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NOVAS ABORDAGENS ESTRATÉGICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Academic year: 2021

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NOVAS

ABORDAGENS

ESTRATÉGICAS

EM

RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

Fernando Filgueiras,

Doutorando em Ciência Política no IUPERJ; Mestre em Ciência Política pela UFMG; Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF; Prof. de Sociologia Jurídica na Faculdade Metodista Granbery.

fernandofilgueiras@hotmail.com

Mais que qualquer outro campo de pesquisa das Ciências Sociais, o estudo das relações internacionais reflete intenções claras de seus autores de pensar e modificar os termos das relações entre os Estados. Dizendo de outra forma, o estudo das relações internacionais, mais que qualquer outro campo de pesquisa, reflete o contexto histórico no qual seus autores estão inseridos, fazendo com que a teoria das relações internacionais seja temporalmente recortada, conforme os termos da cooperação / conflito entre os Estados nacionais. Tomando os Estados como indivíduos e delimitando uma substância de interação entre eles, o objetivo é pensar os termos formais da cooperação ou do conflito em um contexto histórico específico.

A passagem do século tem propiciado novas arenas de disputa no âmbito das relações internacionais, de forma que um novo tipo de pensamento estratégico tem surgido, contemporaneamente. Estes novos trabalhos circunscrevem-se no momento em que instituições supranacionais, responsáveis por gerar os termos da cooperação entre os Estados, efetivam-se como forma de organização das relações internacionais, ao mesmo tempo em que têm seu teor contestado por organismos da sociedade civil e mesmo de seus próprios participantes.

Esta nova abordagem não visa apenas a descortinar os eventuais vencedores e perdedores do contexto cooperativo atual, mas explicar em que medida a cooperação é gerada e consolida-se como forma interativa do relacionamento entre os Estados. Esta nova abordagem das relações internacionais confronta os conceitos e princípios fundamentais de dois cânones teóricos, que muito influenciaram o pensamento político: (1) o realismo estrutural derivado da teoria de Hans Morgenthau e Kenneth Waltz; e (2) a teoria dos regimes internacionais de Robert Keohane. A posição destas novas

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abordagens emergentes, perante estes dois corpos de teoria, é crítica, quanto a seus pressupostos metodológicos. Entretanto, sua posição é intermediária, tanto em relação ao realismo, quanto em relação aos regimes internacionais.

A premissa comum às vertentes da teoria das relações internacionais é o fato da estrutura normativa do conflito ou da cooperação entre as Nações ser uma estrutura considerada primitiva. Uma vez que não há uma instituição que monopolize o uso da força e seja capaz de imprimir a coerção como fator gerador da obrigação, são os próprios indivíduos (Estados) que compõem a comunidade internacional, fazendo uso dos meios de violência, visando exclusivamente a sua proteção em relação aos outros Estados. Desta forma, as regras das relações internacionais determinam um conteúdo material para o ordenamento, sem estabelecer o fator pessoal da obrigação em relação a estas regras (Kelsen, 2000). Portanto, na medida em que são os próprios Estados dotados dos meios de violência, as regras do direito internacional são extremamente fracas para adjudicar os conflitos e gerar os termos da cooperação, tornando a ordem internacional uma fronteira tênue e árida para a diferenciação entre conflito e cooperação.

Como envolve relações contratuais entre os indivíduos (Estados), sem a presença de um juiz capaz de mediar os interesses de ambos com o uso de uma espada, ninguém é efetivamente obrigado a respeitar os termos tratados. Todavia, a maximização de interesses dos atores internacionais depende de um contexto interativo, em que o estabelecimento de alianças e blocos é ensejado na mais perfeita racionalidade estratégica1. Desse modo, a potencialidade de conflito e de cooperação é o que caracteriza a premissa fundamental de qualquer teoria das relações internacionais.

