• Nenhum resultado encontrado

*Professora da Universidade Federal do Acre- UFAC e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense- UFF.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "*Professora da Universidade Federal do Acre- UFAC e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense- UFF."

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

*Professora da Universidade Federal do Acre- UFAC e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense- UFF.

**Professora da Universidade Federal do Acre, e doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC.

Protagonismo e Resistência do Movimento Indígena do Acre

Maria Ariádina Cidade Almeida * Teresa Almeida Cruz **

A exploração extrativista na Amazônia Acreana foi marcada por violentas “correrias”, que consistiram na expulsão e dispersão das populações indígenas dos seus territórios além do aprisionamento de mulheres e crianças que eram capturadas para serem entregues aos seringueiros como recompensa por seus trabalhos. Os massacres contra as populações indígenas alcançaram dimensões tão amplas que, em 1905, o Mal. Taumaturgo de Azevedo, primeiro prefeito do departamento do Alto Juruá, criou a Oitava Circunscrição de Paz na Vila Jordão e nomeou Luis Sombra para exercer o cargo de delegado de polícia do Alto Tarauacá. Dentre as atribuições desse agente governamental estava a de procurar dar fim às recorrentes correrias, caracterizadas pelo delegado como “esporte predileto dos seringueiros nos momentos de lazer” (AQUINO, 1992).

Durante a vigência do sistema seringalista nesta região, os sobreviventes das correrias foram submetidos à condição de seringueiros, trabalhando na extração da seringa, abertura de estradas, transporte de mercadorias e fornecendo peixes e carnes de caça para os seringais. Além da exploração do trabalho, existiu também uma serie de proibições quanto às práticas culturais do grupo, ficando impedidos de falarem a língua, praticar a religiosidade, as festas, utilizar as vestimentas, e realizar os trabalhos agrícolas.

Esta situação conflituosa perdurou até fins da década de 1970 quando as populações indígenas protagonizaram mobilizações que resultaram na garantia de suas terras. O processo de mobilização protagonizada pelas etnias indígenas do Acre realizou uma vigorosa e importante revitalização cultural, pois, durante o cativeiro nos seringais os indígenas foram

(2)

incorporados ao sistema como trabalhadores, e eram tratados como “caboclos”, portanto, não índios. Este se tornou um momento propício para esta população (re) significar o seu presente, evocando as tradições culturais do passado, sobretudo por meio da consulta à memória dos mais velhos, que guardavam histórias contadas por seus pais e avós. Neste contexto as narrativas míticas são retomadas com o intuito de amparar a história e a identidade deste povo, elementos indispensáveis na reafirmação cultural e conquista de direitos.

A historiografia local passou então a demarcar a história indígena a partir de cinco grandes períodos: o tempo das malocas (antes do contato), o tempo das correrias (meados do séc. XIX), o tempo do cativeiro (XIX e XX), o tempo dos direitos (década de 70, do séc. XX) e o tempo do governo dos índios (década de 90 do século XX até os dias atuais). Esta divisão elaborada por pesquisadores, especialmente antropólogos que se especializaram na temática indígena, desenvolvendo importantes trabalhos para historiografia regional, levaram em consideração as formas de organização da vida social, e as rupturas entre um acontecimento e outro.

Este período de 1980, marcado pela mobilização das comunidades indígenas em busca dos seus direitos desmentem as teorias que preconizavam o seu fim, contribuindo para que a sociedade brasileira bem como seus pensadores sociais sejam capazes de reconhecê-los como sujeitos históricos. Khoury (2000) ao falar sobre a função do historiador afirma que “a vitalidade crítica da reflexão histórica, trabalha momentos, processos e lugares da experiência social, procurando compreendê-los em sua singularidade, explorando-os de maneira relacionada na dinâmica social mais ampla” (p.116). Os indígenas inseridos no conjunto mais amplo da sociedade brasileira precisam deste olhar singularizado e ao mesmo tempo pluralizado.

