -democráti cos é a racionalidade políti ca dos comuns. Em um ar-ti go publicado no ano passado (VERONESE, 2020), afi rmei que esses arranjos se caracterizam por, através da cooperação so-lidária, engajar múlti plos atores sociais em processos emanci-patórios, que democrati zam as cidades e as tornam mais dis-poníveis aos tradicionalmente excluídos dos seus frutos.

Porque as cidades – e os meios rurais – são formadas por múlti plos territórios, produzi-dos coti dianamente pela ação das pessoas que os habitam. Quando apoiados pelo poder público, lembram a proposição políti ca dos autores Dardot e Laval (2017): os serviços públi-cos devem ser insti tuições do comum. Servir a todos, todas e todes. Há quem implique com neutralidades no uso da língua e a esses peço que me perdo-em. Uti lizo-as para expressar que realmente todos os cida-dãos brasileiros, minorias e maiorias, independentemente de suas identi dades e classes sociais, importam e precisam ser atendidos pelo Estado, para o qual contribuem com impos-tos sobre o seu trabalho e sobre os produtos que consomem. A governos (ocupantes tem-porários das organizações do

Fot o divulg ão. Notí cia sobr e o “Comit ê Solidariedade Redes de E conomia Solidária c omo Alt erna ti v a à Crise do Co vid-19” . De: h tt p s://w w w .in formeblumenau.c om/ comit e-solidariedade--e-criado-em-blumenau/

Já no estado vizinho, em Blumenau, Santa Catarina, a Economia Solidária criou o “Comitê Solidariedade – Redes de Economia So-lidária como Alternati va à Crise do Covid-19”. O comitê fomenta a cooperação econômica através de um sistema de doações, trocas e aquisição de produtos, serviços e consumo dos EES. Algumas ini-ciati vas como a parceria para aquisição de alimentos com o Centro de Moti vação Ecológica e Alternati vas Rurais (CEMEAR), da cida-de cida-de Presicida-dente Getúlio-SC e o Projeto Abrigos da Terra, bene-fi ciaram diretamente 13 famílias que estão iniciando a produção de alimentos agroecológicos em municípios do Alto Vale do Itajaí. 4

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Estado) não cabe gostar ou não gostar de ninguém, mas cumprir a função precípua do Estado: regulação da sociedade, proteção social e viabilidade de uma vida coleti va pacífi ca.

Lembro também que a escala dessas iniciati vas poderia aumentar, caso o poder público esti vesse compro-meti do com a cidadania, investi ndo recursos a serem multi plicados pelos comunitários, de modo interseto-rial, contando com a parti cipação de agentes públicos e da sociedade civil local. Se o comum é a nova razão políti ca que deve substi tuir a razão neoliberal, como querem Dardot e Laval (2017, p. 608), dar visibilidade a essas emergências do comum na vida coleti va pode signifi car uma contribuição a esse horizonte éti copolíti -co parti lhado. E a e-conomia solidária está no centro da perspecti va de uma vida boa, uma vida justa e que valha a pena ser vivida.

Referências:

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christi an. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Editora Boi-tempo, 2017. 647 p.

MOLINA, W. et al. A Economia Solidária no Brasil frente ao contexto de crise COVID-19: trajetória, crise e resistência nos territórios. Otra Economía, vol. 13, n. 24: 170-189, julio-diciembre 2020.

OLIVEIRA, G.; VERONESE, M. Brasil e o “fenômeno Bolsonaro”: os dois primeiros anos e a pandemia Co-vid-19. Texto ainda não publicado.

SOUZA, A.; AUGUSTO JÚNIOR, F. A economia solidária como resposta à crise pandêmica e fator de outro ti po de desenvolvimento. P2P E INOVAÇÃO, v. 7, n. 1, p. 8-25, 26 set. 2020.

VERONESE, M.; GAIGER, L.; FERRARINI, A. Sobre a diversidade de formatos e atores sociais no campo da economia solidária. Cadernos CRH, n. 79, 2017. p. 89-104. Disponível em: <htt ps://doi.org/10.1590/S0103-49792017000100006>. ISSN 1983-8239. htt ps://doi.org/10.1590/S0103-49792017000100006.

VERONESE, M. Economia solidária, saúde mental e arte/cultura: promovendo a racionalidade políti ca dos comuns. Revista Polis, N57 | 2020. DOI: 10.32735/S0718-6568/2020-N57-1568.

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A série Lendo e Refl eti ndo é uma iniciati va do Observatório Nacional de Justi ça Socio-ambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), que busca socializar, através de sucintos textos, refl exões perti nentes às diferentes práti cas e/ou pensamentos ligados ao conceito de justi ça socioambiental, economia solidária, educação popular, diálogo Inter-religio-so, educação para as relações étnico raciais, povos tradicionais, trabalho em rede, cená-rios políti cos e administrati vos nacionais, entre outros. A submissão de textos é aberta a quem interessar e não apresenta estrutura prévia obrigatória, estando ao livre esti lo do autor. Se você tem interesse em enviar-nos um texto, fi caríamos muito agradecidos:

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