O realismo estrutural parte da idéia de que os Estados nacionais são dotados de um poder determinado por um conjunto de fatores capazes de ampliar a coerção sobre os inimigos potenciais, além de um interesse que visa a maximização do poder individual (Morgenthau, 2003). É a relação entre poder e interesse de cada um dos indivíduos da comunidade internacional que significa a substância das relações internacionais e gera o status quo que determina os ganhos e as perdas para cada indivíduo. Nos termos do realismo estrutural, a guerra tem custos e a manutenção do

status quo é favorável a todos os membros, tornando-se possível apenas com um

balanço de poder entre as Nações hegemônicas (Waltz, 2004). Uma vez que existam pelo menos duas Nações hegemônicas, as quais se contraponham mediante interesses incompatíveis, segundo a escola do realismo, que será possível estabelecer um equilíbrio no jogo das relações internacionais, tendo em vista o conflito potencial que permite a cada ator não hegemônico posicionar-se no concerto das Nações.

O papel das instituições supranacionais, desta forma, é irrelevante, na medida em que o status quo é determinado pelo conflito potencial derivado do balanço de poder. A escola realista torna-se central como corpo de teoria das relações internacionais no contexto da Guerra Fria, no curso dos anos de 1960 e de 1970. A manutenção do balanço de poder, como chama a atenção a escola realista, seria fundamental para que

1

Mesmo Habermas defende implicitamente que na arena internacional o que impera é a racionalidade estratégica, como fica claro em seu eurocentrismo em relação à necessidade da Europa se constituir enquanto bloco, visando a liderança do mundo Ocidental. A esse respeito, ver HABERMAS, Jürgen (2003). A Inclusão do Outro. Rio de Janeiro: Edições Loyola.

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cada Nação se posicionasse no concerto das relações internacionais, gerando um equilíbrio no jogo, que só se romperia com a perda de hegemonia por parte de um dos lados.

Com o declínio do papel hegemônico da União Soviética e do mundo comunista, de um modo geral, o balanço de poder é rompido e não serve mais como instrumental analítico das relações internacionais, uma vez que o contexto histórico-social transforma-se. Com a publicação de After Hegemony, de Robert Keohane (2005), transforma-se o contexto de pensamento das relações internacionais, tendo o conceito de

interdependência como horizonte de estabelecimento de relações cooperativas entre as

Nações, através do que ele chamou de regimes internacionais. No jogo de interesses que marca a teoria das relações internacionais, o contexto cooperativo é o mais racional porque amplia os outcomes de cada um dos participantes. O jogo da cooperação tem uma soma positiva para todos os participantes, uma vez que há uma interdedependência dos indivíduos maximizadores de utilidade. O balanço de poder, de acordo com o institucionalismo liberal, não gera a ampliação dos ganhos para cada um dos atores internacionais, tornando os termos da cooperação como que dependentes de um conjunto de regras de reciprocidade, as quais delimitam as perdas e os ganhos individuais.

Os Estados somente se engajam na ação coletiva porque os regimes internacionais ampliam os custos para a não-cooperação e, no extremo, para o conflito. Como todos estão sob a tutela das instituições supranacionais, mediante a interdependência, não é possível pensar a ampliação dos ganhos mediante o conflito, tornando, neste sentido, o papel das instituições multilaterais centrais no contexto internacional presente. Engajar na ação coletiva mediante os regimes internacionais, portanto, amplia os ganhos individuais de cada participante, tornando esta opção a mais racional frente aos conflitos potenciais. Os Estados terão seus ganhos ampliados se cooperarem voluntariamente, tendo o resultado do jogo uma soma positiva em que todos os participantes são vencedores porque são interdependentes. Entretanto, o obstáculo da não-cooperação é solucionado com a institucionalização da cooperação em termos de regras fixas mediante os regimes.