Estima-se que antes do contato com caucheiros peruanos e seringalistas existiam no estado do Acre cerca de 50 povos indígenas. Após um século de disputas por territórios verifica-se a presença de apenas quatorze povos indígenas, pertencentes às famílias linguísticas Aruak, Pano e Arawá, com territórios devidamente reconhecidos. A história indígena nos ajuda a enterrar o simplismo das interpretações antropológicas do século XX que criou uma oposição entre o indígena aculturado e o índio puro, e que influenciaram o que se pode chamar de “pensamento social brasileiro”. Varnhagen afirmava que não existia uma

(3)

história indígena só etnografia, e mesmo Florestan Fernandes que buscou desmistificar algumas visões equivocadas sobre a historiografia, acabou caindo na ideia de aculturação, ao perderem a cultura “autêntica” (ALMEIDA, 2010).

A riqueza das interpretações históricas consiste em superar o dualismo simplista do indígena puro e aculturado, percebendo estas sociedades em relação com os diferentes mundos, analisando que a participação do indígena no mundo do branco, e a apreensão dos mecanismos de funcionamento não significa deixar de ser índio, e sim representa a possibilidade de agir e conseguir seus direitos. O movimento indígena do Acre desde o seu processo de constituição, apresenta-nos esta possibilidade de pensar a dinâmica desta cultura e suas estratégias políticas adotadas na superação de seus obstáculos.

Do silenciamento à cena política

Com o declínio da economia do látex, muitos seringais foram comprados a baixos preços devido ao endividamento dos proprietários. Os novos donos das terras composto por grupos econômicos do centro sul do país, que passam a ser conhecidos popularmente como “paulistas” irão comprar estas terras com índios e seringueiros que são transformados em posseiros pela desarticulação dos seringais. Esta frente agropecuária, que recebeu um forte incentivo do governo civil militar, alterou o sentido de valor que antes se atribuía a floresta para o valor da terra no sentido da especulação fundiária. Uma das primeiras medidas dos novos proprietários foi limpar as terras, derrubando a floresta que naquele contexto tinha perdido seu valor comercial, e retirar seus antigos moradores que exerciam atividades produtivas de roçados e de extrativismo, pela persuasão oferecendo irrisórias indenizações, ou de forma violenta.

Estas vendas não consideraram a existência das populações que viviam naquelas terras gerando uma série de conflitos que culminaram com as queimas de casas, prisões, ameaças de mortes, que tinham objetivo claro de expulsar as famílias que lá viviam. Segundo Cunha apud Souza (2009: 64), enquanto o percentual médio de crescimento da pecuária no país, entre 1970 e 1980, foi de 151%, a média da região Norte foi de 216%. Durante esse mesmo período

(4)

no estado, em que o Banco do Estado do Acre (BANACRE) disponibilizou várias linhas de créditos, o rebanho bovino saiu de 72 mil para 298 mil cabeças. Alguns jornais da época, como O Varadouro, pertencente a setores progressistas da sociedade acreana mostravam a partir de imagens (como abaixo) o novo momento vivenciado pela política local.

Figura 1 Jornal Varadouro, Maio de 1980

Mas foi também neste contexto de intenso conflito que as populações indígenas se organizaram na defesa dos seus territórios e articulação com movimento indígena do Brasil, além de se alinharem aos vários movimentos espalhados pelo país, que desejavam o fim do governo militar e a reivindicação de uma sociedade de direito. Ademais existiam ainda entidades de apoio aos direitos indígenas como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), e a FUNAI, e que foram importantes nas denuncias de invasões e agressões além de oferecer apoio técnico a estas comunidades.

A chegada da Funai aconteceu em meados dos anos de 1970 e representou a primeira atuação concreta por parte do estado no âmbito estadual e federal voltada a atender reivindicações indígenas. Os órgãos governamentais e grande parte da sociedade acreana consideravam estas populações como não indígenas, pois haviam sido incorporadas ao sistema seringalista, e, portanto, teriam deixado sua cultura ancestral já naquele contexto. Esta interpretação ancorava-se muito nas visões essencializadas e aculturadas das dimensões culturais como já destacamos aqui.