A nova abordagem estratégica das relações internacionais, por outro lado, demonstra que sua agenda de pesquisas é modificada em função do debate entre realistas e liberais. O caminho do meio encontrado vem da contestação teórica da capacidade explicativa do equilíbrio de poder, de um lado, e da capacidade explicativa da cooperação voluntária, defendida pelos liberais, de outro. Derivando os termos do clássico National Power and the Structure of Foreign Trade, de Albert O. Hirschman (1980), avalia-se que o estabelecimento da cooperação através de instituições multilaterais é ensejado pelo poder de barganha de cada Estado no concerto internacional. O desenho institucional da cooperação surge das negociações individuais, caso a caso, resultando numa mudança de status quo para fora do limite paretiano dos

outcomes. Na medida em que a barganha depende do poder de coerção de cada

indivíduo, o concerto internacional resulta no estabelecimento de vencedores e perdedores no contexto do jogo. Desta forma, não é possível uma soma positiva mediante os regimes internacionais, já que o resultado do jogo de negociação é sempre zero.

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O ponto de equilíbrio do jogo ocorrerá pela cooperação induzida mediante o fator coerção, o qual é responsável por estabilizar o jogo no contexto das instituições supranacionais. Contudo, como nota Gruber (2002), a teoria da barganha não leva em consideração a possibilidade e a probabilidade da barganha ser reiterada no tempo, fazendo com que os resultados se modifiquem na medida em que o contexto da negociação se alterar.

O modelo proposto é alternativo em relação ao modelo do poder de barganha dos atores internacionais. Entretanto, do mesmo modo, encontra-se no caminho do meio em relação ao debate entre realistas e liberais. De acordo Gruber (2002), o modelo do balanço de poder, defendido pelos realistas, está errado porque as instituições supranacionais influenciam nas escolhas e decisões dos atores internacionais, além de elas se formarem no contexto do estabelecimento de regras para o jogo político. De outro lado, o modelo liberal está equivocado, porque o poder de barganha e a maximização de interesses influenciam no desenho institucional, o qual determina vencedores e perdedores do jogo político entre as Nações. Finalmente, a teoria da barganha está equivocada, porque nem sempre a negociação se pauta pela coerção, uma vez que um ator pode engajar na cooperação visando exclusivamente a alteração do

status quo ante, mesmo que isto signifique a redução de seu outcome.

O modelo de Gruber, intitulado Go-It-Alone Power, significa que cada ator no concerto internacional visa a modificar o status quo ante, visando ampliar seu outcome a partir de um contexto mais favorável do que o anterior. O equilíbrio não é alcançado porque o perdedor percebe que seu ganho relativo será maior com a não cooperação, do que o ganho com a cooperação. Uma vez que o segundo modifique o status quo ante unilateralmente, ele força uma segunda rodada de negociação, em que ambos alteram suas políticas conjuntamente, visando ampliar seus ganhos em relação ao status quo

ante. O ponto de equilíbrio no jogo é derivado quando os atores envolvidos alcançam

um equilíbrio cooperativo através da alteração das políticas internas. Isto somente é possível quando no jogo ocorre uma segunda rodada que leva ao estabelecimento do equilíbrio cooperativo, uma vez que ambos os atores percebem que não podem seguir sozinhos.

Com a influência do modelo de Robert Axelrod2 acerca do dilema do prisioneiro, Gruber demonstra que a reiteração do jogo internacional, no sentido da criação das instituições supranacionais, leva a uma cooperação estratégica, em que o outcome preferido não é alcançado por cada jogador individualmente, mas o melhor outcome provável será alcançado apenas com a cooperação. O modelo abaixo, mostrando a interação num jogo de dois atores, visa a representar os termos apontados por Gruber:

Figura 1. Go-It-Alone Power

2

Axelrod (1984) mostra que se o dilema do prisioneiro for reiterado ao infinito, no futuro a estratégia que equilibra o jogo é a da cooperação universal, ou seja, aquela em que os indivíduos cooperam incondicionalmente. A esse respeito, ver AXELROD, R. (1984). The Evolution of Cooperation. New York: Basic Books.

X e Y alteram suas políticos conjuntamente ⎯ i.e., eles cooperam ⎯ elevando o ganho substancial de X em relação ao

status quo ante

(não-cooperativo).

Equilíbrio Cooperativo Preferido por Y

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Quando o jogo se torna mais complexo, com a entrada de mais jogadores no contexto das negociações para o desenho das instituições supranacionais, maior será os ganhos para aqueles atores que já cooperam no contexto das organizações multilaterais. Com a ampliação da malha de atores envolvidos, altera-se o status quo, ampliando os custos para os últimos que entram no jogo. Entretanto, um indivíduo opta por aceitar os termos da cooperação, visando não ampliar seus outcomes, mas reduzir os custos que a não cooperação ensejariam. Por outras palavras, os países que concordam entrar no jogo cooperativo das Nações, através de instituições supranacionais, não visam exclusivamente a ampliar seus ganhos, mas cooperar estrategicamente para reduzir os custos. Como o autor chama a atenção, é o caso do México em sua estratégia de cooperação com os Estados Unidos, para a formação do NAFTA. Do mesmo modo, é a posição de Portugal e Grécia no contexto cooperativo da União Européia, que teriam os custos da não cooperação maiores que os custos da cooperação, mesmo que isto signifique um certo prejuízo.

A ação coletiva proporcionada pelas instituições supranacionais, portanto, não tem um resultado de soma zero, já que, no concerto das Nações, sempre há a presença de vencedores e perdedores. Entretanto, os perdedores cooperam porque são cooptados politicamente pelos arranjos institucionais internacionais. O poder político, portanto, não está na capacidade de exercer coerção sobre os atores potencialmente mais fracos, mas na capacidade de coopta-los alterando o status quo e ampliando os custos da não cooperação. Isto somente pode ocorrer se a barganha for reiterada exponencialmente, conforme a medida do número de participantes. Foi o que ocorreu com a adesão do Canadá e depois do México ao NAFTA.

Do mesmo modo, podemos pensar o atual conflito dos Estados Unidos com o Brasil acerca dos subsídios do Estado americano a seus agricultores. A decisão favorável da OMC ao Brasil amplia os outcomes dos agricultores brasileiros, na medida em que os ganhos com a exportação se ampliam, uma vez que o Brasil consegue preços mais competitivos. Com a mudança do status quo realizada pelo Brasil no âmbito da OMC, a estratégia americana tem sido tecer acordos bilaterais cooptando países da América Central ⎯ incluindo El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua ⎯, Chile e Cingapura. A ampliação destas políticas unilaterais por parte dos americanos, visa, no futuro, forçar os termos de uma cooperação via OMC com o Brasil, mesmo que ela represente apenas a redução de suas perdas.

Fronteira de Pareto

Y altera suas políticas unilateralmente, visando realizar ganhos de utilidade relativos ao status quo

inicial, SQ

SQ

Utilidade do ator X

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O fundamental, neste novo contexto de pensamento nas relações internacionais, é que os interesses dos atores internacionais não dependem exclusivamente de sua capacidade de imprimir coerção. As instituições supranacionais são de extrema importância para o entendimento do concerto das Nações. Entretanto, a cooperação não se funda por mera vontade dos Estados nacionais, nem mesmo pela relação de poder entre estes atores. Os termos da barganha são sempre reiterados e a mudança do status

quo força a cooperação mediante cooptação no sentido de reduzir os custos da

não-cooperação. A matéria das relações internacionais, portanto, é o poder de cooptação dos Estados em cada rodada do jogo internacional, sempre alterando o contexto e o horizonte de cada ator, uma vez que eles não podem seguir sozinhos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AXELROD, R. (1984). The Evolution of Cooperation. New York: Basic Books. GRUBER, Lloyd (2002). Ruling the World. Power Politics and the Rise of Supranational Institutions. Princeton: Princeton University Press.

HABERMAS, Jürgen (2003). A Inclusão do Outro. Rio de Janeiro: Edições Loyola. HIRSCHMAN, Albert O. (1980). National power and the structure of foreign trade.

Berkeley: University of California Press.

KELSEN, Hans (2000). Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes.

KEOHANE, Robert (2005). After Hegemony. Princeton: Princeton University Press. MORGENTHAU, Hans (2003). A Política Entre as Nações. São Paulo: Imprensa Oficial; Brasília: Editora da UnB.

WALTZ, Keneth (2004). O Homem, o Estado e a Guerra. Uma Análise Teórica. São Paulo: Martins Fontes.

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