(5)

Após a chegada da Funai e o indispensável trabalho dos antropólogos e de setores importantes da Igreja Católica como o CIMI, as populações indígenas que durante muitos anos foram tratados como “aculturados” e caboclos, entraram num processo de auto afirmação da sua identidade e ancestralidade, elemento indispensável para o processo de regularização das terras indígenas. No entanto, a garantia das terras indígenas na constituição de 1988 não foi suficiente para efetivação desta demanda histórica, uma vez que além da organização das etnias era necessário enfrentar a constante burocratização que consistia não apenas em reconhecer o direito a terra, mas negociar estas terras com os fazendeiros.

Vale ressaltar que mesmo com o apoio das entidades indigenistas, que sem dúvida foram importantes para organização política, os indígenas de diferentes etnias aglutinados na UNI (União das Nações Indígenas), foram protagonistas de todas as conquistas que se estenderam pelos anos de 1980 a 2000. Conforme veremos no Jornal O Rio Branco durante os anos de 1990, algumas etnias saiam à frente das lideranças da FUNAI realizando o trabalho de demarcação das suas terras, que posteriormente foram homologadas como terras indígenas.

Decidida em uma assembleia geral que reuniu Kulinas e Kaxinawas, a autodemarcação foi uma forma que os indígenas encontraram de acelerar os processos de

(6)

regularização destas terras. Havia uma pressão por parte destes sujeitos, que se descobriram agentes políticos, capazes de se mobilizar e que ao mesmo tempo enfrentavam constantes ameaças de fazendeiros que esperavam por suas indenizações.

Vale ressaltar que estas populações quiseram e souberam fazer uso das técnicas do “mundo branco” sempre que necessário. O mesmo jornal informa que os Kulinas haviam recebido um treinamento sobre topografia promovido pela União das Nações Indígena do Acre, em convênio com entidades não governamentais, podendo ampliar seus conhecimentos geográficos, cartográficos, topográficos e fazendo uso de todas as técnicas possíveis para garantir o seu território. Lembrando que a autodemarcação foi uma estratégia utilizada por diferentes etnias ao longo dos últimos trinta anos.

Estes usos de leis e códigos do outro sempre representaram possibilidades para as populações indígenas em diversos momentos, como nos mostra Mello (2009) ao se referir as ações de índios com base na Lei da Liberdade dos índios promulgada pelas reformas pombalinas em 1755, onde os mesmos recorriam à junta do Grão-Pará e Maranhão para reivindicar suas liberdades, quando eram ilicitamente escravizados pelos colonos portugueses. As disputas que mobilizaram brancos e indígenas estenderam-se também pelo direito a memória. As comunidades começaram a se articular internamente com o objetivo de construir uma narrativa comum, pois, o movimento indígena logo compreendeu que a história estava em disputa, por isso a importância da memória dos velhos.

“Os índios mais velhos de cada região e de cada nação começaram a pensar juntos com suas comunidades. Assim nasceram as lideranças. Cada nação passou a ser representada em Rio Branco e em Brasília. O chefe de cada povo indígena começou a brigar pela demarcação de uma terra indígena para seu povo.” (Relato de Valdemir Kaxinawa- CPI).

A memória dos velhos foi indispensável para a organização da identidade indígena no Acre, especialmente no que se refere à cosmovisão e língua, já que foram impedidos de praticar sua cultura no tempo dos seringais. E na medida em que os grupos se fortaleceram, as conquistas também avançaram, pois o UNI/AC conseguiu aproximar diferentes grupos, como

(7)

as mulheres Huni Kuin da terra indígena do Caucho que foram aprender a língua e artesanato com os Huni Kuin da terra indígena do rio Tarauacá.

Eu estou tentando aprender a fazer algum artesanato. Estou aprendendo a tecer capanga, a fazer pulseira e também chapéu. Quem está me ensinando um pouco desta prática de artesanato é uma senhora que mora numa outra aldeia, chamada de Novo Futuro. Estamos também usando nossa cultura com as comidas, nossas danças, nossa medicina e todos os nossos costumes. Para isso, estamos pesquisando com as pessoas mais velhas para aprender sobre os nossos antepassados. (Fatima Domingos Kaxinawa- CPI)

As comunidades, pouco a pouco, especialmente devido ao empenho dos próprios agentes foram conseguindo a regularização de suas terras, fato que não encerrava as lutas políticas destas populações, que passaram a lutar por uma educação e saúde diferenciada, organização de associações e cooperativas, utilização de recursos A terra foi a pauta comum para que se expressassem como sujeitos históricos.

Não obstante, o movimento indígena na Amazônia Ocidental, na perspectiva de Souza e et.al (2010) passou da resistência a conciliação, pois, se historicamente os indígenas travaram intensas disputas com o Estado, a partir da eleição de um governo popular, com slogan de “governo da floresta”, esta situação se alterou significativamente, por meio da cooptação das lideranças indígenas e desmobilização do movimento. Esta talvez tenha sido a estratégia mais perversa de controlar, vigiar e desmobilizar o movimento indígena.

(8)

ACRE. Povos Indígenas no Acre. Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour. Rio Branco: FEM, 2010.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

AQUINO, Terri Valle; IGLESIAS, Marcelo Piedrafita. Kaxinawá do Rio Jordão: História,

Território, Economia e Desenvolvimento Sustentado. Rio Branco: Comissão Pró-Índio,

1992.

CALÁVIA SAEZ, Oscar. O Nome e o Tempo Yaminawa: etnologia e história dos

Yaminawa do rio Acre. São Paulo: Editora UNESP, 2006

DA CUNHA, Manuela Carneiro (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito na história. In: FENELON, Déa Ribeiro, et al (Orgs.) Muitas memória, outras histórias. São Paulo: Olho. MELLO, Marcia Eliane. A. S. Fé e Império: as juntas das missões nas conquistas

portuguesas, Manaus: UFAM, 2009.

SOUZA, Israel Pereira Dias; et. Al. Estado e Movimento Indígena na Amazônia

Ocidental: do conflito à conciliação? II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte 13 a 15 de setembro de 2010 -, Belém (PA)

FONTES

AQUINO, Terri Valle de. Entrevista concedida a Carlos Edgard de Deus e Marcelo Piedrafita Iglesias como parte do Projeto Memória dos Movimentos socioambientais do Acre, desenvolvido pela Biblioteca da Floresta do Estado do Acre. Rio Branco, Acre, 01 de julho de 2010.

Diário de Felizardo Cerqueira- Seringalista da região do Alto Taraucá.

IGLESIAS, Marcelo Piedrafita. Entrevista concedida a Carlos Edegard de Deus e Maria Rodrigues da Silva como parte do Projeto Memória dos Movimentos socioambientais do

(9)

Acre, desenvolvido pela Biblioteca da Floresta do Estado do Acre. Rio Branco, AC, 31 de agosto de 2010.

IKA MURU, Agostinho Manduca Mateus. UMA ISI KAYAWA: Livro da cura do povo

HuniKuin do Rio Jordão. Vários autores. Rio de Janeiro: CNCFlora/ JBRJ; Dantes Ed.

2014.

Estórias de Hoje e Antigamente. Comissão Pró-Índio do Acre, 1986. História Indígena: Comissão Pró- Índio do Acre, 1999.

Referências

Documentos relacionados

Camundongos (C57BL/6 e BALB/c) foram previamente infestados, uma única vez, por duas fêmeas adultas de Rhipicephalus sanguineus na pele dorso-torácica, por 7 a 10 dias e

[r]

As películas estudadas mostraram-se eficientes na conservação de mamão Havaí durante seis dias de armazenamento quanto aos resultados de acidez total titulável, perda de peso

Quanto às normas pessoais para interagir com os grupos branco e negro, era esperado que as crianças entre os 6 e 7 anos de idade, também por não terem consciência da norma

Os fatores referentes à internação cirúrgica do idoso, que apresentaram relação significativa de risco para mortalidade, incluem o tempo de internação total prolongado e

As instituições de educação superior responsáveis pela oferta dos cursos de Medicina e dos Programas de Residência Médica poderão firmar Contrato Organizativo da

Considerando que as propriedades de cozimento e textura são de grande importância para as características das massas, e que se objetiva menor tempo de cozimento, menor

Uma vez encerrado o prazo de 30 (trinta) sem manifestação do Usuário, o valor aportado em posse da IT.ART será repassado a algum outro Projeto da Plataforma, a ser decidido